Discurso durante a 16ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com o processo de involução por que passa o Brasil, como a corrupção, o aumento da violência e o retrocesso na área de ciência e tecnologia.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.:
  • Preocupação com o processo de involução por que passa o Brasil, como a corrupção, o aumento da violência e o retrocesso na área de ciência e tecnologia.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 02/03/2007 - Página 3527
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
Indexação
  • ANALISE, PERDA, BRASIL, PROCESSO, DESENVOLVIMENTO, INFERIORIDADE, CRESCIMENTO ECONOMICO, ACEITAÇÃO, POPULAÇÃO, FRUSTRAÇÃO, APREENSÃO, RETROCESSÃO, MANIPULAÇÃO, GOVERNO, DADOS, ESTATISTICA, SEMELHANÇA, PERIODO, REGIME MILITAR, GRAVIDADE, FALENCIA, INFRAESTRUTURA, AUMENTO, CORRUPÇÃO, DESEMPREGO, REDUÇÃO, INTERESSE, MOVIMENTO ESTUDANTIL, ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
  • DEFESA, RECUPERAÇÃO, DIRETRIZ, DESENVOLVIMENTO, AMBITO, RIQUEZAS, PAZ, IDONEIDADE, CIENCIA E TECNOLOGIA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, minha geração, como, provavelmente, a da quase totalidade daqueles que compõem esta Casa, nossa geração cresceu sob a égide do desenvolvimento. As gerações anteriores, não! As gerações até o ano de 1930 cresciam sob a égide da produção, das estradas, do telégrafo, mas não do desenvolvimento. Mesmo a partir do século XX, a partir de Getúlio Vargas, a geração cresceu sob a égide da produção, da industrialização, mas não do desenvolvimento.

A palavra desenvolvimento chega ao Brasil tardiamente, sobretudo com Juscelino Kubitschek. A palavra abolição, da mesma forma, demorou muito a chegar ao nosso vocabulário, Senador Gerson Camata.

Pois bem. Chego a esta idade nesta Casa e sinto que estamos caminhando para deixar para as futuras gerações não mais a palavra desenvolvimento, mas a palavra involução.

O Brasil é um País que saiu do franco processo de desenvolvimento para o nítido processo de involução, por exemplo, em relação ao crescimento econômico, como temos visto nos últimos anos. Já vem de bastante tempo uma taxa de crescimento que deixa o Brasil sucessivamente para trás em relação a outros Países.

Quando falamos em involução no cenário das Nações, não queremos dizer apenas que não crescemos, mas que crescemos menos do que os outros. Quando a minha geração se desenvolveu, acostumou-se com o contrário: o Brasil caminhar mais rapidamente que as outras Nações. Hoje o crescimento mostra que estamos sofrendo involução. A palavra crescimento mostra a nossa involução e o acomodamento que vemos ultimamente.

Cresci numa geração que tinha uma aventura adiante, que queria romper barreiras. O que vemos hoje? Vemos os governantes e muitas outras pessoas dizerem que pelo menos crescemos pouco mais de 2%. Não só estamos ficando para trás, Senador Paulo Paim, mas nos acostumando com isso. Há uma clara involução em ficarmos para trás.

Pior é que não é só acomodamento. Fala-se, nos jornais, que o Governo está preparando um novo índice de crescimento, e tememos que aí venha outro retrocesso, chamado manipulação de dados, que o Brasil já viu no passado.

Demos um salto no nosso processo evolutivo de acreditar nas palavras, nos dados; demos um salto ao descobrir estatísticas, indicadores e, de repente, corremos o risco de haver outra involução no sentido de ficar para trás na verdade, por conta de manipulação, que é capaz de mostrar que o Brasil cresceu mais do que na verdade cresceu.

Essa involução é muito triste. Mas não é só essa: vivemos um período de corrupção que não se viu em muitos outros momentos da história do Brasil. Nada significava mais desenvolvimento do que uma sociedade que não tivesse corrupção. É preciso resgatar o sentido da palavra desenvolvimento, com toda a sua grandeza de riqueza, de paz, de honestidade, de ciência e tecnologia.

Desenvolvimento era uma palavra mágica que compunha uma porção de objetivos que tínhamos, inclusive de não ter corrupção. Estamos involuindo no que se refere à corrupção. Criamos órgãos como os Ministérios Públicos, investimos na Justiça, implantamos a democracia, abolimos, sim - aí é preciso dizer: uma evolução -, a inflação, que é talvez a pior de todas as formas de corrupção, mas estamos involuindo outra vez com esse agravamento do quadro de corrupção.

Mas não é só isso. Quem não percebe que estamos sofrendo uma involução na infra-estrutura? A palavra “apagão” era inimaginável num País em processo de desenvolvimento. Hoje já nos acostumamos com o da energia, com as estradas depredadas e agora estamos nos acostumamos com o problema dos aeroportos.

Ou seja, Senador Gerson Camata, estamos involuindo. Não estamos caminhando como crescemos, a nossa geração de Senadores, em que a palavra “desenvolvimento” era a palavra mágica do nosso projeto de sociedade e de Nação. Estamos indo para trás, para não falar naquilo que mais percebemos hoje como símbolo da tragédia brasileira, que é a violência.

Desenvolvimento devia significar paz. Que paz temos hoje? Depois desses 50 anos em que a palavra “desenvolvimento” ganhou o imaginário da população brasileira e todos passaram a falar dela como se não apenas soubessem, mas sonhassem com ela, de repente, vivemos a tragédia da violência, prova de uma grande, sim, involução, de um retrocesso no nosso projeto de civilização, no nosso projeto de para onde queremos ir. Não é só essa involução. Há outras.

Comparado a outros Países, estamos indo para trás na área de ciência e tecnologia, Senador Mão Santa. Aí não basta dizer que o Brasil avança. É preciso dizer que avançamos muito menos. Quem imaginava, há 30 anos, em pleno desenvolvimento brasileiro, mesmo que sob um regime militar, que iríamos ficar para trás, por exemplo, do Irã, do Paquistão, da China, da Coréia, da Índia? Estamos hoje muito distantes deles do ponto de vista da ciência e da tecnologia.

Involuímos e estamos em franco processo de involução. Quando foi a última vez que tentamos lançar um foguete, que explodiu? Há quantos anos? Quantos anos mais teremos de esperar para o Brasil tentar dar um salto nesse setor fundamental em que Irã, China, Coréia, Paquistão, Índia já deram um salto? Estamos involuindo na ciência e na tecnologia.

Estamos involuindo radicalmente na educação. Volto a dizer: se compararmos o Brasil de hoje com o de 20 anos atrás, não estamos piores. Mas se compararmos o Brasil de hoje com os Países de 20 anos atrás e o Brasil de hoje com esses Países no dia de hoje, estamos não atrás, mas muito atrás, e pior: com uma velocidade menor do que a deles. Portanto, em 20 anos, estaremos mais atrás do que estamos hoje. Estamos involuindo, Sr. Presidente.

É essa a herança que vamos dar para os nossos filhos e netos? É essa a herança que nossa geração de Líderes nacionais, de políticos vai deixar, depois de termos recebido como herança, de Juscelino e de outros, o legado do desenvolvimento? Vamos entregar aos nossos meninos o legado do não desenvolvimento, do contrário do desenvolvimento, da involução?

Lembrem-se como era, na nossa geração de jovem, a chance de ter um emprego e comparem com a chance de os jovens de agora terem um emprego.

Isso é prova de involução. Nada indica melhor a evolução do que o jovem saber que vai ter uma vida melhor do que a dos seus pais. Estamos deixando aos jovens de hoje uma vida pior do que a que recebemos dos nossos pais - nós, os líderes deste País. Não estou pondo culpa no Presidente, nem no de hoje, nem nos anteriores; estou assumindo que somos os responsáveis.

Estamos deixando para o futuro um processo de involução. Aí os jovens estão se acostumando. Vejam a combatividade do jovem de hoje comparada com a combatividade de antes. Onde estará a UNE? Onde estará a Ubes? Onde estão os jovens que se pintavam para derrubar governos, que faziam passeatas, manifestações? Involuíram. Involuíram do ponto de vista dos seus sonhos e da disposição de lutar. Vamos reconhecer que temos culpa, nós, os políticos mais velhos deste País, porque involuímos.

Quando vocês lerem os discursos do Senado de 30 anos atrás e compararem com os discursos que fazemos hoje verão que involuímos.

Os debates, Senador Mão Santa, que havia naquela época entre os líderes do Congresso e os debates que existem hoje provam com clareza uma involução.

Não é preciso ir há 30 anos, não. O Senado publicou agora os discursos de Joaquim Nabuco na campanha de 1884 para Deputado em Pernambuco. Compare os discursos dele, Senador Paim, com os discursos que fazemos hoje.

Estamos em franco processo de involução. Precisamos saber que a palavra que estamos deixando hoje aos nossos filhos e netos para as próximas gerações não é a palavra desenvolvimento; é a palavra retrocesso, é a palavra involução. E isso é assustador, porque um País que herda a palavra involução no lugar da palavra avanço é um País condenado. Não pode continuar sem despertar para a realidade e trazer para o debate não apenas a superficialidade costumeira para enfrentar cada problema, como agora, no caso da violência. Estamos trazendo apenas a superficialidade para enfrentá-la. Em vez disso, está na hora de aprofundarmos e analisarmos o retrocesso no baixo crescimento, o retrocesso no acomodamento do Governo diante do fato, o retrocesso no risco da manipulação de dados, o retrocesso da corrupção, o retrocesso da violência, o retrocesso da ciência e tecnologia comparada com outros Países, o retrocesso na educação e o retrocesso no exercício do trabalho do Parlamento, pois, hoje, sinceramente, nosso trabalho não se compara, nos discursos e nas ações, com o de uma geração anterior à nossa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª me permite um aparte, Senador Cristovam Buarque?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Pois não, Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª citou Juscelino. Eu faria lembrar de Juscelino aquela mensagem: é melhor sermos otimistas. O otimista pode errar, o pessimista já nasce errado e continua errando. Mas V. Exª traz essa esperança. Este Senado, em educação, toda a História sabe: o nosso João Calmon, Darcy Ribeiro e V. Exª. V. Exª se iguala a Norberto Bobbio. Estou lendo aqui Norberto Bobbio porque V. Exª ainda não me deu seu último livro. Mas nem tudo está perdido. Pode gravar, lá no Piauí chamamos de esculhambação. No lugar de Ordem e Progresso, o que tem é violência, é falta de hierarquia, de respeito. É a incompetência. Um governo é como um banco, Senador Gerson Camata: tem quatro pernas que o sustentam. Ele está forte porque são quatro. A corrupção, segundo o velho Ulysses, é o cupim que destrói a democracia. Há desperdícios - o aerolula -, sonegação - os ricos estão chafurdando, não pagam impostos - e incompetência. Acabou-se a máquina administrativa construída por Getúlio no livro do Dasp. Era de Wagner Estelita o primeiro livro em que estudei chefia e administração, critérios de promoção. Agora não. Se é do PT, é promovido. E está aí essa hierarquia. De tal maneira que, há muito tempo, eu pensei que eles iam mudar a cor da bandeira de verde, amarela, azul e branca para vermelha. Mas não. Eles trocaram só o “Ordem e Progresso” por “Desordem e Regresso” na nossa bandeira.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Sr. Presidente, eu já havia praticamente concluído, mas para responder preciso de um minuto mais.

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao Senador Mão Santa, que me trouxe mais uma das involuções com a sua fala: a máquina do Estado. A eficiência da máquina do Estado também é mais um indicador da involução. Agradeço ao Senador Mão Santa por ter trazido mais esse indicador. V. Exª falou de otimismo e pessimismo e de um livro que eu não lhe dei. Eu não dei ainda o livro porque ele deve ser lançado em março. Com relação ao título do livro - lamento fazer propaganda, é ruim isso -, mostra que sou otimista.

O título do livro vai ser Sou Insensato, que é o título de um dos artigos que publiquei há algum tempo, na Folha de S.Paulo. Eu sou insensato porque ainda sou otimista. Eu sou insensato porque ainda acredito que vale a pena lutar para que o Brasil dobre essa curva e saia da involução que nós estamos vendo, outra vez, para o desenvolvimento.

Muito obrigado, Sr. Presidente, pela generosidade do tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/03/2007 - Página 3527