Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Protesto diante da pouca relevância atribuída ao chamado "PAC da Educação".

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Protesto diante da pouca relevância atribuída ao chamado "PAC da Educação".
Aparteantes
Adelmir Santana.
Publicação
Publicação no DSF de 07/03/2007 - Página 4066
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, LANÇAMENTO, GOVERNO, PROGRAMA, ACELERAÇÃO, CRESCIMENTO, EDUCAÇÃO, DIFERENÇA, TRATAMENTO, IMPRENSA, ASSUNTO, COMPARAÇÃO, ECONOMIA, DEMONSTRAÇÃO, FALTA, INTERESSE, OPINIÃO PUBLICA.
  • ANALISE, INSUFICIENCIA, PROPOSTA, INCENTIVO, EDUCAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, CONCESSÃO, PREMIO, RECURSOS, TRABALHO, PREFEITO, OMISSÃO, CRIANÇA, VITIMA, MA-FE, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, EXPECTATIVA, DETALHAMENTO, GOVERNO FEDERAL.
  • DEFESA, CRIAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PUNIÇÃO, PREFEITO, GOVERNADOR, DESCUMPRIMENTO, RESPONSABILIDADE, EDUCAÇÃO, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, PROVIDENCIA, SEMELHANÇA, REVOLUÇÃO, IMPORTANCIA, PADRONIZAÇÃO, QUALIDADE, ENSINO, DESCENTRALIZAÇÃO, GESTÃO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Deputado Paulinho, que muito nos orgulha com sua presença, ontem, o Governo apresentou o projeto chamado ”PAC da Educação”, cujos detalhes ainda não conhecemos, mas já podemos analisar alguns pontos.

Mas, antes de entrar nesse aspecto, falarei sobre a dimensão alcançada pela notícia na mídia, Senador Sibá Machado. Quando foi apresentado o “PAC da Economia”, o Correio Braziliense dedicou oito páginas ao tema, além da manchete principal; O Estado de S. Paulo, seis páginas, além da manchete principal; a Folha de S.Paulo teve uma média de sete páginas, a partir daí, nos dias seguintes, e mais a manchete principal; o jornal O Globo dedicou uma média de nove páginas para o “PAC da Economia” e a manchete principal.

Ontem, foi lançado o “PAC da Educação”. Nenhum dos grandes jornais colocou a notícia como manchete. Nenhum. O Estadão deu uma pequena chamada na primeira página, e todos os outros jornais deram, no máximo, meia página ou uma página sobre o assunto. Isso mostra como a educação, de fato, não sensibiliza a opinião pública, não sensibiliza a mídia.

A pergunta é se essa pouca informação a respeito é fruto de o PAC da Educação ser imperfeito ou se a imperfeição está na maneira como a mídia trata o assunto. Eu acho que as duas coisas. Por um lado, a educação não é importante no imaginário, na cabeça, na maneira de pensar de nós, brasileiros, como é a economia. A economia é, sim, um setor que sensibiliza, que toca, que motiva. A educação, não. A mídia reflete apenas esse sentimento, essa cultura do Brasil de achar que educação não é algo importante. Até mesmo quando alguém dá importância à educação, em geral não o faz por ela, mas porque ela ajuda a ganhar um pouco mais de salário depois de terminado o curso. A mídia apenas reflete isso.

Mas, além disso, o que a gente percebe, pelo pouco que saiu nos jornais a respeito da proposta, é a sua insuficiência. Não se pensou a revolução educacional de que o Brasil precisa. E uma prova disso, Senador Sibá, é que hoje o Presidente da República se reuniu com os Governadores. Sua Excelência falou com estes sobre educação? Não. Falou do Fundeb, mas no que diz respeito à questão dos recursos, do dinheiro. Falou com os Governadores do problema do dinheiro e não da educação. Haveria oportunidade melhor do que hoje para chamar esses vinte e sete Governadores a trabalharem a revolução educacional? E, provavelmente, não haverá, neste ano, outra reunião como esta, especialmente porque se deu no dia seguinte ao anúncio pelo Governo de que daria início a um “PAC da Educação”. Aliás, acho absurdo chamar Programa de Aceleração do Crescimento Educação, ou seja, pegando carona na economia é que a educação entra. Senador Santana, a educação não tem como entrar por si só; ela entra pegando carona na economia. Daí por que o PAC Educação.

Agora, analisemos algumas das coisas que já apareceram. Por exemplo: incentivo ao Prefeito, dando-lhe mais dinheiro, se ele for bom na educação de suas crianças. Parece uma maravilha. É uma maravilha prestigiar esses Prefeitos, mas quem vai cuidar das crianças de cidades onde os Prefeitos não fazem bons trabalhos com educação? A gente esquece, porque não se trabalha com foco na criança, mas no Prefeito, no Governador, no Estado, na máquina. Quem mais precisa de dinheiro é a criança da cidade cujo Prefeito não gosta de educação. Agora, não podemos dar dinheiro a um Prefeito para que ele o jogue fora. Tirem o Prefeito! Aí se pergunta: Como é que se tira um Prefeito? Tira-se o Prefeito que não cumprir com os objetivos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Não se pode tirar Prefeito caso ele não cumpra com uma lei de responsabilidade educacional, que não existe ainda?

Nós não tínhamos de apoiar os bons Prefeitos, deixando de cuidar das crianças em cujas cidades haja maus Prefeitos. Não! Precisamos ter um programa - chama-se “PAC Revolução” - para as 164 mil escolas do Brasil, para as 48 milhões de crianças em idade escolar no Brasil, para as 5.561 cidades do Brasil, para os 2,5 milhões de professores. Não pode aplicar-se apenas para algumas cidades!

E é aí que peca o projeto que vem, cujos detalhes não se conhece ainda, porque continua deixando a educação de base como algo do Prefeito e do Governador: o Prefeito com o ensino fundamental e o Governador com o ensino médio. Ainda não veio a força do vigor transformador do Governo nacional cuidando das nossas crianças como brasileiras e não apenas como munícipes.

Criança, quando nasce no Brasil, é brasileira; não é recifense ou carioca; é brasileira e tem de ser tratada como tal. Por isso, o Governo Federal tem de dar toda a atenção ao assunto, em todas as cidades do Brasil.

Mas o que vem aí é a idéia de cuidar, apoiando os Prefeitos que trabalharem bem, abandonando as crianças onde os Prefeitos não trabalham bem.

Falta uma lei de responsabilidade educacional que obrigue a todos a cumprirem as metas. Não vemos isso no Governo. E a prova é que, hoje de manhã, na Comissão de Educação, vimos um projeto de lei, que cria a regra da responsabilidade educacional, ser retirado de pauta por um Senador que dizia fazer aquilo a pedido do Governo.

Por que não deixar que seja aprovado um projeto de lei, com parecer favorável do Senador Mão Santa? A reunião tinha um quórum altíssimo, onde todos estavam a favor da matéria, um projeto que previa garantir atendimento médico e odontológico às crianças na escola, que garantia regras de responsabilidade fiscal. Leio aqui como está: “Art. 5º. A oferta irregular da educação escolar pública [...] implica as sanções previstas na legislação vigente”. Sanções sobre o Prefeito ou o Governador.

E foi retirado de pauta o projeto. Ali há um artigo que prevê a licença sabática para o professor da educação de base. O professor da educação de base trabalha 25 anos, 30 anos sem direito a licença, só às férias comuns. Os professores das universidades têm direito ao recesso sabático, que não é uma licença para vagabundear, mas para estudar. Não é sinônimo de férias. Por que retirar esse projeto que dava licença sabática aos professores da educação de base? Por que retirar um projeto que cria um sistema de avaliação da escola? Qual é a razão disso? Só há uma: é que, de fato, todas as propostas relacionadas à educação são - para não dizer que é jogada de marketing - pequenininhas, tênues, incapazes de fazer a revolução de que precisamos.

Falemos do dinheiro, que acho que não é o fundamental. O Governo está se vangloriando por, com este PAC da educação, alocar R$8 bilhões no setor em quatro anos. São R$2 bilhões por ano. Senador Santana, gastam-se atualmente R$60 bilhões com a educação de base. O que vai mudar colocando-se dois a mais? O que vai mudar, Senador César, com dois a mais? E se faz isso como se fosse uma grande transformação, como se fosse a véspera de uma revolução. Não há revolução. Não há revolução no PAC da economia, mas pelo menos estão colocando R$500 bilhões; na educação, apenas R$8 bilhões. E se faz um carnaval!

Não é uma questão de dinheiro, é sobretudo uma questão de regras que permitam funcionar um sistema nacional de educação. E não me digam que eu falo de concentração. Não! Sou radical defensor da descentralização gerencial. Falo da padronização nacional da qualidade escolar. Defendo que haja escola pública que nem pertença ao Governo, que seja dos pais e dos professores ou até mesmo de algum cidadão ou cidadã que quer pôr uma escola a serviço público, sendo dele ou dela a escola, e o Governo pague aos alunos para que estudem nessa escola particular, cumprindo regras nacionais.

Então, não defendo centralização; ao contrário, defendo radical descentralização, mas com padronização nacional de todas as 164 mil escolas do Brasil. Isso é federalização da educação, e não vemos, Senador Sibá, como intenção na mudança.

O Sr. Adelmir Santana (PFL - DF) - Senador Cristovam, V. Exª me permite um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador Santana, com muito prazer, concedo-lhe um aparte.

O Sr. Adelmir Santana (PFL - DF) - Aparteio V. Exª para me solidarizar com essa sua campanha pela educação, que é um verdadeiro sacerdócio. Quero associar-me a ela. Na verdade, temos uma dívida social na área da educação muito grande. Seria desejável que todas as crianças chegassem a, pelo menos, oito anos de escola; porém, o que se percebe é a dificuldade de os governos entenderem essa missão. E V. Exª tem desempenhado essa missão, no Senado e fora daqui, com muita galhardia. Quero, sinceramente, associar-me a essa luta e dizer a V. Exª que o PAC da economia, na verdade, é um programa em que - e muitas coisas já se disse aqui a respeito -, desses R$504 bilhões, alguns desses recursos estariam naturalmente alocados, porque eles estão vinculados a decisões empresariais - empresas estatais, é verdade. Por outro lado, esperam-se R$200 bilhões da iniciativa privada. Entretanto, esses recursos estão na iminência de não serem disponibilizados, levando-se em conta a insegurança jurídica, a falta de marcos regulatórios, a falta de valorização das agências reguladoras. Também na área de educação, certamente, esse programa, que ainda não conhecemos em profundidade, faz parte de um processo, eu diria, muito mais publicitário do que de preocupação efetiva com a educação brasileira. Associo-me ao discurso de V. Exª. Lamento profundamente o fato de os nossos governantes ainda não terem compreendido o que significa a educação no processo de desenvolvimento do País. Associo-me a V. Exª nessa luta em favor da educação, pois compreendo a sua angústia em considerar a educação como questão de plano de desenvolvimento. A educação é a base efetiva de tudo, mas tem de ser considerada como política de todos os governantes, e isso ainda não foi compreendido. Muito obrigado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Muito obrigado, Senador.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Peço apenas dois minutos mais, Sr. Presidente.

Quero agradecer-lhe por chamar a minha luta de “sacerdócio”, mas não mereço. Lembro Joaquim Nabuco, quando lhe disseram, um dia, que era um sacerdócio a sua luta contra a escravidão, Senador Paim. Ele retrucou: “Não é sacerdócio; é vergonha de viver num país com escravidão”. No meu caso, não é sacerdócio, é desespero, porque, se não fizermos essa revolução agora, não poderemos mais fazê-la nos próximos dez ou vinte anos. Ficaremos para trás, perdidos, tanto pelo muro do atraso em relação aos outros países quanto pelo muro da desigualdade, que nos separa aqui dentro, provocada não pela economia, mas pela falta de educação.

Os socialistas do passado disseram que era a economia que impedia a igualdade. Falso. É a deseducação que impede caminhar para a igualdade.

É desespero, Senador Santana, muito mais do que sacerdócio! Agradeço-lhe a adjetivação dada ao meu trabalho.

Sr. Presidente, quero concluir dizendo o seguinte: vamos esperar para ver como virá um programa para educação, que começa com a sigla PAC, para entrarmos em mais detalhes analíticos, críticos - ou elogiosos. Todavia, pelo que vimos, dá uma angústia, pela pouca importância dada pela mídia, que reflete a opinião pública, ao assunto educação, quando comparado à economia; pela pouca importância que o Governo dá à educação, quando comparada à economia, pela pequenez que está parecendo ter esse projeto, que vem com a proposta de ser a redenção da educação brasileira. Vamos esperar. Que Deus ajude no sentido de que o que virá seja melhor do que o que apareceu no dia de hoje!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/03/2007 - Página 4066