Discurso durante a 18ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre a história do Brasil relacionada aos diversos tipos de assaltos.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. EDUCAÇÃO. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Reflexões sobre a história do Brasil relacionada aos diversos tipos de assaltos.
Publicação
Publicação no DSF de 06/03/2007 - Página 3785
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. EDUCAÇÃO. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, BRASIL, ANALISE, TENTATIVA, GOVERNO, MANIPULAÇÃO, POPULAÇÃO, ACEITAÇÃO, SITUAÇÃO, PAIS, CRIAÇÃO, EXPECTATIVA, PROGRAMA POLITICO, POSSIBILIDADE, INSUCESSO, PROGRAMA, ACELERAÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, FUNDO DE DESENVOLVIMENTO, EDUCAÇÃO BASICA.
  • DEFESA, EQUIPARAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, ECONOMIA, PAIS INDUSTRIALIZADO, NECESSIDADE, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, LONGO PRAZO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, GARANTIA, PROGRESSO, CIENCIA E TECNOLOGIA, ESPECIFICAÇÃO, PREPARAÇÃO, JUVENTUDE, INGRESSO, UNIVERSIDADE, APROVEITAMENTO, CAPACIDADE, ALUNO, CONTRIBUIÇÃO, CRESCIMENTO, BRASIL, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • DEBATE, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, PAIS, APOIO, REDUÇÃO, LIMITE DE IDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, APERFEIÇOAMENTO, SOLUÇÃO, MELHORIA, EDUCAÇÃO, REGISTRO, INEFICACIA, PLEBISCITO, VENDA, ARMA, OBJETIVO, CRIME.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma das palavras mais citadas, nos últimos meses, nesta Casa, foi “assalto”. Assalto de todos os tipos, mas sempre assaltos de uma pessoa contra outra, assaltos de bandidos contra cidadãos.

Creio que precisamos fazer uma reflexão. Ao mesmo tempo em que é preciso combater com dureza os bandidos que cometem esses assaltos, temos que fazer uma reflexão, Senador César Borges, sobre a história do Brasil relacionada com os assaltos. Vamos falar com franqueza. A chegada dos portugueses aqui foi um grande assalto contra as populações indígenas. Ou não foi? Chegaram aqui sem pedir licença, começaram a entrar e tomaram conta do território brasileiro, que, à época, era um território de propriedade dos indígenas. Foi um assalto.

Depois disso, em 1530, não contentes, dividiram o Brasil em capitanias hereditárias. Foi ou não foi um assalto a criação das capitanias hereditárias? Sem consultar nenhum dos que ali moravam. Foi um assalto não com revólver, mas com outros tipos de armas que puderam usar contra nossos indígenas.

Mas o assalto não parou por aí. Durante 400 anos assaltamos a África. Não assaltamos para tirar a bolsa e o dinheiro, mas assaltamos, Senador Tião Viana, para tirar as pessoas. Fomos, durante 400 anos, assaltantes do continente africano. Seqüestrávamos.

Um seqüestro em que nem resgate pedíamos. Um seqüestro em que se mantinha seqüestrado o filho, o neto e o bisneto do seqüestrado africano. Este é um país de assaltos e seqüestros.

Nós não paramos aí! A inflação, que durante longos anos serviu para financiar o desenvolvimento, é uma forma de assalto. O Governo emite moeda dando um cheque sem fundo, porque não tem valor. Isso é assalto! Assaltavam-se os bolsos dos cidadãos a partir de atos irresponsáveis de sucessivos governos. Um assalto tão maquiavélico que inventaram uma tal de correção monetária para proteger aqueles que podiam fazer investimentos protegidos. É como se houvesse condomínios monetários para evitar o seqüestro do dinheiro - que era feito da população assalariada.

E hoje? Será que 40% de imposto indo para o Governo, Senador César Borges, não é uma forma de assalto? Não o seria se, de volta, esse dinheiro trouxesse o bem-estar da população; se na volta esse dinheiro garantisse uma sociedade com saúde, com educação de qualidade, sem violência. Mas o que vemos é esse dinheiro ser sugado - como um assalto, como um seqüestro -, e ninguém vê o resultado de volta desse dinheiro. Isso é sim uma forma de assalto!

No Brasil nós temos uma história de assaltos. E hoje - o que é pior - vemos um assalto maior que todos: assaltaram a mente do Brasil. Assaltaram e seqüestraram de tal maneira que não conseguimos pensar as coisas da maneira como elas são, mas, sim, da maneira como tentam nos mostrar, com o desvio que fazem para nos enganar. A cada dia se propõe algo que vai nos enganar.

O Governo Federal tem dito que vai fazer uma revolução na Educação graças ao Fundeb. Seqüestrou a mente de milhões de pessoas que estão acreditando nisso! É ruim o Fundeb? Não. É melhor com ele que sem ele. Mas não vai resolver o problema, porque são poucos os valores que vão investir e porque não é uma questão apenas e, sobretudo, de dinheiro o problema educacional; é uma questão de fazer funcionar um sistema nacionalmente, e não dividido em cada Município com as suas regras, com o seu comportamento e as suas limitações de recursos.

Mas não é só o Fundeb. O PAC é uma forma de seqüestrar a mente brasileira. Querer dizer que esse Programa de Crescimento... Primeiro, vai trazer crescimento? Ninguém pode garantir isso! Hoje, o crescimento do País depende da sua infra-estrutura, mas depende da Bolsa de Valores de Xangai, depende da capacidade de compra dos Estados Unidos, depende das relações dos países, atualmente, da Comunidade Econômica Européia com outros que venham a se associar a ela, e que nos deixariam fora do mercado... É um seqüestro da nossa mente querer dizer que um programa nacional de crescimento econômico vai permitir uma taxa de crescimento de 4%, 5%, 10% ou o que seja... Seqüestraram nossa mente!

A redução da Maioridade Penal também está sendo feita de uma forma que está seqüestrando a mente do Brasil ao dizerem que esta é a solução para reduzir a criminalidade. Eu até creio que essa seja a solução para punir criminosos.

Aí é uma questão lógica. Podemos discordar por razões éticas, mas não se pode dizer que não é lógico punir reduzindo a Maioridade. No entanto, dizer que a criminalidade será reduzida é querer manipular a opinião pública. Atualmente, para os jovens que estão cometendo esses crimes, a cadeia é uma proteção, Senador. Estar na cadeia é estar protegido. Vivem mais se ficarem presos do que se ficarem soltos. A pena de morte não significa nada para essa quantidade de jovens que hoje está na criminalidade depois de um abandono sistemático de longos e longos anos, durante a infância e a adolescência.

Estamos trabalhando com base em um sistema que não traduz o que a realidade nos mostra, e talvez esse seja o pior dos nossos problemas, talvez esse seja o pior dos nossos assaltos: o assalto à mente brasileira.

Pergunto-me quando nós teremos tempo, quando teremos vontade, nesta Casa, de tentar cair na realidade, Senador Tião Viana. Quando é que vamos querer sair dessa fantasmagoria que tomou conta do pensamento brasileiro, que faz com que se trabalhe, defina e tente construir com base em ilusões. E cada vez que se realiza algo, pouco tempo depois se descobre que não deu. As pessoas estão se esquecendo do plebiscito para permitir a venda de armas. Faz dois anos que se prometeu que a violência diminuiria se cada um de nós pudesse ter o seu revólver. Diminuiu? Aumentou! Temos trabalhado como se pequenos gestos fossem capazes de dar resposta aos grandes problemas brasileiros. Precisa-se desses pequenos gestos? Muito bem, precisa-se do Fundeb, mas ele não vai mudar a educação. É preciso tratar o problema da criminalidade cometida por menores? Sim, e não se pode adiar. É preciso construir mais cadeias? Sim, e não se pode adiar. São formas paliativas para se enfrentar o momento que vivemos, o momento dramático de um verdadeiro terremoto social que sofremos, mas a construção posterior ao terremoto não estamos discutindo, não nos estamos aprofundando na questão.

O Presidente desta Casa, Senador Renan Calheiros, no dia da sua posse, da sua eleição para o segundo mandato, disse que ia fazer com que o Senado tivesse uma agenda própria e que essa agenda fosse algo que procurasse mexer nas estruturas da sociedade brasileira, que tentasse lubrificar as engrenagens da sociedade brasileira que estão enferrujadas e que não ficaria apenas preocupado com a podridão que existe na superfície. Tem de colocar muita creolina para combater a podridão que está na superfície; é preciso muita creolina para acabar com a bandidagem; é preciso creolina para acabar com a corrupção. Mas para resolver os problemas é preciso lubrificar as engrenagens, é preciso além dos problemas da superfície, por mais podres que estejam. E esses problemas de engrenagem malfeita têm a ver com crescimento econômico, têm a ver com educação, têm a ver com ciência e tecnologia, têm a ver com a crise ambiental que atravessamos, têm a ver com aspectos da realidade, aspectos da história e não com aspectos da superficialidade momentânea da conjuntura.

Não sei quando vamos descobrir isso ou quando vou perceber que, talvez, eu esteja completamente errado; que as engrenagens estão funcionando bem e que é apenas uma questão de pôr um pouco de creolina na superfície podre. Não sei quanto tempo vai levar para que descubramos onde está o nó da questão a ser analisado, a ser desfeito para que o País possa voltar a crescer. Onde vamos cortar as amarras que nos impedem de avançar, seja no caminho de uma sociedade menos desigual, seja no caminho de uma sociedade mais desenvolvida em relação aos outros países? Enquanto discutimos a superficialidade, o País está ficando para trás, Senador Tião Viana. Está ficando para trás com a taxa de crescimento abaixo de dois quando os outros países estão acima de cinco. Isso, em dez anos, significará uma diferença brutal em relação aos países que hoje estão iguais a nós. Ficaremos atrás. Significará uma diferença grande em relação aos países que estão um pouco à nossa frente. Significará uma diferença em relação aos países que hoje estão atrás de nós, Senador Antonio Carlos Magalhães, mas que vão ficar na nossa frente, muito em breve, no que se refere à economia.

Mas não é só a economia. Não há mais futuro para a economia sem ciência e tecnologia. É claro que estamos atrás em ciência e tecnologia em relação aos outros países. Sem dúvida alguma, temos ilhas de excelência, apesar de tudo, e não são poucas, mas, no conjunto, não estamos nem chegando perto dos países que estão fazendo as suas revoluções tecnológicas, por uma razão: há dez, vinte, trinta anos, eles fizeram suas revoluções educacionais, o que é a base da ciência.

Agora o Presidente decidiu lançar o PAC da economia. Primeiro, deveria ser a revolução da economia e não o PAC da economia.

Mas, pelos primeiros sinais que vemos, parece que vai cuidar muito mais de ensino superior do que de educação de base. Mais uma vez, o pragmatismo determinando o rumo, o imediatismo determinando, ou querendo determinar, o futuro, porque atender às universidades é querer atender ao imediato dos que têm sindicato, dos que têm força, dos que usam gravata, dos que calçam sapatos e entram aqui como lobistas para nos pressionarem, legitimamente. Mas esvaziará. Essa idéia de aumentar vagas para as universidades antes de aumentar o número de alunos concluindo ensino médio é uma tragédia para o País, embora seja uma maravilha para as camadas melhores e que têm mais influência no País.

Já estamos chegando ao ponto em que qualquer aluno que terminar o ensino médio terá direito a uma vaga na universidade. Há pessoas que vão comemorar, sem perceber que haverá essas vagas disponíveis para todos os alunos que terminarem o ensino médio porque 67 não terminaram o ensino médio, ou seja, 67 são excluídos. Agora, dos 37 nós vamos cuidar. Não vai dar certo, até porque esses 37 não são os mais brilhantes deste País, porque, certamente, haveria gênios maiores entre os 67.

Pergunto-me quantos de nós teriam passado no vestibular se todos os meninos tivessem a mesma educação que tivemos desde a primeira série primária. Será que teríamos passado, ou será que surgiriam gênios que nos deixariam para trás?

Não estamos trabalhando os problemas essenciais, Senador Tião Viana. Quando digo nós, não me estou referindo apenas ao Governo, mas ao Governo, ao Senado Federal, à Câmara dos Deputados, à opinião pública, à mídia, a todos nós. Nós todos caímos numa lógica artificial, fruto do assalto que fizeram à mente brasileira há algumas décadas, resultado da história de um país assaltante, assaltante de índios, de negros, de escravos, assaltante de dinheiro do povo, assaltante pela inflação, assaltante pelos impostos, assaltante pelos subsídios dados a setores que não trariam vantagens. Um país de assaltos, que se surpreende com a criminalidade que está aí.

Talvez a surpresa maior seja como demorou tanto tempo para se ter um quadro dramático de criminalidade no Brasil. É surpreendente que tenha sido preciso chegar ao século XXI para se ter essa criminalidade tão grande, porque, pela lógica da formação do Brasil nesses 500 anos, essa violência deveria ter começado com os tupinambás, lá atrás, quando eles se revoltassem contra os assaltos feitos pelos descobridores. Ela deveria ter começado lá atrás, Senador Eurípedes, pelos escravos, quando eles se revoltassem contra o assalto que era feito contra eles. Teria que ter começado lá atrás, na África revoltada contra os seqüestradores traficantes de escravos que ali chegavam e seqüestravam, sem pedir resgate, gerações. Não seqüestravam um, mas todas as gerações futuras. E assim o fizeram durante 400 anos. Seqüestravam um, mas, com este, toda sua descendência estava seqüestrada, até que, em 1888, isso foi proibido.

É um país de assaltos, um país que terá de enfrentar os assaltos. Só há um jeito: “dessequestrar”, libertar a mente, para que pensemos as coisas concretas, e não as superficialidades. Que procuremos lubrificar as engrenagens deste País, e não apenas jogar creolina na podridão da superfície.

Essa engrenagem só pode ser lubrificada pelo pensamento, e o pensamento vem da educação. É de uma revolução que o Brasil precisa, uma revolução educacional.

Não vai haver solução por pequenas medidas, como alterar a maioridade penal, mesmo que a alteração seja justificada em função da vingança, da punição ou até mesmo da proteção que se busca com a prisão de alguns desses menores por mais tempo, para que eles não saiam cometendo novos crimes, ao que não sou contrário.

Agora, o que não podemos é imaginar que isso vai resolver o problema da criminalidade. Sabe V. Exª, Sr. Presidente, que alguns desses menores consideram uma honra a condenação maior? Eles consideram uma condecoração terem de cumprir dez anos em vez de cinco, porque isso significa mais prestígio na comunidade onde vivem, significa que são mais homens do que os outros!

Podemos estar cometendo um grande erro com essa idéia da redução da maioridade penal. Mas o maior erro não é esse, e sim não perceber que o problema é outro: a idade com que se entra na escola, a idade com que se sai da escola, a qualidade durante o período em que se estuda.

Estamos querendo resolver como fazer cadeias mais seguras, em vez de fazer escolas com maior qualidade. Estamos pervertidos do ponto de vista mental! Nossa mente foi seqüestrada, como, neste País, quase tudo o foi.

É hora de despertar ou de caminharmos como sonâmbulos para o abismo!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/03/2007 - Página 3785