Discurso durante a 22ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre a aplicação e implementação da Lei 10.257/2001, o Estatuto das Cidades.

Autor
João Vicente Claudino (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/PI)
Nome completo: João Vicente de Macêdo Claudino
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.:
  • Reflexões sobre a aplicação e implementação da Lei 10.257/2001, o Estatuto das Cidades.
Aparteantes
Garibaldi Alves Filho, Leomar Quintanilha.
Publicação
Publicação no DSF de 09/03/2007 - Página 4740
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, PREFEITO, MUNICIPIOS, ESTADO DO PIAUI (PI), SITUAÇÃO, CIDADE, FALTA, INFRAESTRUTURA, INEFICACIA, PLANEJAMENTO URBANO, REGISTRO, OBRA LITERARIA, DEBATE, ASSUNTO.
  • ANALISE, CRIAÇÃO, ESTATUTO, CIDADE, APLICAÇÃO, POLITICA NACIONAL, DESENVOLVIMENTO URBANO, ORIENTAÇÃO, PODER PUBLICO, INICIATIVA PRIVADA, CONSTRUÇÃO, PERIMETRO URBANO, GARANTIA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, DEFINIÇÃO, MUNICIPIOS, SUPERIORIDADE, HABITAÇÃO, OBRIGAÇÃO, APROVAÇÃO, PLANO DIRETOR, IMPORTANCIA, INTEGRAÇÃO, PLANO, ESTADOS, UNIÃO FEDERAL.
  • COMENTARIO, COMPETENCIA, PLANO DIRETOR, MUNICIPIOS, COORDENAÇÃO, CRESCIMENTO, NUCLEO URBANO, PLANEJAMENTO, TRANSPORTE, HABITAÇÃO, SERVIÇOS PUBLICOS, DESENVOLVIMENTO URBANO.
  • CRITICA, OMISSÃO, ESTATUTO, CIDADE, DEFINIÇÃO, FONTE, FINANCIAMENTO, ELABORAÇÃO, PLANO DIRETOR, DESAPROVAÇÃO, BUROCRACIA, BANCO OFICIAL, EXCESSO, JUROS, COMPROMETIMENTO, DIVIDA, MUNICIPIOS, OFENSA, LEGISLAÇÃO, RESPONSABILIDADE, NATUREZA FISCAL, INJUSTIÇA, IMPUTAÇÃO, PREFEITO, CRIME DE RESPONSABILIDADE.
  • COMENTARIO, INICIATIVA, ENTIDADE, PREFEITO, ESTADO DO PIAUI (PI), ACORDO, CONVENIO, GOVERNO ESTADUAL, OBJETIVO, CRIAÇÃO, FUNDOS, PLANO DIRETOR, EXPECTATIVA, REPASSE, GOVERNO FEDERAL, RECURSOS, CIDADE, SOLICITAÇÃO, AUTORIZAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, SUBCOMISSÃO, ASSUNTO, MUNICIPIOS.

O SR. JOÃO VICENTE CLAUDINO (Bloco/PTB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sei que os temas mais debatidos nesta Casa neste último período, o que é natural, são a segurança pública e o PAC, mas o tema que trago hoje é uma inquietante preocupação de prefeitos do Piauí - e acredito que de outros Estados - e reside na aplicação da Lei nº 10.257, de 2001, o Estatuto das Cidades, que traz no seu cerne a base da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. Porém, anterior a toda e qualquer consideração, teceremos algumas reflexões.

O crescimento de qualquer organismo social é, por certo, uma conseqüência natural do desenvolvimento, e o Brasil participa deste momento. Hoje, somos uma composição de 5.564 Municípios das mais diferentes e diversificadas estruturas, que absorvem para si a responsabilidade de manter a ordem, o desenvolvimento e o progresso de sua gente.

O Brasil, no esteio desse ciclo de desenvolvimento de suas cidades, passou, em 50 anos, de pouco mais de 35% da população residente nas cidades para mais de 80% abrigando-se em áreas urbanas, conforme dados do IBGE de 2000.

Sr. Presidente, com o inchaço cada vez maior das cidades, seja do interior, seja das capitais, as conseqüências diretas são cidades desestruturadas e estagnadas por não existirem condições para que os Municípios conduzam a sua missão junto às suas populações.

O principal problema relativo à urbanização vem a ser o controle que viabilizará um crescimento planejado. Thomas Hobbes, pensador inglês, em seu clássico Leviatã, escrito por volta de 1650, já expressava sua preocupação com o crescimento desordenado das cidades, com a afirmação que “a debilidade da república é a grandeza imoderada de uma cidade, (...) são como que muitas repúblicas menores nas entranhas de uma maior, como vermes nas entranhas do homem natural”.

Com o correr do tempo, entramos na Idade Contemporânea com o problema levantado na Idade Moderna por Hobbes, e sem combatê-lo de frente.

Registro que apenas com a promulgação da Constituição de 1988, nos arts. 182 e 183, o tema veio a ser abordado no nível que merece, após longa luta do eminente Senador Pompeu de Souza.

Após 13 anos da promulgação da Constituição, na tentativa de resolver o problema da questão urbana, foi aprovado o Estatuto das Cidades, incluído aí o Plano Diretor como o instrumento básico da política de desenvolvimento urbano do Município, com a finalidade de orientar a atuação do Poder Público e da iniciativa privada na construção dos espaços urbanos, visando assegurar melhores condições de vida para a população.

Srªs e Srs. Senadores, a Constituição de 1988 determinou e o Estatuto das Cidades reforçou a diretriz que todos os Municípios com mais de 20 mil habitantes ou que fossem integrantes de regiões metropolitanas e aglomerados urbanos, somando 1.682 Municípios no ano de 2000, estavam obrigados a aprovar os seus Planos Diretores até 2006.

Vale anotar que o Plano Diretor não é obrigatório apenas aos Municípios com mais de 20 mil habitantes; ele também se impõe a todos os outros, pois com o correr do tempo estaremos com duas categorias de Municípios entre tantas outras: os com e os sem Plano Diretor. E disso resultará um critério para a alocação de recursos.

Também destacamos que o interesse não é só dos Municípios, mas dos Estados e da União, na medida em que o conjunto dos Planos Diretores Municipais integrará o Plano Diretor do Estado; e os respectivos Planos Diretores Estaduais desaguarão no Plano Diretor da União, em uma verdadeira integração dos entes federados, a fim de alcançarmos um planejamento urbano integrado no Brasil.

O Plano Diretor do Município deve servir de farol para as cidades crescerem em harmonia, com planejamento e instrumentos para se dotarem de eixos de transporte, de padrões de moradia e de acesso aos serviços públicos para todo os segmentos da sociedade. Repito o que disse em meu primeiro discurso: não se consegue realizar o que não se planejou.

O Estatuto tem a virtude de contemplar o desenvolvimento equilibrado, em combate à idéia de “cidade” como meio comercial, sendo elevada a um espaço coletivo.

Entretanto, Sr. Presidente, o que era para ser o início da solução, tornou-se um novo problema a se resolver nos municípios. Apesar de ter sido discutido pelo Congresso Nacional, ter mobilizado todos os Municípios e suas entidades representativas, Governo Federal e outros parceiros desse trabalho, o Estatuto das Cidades omitiu-se no tocante às fontes de financiamento para a elaboração dos Planos Diretores Municipais. Embora existam formas de financiamento por meio dos bancos oficiais, as taxas de juros e a burocracia inviabilizam a contratação dos recursos, além de comprometer o endividamento dos Municípios, acarretando ofensa à Lei de Responsabilidade Fiscal, com a responsabilização pessoal dos prefeitos que não cumprirem a determinação, incorrendo no crime de responsabilidade.

O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - Senador João Claudino, V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOÃO VICENTE CLAUDINO (Bloco/PTB - PI) - Pois não, Senador.

O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - Nobre Senador, V. Exª aborda uma questão do maior relevo e da maior importância num País com pouco mais de 500 anos e com mais de cinco mil Municípios. Podemos assegurar que a grande maioria deles cresce desordenadamente, sem obedecer a um plano diretor, aqueles que o têm, porque, inclusive, muitos deles nem têm um plano diretor. Em que pese o esforço do Governo Federal para que os Municípios adotassem seu Plano Diretor, V. Exª afirma que muitos não conseguiram recursos financeiros para fazê-lo. Essa é a realidade da maioria dos Municípios brasileiros, que não têm fonte de renda própria, vivem em função do Fundo de Participação, e, em conseqüência, os prefeitos, de pires na mão, vêm atrás de merreca de recursos para atender às demandas de suas populações. Realmente, isso é uma tristeza! É preciso que se reveja o pacto federativo e as responsabilidades de cada um dos seus entes, quer da União, quer dos Estados, quer dos Municípios. Em nosso País, padecemos de macrocefalia, pois a União reserva para si grande parte do bolo dos recursos públicos; ficando, para os Estados, uma parte menor e, para os Municípios, uma parcela insignificante, não permitindo que os prefeitos atendam às demandas de seus munícipes. V. Exª, quando faz essas declarações oportunas nesta Casa, traz à tona, com muita propriedade, as dificuldades dos Municípios brasileiros - e sei que deve referir-se a vários Municípios de seu Estado. Gostaria de homenagear o Piauí, por meio de um dos importantes Municípios do Sul do Estado, Corrente. Antes de ingressar na atividade pública, de exercer mandato eletivo, representando o Banco do Brasil, tive a felicidade de servir naquela cidade. Esse foi um dos períodos muito bons e ricos da minha vida. Corrente padecia da ausência de poder, em razão da distância e das dificuldades de comunicação com a capital, Teresina, bem mais ao Norte. Exemplo exatamente igual é o que ocorria entre Araguaína e Goiânia, numa distância de mais de 1.100 km, culminando com a divisão territorial e a criação do Estado de Tocantins, o que permitiu aos Municípios do Norte buscarem suas alternativas, embora padeçam, ainda hoje, das mesmas dificuldades que V. Exª está mencionando. Isso porque não têm orientação, adequação e ajustamento técnico para o desenvolvimento urbano. Vejam que experimentamos, nos últimos 50 anos, um fenômeno social muito forte, o êxodo rural. As pessoas moravam no interior, no campo, e mudaram para as cidades. Os prefeitos ficaram com esse problema na mão e uma dificuldade maior em organizar o crescimento dos seus Municípios. Ouço-o com muita atenção e cumprimento V. Exª pela importância do tema que traz a esta Casa, nesta tarde.

O SR. JOÃO VICENTE CLAUDINO (Bloco/PTB - PI) - Senador Leomar Quintanilha, agradeço a V. Exª o aparte, que transmite com toda a clareza a realidade dos Municípios do Piauí e, com certeza, do Tocantins, Estados com realidades tão diferentes.

Em função de não disporem dos recursos para custear os planos, ainda que o Governo Federal tenha se proposto a colaborar com repasses de verbas orçamentárias, realizando-a de forma tímida, força os Municípios a produzir seus Planos Diretores a toque de caixa, muito mais para cumprir uma determinação legal do que para surtir os efeitos reais na vida dos munícipes.

Sr. Presidente, no nosso Estado do Piauí, infelizmente, a situação está complicada, não pela ineficiência dos prefeitos, de maneira alguma. Lá eles têm buscado soluções evidentemente. Inclusive, os Municípios do meu Estado, por meio da Associação dos Prefeitos Piauienses, representados pelo seu presidente Luís Coelho, Prefeito de Paulistana, firmaram, no último dia 13, convênio com o Governo do Estado para criar um fundo específico para o financiamento da elaboração do Plano Diretor dos Municípios. A dificuldade reside na questão financeira. No Piauí, nada menos que 45% dos Municípios com obrigatoriedade de confeccionar seus planos diretores estão atrasados e 21% sequer iniciaram.

A título de comparação, para que as Srªs Senadoras e os Srs. Senadores tenham a dimensão do grave problema que nos aflige, no Brasil, 60 Municípios não tomaram nenhuma providência para elaborar seus Planos Diretores. Somente no meu Estado do Piauí estão 10% desses Municípios.

Chamo atenção, Sr. Presidente, não para a essência do Estatuto das Cidades, que deve ser louvada pelo destaque à função social da propriedade urbana e o foco no desenvolvimento urbano sustentável. O cerne é o aparente conflito entre o que se quer e o que se consegue, no que reside a nossa decepção e motiva este pronunciamento. É uma questão difícil, não tenho dúvida.

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Gilvam Borges. PMDB - AP) - Senador João Claudino, embora o tempo de V. Exª esteja esgotado, a Mesa, compreendendo perfeitamente a importância de seu pronunciamento para o Estado do Piauí e para o Brasil, concede a V. Exª mais cinco minutos para que possa concluir.

O SR. JOÃO VICENTE CLAUDINO (Bloco/PTB - PI) - Obrigado pela complacência, Sr. Presidente.

Ressalto que estamos tratando apenas da fase de elaboração e desenvolvimento dos Planos Diretores e que o maior problema ainda está por vir, a fase de executar o que estará definido nos Planos Diretores.

Sr. Presidente, a dificuldade na elaboração dos Planos Diretores, principalmente por escassez de recursos, remete-nos à discussão do Pacto Federativo. O cidadão vive é no Município, e este arca com todos os ônus, sem o devido bônus de repasse de recursos financeiros pela União, com contingenciamentos e outras figuras orçamentárias que conhecemos. O corolário desse ciclo é a penúria dos Municípios lamentavelmente.

Por fim, não se pode deixar de solicitar, mais uma vez, que o Governo Federal incentive, com a alocação de mais recursos em apoio aos Municípios para a elaboração dos Planos Diretores Municipais, sobretudo para buscarmos a eficiência nos investimentos, para uma projeção de um ambiente de qualidade de vida e desenvolvimento nos nossos Municípios.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador?

O SR. JOÃO VICENTE CLAUDINO (Bloco/PTB - PI) - Pois não, Senador Garibaldi Alves Filho.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Senador João Claudino, estou ouvindo o discurso de V. Exª no que se refere à situação dos Municípios brasileiros. Não deixa de ser um tema recorrente nesta Casa. Sempre estamos batendo nessa tecla e tanto batemos - diz o ditado popular que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura” - que criamos aqui, por uma iniciativa do Presidente desta Casa, Senador Renan Calheiros, uma Subcomissão Permanente para tratar dos assuntos municipais, Subcomissão esta, Senador Expedito, vinculada à Comissão de Assuntos Econômicos. Essa Subcomissão foi criada para tratar de tudo isso que V. Exª está dizendo. É tanto que, no ano passado, fomos inúmeras vezes ao Ministério da Fazenda para que fosse votado na Câmara e pago, com a promessa de pagamento imediato, o aumento de 1% do Fundo de Participação. Sabemos que essa é uma medida emergencial; mas, já que não se refaz o Pacto Federativo, já que não se dá oportunidade aos Municípios de receberem mais, que, pelo menos, faça-se o emergencial. Congratulo-me com V. Exª por estar iniciando o seu mandato, Senador João Claudino, com essa preocupação de defesa dos Municípios brasileiros, principalmente os mais pobres, aqueles do Nordeste, aqueles do Piauí, aqueles que mais precisam.

O SR. JOÃO VICENTE CLAUDINO (Bloco/PTB - PI) - Associo-me às suas palavras, Senador.

Chego aqui com este sentimento de me somar aos Senadores que defendem o fortalecimento dos nossos Municípios. Como faço parte da CAE, pedirei a minha participação na Subcomissão Permanente de Assuntos Municipais.

Para finalizar, Sr. Presidente, a implementação do Estatuto das Cidades pode estampar os sorrisos das crianças, a tranqüilidade das famílias, a preservação do solo, as cores da natureza e, por certo, devolver os motivos de cantarmos e defendermos a nossa terra, com o ufanismo salutar e próprio do povo brasileiro.

Sr. Presidente, também encaminhei à Mesa requerimento de informação ao Ministro das Cidades.

Agradeço sua paciência em relação ao meu pronunciamento.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/03/2007 - Página 4740