Discurso durante a 27ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Relato a respeito do processo de impeachment que retirou S.Exa. da Presidência da República em 1992.

Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPEACHMENT. LEGISLATIVO.:
  • Relato a respeito do processo de impeachment que retirou S.Exa. da Presidência da República em 1992.
Aparteantes
Aloizio Mercadante, Arthur Virgílio, Edison Lobão, Efraim Morais, Epitácio Cafeteira, Garibaldi Alves Filho, Jayme Campos, Joaquim Roriz, Mão Santa, Romero Jucá, Romeu Tuma, Sérgio Zambiasi, Tasso Jereissati, Valdir Raupp, Wellington Salgado.
Publicação
Publicação no DSF de 16/03/2007 - Página 5611
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPEACHMENT. LEGISLATIVO.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, HISTORIA, IMPEACHMENT, ORADOR, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, DETALHAMENTO, PROCESSO, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, APURAÇÃO, FATO, DENUNCIA, IRMÃO, PARTICIPAÇÃO, IRREGULARIDADE, ATIVIDADE, PARCERIA, EMPRESARIO.
  • ACUSAÇÃO, AUTORITARISMO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, PERIODO, IMPEACHMENT, VONTADE, REDUÇÃO, PODER, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, LIMITAÇÃO, EXECUTIVO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • ANALISE, PROCESSO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, IMPEACHMENT, REGISTRO, INEXISTENCIA, PROVA, IMPUTAÇÃO, ORADOR, RESPONSABILIDADE, CRIME, CRITICA, INCOERENCIA, RELATOR, INDICIAMENTO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ACUSAÇÃO, EX PRESIDENTE, COMISSÃO, PRETENSÃO, PREJUIZO, CHEFE DE ESTADO.
  • ANALISE, HISTORIA, BRASIL, OCORRENCIA, TENTATIVA, IMPEACHMENT, DIVERSIDADE, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
  • CRITICA, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, ANTERIORIDADE, ACUSAÇÃO, ORADOR, OMISSÃO, EXERCICIO, PODER, PRESIDENCIA, REGISTRO, DETERMINAÇÃO, POLICIA FEDERAL, INVESTIGAÇÃO, GRAVIDADE, DENUNCIA, CHEFE DE ESTADO, AUTORIA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • RECONHECIMENTO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, INEFICACIA, RELACIONAMENTO, MEMBROS, CONGRESSO NACIONAL, REGISTRO, RESPEITO, CONGRESSISTA, APROVAÇÃO, IMPEACHMENT, ORADOR.
  • REGISTRO, JOSAPHAT MARINHO, EX SENADOR, LEONEL BRIZOLA, EX GOVERNADOR, APOIO, ORADOR, COMBATE, IMPEACHMENT.
  • CRITICA, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, SUSPENSÃO, SIGILO BANCARIO, SIGILO, TELEFONE, EX PRESIDENTE, REGISTRO, RELATORIO, COMISSÃO, ACUSAÇÃO, CHEFE DE ESTADO, FALTA, MORAL, DIGNIDADE, HONRA, EXERCICIO, FUNÇÃO PUBLICA, AUTORIZAÇÃO, INFRAÇÃO, LEI FEDERAL, ORDEM PUBLICA.
  • ELOGIO, VOTO, RELATOR, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ACUSAÇÃO, IMPROCEDENCIA, DENUNCIA, AUTORIA, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, IMPEACHMENT, PREJUIZO, DIGNIDADE, SUPRESSÃO, DIREITOS POLITICOS, ORADOR.

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente do Senado Federal, Senador Renan Calheiros, Srªs e Srs. Senadores, os episódios que aqui vou rememorar obrigaram-me a padecer calado e causaram mossas na minha alma e cicatrizes no meu coração. Se o sofrimento e as injustiças provocam dor e amargura, podem também nos trazer úteis e até proveitosas lições. Ambos nos ensinam a valorizar a grandeza dos justos e a justiça dos íntegros. As agruras terminam retemperadas pela lealdade dos amigos e pela solidez das verdadeiras amizades. Graças a essas qualidades que aprendi admirar, posso hoje, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sem sentimentos subalternos de qualquer natureza, abrir minha alma e meu coração, esperando de V. Exªs a compreensão e a paciência que espero não me faltem.

Não é fácil volver os olhos ao passado e reviver, em toda sua extensão, a tortura, a angústia e o sofrimento de quem, agredido moralmente, acusado sem provas e insultado e humilhado durante meses a fio, teve que suportar as agruras de acusações infundadas e a condenação antes mesmo de qualquer julgamento.

As provações que o destino nos reserva são amenizadas na vida privada pelo calor do conforto, do carinho e do consolo dos que nos cercam ante as adversidades de nossa existência; mas as da vida pública, essas têm que ser suportadas com resignação e silêncio, especialmente quando insufladas pelas paixões e alimentadas pelo fragor das ruas, insufladas pela cegueira das emoções.

Nos momentos mais dramáticos desse processo, pude ponderar sobre os fastos de nossa história política, recordando a abdicação imposta a D. Pedro I, a deposição e o exílio de seu filho e sucessor, D. Pedro II, e o desencanto que levou Deodoro a renunciar à Presidência da República que ele proclamou. Por minha mente perpassaram a deposição e a extradição de Washington Luís, o suicídio do Presidente Vargas, o impedimento declarado sem processo pela Câmara de seu sucessor, Café Filho, e do substituto Carlos Luz. Recordei-me da renúncia de Jânio Quadros e da ação que depôs João Goulart e lhe impôs o exílio em que faleceu. Com isso, Sr. Presidente, pude concluir como os atos de força tornaram-se quase uma rotina periódica de nossa história política.

Exatamente por tudo quanto passei, devo trazer a verdade dos atos que redundaram no meu afastamento da Presidência da República. Espero virar esta página de minha carreira política no momento em que a retomo com o propósito de contribuir, na medida de minhas possibilidades, para o progresso e o bem-estar do País e o aprimoramento de seu sistema político.

Hoje, passados 17 anos de minha posse na Presidência da República, volto à atividade política, integrando esta augusta Casa, a mesma que a interrompeu por decisão dos ilustres membros que a compunham na 49ª Legislatura.

Ao fazer este depoimento, cumpro menos um dever pessoal do que um imperativo de consciência. Não foram poucas as versões, mais variadas ainda as interpretações e não menos generalizadas as explicações. Eu o farei mais sobre os atos do que sobre os fatos que levaram, primeiro, ao meu afastamento do Governo e, depois, à minha renúncia em decorrência do primeiro processo de impeachment de um Chefe de Governo, que teve curso e conseqüência em nossa mais que centenária República.

Confrangido algumas vezes, contrafeito outras, mas calado sempre, assisti, ouvi, suportei acusações, doestos e incriminações dos que, movidos pelo rancor, aceitaram o papel que lhes foi destinado na grande farsa que lhes coube protagonizar.

Nesses 15 anos de minha paciente espera, o País tomou conhecimento de diversas versões de alguns dos figurantes daqueles dramáticos e amargos momentos. Ficaram faltando, Sr. Presidente, o testemunho e o depoimento de quem, com certo estoicismo e muita resignação, mas sem nunca perder a fé, enfrentou aqueles lamentáveis episódios de nossa história política.

Hoje, desta tribuna - a quinta, a mim proporcionada pelo voto e pela generosidade do povo alagoano -, é chegado o momento de falar à Nação, para mostrar, com serena tranqüilidade, os descaminhos de um processo que, seguramente, não honra nem dignifica a história parlamentar de nosso País.

Tratando, em sua obra única e pioneira, sobre o instituto jurídico contra mim acionado em 1992, o gaúcho Paulo Brossard, constitucionalista, ex-Senador e ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, já prevenia, há mais de quarenta anos, contra os abusos que o impeachment pode propiciar: “Tendo-se em conta que incontrastáveis, absolutas e definitivas são as decisões do Senado, dir-se-á que pode sobrevir a prática de muitos e irreparáveis abusos, assim pela Câmara, que acusa, como e notadamente pelo Senado, que julga, de modo irrecorrível e irreversível”.

A crônica do processo contra mim intentado foi, como provarei, uma litania de abusos e preconceitos, uma sucessão de ultrajes e um acúmulo de violações das mais comezinhas normas legais, uma sucessão, enfim, de afrontas ao Estado de Direito democrático, como demonstrarei.

A advertência de Paulo Brossard jamais chegou aos ouvidos dos responsáveis pela série de arbítrios que toldaram a aplicação de um dos mais importantes institutos jurídicos no âmbito do Direito Público, em especial de nosso Direito Constitucional legislado.

Esses abusos, que se multiplicaram a partir do procedimento intentado contra mim no exercício do cargo de Presidente da República, acentuaram-se de tal maneira que, no livro recentemente publicado Criação de Comissões Parlamentares de Inquérito - tensão entre o Direito Constitucional de minorias e os interesses políticos da maioria, o consultor legislativo deste Senado, Marcos Evandro Cardoso Santi julgou relevante assinalar que: “A grande concentração de poderes das CPIs não só originou o sucesso de muitas delas, como facilitou abusos por parte de seus integrantes”.

Vamos aos fatos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

Na quarta-feira, 27 de maio de 1992, subscrito por eminentes Deputados e Senadores de diferentes Partidos, foi lido o requerimento preconizando a criação de uma comissão parlamentar mista de inquérito destinada a, no prazo de até 45 dias, apurar fatos contidos nas denúncias do Sr. Pedro Collor de Mello, referentes às atividades do Sr. Paulo César Cavalcante Farias, capazes de configurar ilicitude penal. Instalada na segunda feira, 1º de junho, devia encerrar seus trabalhos na quarta-feira, 28 de agosto. Composta de 11 Senadores, 11 Deputados e igual número de suplentes, a CPMI foi presidida pelo Deputado Benito Gama, e teve como Vice-Presidente e Relator, respectivamente, os então Senadores Maurício Corrêa e Amir Lando. Foram realizadas 35 reuniões, as últimas das quais, na terça-feira, 11 de agosto, data em que foram discutidas, votadas e aprovadas as respectivas atas. Ouviram-se 23 testemunhas, e foram autuados 130 documentos. Em nenhum dos depoimentos, nem em qualquer dos documentos arrolados, há qualquer acusação contra mim, pessoalmente, nem contra qualquer ato que eu tivesse praticado como Presidente da República.

No dia 23 de agosto, cinco dias, portanto, antes do término do prazo que lhe foi assinado, o ilustre Relator submeteu à Comissão seu parecer, imputando ao Presidente da República:

Ilícitos penais comuns, em relação aos quais a iniciativa processual é prerrogativa intransferível do Ministério Público. Por outro lado [são ainda palavras do Relator], podem configurar crime de responsabilidade em relação aos quais a iniciativa processual é prerrogativa da cidadania perante a Câmara dos Deputados, já que as omissões do dever presidencial de zelar pela moralidade pública e os bons costumes são especialmente tratados por esta Constituição Federal.

Os abusos que podem ser praticados pelas comissões parlamentares de inquérito, Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, e aos quais aludem Paulo Brossard e Marcos Evandro Cardoso Santi, nos livros já citados, podem ser evidenciados, não direi na leviandade, mas pelo menos na incoerência do eminente Relator, imputando-me ilícitos penais que, em suas próprias palavras, “podem configurar crimes de responsabilidade”, quando, na síntese dos depoimentos - página 92 do relatório -, ele transcreve o teor das afirmações de meu irmão Pedro, assim por ele resumidas:

Em conversa com José Barbosa de Oliveira, os ex-Governadores Moacir Andrade e Carlos Mendonça, em diferentes ocasiões, Paulo César Cavalcante Farias teria dito que mantinha uma sociedade informal com o Presidente da República, a quem transferia 70% dos lucros. Esse detalhe [ainda são palavras do Relator] é relevante. Primeiro, porque, se a sociedade existe, investigar as atividades de Paulo César implica em investigar a do seu sócio, para cujo efeito esta CPI não dispõe de poderes.(sic)

Se a Comissão de que S. Exª foi Relator não dispunha de poderes para investigar o Presidente da República, como poderia imputar-me delitos que não cometi, crimes que não pratiquei, e que S. Exª não indicou, não especificou nem sequer tipificou.

Tal como ocorreria depois, na sucessão de atos exorbitantes, a CPMI começou por violar o art. 86, §4º, da Constituição, segundo qual, o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.

Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se não fui investigado, se não fui notificado, se não fui indiciado, como poderiam a Comissão e seu Relator acusar quem não foi sequer objeto de investigação? Se havia atos por mim praticados que, mesmo em tese, pudessem caracterizar crimes de responsabilidade ou crimes funcionais, por que não apontá-los, por que não indicá-los e por que não levá-los ao Ministério Público, titular da ação penal?

Essa demonstração patente de imprudência, contudo, foi apenas o começo da série interminável de excessos cometidos ao arrepio da lei, à margem do direito e contra a letra e o espírito da Constituição.

O pressuposto em que se apoiou o Relator era o de que Paulo César Farias “teria dito” a três honrados e ilibados cidadãos que manteria comigo uma sociedade informal, pela qual me transferia 70% dos “lucros”.

Por que nem sequer se animou S. Exª a ouvir dessas pessoas se efetivamente isso lhes foi dito? Por que Paulo César Farias não foi indagado a respeito em seu depoimento? Pela simples razão, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de que a CPMI não cuidava de investigar-me, o que não era seu objeto, mas de incriminar-me, mesmo sem provas, indícios ou evidências. O resultado é que, a partir de uma suposição, criou-se uma infâmia, e sobre essa infâmia, acolhida por S. Exª, o Relator, construiu-se um arrazoado de suposições igualmente caluniosas e, depois, como ficou comprovado, sabidamente falsas.

A falsidade, Sr. Presidente, sempre foi um recurso condenável e deletério, lamentavelmente utilizado na política brasileira, com maior ou menor freqüência, segundo os interesses nela envolvidos. Dela foi vítima o ex-Presidente e homem público Arthur Bernardes, objeto das cartas falsificadas por conhecido delinqüente para tentar intrigá-lo com as Forças Armadas, quando ainda candidato à Presidência da República. Por meio dela, materializada no famoso Plano Cohen, justificou-se o golpe o Estado Novo e por ela se tentou imputar ao ex-Presidente João Goulart crimes que não praticou, falsidade em que foi utilizado outro meliante, autor da deprimente Carta Brandi. Pedidos de impeachment contra os Presidentes da República transformaram-se em uma atividade rotineira em nosso presidencialismo.

Todos os Chefes de Governo sob a Constituição de 1946, à exceção do Marechal Dutra e do Presidente Jânio Quadros, e todos os demais depois do fim do regime militar foram objeto desse procedimento. Alguns subscritos por parlamentares, outros, por anônimos em busca de notoriedade. Tanto o Presidente Vargas quanto alguns de seus Ministros foram alvo de numerosas tentativas, mas tiveram os pedidos que lhes diziam respeito, invariavelmente, rejeitados. O mesmo ocorreu com o Presidente Juscelino Kubitscheck. Depois do regime militar, o Presidente José Sarney foi a primeira vítima desse expediente. Meu substituto, que por esse processo tornou-se meu sucessor, teve duas tentativas rejeitadas pelo Presidente da Câmara. Contra o Presidente Fernando Henrique Cardoso, foram apresentados nada menos que vinte e seis pedidos de impeachment, sendo cinco subscritos por deputados. Contra o Presidente Lula, em seu primeiro mandato, intentaram-se vinte e oito representações, sendo apenas uma de parlamentar, as demais de cidadãos, além de uma outra representação no mandato atual.

Em nenhum desses casos as iniciativas prosperaram. A indagação cabível em face desses precedentes é, necessariamente, apenas uma: por que até hoje, mais de sessenta anos depois da Constituição de 46, apenas contra meu governo se deu curso a essa espúria representação?

Trata-se de um patético documento aceito sem qualquer discussão, sem qualquer ponderação, sem qualquer cautela, sem qualquer isenção e com total ausência de equilíbrio e serenidade. Enfim, uma “denúncia” articulada por dois cidadãos cujas provas se resumiram a dois de meus pronunciamentos no rádio e na televisão e a duas cartas firmadas por meu Chefe de Gabinete e por uma de minhas secretárias, todos documentos públicos utilizados em minha própria defesa.

A resposta pode não ser óbvia, mas os fatos e as circunstâncias que determinaram sua aceitação deixam claros os interesses e os propósitos que contra mim se moveram.

A primeira eleição direta para a Presidência da República depois do regime militar foi, como era natural, a mais concorrida, a mais disputada e a que maior número de postulantes teve no País até hoje. Foram nada menos de vinte e um candidatos, muitos de longa, brilhante e tradicional atuação na vida pública, apoiados, esses vinte e um candidatos, por vinte e sete diferentes legendas.

Concorri por uma coligação de três pequenos partidos que, nas eleições de 86, não tinham obtido uma só cadeira na Câmara, composta então de 487 integrantes e na qual os dois maiores partidos coligados, PMDB e PFL, dispunham de 77,6% da representação nacional.

Nas eleições de 90, no primeiro ano de meu governo, numa Câmara já então com 503 Deputados, o PRN, legenda pela qual concorri à Presidência da República, logrou conquistar quarenta cadeiras e o PST, que integrou minha coligação no pleito presidencial, apenas duas. Juntos, somavam 8,4% do total. Ante esses números, sempre tive consciência da fragilidade do apoio político, parlamentar e partidário de que poderia dispor quando me elegi.

Por isso, vencido “o prélio pacifico das urnas”, na feliz expressão de João Neves da Fontoura, acreditei superadas as diferenças e ressentimentos que toda vitória desperta nos derrotados e que todas as derrotas provocam nos vencidos.

É do conhecimento de todo o País o esforço que empreendi e o empenho que empreguei para compor meu governo de apenas doze ministérios, com correligionários e integrantes de alguns dos 24 partidos com os quais competi pela Presidência.

Encerrada a apuração, era preciso ensarilhar as armas do embate eleitoral e buscar a cooperação dos adversários, que sempre respeitei e que sempre encarei apenas como concorrentes, jamais como inimigos. Propus um entendimento com o PSDB por intermédio de seu presidente, Senador Franco Montoro, convidando para as duas áreas vitais de qualquer governo, a da Fazenda, o então Deputado José Serra e, para a área das Relações Exteriores, o então Senador Fernando Henrique Cardoso. A da Fazenda, pela situação de moratória em que se encontrava o País em face de nossa situação econômica, como de resto outros países também; e a das Relações Exteriores, para o desafio de reinserir o Brasil no novo contexto internacional depois da queda do Muro de Berlim.

Que demonstração mais cabal, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, poderia ter dado de minhas intenções de fazer um governo transparente, de reta intenção, sem preconceitos, sem mágoas e sem ressentimentos, com os olhos postos apenas no futuro?

A despeito de meus esforços, o entendimento que busquei não se concretizou. Não por falta de iniciativa e de empenho de minha parte, mas pelo fato de o acordo, depois de fechado e sacramentado, ter sido rompido de forma abrupta por exigência de um de seus próceres.

Tomei posse em 15 de março de 1990, com uma Câmara eleita em 1986 e na qual o partido com maior representação, o PMDB, contava com 53,4% das cadeiras. Os Deputados distribuíam-se em oito legendas, uma dispersão partidária superada em 1954, o ano do suicídio do Presidente Vargas, e, em 1962, nas últimas eleições antes de 1964, quando 13 partidos estiveram representados naquela Casa do Congresso.

Foram, como se sabe, dois períodos de crise política e institucional. Além do mais, iniciei meu governo faltando menos de sete meses para o pleito que deveria renovar a legislatura a ser encerrada em 31 de janeiro seguinte. As urnas mostraram o maior índice de fracionalização já verificado com a representação na Câmara, dividida em 19 partidos, índice então e até hoje não superado.

Em um ambiente partidário tão fragmentado, a formação de um governo de coalizão tornou-se ainda mais difícil. Ante tantos interesses em conflito, minhas dificuldades se acentuaram logo no início da nova legislatura, em fevereiro de 1991. Encontrar equilíbrio, serenidade, moderação e prudência em um ambiente dessa natureza era tarefa quase impossível. O radicalismo e a intolerância tornaram-se moeda de curso fácil.

Em reportagem publicada na edição de 27 de janeiro deste ano de 2007, no jornal O Globo, os jornalistas João Domingos e Luciana Nunes Leal, referindo-se à importância do cargo de Presidência da Câmara, escreveram:

Em fevereiro de 1991, o Deputado Ibsen Pinheiro assumiu a Presidência da Câmara. Não se dava, então, com o Presidente Collor, que [está literalmente] sempre fazia ameaças. A Câmara iniciou os seus trabalhos no dia 15, uma sexta-feira, sem votação. Na terça-feira, dia 19 [continua a matéria desses jornalistas], Ibsen sacou um projeto do então Deputado Nelson Jobim que tirava poderes de edição de medidas provisórias do Presidente da República e o votou.

Continuam os repórteres: “Collor tomou um susto. Conseguiu brecá-lo no Senado, onde tinha maioria. Um ano e meio depois, foi ele quem autorizou a abertura do processo de impeachment”.

Embora eu fosse à época e tenha sido até hoje o titular da Presidência que proporcionalmente menos medidas provisórias editou, sei que estava sendo testado. Não eu, Sr. Presidente, não eu, Srªs e Srs. Senadores, não eu, mas terceiros foram os que constataram o que na época já era público: a animosidade gratuita que aquele representante votava contra mim. Sua atuação terminou por transformar o instituto do impeachment, que é um remédio jurídico e político contra graves crises institucionais, num instrumento de vingança política, de afirmação pessoal e de desforra particular. Triste fim, Sr. Presidente, para um instituto destinado, em sua origem, à proteção das nobres causas da defesa da normalidade democrática e da preservação do Estado de Direito.

O requerimento de instauração de processo contra mim foi subscrito, à semelhança de dezenas de outros que chegaram aos sucessivos presidentes da Câmara, por dois zelosos cidadãos movidos por impulsos que não me cabe julgar. Acusaram-me de falta de decoro no exercício da Presidência e invocaram a lição de Cícero, segundo a qual, “ao trazer aos fatos da vida uma certa ordem e medida, conservamos a vida e o decoro”, acrescentando que essa ordem e medida na vida pessoal traduzem-se pelo recato, a temperança, a modéstia, o domínio das paixões e a ponderação em todas as coisas, para concluírem que não há decoro separado da honestidade, pois o que é decente é honesto e vice-versa.

A invocação do grande orador e senador romano pode até ter sido adequada, mas, sem dúvida, foi também absolutamente equivocada. Aludindo a Marco Túlio Cícero deviam estar pensando na conspiração de Catilina, mas o conspirador, Srªs e Srs. Senadores, não era o Presidente da República, que cumpriu até o fim o seu papel constitucional nos estritos limites da lei e da ordem jurídica democrática vigentes no país.

Conspiradores eram os que não mediam esforços para afastá-lo do poder, quaisquer que fossem os recursos empregados. O documento que os autores da representação produziram não era uma catilinária, mas uma verrina, definida pelo Aurélio como cada um dos discursos de Cícero contra Caio Verres. Trata-se de uma palavra que, em nosso vernáculo, adquiriu o significado daquilo que efetivamente é um documento elaborado por um e subscrito pelos dois signatários. Significa crítica apaixonada e violenta.

Talvez tivessem sido mais fiéis à História e à realidade se invocassem não Cícero, o Senador, mas Catão, o Censor, que, temendo a prosperidade de Cartago, tornou-se conhecido pela invectiva Delenda Carthago - Cartago deve ser destruída. A Cartago contra quem remetiam, porém, era a cidadela da legalidade, de que nunca me afastei e a que me submeti, até mesmo na adversidade, quando a injustiça, o arbítrio e a prepotência dos inconformados se voltaram contra mim.

Aquele não era o primeiro, mas o segundo ato de uma farsa em que, lamentavelmente, a arrogância se tornou um instrumento da política no País, que Sérgio Buarque de Holanda classificou como “A pátria do homem cordial”.

Nas 20 páginas da representação que os autores denominaram de denúncia, a infração legal de que me acusaram foi a que se encontra tipificada no nº 7 do art. 8º da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, que define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento. Dispõe aquele dispositivo que são crimes contra a segurança interna do País: “permitir de forma expressa ou tácita a infração de lei federal de ordem pública”.

Das 61 condutas delituosas que a lei tipifica como crime de responsabilidade escolheram uma para acusar-me. O dispositivo alude a permitir “de forma expressa ou tácita, infração de lei federal de ordem pública”, ou seja, permitir por ação ou omissão a infração da lei federal, que os autores da representação, por sinal, não apontam qual seja.

Também, lamentavelmente, esqueceram de ressalvar que a única ação que pratiquei em relação às denúncias de meu irmão não foi a de negar, ignorar ou me omitir ante os fatos apontados; ao contrário, foi a de determinar a sua imediata apuração pela Polícia Federal. Não esperei suas repercussões, não aguardei que me cobrassem providências. A afirmação sequer é minha; nem a invoquei em minha defesa. Pode ser lida no testemunho prestado sob juramento pelo hoje nosso colega Senador Romeu Tuma, na Sessão do Senado, como órgão judiciário, do dia 29 de dezembro de 1992, publicada no Diário do Congresso Nacional, Seção 2, do dia 30 do mesmo mês e ano, às fls. 2.809 e seguintes.

S. Exª exerceu, em meu Governo, os cargos de Secretário da Receita Federal e Secretário da Polícia Federal, que, num curto período, acumulou também com o de Diretor-Geral daquele órgão. Indagado pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, que presidia a sessão, se “recebeu ordens ou foi por iniciativa própria” que iniciou as investigações sobre as denúncias feitas por meu irmão, respondeu:

Gostaria de explicar a pergunta. Com a denúncia do Sr. Pedro Collor, através da Revista Veja, que chegou às minhas mãos no sábado, no dia anterior à circulação normal de assinantes, ao lê-la, vislumbrei que havia notícias de crime no depoimento de Pedro Collor. Comuniquei imediatamente o fato ao Ministro Célio Borja e passei por fax a matéria, através da Superintendência do Rio de Janeiro. E ele me pediu, então, que aguardasse até segunda-feira, quando conversaria com o Presidente a respeito do assunto.

Continua o depoimento do Senador Romeu Tuma, à época Diretor-Geral da Polícia Federal.

Veio, depois, uma ordem determinando que se apurassem as denúncias configuradas na Revista Veja. Então, foi aberto o inquérito. E, paralelamente, chegou uma requisição de informações no mesmo sentido do Dr. Aristides Junqueira pela Procuradoria. Encaminhei o assunto à Coordenação Judiciária e designamos o Dr. Paulo Lacerda para dar início às investigações através do inquérito policial.

Ante a pergunta do Dr. Inocêncio Mártires Coelho, feita em nome da defesa, de quem o então Diretor-Geral do Departamento de Polícia Federal tinha recebido a ordem, em face da afirmação do Ministro Sidney Sanches de haver dito que foi do Ministro da Justiça, S. Exª respondeu mais uma vez: “Sim, do Ministro Célio Borja, que veio com ordem do Presidente da República”. A ordem de apurar os fatos denunciados e de cooperar sem restrições nas investigações não dei apenas ao Ministro da Justiça e ao Secretário da Polícia Federal, mas também ao Ministro da Fazenda e, por seu intermédio à Receita Federal, e igualmente ao Presidente do Banco Central, cujos testemunhos encontram-se igualmente nos Anais do Senado.

Depondo na Comissão desta Casa que processou o impeachment disse o ex-Ministro Marques Moreira em resposta ao Relator:

Nobre Senador, depois das revelações aparecidas, sobretudo numa revista, o Senhor Presidente da República em um despacho matinal - eu tinha quatro despachos semanais com Sua Excelência, dois despachos comuns com o Ministro da Justiça, às 9 da manhã, e dois à tarde - determinou a mim e ao Ministro da Justiça, o ex-Ministro Célio Borja, que imediatamente abríssemos as investigações no seio da Receita e colocássemos também o Banco Central à disposição da Receita, para que toda a verdade seja revelada. Assisti ao Presidente determinando providências paralelas ao Sr. Ministro Célio Borja. Nós, inclusive, achamos que, sob a orientação do juiz, deveríamos promover um entrosamento entre a Polícia Federal, a Receita Federal e, quando necessário, o próprio Banco Central para que, cumprindo aquelas instruções do Presidente da República, toda a verdade pudesse ser revelada.

Permitam-me ler o expediente enviado, no dia 25 de maio de 1992, por mim ao Ministro da Justiça:

Sr. Ministro da Justiça, as denúncias veiculadas pela imprensa, no último fim de semana, envolvendo a minha pessoa na condução da administração pública federal são graves. Determino que seja instaurado competente inquérito policial, para que se apurem os fatos em toda a sua extensão.

No mesmo dia, S. Exª o Ministro da Justiça exarou o seguinte despacho: “Ao Departamento de Polícia Federal para cumprir”. E seu diretor, o Delegado Amaury Aparecido Galdino, determinou: “Designo o DPF Paulo Fernando da Costa Lacerda para presidir o inquérito policial”.

A conclusão lógica, inevitável e irretorquível é a de que, ao contrário do que me acusaram, não permiti nem de forma tácita nem de forma expressa a violação de nenhuma lei federal de ordem pública.

Tomei imediatamente a iniciativa de determinar incontinente a apuração, sem ressalvas, de todos os fatos denunciados. Mais do que isso, ainda respondendo a outras indagações, o então Diretor-Geral do DPF, em mais duas afirmações, assegurou: “Sei que, à medida que os fatos surgiam, o Ministro Célio Borja comentava que o Presidente pedia o aprofundamento das investigações”. Essas foram expressões constantemente usadas pelo Ministro. E em seguida: “O Ministro Célio Borja repetia sempre que era para aprofundar, para apurar, e que o Presidente pedia sempre velocidade no andamento dos processos”.

Mais contundente impossível, Sr. Presidente! Agi não só de acordo e em consonância com a lei, mas segundo impunham minha consciência e minha formação, como, aliás, sempre atuei desde o primeiro dia do meu mandato.

A representação com pedido de impeachment, firmada com data de terça-feira, 1º de setembro de 1992, foi entregue no mesmo dia nas mãos dos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, no Salão Negro, no edifício do Congresso Nacional, depois que procissão de abnegados cidadãos, cívica e idealisticamente convencidos da culpabilidade do Presidente da República, percorreu parte da Esplanada dos Ministérios, para, sob o olhar das câmaras de televisão, manifestar a sua indignação contra o Chefe do Governo.

O Presidente da Câmara dos Deputados antecipou que o pedido seria atendido, usando o conveniente e oportuno slogan de que “o que o povo quer, esta Casa acaba querendo”.

O Diário da Câmara dos Deputados, da mesma data, registra a informação subscrita pelo Secretário-Geral da Mesa de não haver obstáculos regimentais ao curso do pedido e ao deferimento do Presidente da Câmara dos Deputados, para que a representação tramitasse sem mais exigências, afirmando textualmente: “A Mesa entende que, atendendo ao interesse da Nação e das nossas instituições, deve-se imprimir um rito tão célere quanto possível à tramitação da matéria, respeitadas, é claro, todas as formalidades essenciais”.

Assim foi dito, assim foi feito. O rito foi célere, como prometera S. Exª, mas as formalidades essenciais a que aludiu jamais foram respeitadas. Ao contrário, elas foram sabidamente atropeladas e notoriamente ignoradas em várias oportunidades.

O Deputado Humberto Souto, Líder do Governo, levantou questão de ordem sobre os procedimentos regimentais a serem observados, citando como fundamentos de suas dúvidas a manifestação de alguns dos mais eminentes juristas do País, entre os quais o Professor emérito Raul Machado Horta, o Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o Constitucionalista e ex-Ministro do STF Paulo Brossard, o inesquecível Mestre Seabra Fagundes, o ex-Ministro e Professor Célio Borja.

Com base nas opiniões desses preclaros doutrinadores, o Líder do Governo concluía que o processo: 1º - só poderá ser iniciado após a prévia autorização da Câmara dos Deputados, por 2/3 de seus membros, conforme art. 51, inciso I, da Constituição Federal; 2º - a referida autorização deve ser objeto de votação por escrutínio secreto, nos termos do art. 188, inciso II, do Regimento Interno da Câmara; 3º - as normas procedimentais a observar para a referida autorização são as previstas no art. 217 do Regimento.

No mesmo sentido, manifestaram-se ainda os Deputados Roberto Jefferson e Gastoni Righi também em questões de ordem. A opinião dos juristas invocados era, portanto, incontroversa.

Mas de que valiam as opiniões desses mestres do Direito ante a decisão dos que de antemão me julgavam culpado? As questões de ordem foram contraditadas pelos Deputados José Genoíno e Nelson Jobim. Embora tenha o Presidente daquela Casa reconhecido que os argumentos levantados eram de grande relevância, ficou patente que, acima do bom senso, da isenção e da serenidade exigidos na direção dos trabalhos, pairavam no ar a animosidade notória e a pressa inaudita de que estava tomada a maioria.

Depois de incluir na pauta da sessão do dia seguinte a constituição da Comissão Especial, o Presidente da Câmara advertiu desde logo que, se isso não se cumprisse, convocaria sessão extraordinária com esse fim, para a noite do dia seguinte.

Sem que a ata registre qualquer manifestação do Plenário, anunciou S. Exª que, havendo apelo dos Líderes - sem constar nada em ata - a reunião seria antecipada para as dez horas da manhã, adiantando que, se a eleição não pudesse ser cumprida nesse horário, seria feita na sessão ordinária das 14 horas e, na hipótese de ainda assim não se consumar, seria convocada reunião noturna com esse propósito.

Não houve necessidade de se aguardar qualquer das sessões anunciadas para constituir a Comissão Especial, destinada a apreciar o pedido de impeachment entregue no dia 1º de setembro. No dia imediato, o Diário da Câmara publicou a ata da reunião do Presidente com os Líderes Partidários, realizada nesse dia, às 18 horas e 10 minutos.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Permite-me um aparte, Senador Fernando Collor?

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Pois não, Senador Arthur Virgílio. Ouço V. Exª.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador Fernando Collor, percebo que V. Exª, polêmico como é e tendo ressurgido na cena política como ressurgiu, talvez tenha colocado muitos Colegas nossos em dúvida: aparteio? Não aparteio? É bom para mim? Não é bom para mim? Eu, por outro lado, não saberia impor nenhum limite à liberdade do meu mandato que não os limites da lei, da Constituição, do Regimento Interno da Casa, do decoro parlamentar. Gostaria, portanto, de dar meu depoimento de Líder do PSDB e de brasileiro que viveu os momentos descritos por V. Exª. E digo-lhe que não vou entrar no mérito das acusações feitas ao Governo de V. Exª. Reconheço que V. Exª pagou um preço muito alto em um País onde ninguém paga preço algum quase nunca, ou nunca! Eu poderia - e faço isso - dizer que seu governo teve o mérito e o condão de revelar, pela vez primeira, preocupação com a inflação, uma tentativa que não deu certo, como outras não deram, mas o desejo de ver a economia estabilizada; abertura econômica; o projeto básico de reformas estruturais, depois intentado e levado parcialmente a cabo por governos que sucederam V. Exª. Ouvi o discurso de V. Exª com bastante tranqüilidade, porque o meu Partido - e aqui faço justiça também àquele grande brasileiro chamado Ulysses Guimarães, do PMDB - relutou ao ponto máximo diante da perspectiva do impeachment. Nem um historiador poderia dizer que o PSDB acolheu o impeachment, o PSDB quis lucrar com o impeachment. E Dr. Ulysses Guimarães, V. Exª sabe disso, fez o impossível, do alto da sua sabedoria, para que soluções fossem encontradas fora do impeachment tão traumático, conforme sobre ele pontifica Paulo Brossard, no que muito bem relembrou aqui V. Exª. E não foi diferente o comportamento do PSDB nos episódios recentes envolvendo o Governo do Presidente Lula. Há pessoas que dizem que perdemos a eleição por isso. Eleição, perde-se ou ganha-se; não existe a figura do empate. O PSDB tinha consciência clara de que não deveria mergulhar o Brasil na dúvida contra as instituições, no choque de ruas, até porque havia uma disposição muito clara de resistência por parte do Governo do Presidente Lula, quando acusado de fatos graves, gravíssimos, que são da memória de todos nós. O meu querido amigo e brasileiro admirável Ministro Jarbas Passarinho - Ministro da Justiça do seu Governo -, relatou-me, e devo dar esse depoimento, que quando disse a V. Exª dos indícios das irregularidades na Legião Brasileira de Assistência (LBA), V. Exª teria dito a ele: “Ministro, mande investigar”. E ele advertiu V. Exª da delicadeza do quadro até pessoal que envolvia pessoas próximas a V. Exª à época. E V. Exª disse: “Ministro, eu já disse, mande investigar”. Então o testemunho que eu queria dar é que V. Exª, primeiramente, não ofereceu a resistência que podia ter oferecido. Volto a dizer, não entro no mérito das acusações, jamais acusaria V. Exª, mas algumas delas me pareciam graves, em função dos fatos que chegaram ao meu conhecimento. V. Exª apenas - e isso é um mérito sim - não resistiu, como poderia ter resistido, dentro dos poderes que este nosso presidencialismo torto propicia aos Presidentes da República. Nós vimos depois. Se V. Exª tivesse tido, por exemplo, uma relação mais “aberta” com certos setores do Congresso, talvez tivesse concluído o seu mandato. Se V. Exª tivesse, na verdade - e vou usar uma expressão que foi, corriqueiramente, banalizada -, relações menos republicanas com certo segmento do Congresso, V. Exª teria, certamente, ido até o fim do seu mandato. Vou aqui secundar o Presidente Lula - não sou eu que estou inovando, não estou inventando nada; aliás, tenho uma frustração na minha vida de não ser capaz de inventar nada; tudo que eu digo alguém já disse, tudo que eu faço alguém já fez -, que disse que V. Exª estava anistiado, seja pela justiça - e aí leia-se também o preço pessoal, familiar, psicológico que V. Exª pagou -, seja pela manifestação do povo das Alagoas Essa foi a expressão do Presidente Lula. Eu, então, vejo V. Exª como um Senador, como os demais. Daí eu querer, neste momento, ter tido a honra de ter sido o primeiro a aparteá-lo num discurso que, na Câmara, chamaríamos de Grande Expediente. Aparteá-lo para dizer que aqui teremos momentos de concordâncias, de discordância. Vou concordar com V. Exª ou discordar de V. Exª sem nenhum preconceito; vou concordar ou discordar de V. Exª com mais ou menos intensidade, a depender do fato em si, sem ter qualquer sensação de que V. Exª deveria ser alguém estigmatizado. Em outras palavras, de maneira muito limpa e muito clara, eu olho para aqueles episódios com muita curiosidade. A pergunta que eu me faço hoje é, se V. Exª tivesse dado tudo o que pudesse para se manter no poder, se não se teria mantido no poder; se tivesse retalhado o seu governo... Eu vi V. Exª praticar, do ponto de vista econômico, um suicídio, praticar uma política econômica que julgava equivocada, inflação de 26% ao mês, e V. Exª persistindo na política econômica quando era muito fácil ter aberto as comportas do populismo econômico, deixava pura e simplesmente a inflação galopar, daria à sociedade aquela sensação de alívio imediato que a irresponsabilidade fiscal e monetária dá. A outra fórmula mágica, velha, superada, que é detestável, teria sido retalhar o governo, dividi-lo pelos partidos. Eu sempre entendo que coalizão é necessária e que é bom se ter maioria. Quando Allende morreu, não me lembro de quase nada do que falaram sobre ele, eram sempre aquelas coisas do tipo “grande homem”, grande isso, grande aquilo. Essas coisas que ficam, que todo mundo diz de todo mundo quando alguém ilustre morre.

Mas Enrico Berlinguer, Secretário do Partido Comunista Italiano - hoje Partito Democratico di Sinistra (Partido Democrático de Esquerda) -, disse uma frase que foi a única que guardei de todas as que li sobre Allende. Ele disse: “Maioria escassa não vale”. Então, qual é a razão que me leva a redobrar a vigilância em relação ao Governo que aqui está? Sou Líder de um Partido de oposição ao Governo que aqui está. É que vejo uma movimentação terrível: são quatrocentos Deputados, trezentos e cinqüenta Deputados, em torno de quê? Qual é o projeto? Qual é a emenda constitucional que está em voga? Impedir a CPI não impede, até porque há uma que acabou de ser aprovada pela Minoria, por mais de um terço dos Deputados da Câmara. Se não existe um projeto, trazem-se para o redil do Governo Deputados, e Deputados a granel, e é de se imaginar que, mais hora menos hora, possamos ver a repetição daqueles fatos lamentáveis de pouco tempo atrás. Mas, se existe um projeto, qual é o projeto? Tocar para frente as reformas estruturais que V. Exª propôs no seu Governo e não conseguiu executar? Depois o Governo do Presidente Itamar Franco fez outra parte, o Presidente Fernando Henrique fez outra parte, e o Presidente Lula fez outra parte em seu primeiro mandato. Se existe um projeto, uma proposta, aí, então, justifica-se a preocupação com um número tão avassalador de Deputados. Aqui, no Senado, o Governo passou a Legislatura passada toda em minoria, e não deixou de ser aprovada nenhuma matéria que fosse de interesse público. Andamos na vanguarda do Congresso o tempo inteiro. Talvez, sejamos, hoje, uma Minoria apertada. Fomos uma Maioria apertada. É essencial para o funcionamento do Congresso que haja concordância - isso também recebe a colaboração do espírito democrático do Presidente Renan Calheiros -, mas é essencial para o funcionamento do Congresso que a Oposição aqui se ponha de acordo com as votações, porque há número bastante para praticamente paralisar o Congresso Nacional! A Oposição não usou e não usa desse instrumento, porque não quer paralisar o País, pois sabe que paralisar o Congresso, paralisar o Senado significa paralisar o País. Então, não há necessidade nenhuma disso. Sempre digo que é tão mais fácil lidar conosco e dizer: “O projeto é este, vamos votar”. O voto é gratuito, não há o que discutir. Não tem de ficar inventando moda, enfim! Então, Senador Fernando Collor, eu não poderia dar-lhe um aparte de reprovação, nem estou aqui para dar-lhe um aparte de apoio. Estou aqui para dizer que recebo V. Exª, em nome do PSDB - V. Exª é bem-vindo à Casa -, para ser um Senador como nós, e para revelar de público minha inquietação. Minha pergunta é: e se V. Exª tivesse tido com o Congresso outra relação, uma relação mais aberta? Há pessoas que usam eufemismos. A bajulação é uma instituição nacional. V. Exª deve ter sido muito bajulado. Há bajuladores de vários tipos. Então, todo homem que chega à Presidência da República fica sedutor de uma hora para outra. Sou amigo do Presidente Fernando Henrique há muitos anos e nunca ouvi dizer que ele era sedutor, mas ele ficou sedutor quando chegou ao poder. O Presidente Itamar ficou sedutor. O Presidente Lula é o mais sedutor de todos, até o final do mandato dele. V. Exª deve ter sido muito sedutor até aquela altura. Assim era também Artur Bernardes; Washington Luiz, sem dúvida alguma; e Getúlio Vargas - deste, nem se fala, até porque este o era mesmo. Eu gostaria de dizer a V. Exª que, assim como há a instituição da bajulação, temos um certo poder que as pessoas dizem que se trata do calor: “O Governo tem de ser mais caloroso, o Governo tem de ser mais carinhoso”. Custo a entender como se traduz em carinho uma ação de governo. O que é carinho? É o Presidente da República, tenha ele o nome que tiver, fazer cafuné no Deputado e no Senador? Não julgo que isso seja próprio, nem republicano, nem adequado. Fazer cafuné, não! Isso é coisa de namorado. Não é para se fazer cafuné! O que é carinho? Carinho é o que se deu nos escândalos recentes? O que é carinho, enfim? Portanto, creio que V. Exª, hoje, deu importante contribuição. Dizia o Senador Antero Paes de Barros a um estudante de Direito: “Não precisa ser não-formado, mas alguém que estude e cultue o estudo do Direito”. Esse não é meu caso, embora eu seja bacharel em Direito. É uma grande contribuição! Esse é um discurso que foi recebido com muita ansiedade, que não decepcionou e que marca seu ingresso, no seu estilo, como Senador pleno, com assento nesta Casa, representando seu Estado, Estado muito afortunado, que, pela segunda vez, elege um Presidente do Congresso e que teve a honra de ter tido, apesar da sua escassa representatividade eleitoral, três Presidentes da República: Deodoro, Floriano e V. Exª. Portanto, seja bem-vindo à Casa! Vamos, pura e simplesmente, sem mais prolegômenos, colocar-nos sempre à disposição do debate e da conversa não-preconceituosa. E volto a dizer: V. Exª é um Senador pleno com assento nesta Casa, representando o bravo povo das Alagoas. Muito obrigado, Senador.

O Sr. Epitácio Cafeteira (Bloco/PTB - MA) - Senador Fernando Collor, V. Exª me permite um aparte?

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Muito obrigado.

Concedo um aparte ao Senador Romeu Tuma e, em seguida, ao Líder do PTB, Senador Epitácio Cafeteira, não sem antes dizer algumas palavras a respeito do que afirmou aqui o Senador Arthur Virgílio.

Um dos grandes equívocos que, sem dúvida, cometi como Presidente da República - e isso está dito em algum momento em meu pronunciamento - foi o de ter tido com o Congresso Nacional uma relação não adequada. Digo que tive uma relação não adequada, porque dediquei 80% do meu tempo à administração. E, nesse regime presidencialista, que entendo ser caduco, obsoleto e anacrônico, o Presidente da República é o Líder político da Nação e tem de fazer política, sobretudo. Em relação ao Congresso, acredito que o que queremos, o que desejamos é consideração.

Há uma passagem ocorrida nos anos 50 quando o então Senador Juracy Magalhães - não sei se ele estava no exercício do mandato - era candidato ao Governo da Bahia. Era o último comício, com a praça cheia. Ele termina seu discurso e desce do palanque. É aquela cena que todos conhecemos, quando descemos a escada: a população acorre, e todo mundo quer apertar a mão do candidato, abraçá-lo. Todos já experimentamos isso - nós o experimentamos cotidianamente. Nesse momento, o Senador Juracy sentiu o braço direito dele preso por alguém que o segurava fortemente. Ele queria levantar o braço para cumprimentar as pessoas, para acenar e não conseguia. Nisso, ele viu que quem o segurava era um senhor. Pegou, então, um trocado e colocou-o na mão do senhor, pensando: “Bom, com isso, ele vai me deixar com o braço liberto”. Mas o senhor continuou agarrado no braço dele. Ele se vira para o senhor e diz: “Mas, meu amigo, eu já não lhe dei um dinheirinho? O que você quer mais?”. Ele respondeu: “Ah, Dr. Juracy, eu quero consideração”. Na realidade, o que ele queria era que o Juracy olhasse para ele, perguntasse algo, manifestasse alguma atenção.

É exatamente isto o que penso: dentro desse sistema presidencialista que aí está, inteiramente obsoleto - data venia opinião em contrário -, é preciso que o Presidente da República esteja absolutamente afinado com o Congresso.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Só não sei se esse tipo de consideração ia bastar.

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Bom, esse é outro ponto, mas acredito - e o tiro por mim, por V. Exª e por todos os outros, posso assim dizer - que o que desejamos do Presidente da República é a consideração de um telefonema, mesmo para alguém da Oposição: “Ouvi seu pronunciamento, ouvi sua crítica. Obrigado por ter me alertado para isso”. É preciso que ligue para alguém da sua base e diga: “Obrigado pela defesa que fez do meu Governo. Eu gostaria de reunir vocês para explicar qual é meu programa de Governo, qual é a idéia que tenho a respeito desse ou daquele projeto”. Isso é consideração. Creio que é isso o que cativa. Quando se procede de maneira diferente, é porque não está havendo paciência suficiente para se ter essa consideração.

Concedo um aparte, por favor, ao Senador Romeu Tuma. Em seguida, eu o concederei ao Senador Epitácio Cafeteira.

O Sr. Tasso Jereissati (PSDB - CE) - Senador Fernando Collor, apenas quero alertá-lo de que eu também gostaria de fazer um aparte.

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Pois não, Senador Tasso.

O Sr. Tasso Jereissati (PSDB - CE) - Obrigado.

O Sr. Aloizio Mercadante (Bloco/PT - SP) - Peço-lhe que também me conceda um aparte depois.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Senador Collor, eu pediria desculpas por interromper seu pronunciamento, porque V. Exª está fazendo um discurso histórico que revela as páginas contemporâneas de um período difícil e amargo pelo qual V. Exª passou, assim como a Nação e todos aqueles que, por sua deferência, puderam trabalhar ao seu lado. Recebi, agora, um telefonema da minha esposa, Zilda, que me disse: “Você tem de falar alguma coisa. O Presidente Collor foi tão elegante ao descrever seu comportamento ético e moral na direção da Polícia Federal naquele período, que você não pode ficar em silêncio”. Realmente, quando me convidou, V. Exª o fez baseado no princípio, Senador Collor, de que eu tinha um comportamento ético, correto e respeitoso a todo o ordenamento jurídico da Nação. Aceitei o convite, o que foi uma honra para mim. V. Exª tomou uma iniciativa audaz, ao me fazer acumular dois cargos. Assumi a Secretaria da Receita Federal, surpreendendo a Nação. Tornei-me uma pessoa com um poder que poderia ser inigualável, mas soube, seguindo o direcionamento e as ordens de V. Exª, comportar-me com ética e com respeito ao cidadão, sem nunca abusar da força que V. Exª tinha me proporcionado ao assumir os dois cargos. V. Exª foi correto na exposição que fez, quando se referiu à atuação isenta da Polícia. O Senador Arthur apresentou uma questão - que, acredito, não caberia no discurso de V. Exª - sobre a LBA. Recebi um telefonema do então General Agenor, Chefe da Casa Militar, dizendo que V. Exª queria que o juiz decretasse a prisão preventiva dos acusados. E eu disse: “É difícil, porque ainda não temos os dados concretos; o processo está sob investigação”. Procurei o juiz, que tentava, de alguma forma, uma solução com o Superintendente da Polícia Federal de São Paulo. Mas não alcançávamos o objetivo, porque faltavam dados que a investigação poderia oferecer no futuro. Também depus na Justiça, Senador - não foi só aqui -, como testemunha de que, em nenhum momento, V. Exª ou qualquer membro do seu Governo, mesmo um Ministro, chamou-me para tomar qualquer medida que pudesse proteger o andamento das investigações em contrário aos interesses de V. Exª. Não. V. Exª queria que a apuração fosse feita com isenção, com clareza e com objetividade, para que se chegasse à conclusão correta dentro da lei vigente. Há outro fato que trago guardado no coração há 15 anos. Nem sei se eu teria coragem de mencioná-lo hoje, mas temos obrigação com a Nação, e V. Exª está cumprindo com sua obrigação, relatando os fatos. Durante o período do processo de impeachment, entrando no Palácio, encontrei um Ministro das Forças Armadas. Um deles - havia três; não havia o Ministério da Defesa -, meu amigo, respeitoso, um homem amante da democracia e do País, achava que estava havendo muita injustiça. Não estou entrando no mérito, apenas relatando um fato, Sr. Presidente. Ele, então, propôs a V. Exª medidas radicais, para que se evitassem certas injustiças que, de acordo com o conhecimento dele, eram praticadas contra V. Exª. E disse-me ele: “Não consegui convencer o Presidente. Ele se recusou a isso”. Esse é um fato. Não sei se se é democrata quando se diz ser ou se o reconhecimento dessa característica é dado àquele que toma atitudes democratas. Não tenho razão para duvidar do que me falou o então militar, mas não sei se essa revelação pode ter trazido alguma amargura a V. Exª. Mas esse fato é algo que está dentro do meu coração, da minha alma. Eu poderia perguntar-lhe isso particularmente, mas preferi falar à Nação. Muito obrigado.

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Muito obrigado, Senador Romeu Tuma. V. Exª sabe da admiração e do respeito que por V. Exª nutrimos, não somente eu, mas todos os seus Pares nesta Casa, bem como o Estado de São Paulo e a população brasileira. V. Exª foi um dos mais corretos, leais e abnegados servidores públicos que a Polícia Federal conheceu e com quem tive o privilégio de conviver quando fui Presidente da República. Muito obrigado, mais uma vez, pela correção com que V. Exª sempre se houve no exercício das suas atribuições, Senador Romeu Tuma. Agora, sinto-me particularmente homenageado de poder fazer parte de um Colegiado em que V. Exª tem assento, representando, com brilhantismo, o Estado de São Paulo. Muito obrigado.

Ouço o aparte do Senador Epitácio Cafeteira, Líder do PTB nesta Casa.

O Sr. Epitácio Cafeteira (Bloco/PTB - MA) - Nobre Senador e ex-Presidente da República Fernando Collor, vivi muito durante todo o meu trajeto, mas há coisas de que não nos esquecemos. Lembro-me de que, em uma das camisetas que V. Exª usava para fazer cooper, estava escrito que “o tempo é o senhor da razão”. Isso é absolutamente certo. V. Exª esperou. Primeiramente, foi julgado e inocentado pelo Supremo. Continuou sua luta. Agora, o povo das Alagoas lhe dá o mais alto cargo do Legislativo brasileiro: Senador pelas Alagoas. Congratulo-me com V. Exª, exatamente, pela obstinação, no sentido de usar a tribuna do Senado, nesta Casa, em que o mandato de V. Exª foi cassado, para, também daqui, ter a oportunidade de levar ao Brasil toda a história da cassação de seu mandato. Repito: congratulo-me, portanto, com V. Exª. Sou um homem feliz, porque tenho a oportunidade de ser o Líder de um ex-Presidente que nunca se esqueceu de dar ao povo a demonstração do que foi seu Governo e da injustiça que sofreu.

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Muito obrigado, Senador Epitácio Cafeteira, Líder do nosso Partido Trabalhista Brasileiro. Fomos companheiros, Governadores de Estado, e, desde aquela época, sempre nutri grande simpatia por V. Exª, pelo seu espírito aberto e democrata e, sobretudo, pela seriedade com que sempre soube conduzir os negócios do Estado e com que tão bem soube exercer os mandatos legislativos que lhe foram conferidos.

Hoje, como decano desta Casa - eleito pelo seu Estado com um percentual de votos extraordinário, praticamente sem fazer campanha -, V. Exª é também muito homenageado, não somente pelo seu povo, que lhe quer e que o admira, mas também por todos nós, Senadores, que temos por V. Exª muito respeito e afeição. Obrigado pelas suas palavras.

Concedo um aparte ao Senador Tasso Jereissati.

O Sr. Tasso Jereissati (PSDB - CE) - Senador Fernando Collor, permita, ao comentar o discurso que V. Exª aqui fez, que eu me manifeste com toda a sinceridade. Primeiramente, quero dizer que, à época do seu impeachment - hoje V. Exª trouxe à tona a sua visão de como o processo aconteceu -, eu era presidente do PSDB, como hoje ainda o sou. Não era Parlamentar, mas era, àquela altura, presidente do PSDB. Por essa razão, acompanhei todo o processo que se desenvolvia - vendo-o de fora - no Congresso Nacional e perante a opinião pública. Inclusive tive a oportunidade de conversar com V. Exª sobre a crise que envolvia o Brasil em alguns momentos. Hoje, quero fazer uma constatação - acho até que não é o momento adequado para colocar em julgamento o mérito das questões, até porque V. Exª vive um novo momento - por haver vivido os dois momentos como presidente do PSDB. Repito: sem fazer qualquer julgamento de mérito, nem em nenhum momento apresentar qualquer sentimento de arrependimento pela forma como o PSDB se conduziu naquele momento - isso pode até ser revisto um dia. Quero fazer uma constatação inevitável: sem dúvida alguma, o comportamento da classe política brasileira, da sociedade brasileira como um todo, principalmente das chamadas elites brasileiras, mudou radicalmente em relação a denúncias quando feitas no seu Governo e quando feitas recentemente. Novamente, repito: não estou fazendo qualquer julgamento de mérito nem daquela época, nem da de agora. Apenas faço uma constatação de quem viveu esses dois momentos como presidente de Partido. Denúncias que me pareceram graves à época foram vistas com absoluto rigor, e, como V. Exª disse aqui, em determinados momentos, com tamanho rigor que, inclusive, atropelaram formalidades legais. Vivi, agora, momentos em que denúncias também foram feitas - novamente, não estou julgando se com fundamento ou não -, e com absoluta tolerância por parte da chamada elite brasileira, a elite intelectual. Lembro-me de que alguns artistas, algumas pessoas públicas que, em determinados momentos, ousaram ter posições favoráveis a V. Exª quando Presidente da República foram praticamente queimadas diante da opinião pública. Hoje, não; hoje, vejo declarações de grandes artistas dizendo que “isso faz parte da política”, “isso é assim mesmo”, ou seja, dando um enfoque completamente diferente do daquela época. Não sei se o Brasil mudou, para melhor ou para pior - também não é o momento de discutirmos isso -, não sei se o Brasil evoluiu ou involuiu; não sei se era preconceito, pelo fato de V. Exª, apesar de ser um homem nascido de família abastada, ter vindo de fora do establishment de poder tradicional do País; não sei se por causa da região, ou se foi, realmente, uma grande evolução que houve neste País, mas foi diferente. Creio que um dia a História vai estudar isso melhor. O importante é que - a meu ver - não vale discutir o mérito neste momento, porque V. Exª pagou um preço muito alto diante de todas essas circunstâncias. Talvez V. Exª tenha sido o homem público da História recente do País que pagou o mais alto preço por eventuais erros cometidos - se é que os cometeu. E, já havendo pago muito caro por isso, foi - não sei se a palavra é “anistiado”, porque não cabe -trazido de volta à vida pública pelo voto do povo de Alagoas. De nossa parte, como democratas que somos, julgamos isso mais do que suficiente para o considerarmos um homem de grande experiência política, perfeitamente reintegrado à vida política brasileira. A experiência, vivência e até os sofrimentos pelos quais V. Exª passou serão muito importantes para que esta Casa possa atingir um alto nível, adequado àquilo que o Brasil espera de todos nós. Mais do que a experiência e a vivência, talvez o próprio sofrimento seja o que V. Exª vai trazer de mais importante para todos nós, Senadores, dentro deste seu novo momento político. E eu gostaria de, também em nome do PSDB, dar-lhe as boas-vindas não só a esta Casa, mas à vida política brasileira.

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Muito obrigado, Senador Tasso Jereissati, pelas palavras tão generosas. V. Exª, além de companheiro de geração, participou de momentos cruciais da vida política deste País em relação ao meu período como Presidente. Em duas oportunidades, estivemos muito próximos de ter um entendimento que viabilizasse a governabilidade do meu período como Presidente e que, infelizmente, por motivos que não nos cabe agora discutir, não foi possível. Mas eu teria tido muito prazer e muita honra se todos aqueles entendimentos entabulados com o então Presidente Franco Montoro tivessem dado certo. Talvez a história fosse outra. Talvez os rumos da minha administração fossem tomados de uma forma mais adequada ao momento, de forma, sobretudo, a me precaver contra os equívocos que cometi quando Presidente da República, sobretudo na minha relação com a classe política.

Muito obrigado a V. Exª pelas palavras.

Continuando, Sr. Presidente...

O Sr. Aloizio Mercadante (Bloco/PT - SP) - Presidente Collor, V. Exª me concede um aparte?

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Pois não. Ouço o aparte do Senador Aloizio Mercadante, e, em seguida, do Senador Mão Santa.

O Sr. Aloizio Mercadante (Bloco/PT - SP) - Presidente Collor, eu não poderia me omitir neste momento. De um lado, para deixar explícito o que eu lhe disse desde o primeiro dia em que V. Exª chegou a este plenário. Eu o considero um Senador como todos os demais, que construiu seu mandato pela urna, pelo voto do povo de Alagoas, e será tratado, nessa condição, com o mesmo respeito e a mesma consideração, sem qualquer tipo de revanchismo ou de tratamento que não seja o reconhecimento da vontade legítima e democrática do povo de Alagoas. Nossa relação, nos dias iniciais desta Legislatura, tem sido respeitosa, cordial e construtiva. Mas, quando fazemos o balanço da história, é evidente que temos posições diferentes. É muito oportuno o pronunciamento de V. Exª. Oportuno que suba à tribuna e defenda sua visão, suas convicções, seu mandato, e que faça as advertências para a sociedade brasileira a respeito de toda a experiência traumática, dolorosa e, ao mesmo tempo, rica, que atravessamos naqueles dias turbulentos, que vivi com muita intensidade. Eu estava do outro lado. Percorri o Brasil acreditando em um outro projeto. Também éramos um pequeno Partido, com apenas sete Deputados Federais. Foi uma disputa duríssima. Às vezes, penso que houve excessos desnecessários na disputa eleitoral, que deixaram marcas para o futuro. Mas foi uma disputa que V. Exª venceu, e consideramos e reconhecemos a vitória. No início do mandato, apesar de muitas divergências - é inegável que as dificuldades eram imensas, a margem de manobra muito pequena, e não havia muito espaço para a política econômica de um novo governo -, V. Exª tratou de temas difíceis. Em um balanço, depois de tanto tempo, eu diria que algumas coisas foram importantes para a construção futura da História do Brasil. Mas eu estava do outro lado. Não compartilho com aqueles que consideram que o trabalho da CPI ou o impeachment se deveram à falta de uma relação republicana entre o governo e o Congresso. Eu estava na dimensão republicana do meu mandato, daquilo que eu pensava que era o meu mandato. E, naquela CPI, com pessoas como Mário Covas, Pedro Simon, Maurício Corrêa, o Senador José Paulo Bisol e Jackson Pereira, que também não está mais aqui - era um Deputado do PSDB e estava comigo naquele trabalho -, uma parte representativa daquele esforço não era de homens públicos que alterariam a sua atitude em função de qualquer outro tipo de negociação que não fosse a apuração dos fatos, a busca da verdade, da transparência, a investigação de graves denúncias que haviam sido apresentadas. Excessos, seguramente, ocorreram. Mas eu digo, com a mesma franqueza que V. Exª apresentou hoje aqui, que fiz e participei daquela CPI com a mesma convicção que, tenho certeza, Pedro Simon, Eduardo Suplicy, Mário Covas e outros participaram. Eu entendia que estava contribuindo para a transparência, para a ética na política, para a mudança, para o aperfeiçoamento das instituições democráticas do Brasil. Fui Líder de um Governo que viveu acusações graves, como foram mencionadas aqui. Sou militante de um partido que sofreu acusações e denúncias graves, que todos aqui acompanharam. Mas esse sentimento de apurar as coisas, de exigir a verdade, de exigir a transparência é uma virtude democrática que tem que ser preservada e valorizada. A maturidade democrática vai permitir que o Brasil saiba corrigir as injustiças, que não cometa, eu diria, o açodamento, às vezes, de um denuncismo que pouco constrói. Mas, ao mesmo tempo, não podemos olhar para a História sem considerar que os erros têm de ser identificados, apurados e punidos com rigor. V. Exª pagou um preço muito alto e reconstruiu sua vida na disputa democrática, mas, assim como V. Exª tem a convicção do mandato que construiu, eu tenho orgulho de ter participado daquela CPI, de ter lutado pelo que lutei. E deixo claro que, se alguns mudaram de posição ou de lado na véspera do impeachment pelo calor da opinião pública, outros não o fizeram por isso, mas pela verdadeira convicção democrática de que havia equívocos gravíssimos no governo e que aquilo não podia continuar. Espero que na convivência prolongada que teremos possamos aprofundar esta conversa e esclarecer episódios. Tenho todo interesse em conhecer talvez uma dimensão que nem foi possível conhecer. Mas eu não seria sincero, não seria verdadeiro, não seria franco, não seria correto comigo e com companheiros que não estão aqui hoje para se posicionar se não dissesse isso com todo o respeito a V. Exª. Fiz o que a minha consciência e o meu mandato julgavam que devia ser feito. Muito obrigado.

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Senador Aloizio Mercadante, eu não tenho dúvida nenhuma de que dentre aqueles que participaram das diversas etapas do processo de impeachment havia pessoas que, como V. Exª, agiram única e exclusivamente com base em seu convencimento, sem qualquer outro tipo de interesse, sem qualquer outra vontade que não a de sinceramente apurar os fatos, tomar sua posição e chegar à sua conclusão. Mas, sem dúvida nenhuma, V. Exª dever ter à época percebido - e aqui, no resto do meu discurso, alguns fatos eu poderei relatar - que não foram somente atropelos das normas jurídicas. O que houve foi uma violação, uma violência cometida contra o Estado de Direito Democrático. Eu não me insurgi em nenhum momento a que a CPI fosse instaurada. Em nenhum momento. V. Exª sabe, como também os Srs. Senadores, que o Presidente da República, no exercício das suas funções, caso não deseje que uma CPI se instale, ele pode até não conseguir, mas ele tem mecanismos para colocar em ação para evitar a instalação da CPI. Eu, ao contrário, disse: “Faça-se a CPI”. Ao contrário, eu disse: “Investigue-se tudo”. V. Exª sabe que eu poderia muito bem chegar até a Receita Federal e dizer: “Isso aqui é uma perseguição, é uma ação deletéria, o Governo não vai fornecer qualquer tipo de informação para que essa CPI se transforme em um cavalo-de-batalha contra o Governo”. V. Exª era muito próximo, talvez não da segunda equipe, mas da primeira equipe do governo, e sabia muito bem o que nos inspirava e o que nos animava naquele momento. Éramos um grupo de jovens idealistas que pretendia mudar o Brasil. Acreditávamos que essa mudança poderia ser rápida, poderia ser eficiente. Bastava o nosso desejo, o nosso idealismo e os votos que havíamos recebido, depois de quase trinta anos sem que o povo pudesse escolher seu Presidente pelo voto popular, para que isso fosse possível. Mas acolho, com satisfação, seu aparte, nobre Senador Aloizio Mercadante.

Ouço V. Exª, Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Presidente Collor, Shakespeare disse que não há bem nem mal: o que vale é a interpretação. Vou dar minha interpretação, contrariando os que viveram no Congresso. Eu era Prefeito. Deus me permitiu governar a minha cidade e o Estado do Piauí com o Presidente Sarney, com V. Exª, Presidente Collor, com Itamar e com Fernando Henrique Cardoso. V. Exª foi um extraordinário Presidente da República! Presidente Renan, trabalhei por esse Collor mais do que pelas minhas eleições. E sabe por quê, Renan? Por medo! Tenho de confessar. Juscelino disse: “eu tenho medo de ter medo”. Mas a gente tem. Sabe como? Eu era Prefeito da cidade de Parnaíba. Atentai bem! Ficava apavorado! Todas as Prefeituras estavam sendo invadidas. Estávamos vivendo um clima - e acho que Deus escreve certo por linhas tortas -, e o Presidente Lula da Silva era o líder, de invasões. Em Parnaíba, não! Não por minha autoridade, mas porque lá tem a Capitania dos Portos - vínhamos do regime militar -, tem tiro-de-guerra, polícia. Mas todas, pelo Brasil afora, ele invadiu. Então, falei para o meu secretário: vamos trabalhar para esse homem, porque assim a gente vai já ser invadido; esse Collor tem de ganhar! V. Exª irradiou uma autoridade tão grande que, de repente, no País - porque estavam aí os comandos grevistas - leu-se novamente na bandeira “Ordem e Progresso”. Essa é a verdade, aquilo que todo mundo viu. Errar é humano. Acho que o Congresso errou. Vi a cassação de V. Exª, assisti a ela toda. Nesse dia, Presidente Renan Calheiros, encontramos... Até antes, lá nas praias do Piauí. E não fui à Prefeitura. Sentei-me no chão e fiquei assistindo pela televisão. E vi um que passou para nos inspirar, para nos guiar: Luís Eduardo Magalhães. Ele era filho de Antonio Carlos Magalhães, mas a grandeza dele foi vista naquele dia. Assisti a todos os pronunciamentos, pude ver a diversidade. E é Luís Eduardo Magalhães que respeitamos, é dele que nos orgulhamos. Ele ficou ali, advertindo o erro. Então, acho que aceitamos. Quem não aceitou o julgamento de Cristo? O que podemos fazer? Quem não aceitou o julgamento de Sócrates? Queimaram Joana D’Arc. Mas V. Exª está aí. Além daquilo que vemos, a história da carroça, a sua visão, a globalização, a abertura, vou dizer-lhe: lá na minha cidade, havia um hospital inacabado, cujo nome coloquei o do Senador que tombou aqui, Dirceu Arcoverde, porque era da Fundação de Saúde Waldir Arcoverde, do seu Governo, e era Ministro aquele extraordinário homem, Alceni Guerra. E não é isso: de repente - é verdade - creches.

Arthur Virgílio, onde está o Mercadante? Não há creche. Olha, era só Adalgisa ver um menino na rua, que fazia uma creche. V. Exª e a LBA - não vou entrar em detalhes - tiveram um lado muito bom, porque não ficava criança desamparada no seu Governo. Tanto é verdade, que, ao sair dali e voltar para meu consultório, ganhei uma eleição para Governador, o que ninguém acreditava. Fui Prefeito, quando V. Exª era Presidente da República. Presidente Renan Calheiros, aqui estiveram João Calmon, Darcy Ribeiro, Cristovam Buarque: é a educação, a capacidade. Ninguém fez mais do que V. Exª. Aqueles Caics eu inaugurei em Parnaíba. E mais, fui Governador dois anos depois, e dezenas de Caics estavam lá e continuaram; consegui colocá-los para funcionar. Não existem, nos 507 anos de Brasil, estruturas tão dedicadas à educação como os Caics de V. Exª. Arrependido pode estar o Congresso. Sei Psicologia mais do que os que falaram, porque sou médico; não adianta, sempre vão buscar uma justificativa. Mas não estou arrependido; nós votamos em V. Exª. Presidente Collor, no nosso Nordeste, aprendemos aquilo que se diz: “a vida é um combate que aos fracos abate e aos fortes, aos bravos só pode exaltar.” V. Exª é esse forte e bravo. Mas terminaria com o que vemos nas músicas, porque a música fala muito mais do que discurso e palavra. Estão aí os salmos: “O Senhor é meu pastor, e nada me faltará”. É uma música de Davi. Então, a música do Brasil diz que ninguém se perde no caminho de volta. V. Exª está aí e é um orgulho da democracia, do Nordeste, do nosso País.

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. V. Exª sempre me cumula com muita atenção, com muita generosidade nas palavras que profere. E, com sua autenticidade e sabedoria, expressa-se de uma maneira que o nosso povo compreende, entende e gosta.

V. Exª disse bem. Na votação do pedido do meu impeachment pela Câmara dos Deputados, vários e bravos companheiros também demonstraram a absoluta convicção, a absoluta certeza de que o que estava se desenrolando era algo que visava, única e exclusivamente, a retirar da Presidência alguém que havia sido para ela legitimamente eleito, entre eles, o saudoso Luís Eduardo Magalhães e, aqui presente, o Deputado Roberto Jefferson, que, até o último instante, ficou ao nosso lado.

Foram 36 Deputados que votaram contra o impeachment. E alguns de V. Exªs devem lembrar-se de cenas: “Pela minha mãe, pelos meus filhos, voto “sim” pelo impeachment.” V. Exªs devem até ter se sentido incomodados com certos tipos de voto, porque não foram votos dados pela convicção, pela certeza formada, mas por outros interesses que estavam minando as bases dos princípios republicanos naquela Casa do Congresso.

Com a permissão de V. Exªs, continuo.

Não houve, então, necessidade de se aguardar qualquer das sessões anunciadas para constituir a comissão destinada a apreciar o pedido de impeachment, entregue no dia 1º de setembro. No dia imediato, o Diário da Câmara publicou ata da reunião do Presidente, como disse, com os Lideres partidários, realizada nesse dia, às 18 horas e 10 minutos, em que S. Exª e os demais participantes acordaram instituir a Comissão Especial para dar parecer ao pedido de impeachment da véspera, constituí-la com 49 membros titulares, igual número de suplentes, e distribuir as vagas entre as diferentes legendas.

Por meio de ata da Presidência desse mesmo dia, foram designados os seus integrantes. O rito seguia seu curso de urgência: seis dias depois, oito de setembro, pela Mensagem nº 013/92, fui comunicado da leitura e da tramitação da matéria, tendo sido assinado o prazo de cinco sessões, a esgotar-se às 19 horas do dia 15 de setembro, para, querendo, manifestar-me. Meus direitos começavam, Srªs e Srs. Senadores, a ser violados, contra a letra expressa do próprio Regimento Interno da Câmara.

Concluí, então, que não haveria julgamento, Sr. Presidente, e menos ainda a isenção necessária que deve presidir o princípio do devido processo legal. Podia contar, quando muito, com uma sentença previamente prolatada.

Muitos pagariam qualquer preço para abreviar um julgamento que devia ser isento e ponderado, ignorando todas as normas de um Estado de Direito democrático. Sabia que, a partir daí, minha defesa e minhas razões seriam ignoradas. Mais uma vez, provei o travo amargo dos antagonismos que tanto marcam, infelizmente, a política em nosso País.

Quem recorrer ao primeiro dos quatro volumes editados pelo Senado sob a denominação de Autos do Processo de Impeachment do Presidente da República vai constatar que as atas das sessões da Câmara, entre os dias 01 e 08 de setembro, páginas 399 a 420, estão ilegíveis porque são fotorreproduções das notas taquigráficas emendadas à mão. Tratava-se da aplicação do princípio da tal celeridade possível, proclamado pelo Presidente da Câmara. Não havia tempo sequer para passar a limpo os rascunhos da taquigrafia, algo que nunca ocorrera nos Anais do Parlamento brasileiro.

No próprio dia 08, ante a decisão do Presidente da Casa, que indeferiu todas as questões de ordem suscitadas pelos Deputados Gastone Righi, Roberto Jefferson e Humberto Souto, que recorreram de seu autêntico ucasse , criou-se a Comissão Especial, em seguida instalada, na mesma oportunidade em que foram eleitos seu Presidente, o Deputado Gastone Righi, três vice-presidentes e o relator, o Deputado Nelson Jobim.

Colocado ante o inusitado prazo de cinco sessões para manifestar-me, restavam-me duas alternativas: submeter-me ao ato arbitrário ou recorrer ao Judiciário para tentar restabelecer o império da lei no processo de cujos resultados já não me restavam mais dúvidas.

No dia 09 de setembro, o Dr. José Guilherme Villela, já constituído meu advogado impetrou o Mandado de Segurança que tomou o número 21.564-0/160, parcialmente deferido no dia seguinte pela mais alta Corte de Justiça do País, para assegurar ao Presidente da República um prazo de dez dias para a sua defesa. Nessa mesma data, o Deputado Gastone Righi, na qualidade de presidente da Comissão Especial, solicitou ao Presidente da Câmara, pela primeira vez, a remessa dos autos da CPMI, da representação dos denunciantes e dos documentos a ela anexados.

Com a decisão do STF, o prazo para a apresentação de defesa foi dilatado, então, até o dia 24 de setembro. Em 21 do mesmo mês, a três dias de expirar-se o prazo da defesa, ante a petição do Dr. José Guilherme Villela, o Deputado Gastone Righi, Presidente da Comissão Especial requereu pela segunda vez, por escrito, a remessa dos autos da representação de impeachment. No dia 22, antevéspera de esgotar-se o prazo dado pelo Supremo Tribunal Federal para o exercício do direito de defesa, o Presidente da Comissão Especial comunicou ao Dr. Villela estar “impossibilitado de atender à solicitação de vista feita duas vezes oralmente e, na terceira, por escrito, eis que não foram remetidos até a presente data, pela egrégia Presidência da Câmara, os originais da petição inaugural, os autos da CPMI e os documentos ali coligidos que embasam a inicial, apesar dos requerimentos encaminhados em 09/09/92 e reiterados em 21 de setembro de 1992.” Com essa atitude, a Comissão decidiria, sem ter conhecimento das acusações e dos autos do processo.

O açodamento encobria o propósito de violar os mais elementares direitos de quem estava em causa. Ao impor o prazo de cinco sessões à defesa, ao negar acesso aos autos da pretensa denúncia e ao não permitir a realização de diligências nem aceitar a indicação de provas e testemunhos, aquele que deveria servir de juiz e dirigir a decisão sobre o pedido de instauração do processo contra o Presidente da República ignorava, ao mesmo tempo, tanto expressas disposições regimentais daquela Casa, quanto provisões da Constituição Federal.

Em primeiro lugar, o art. 188 do Regimento, que estipulava votação por escrutínio secreto no caso de instauração de processo contra o Presidente da República; em segundo lugar, o art. 217, ao prever que, perante a Comissão, o acusado ou seu defensor terá o prazo de dez sessões para apresentar defesa escrita e indicar provas; e, em terceiro lugar, as garantias do art. 5º, inciso LV da Constituição Federal, ao dispor: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Apesar da generosidade de V. Exªs em ouvir-me, seria impossível ler, ainda que resumidamente, a prova de erudição e de cultura jurídica produzida pelo Dr. José Guilherme Villela, que me assistiu durante todo esse dramático momento da minha vida pública.

As alegações preliminares em minha defesa, caso inédito nos anais judiciais do País, foram produzidas sem que ao meu advogado fosse dado vista quer dos autos da CPMI, quer da petição sobre a qual a Câmara teria que decidir sobre a licença para instauração do processo de impeachment. Graças à sua qualificação profissional e ao seu profundo conhecimento da hermenêutica e do ordenamento jurídico do País, foi possível coibir alguns dos abusos, retificar vários erros e prevenir as mais graves agressões ao Direito praticadas contra o Chefe de Governo.

Como advogado e jurista, coube-lhe garantir alguns dos mais elementares direitos de qualquer cidadão, reparando, pelo menos, um dos mais graves abusos praticados no curso desses processos.

Repetir-se-ia, no âmbito da Câmara, portanto, o que já ocorrera durante os trabalhos da CPMI: a ligeireza e a forma precipitada como foram conduzidos os trabalhos. Foi nesse ambiente, coalhado de atropelos praticados em quase todas as fases do processo, que o Dr. José Guilherme Villela deixou consignado o lastimável procedimento quando, referindo-se aos sucessivos pedidos de acesso aos autos do processo, tornou explícito o seu protesto escrevendo que: “O advogado signatário não pôde examiná-los, sendo submetido, assim, ao constrangimento de defender seu eminente constituinte sem sequer conhecer as provas acusatórias.”

Nem o mais tirano dos tribunais de exceção, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, teria atuado com mais eficácia do que o Presidente da Câmara na prática da urgência descabida e desnecessária, uma vez que, como escreveu Samuel Hungtinton: “O tempo é o único recurso absolutamente inadministrável da política.”

Constrangido pelo Supremo Tribunal Federal a conceder-me o prazo de dez sessões para apresentação de sua defesa, S. Exª estipulou o dia 24 de setembro, data limite para que a Comissão Especial, para esse fim constituída, encerasse a deliberação a respeito da denúncia. Mesmo sem ter acesso aos autos, quer da CPMI, quer dos autores do pedido de processo, meu advogado apresentou sua defesa no dia 22 de setembro. Nessa mesma data, dois requerimentos firmados por vários deputados solicitaram a convocação de sessão extraordinária da Comissão Especial destinada a dar parecer ao pedido de instauração do processo de impeachment, que se realizou no dia seguinte, 23 de setembro às 20 horas.

Desta mesma data é o parecer do Relator, o eminente Deputado Nelson Jobim, e de três outros requerimentos para que nova sessão extraordinária fosse realizada no dia seguinte.

Tal era a urgência com que se conduzia o processo que um dos pedidos propunha fosse a sessão realizada às 10 horas da manhã, a outra às 15 horas e a terceira às 21 horas. Feita a leitura do parecer, foi concedida vista conjunta aos Parlamentares que a requereram e convocada nova reunião para as 10 horas do dia imediato, quinta-feira, 24 de setembro, e outra no mesmo local e data, às 15 horas, para votação do parecer pela Comissão.

Na sexta-feira, 25 de setembro, em sessão plenária da Câmara, foi lido o parecer do Relator da Comissão Especial, Deputado Nelson Jobim, de quem os jornais da época, aliás, publicaram sugestiva foto, em que ele aparece assinando a peça em cima da perna, no corredor das comissões, concluindo: “Pela não apreciação do requerimento de diligências e de produção de provas, pela admissibilidade jurídica e política da acusação e pela conseqüente autorização para instauração, pelo Senado Federal, do processo por crime de responsabilidade”. Era, no mínimo, Sr. Presidente, a crônica da morte previamente anunciada.

Na terça-feira seguinte, 29 de setembro, nova sessão extraordinária da Câmara deu continuidade à discussão do parecer, encerrado a requerimento dos Líderes do PMDB, do PDT, do PSB, do PT e do PST. Procedeu-se, a seguir, à votação que concluiu pela aprovação do parecer e a conseqüente comunicação ao Senado para abertura do processo. Encerrou-se aí apenas o segundo ato de um drama com muitos figurantes, inúmeros farsantes e poucos protagonistas.

Tenho me referido de forma nominal aos personagens ainda vivos - esses personagens que viveram esses momentos. Com isso, respeito a memória dos já falecidos, mas não tenho como omitir o nome de alguns deles, a quem devo gratidão pela inteireza de sua conduta, pela sua convicção, pela coragem e desassombro de suas atitudes, pela firmeza de seu caráter e pela probidade de suas posturas.

Peço licença a este Plenário para tributar à sua memória a minha reconhecida reverência, repetindo aqui as palavras intrépidas com que afrontou as indignidades que contra mim se cometiam, ao encaminhar a votação do parecer que me afastou da Presidência. São mais do que esclarecedoras as suas palavras:

“A decisão que vamos tomar não poderia ser tomada sem que se desse ao Presidente da República o tempo e a atenção necessários ao completo esclarecimento da verdade. Desde o princípio, condenei todo o processo, porque este é o primeiro caso no Brasil em que uma solicitação dessa ordem é feita no dia 1º de setembro, e, hoje, dia 29, faltando quatro dias para a eleição, transforma-se este Plenário num tribunal de acusação. Por que, Sr. Presidente? É porque se desconfia do Legislativo? Essa decisão não seria a mesma no dia 7 de outubro? É porque se aproveita a eleição para tentar distorcer o resultado eleitoral? Não, Sr. Presidente, não me parece justo, não me parece correto. Até mesmo o Supremo Tribunal se transformou em tribunal político. Acato as decisões da Justiça, acato as decisões da maioria, mas devo registrar, neste instante, o meu protesto.”

As razões da sociedade celerada que insuflou meus adversários, ele as desvendou de forma crua, direta e premonitória.

Novamente, palavras dele:

Não tenho compromisso com o erro, mas devo afirmar, neste instante, que a união de forças que se organizou para derrubar o Presidente da Republica, por certo e infelizmente, não vai durar muito..

Ser maioria é ser mais, nunca menos responsável pelas conseqüências dos atos, que, tomados majoritariamente, se tornam irremediáveis. Por isso mesmo, o Presidente da República está sendo vítima também dos seus acertos. Temos a política de modernização da economia de mercado, a diminuição das alíquotas de importação, tão necessárias para a modernização e para a competitividade de nossa indústria, a agenda de modernização dos portos, das marcas e patentes, a liberação de todos os preços, as reservas cambiais, os acordos externos, enfim, todo um lado positivo. E, neste instante, é preciso que se tenha consciência das responsabilidades daqueles que poderão eventualmente exercer o poder.

Não acredito, Sr. Presidente, em curto prazo, nas soluções dos nossos problemas econômicos, qualquer que seja o resultado desta votação, porque entendo que os grandes acordos feitos aqui [referindo-se ele à Câmara] são completamente insuficientes para resolver os nossos problemas econômicos.

Creio que, só com a Reforma Constitucional, poderemos diminuir o Estado, tirar as amarras e equacionar a questão do déficit público.

         Entendo que este seria o momento de passar o País a limpo, e não simplesmente retirar o Presidente sem querer discutir, dando a vitória aos corporativistas e às elites brasileiras, que precisam repensar o modelo para o Brasil.

E concluiu:

Desde o início, o PFL deixou a questão em aberto, mas reafirmo minha posição: votarei contra o impedimento do Senhor Presidente da República. Concluo minhas palavras, dizendo que o interesse do povo, ao invés de uma razão, converte-se num pretexto para privá-lo de poder atender como bem quiser ao seu interesse. Reafirmo que sou responsável por meus atos e votarei contra o impedimento do Senhor Presidente da República”.

Os Anais indicam, Sr. Presidente, o clima reinante quando indicam apupos no plenário.

Declino, com reverência e com emoção, o nome de quem o destino negou ao Brasil o direito e o privilégio de tê-lo como seu Presidente e que tanto honrou a Presidência da Câmara por sua firmeza e pela inteireza de suas convicções: Luís Eduardo Magalhães.

Receba, meu amigo, o tributo de minha eterna gratidão por seu desassombro, sua coragem e sua integridade. Não é só a Luís Eduardo que devo reconhecimento e gratidão pela atitude desassombrada e firme, não se deixando vencer pela pressão da maioria. Devo-a, também, a todos que, nas diferentes fases do processo naquela Casa, reagiram contra a sucessão de ilegalidades cometidas. Protestaram contra os abusos de que eu estava sendo vítima e lutaram, com as armas do direito e do bom senso, contra o ardiloso massacre que se armou com o uso dos mais condenáveis subterfúgios.

Não foi só no Congresso que encontrei exemplos de resistência às investidas de que fui vítima. Cito como exemplo desse elevado espírito público o nome do Governador Leonel Brizola, meu concorrente na eleição presidencial. Com sua reconhecida generosidade naquela hora difícil, tive o conforto do seu estímulo e de seu inestimável apoio, circunstância que terminou por aproximar-nos, fazendo-nos, mais do que parceiros dos mesmos ideais, amigos que a política aproximou, desmentindo a postura de radical que muitos pretenderam, sem êxito, atribuir-lhe, quer em vida, quer depois de sua morte.

Desta Casa, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senado Federal, naquele momento, sempre esperei ponderação, comedimento e serenidade, sobretudo em razão do fato já mencionado, que um dos primeiros atos da 46ª Legislatura tinha sido aprovar, na Câmara, projeto que retirava do Presidente da República poderes para edição de medidas provisórias, iniciativa rejeitada aqui pelo Senado.

Fato ocorrido na composição da CPMI, porém, já tinha dissipado essa minha crença, a violação do princípio constitucional da proporcionalidade partidária na CPMI.

Leio o que, a respeito, se encontra no livro, já citado, do Consultor Legislativo do Senado, Marcos Evandro Cardoso Santi:

Criada a Comissão no dia 27 de maio de 1992, a designação de seus membros, em 1º de junho seguinte, continha o nome do Senador José Paulo Bisol, integrante do PSB, mas indicado pelo Senador do Partido Democrático Social, PDS, Esperidião Amin, fato que desequilibrou a composição do colegiado em favor dos oposicionistas.

No dia 30 de setembro, a Câmara oficiou esta Casa, autorizando a instauração do processo de impeachment. Nesta mesma sessão, o Presidente do Senado Mauro Benevides comunicou o recebimento do expediente e, incontinênti, convocou os Senadores para eleição da comissão incumbida de instruir o processo, composta de 21 integrantes e igual número de suplentes.

Deixou de exortar a que se reunissem para a escolha do Presidente, do Vice-Presidente e do Relator, respondendo questão de ordem proposta pelo Senador Odacir Soares, sobre as normas que regeriam o trabalho da comissão. S. Exª indicou na Constituição os dispositivos ainda vigorantes da Lei nº 1079, de 1950, e o Regimento Interno do Senado.

A pressa e a urgência, Srªs e Srs. Senadores, sempre foram más conselheiras. Quando usadas imoderadamente costumam tornar-se sinônimo de atropelo; e desse erro também fui vítima.

Ao responder ao Senador Nelson Carneiro, convocado por S. Exª para Presidir os trabalhos da Comissão, o Senador Benevides acrescentou: “Há realmente a indicação de que esta Comissão agora eleita inicie imediatamente os seus trabalhos, inclusive com a eleição do Presidente e Vice-Presidente e a escolha do Relator”.

Hoje, é lícito indagarmos a razão de tanta pressa e do empenho em acelerar o processo, uma vez esquecidas as circunstâncias sobre as quais tramitou o pedido de impeachment. A razão está nas palavras insuspeitas do Senador indicado para presidir a escolha dos dirigentes da Comissão especial.

Como estamos numa semana atípica na vida eleitoral brasileira, às vésperas de um pleito eleitoral, cabe-me, interpretando certamente o pensamento dos membros desta Comissão, convocar a reunião para dentro de 15 minutos, na sala número dois da ala Nilo Coelho, a fim de que a Comissão possa escolher os seus dirigentes.

O grau de paroxismo, a alta temperatura que tinha inflamado o ânimo dos mais afoitos membros da Oposição exprimiam-se num aparte pouco usual, que durante esse debate deu o Senador José Paulo Bisol a seu colega Cid Carvalho. Cito-o textualmente e peço a atenção de V. Exªs a este aparte:

Nobre Senador Cid Sabóia de Carvalho, eu solicitaria, do melhor do coração de V. Exª, que aproveitasse a posição que tem na tribuna neste momento e requeresse ao Presidente desta Casa que telefone para o Presidente do Supremo Tribunal, solicitando que S. Exª venha a esta Casa, porque em trinta minutos fazemos o despacho, encaminhamos a citação e suspendemos o Presidente da República das funções presidenciais para que o povo saiba que não somos farsantes.

Que ligeireza e que facilidade!

Hoje, à distância dos 15 anos que nos separam desses episódios, custa a crer o grau de ansiedade que parece ter assaltado homens respeitáveis e austeros, tal a quantidade dos que se manifestaram com a mesma inconseqüência e com tal grau de irresponsabilidade, como se as instituições políticas democráticas pudessem se curvar a tantas insensatezes. Ali estavam os meus juízes, aquele era o tribunal que iria me julgar.

Antes da Ordem do Dia do dia 30 de setembro, o Presidente do Senado anunciou estar sobre a mesa o parecer da Comissão Especial que apreciaria o processo referente ao pedido de impeachment. Simultaneamente, dispensou a apreciação da Ordem do Dia, esclarecendo estar em seu poder requerimento de urgência com a assinatura de 39 Senadores, número insuficiente para a apreciação imediata do parecer sobre o prosseguimento imediato do processo. Em razão da falta de quorum para concessão da urgência, fez um apelo para que os Senadores permanecessem em Brasília no dia seguinte, sexta-feira, a fim de que fosse possível acelerar a tramitação do processo. Tal como ocorrera na Câmara, o afã pela urgência contaminara também o ambiente desta Casa.

O Senador Cid Carvalho pediu que fosse lido - vejam V. Exªs! - o nome dos que tinham assinado o pedido para que todos tomassem ciência dos que não tinham firmado o requerimento de urgência com o claro objetivo de que fossem pressionados a fazê-lo. O Presidente, atendendo mais do que pediu o requerente e numa atitude que em circunstâncias normais causaria pasmo por seu ineditismo, esclareceu que oito dos Senadores presentes tinham se recusado a assinar o requerimento. No entanto, um dos brasileiros mais íntegros dos que passaram por esta Casa, cujo nome declino também com respeito, o Senador Josaphat Marinho, reagiu indignado à condenável manobra.

Perdoem-me V. Exªs citar na íntegra esse testemunho de honradez, probidade e isenção. Disse ele:

Atenderei o pedido de V. Exª, Sr. Presidente, permanecendo aqui até sexta-feira. Quero, porém, esclarecer que não subscrevi antes nem subscreverei o pedido de urgência para apreciação do parecer da Comissão Especial ainda hoje. Não o fiz por entender que a gravidade da matéria impõe que seja apreciada com presteza, mas sem precipitação. A decisão da Câmara se operou ontem. O processo entrou nesta Casa hoje. É um processo volumoso. Sabe-se que só a defesa do Presidente da República, apresentada à Câmara, tem 60 páginas. É até estranhável que a Comissão houvesse oferecido parecer hoje mesmo. Razão não há para que nesta sessão, ainda em regime de urgência, opere-se a decisão da matéria.

O Senado Federal começa a fazer o julgamento definitivo do Presidente da República por meio desse processo. Hoje mesmo, O Estado de S. Paulo traz longo editorial pedindo atenção sobre as formalidades que devem ser observadas a fim de que não pareça que há procedimento leviano no tratamento da matéria.

Pronto para apreciar e sem ter declinado até aqui o meu voto, pois só o farei na assentada do julgamento em tempo oportuno, apesar disso, não me parece que devamos andar com tanta pressa. É preciso que possamos dar à Nação a certeza de que estamos julgando criteriosamente. Exatamente nesse sentido, por essa razão, é que não assinei o requerimento e ainda agora não o farei por não me parecer adequado.

Ele encerra aí as suas palavras.

O discurso é prova da inteireza moral de Josaphat Marinho, de cuja intimidade não privei, mas cuja integridade sempre admirei. Era um dos poucos que até então não tinham externado sua opinião para não comprometer o seu voto quando o Senado atuasse como órgão judiciário, segundo manda a Constituição.

Pedi apenas critério no julgamento desta Casa, mas o único critério que orientava a maioria era o que demonstrava ser o desejo da maioria: o de afastar da Presidência quem não conseguiram afastar pelo voto soberano das urnas. Bastou esse pequeno pronunciamento, de poucas, mas eloqüentes palavras pronunciadas pelo nobre representante da Bahia, para salvaguardar naquele momento a dignidade da Representação Nacional.

O parecer da Comissão Especial, datado de 15 de setembro, a mesma em que teve início o processo oriundo da Câmara, possui dezessete linhas, sete das quais constituem a conclusão, que é a seguinte:

Satisfeitos os requisitos da lei, a Comissão é de parecer que deve ser instaurado processo por crime de responsabilidade nos termos postos na denúncia e no relatório circunstanciado, determinando-se a citação do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, por si ou seu advogado, a apresentar a sua defesa e acompanhar o processo até o final da decisão.

A urgência e a leveza na apreciação do primeiro processo de impeachment que teve curso nos 103 anos da República prenunciavam como seria a tramitação nesta Casa, afinal o mesmo já tinha ocorrido na Câmara e, em última análise, idênticos eram os critérios que prevaleceram na condução da CPMI.

Graças ao Líder do PRN no Senado, o Senador Ney Maranhão, no dia 1º de outubro, na mesma sessão em que afinal se aprovou a urgência para a tramitação do processo do Senado, o Diário do Senado publicou a entrevista ao Jornal do Brasil do Ministro da Fazenda, já demissionário, que sinto-me obrigado a registrar neste depoimento. Dizia ele:

Nesses dezessete meses, não se tirou dinheiro do bolso do contribuinte, mas se restituiu. A inflação não explodiu. Não houve grande crescimento econômico, mas também não houve agravamento. Em agosto, o emprego em São Paulo melhorou conforme o Dieese. Não há mais controle de preços, mas também não existe desabastecimento. Não há filas, não existe ágio. Temos US$22 bilhões de reservas líquidas internacionais. Nosso estoque de alimentos soma 14 milhões de toneladas. Isso é um seguro contra choques. Ouço as pessoas dizerem que a coisa está difícil, mas se sentem mais tranqüilas, porque não existem mais surpresas da noite para o dia.

A Nação, portanto, Sr. Presidente, apesar das manifestações de rua dos jovens estudantes, estava em paz e em ordem. Mas isso, lamentavelmente, naquela quadra difícil da vida brasileira, parece não ter sido percebido pelos que ainda não tinham se acostumado à jovem democracia brasileira, que então firmava seus primeiros passos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no mesmo dia em que recebeu autorização para a instauração do processo, o Senado dispensou a Ordem do Dia, elegeu a Comissão Especial do Impeachment, escolheu os seus dirigentes e o relator e, na mesma ocasião, aprovou o parecer favorável da Comissão Especial ao seu prosseguimento. A votação em plenário só não ocorreu na mesma sessão em regime de urgência por falta de quorum e graças à intrépida e serena intervenção do Senador Josaphat Marinho, como já assinalei. Consumou-se, porém, no dia seguinte, 1º de outubro, às vésperas da eleição municipal. Com a participação do Presidente do Supremo Tribunal Federal, foi elaborada a notificação que me foi apresentada sob a forma de contrafé e por mim assinada às 10 horas e 20 minutos no Palácio do Planalto. Chamo a atenção para esse horário, pois a reunião da Mesa desta Casa que decidiu essa formalidade e aproveitou seus termos teve início, conforme se lê na ata publicada às folhas 789 do Diário do Senado, às 12 horas.

Como se constata e se comprova pelo órgão oficial, Sr. Presidente, a notificação precedeu a sessão da Comissão Diretora desta Casa que a decidiu e aprovou seus termos. Não tenho notícia, Srªs e Srs. Senadores, de precedente igual ou semelhante em nenhum tribunal de qualquer país democrático. Essa avidez, já do domínio público, tinha sido condenada na véspera em editorial do jornal O Estado de S. Paulo, com o título “O Supremo em Risco”, em que advertia:

Ao longo dos dias, alertamos a opinião pública para grave problema. Qual a lei que regerá a instauração de instrução do processo do Presidente da República pelo Senado Federal? Suscitamos as dúvidas e para nenhuma delas houve resposta satisfatória. Com isso, corre-se o risco agora de o Chefe de Estado ser processado por normas feitas ad hoc.

O temor a que se referiu o editorial de O Estado de São Paulo não fez mais do que ser confirmado no dia 6 de outubro, quando o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Sidney Sanches, comunicou ao então Presidente da República o roteiro do procedimento de impeachment elaborado por S. Exª. Era efetivamente um roteiro sob medida, como denunciara o jornal paulista. Convalidava, inclusive, medidas já tomadas pelo Senado. Mais uma vez, Sr. Presidente, as decisões se antecipavam às deliberações. Muitos dos atos e prazos a serem cumpridos efetivamente já tinham sido praticados.

A segunda reunião da Comissão Especial realizou-se no dia 7 de outubro. A ata respectiva sequer indica a hora do início dos trabalhos, embora registre a do encerramento. No dia 13, representado pelos advogados José Guilherme Villela, Antônio Evaristo de Moraes Filho e Fernando Neves, atual Presidente do Conselho de Ética Pública da Presidência da República, habilitei-me perante a Comissão, na expectativa de exercer os direitos que me tinham sido negados na Câmara.

A esses exemplares profissionais, a cuja cultura jurídica e competência intelectual devo, além da obstinação, o devotamento e a integridade de suas condutas, quero consignar aqui o meu reconhecimento. Em especial a Fernando Neves, Sr. Presidente, de quem me tornei, além de amigo, eterno devedor, deixo registrado o meu profundo agradecimento. À falta de lei que regulasse o processo, fui submetido a normas elaboradas por quem ia presidir o meu julgamento, e aprovadas pelos que iam julgar-me. Além de inédito, inusitado, incomum era o processo a que eu seria submetido logo em seguida.

As eleições municipais de 1992 tinham acabado de se realizar sob o fragor das emoções desencadeadas pelo movimento orquestrado, executado e consumado para promover o meu impedimento. Durante a semana destinada à votação e apuração das eleições de 3 de outubro, cessou temporariamente o combate encetado pelas marcas deixadas pelos pleitos de 15 de novembro e 17 de dezembro de 1989. Foi a única trégua em todo aquele martírio. É possível que naquele intervalo de alguns dias, alguns dos objetivos dos que me acusavam já tivessem sido atingidos com o resultado das urnas.

Os meses de outubro e novembro foram consumidos pela simples reedição dos trabalhos encetados entre maio e setembro pela CPMI.

Afastado do Governo desde o dia 1º de outubro, restava apenas o ato final que consumaria a minha deposição: o julgamento pelos que já tinham formado o seu juízo, muitos dos quais antecipados publicamente.

Em face da falta de provas materiais para condenar-me por atos cometidos no exercício da Presidência da República, restou o recurso de se reeditar o mesmo roteiro da CPMI, que, entre 1º de junho e 28 de agosto, investigou as denúncias contra Paulo César Farias.

Em quatro das doze reuniões, a Comissão inquiriu e ouviu o depoimento de doze testemunhas, a última das quais o ex-Ministro da Fazenda, por encontrar-se ausente do Brasil.

No dia 9 de novembro, encerrados os trabalhos da Comissão Especial, os autores da denúncia apresentaram as alegações finais, publicadas nas páginas 1.585 a 1.674, no Diário do Senado, como órgão judiciário, edição do dia 11 de novembro, com as mesmas imputações da representação inicial, solenemente entregue no Salão Negro do edifício do Congresso Nacional aos Presidentes da Câmara e do Senado.

No dia 10 de novembro foram intimados os meus advogados para, no prazo de quinze dias, apresentarem as alegações finais. Pela primeira vez, em todo o curso do processo, observaram-se os prazos legais, ao contrário do que até então tinha ocorrido na Câmara. A exigência cumpriu-se no dia 25 de novembro, podendo ser consultada às fls. 1.775 a 1910 do Diário do Senado já referido.

No dia seguinte, manifestou-se a acusação sobre as alegações finais da defesa. Na última reunião da Comissão, em 27 de novembro, ante o protesto do Dr. Evaristo de Moraes Filho por não ter sido dada oportunidade à defesa para manifestar-se sobre o depoimento do ex-ministro da Fazenda, foi lido o parecer do Relator.

Desde o início deste depoimento, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fiz questão de acentuar as medidas arbitrárias praticadas contra o exercício do meu direito de defesa e de ressaltar, sempre que necessário, os sucessivos atropelos ocorridos tanto na Câmara quanto no Senado em relação aos procedimentos legais, que ora não foram respeitados, ora foram ignorados.

Devo ressalvar, porém, a diferença de tratamento dada pelo eminente Relator, Senador Antônio Mariz. Primeiro, em sua intervenção inicial, resumida a dezessete linhas, para acatar a imediata tramitação do processo; e, mais tarde, na apresentação do parecer da Comissão, quando buscou embasar suas opiniões em documento sereno, em eloqüente contraste com o subscrito na fase vestibular da tramitação da denúncia.

A observação não supõe, obviamente, minha concordância nem com as afirmações e menos ainda com as conclusões desse documento. Por isso mesmo, devo assinalar que, embora não tivesse sido objeto de investigação da CPMI encerrada em agosto, foram os seus elementos os mesmos utilizados na conclusão do parecer.

A Comissão esmerou-se, sem dúvida, em buscar provas e pesquisar indícios para me incriminar. E, pela primeira vez - espero que tenha sido a última -, o Presidente da República teve quebrado o seu sigilo bancário, suas sucessivas declarações de bens, seu sigilo fiscal e até mesmo o sigilo telefônico de sua residência particular, o que ocorreu também em relação às linhas e ramais do Palácio do Planalto.

Lido e aprovado o parecer do Relator no dia 27 de novembro e publicado no dia imediato, os Presidentes do Supremo e do Senado assinaram convocação conjunta para a sessão que, no dia 2 de dezembro, deveria discutir e votar o parecer aprovado pela Comissão Especial.

A manifestação do Relator coincidia tanto com as conclusões do Relator da CPMI quanto com as imputações dos autores da denúncia. Penso que vale o cotejo. O Relator da CPMI imputou-me atos de improbidade administrativa e atos incompatíveis com a dignidade, a honra e o decoro de Chefe de Estado. Os autores da representação à Câmara declararam a minha conduta incompatível com a dignidade, a honra e o decoro para o exercício da função pública e acusaram-me de permitir, com minha omissão, de forma tácita ou expressa, infração a lei federal de ordem pública, ou seja, afronta às leis penais e administrativas. E, finalmente, o Relator da Comissão processante do Senado considerou-me culpado de permitir, de forma expressa ou tácita, a infração de lei federal de ordem pública e de proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.

As três conclusões mostram uma convergência de opiniões e juízos pelo menos pouco usual nos Parlamentos, onde a divergência e o pluralismo costumam ser a tônica dos debates e das decisões. Os oradores que tentaram caracterizar a autonomia da aceitação do parecer em relação ao julgamento dele decorrente participavam apenas de uma encenação que mascarava suas próprias indecisões. Na realidade, o parecer era apenas, como demonstrou o Senador Josaphat Marinho, um entreato de uma decisão que já estava tomada.

Em suas próprias palavras:

Previstos dois julgamentos, se, no dia de hoje, o Plenário do Senado, asseverar, como fez a Comissão Especial, que se encontra demonstrada a materialidade dos delitos descritos na denúncia, que estão tipificados os crimes e que são procedentes as acusações, terá prejulgado definitivamente o caso. Será ilógico que o Plenário reconheça desde logo tais fatos, nas condições expostas no parecer, e possa, afinal, no outro julgamento, decidir em sentido contrário.

O que se tentava ocultar com tal subterfúgio eram, em última análise, os propósitos claros que animavam os meus antigos adversários.

A minha sorte, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais do que lançada, já estava selada. Não me restava qualquer alternativa.

Na véspera dessa decisão, o STF comunicara ao Presidente daquela Corte, na qualidade de Presidente do Senado, como órgão judiciário, o indeferimento da liminar solicitada por meus advogados no mandado de segurança que impetrei. E, no dia 8 de dezembro, S. Exª, depois de indeferir as perícias tempestivamente requeridas por meus defensores, designou o dia 22 de dezembro, às 9 horas da manhã, para que tivesse início a sessão de julgamento do impeachment. Tratava-se, como se vê, de mera formalidade, uma vez que o objeto da reunião era apenas o de sancionar o veredicto de culpabilidade constante do parecer da Comissão Especial, já aprovado pelo mesmo Plenário que deveria julgar-me.

No dia 15 de dezembro, data do encerramento da sessão legislativa de 1992, os Presidentes da Câmara e do Senado, usando da faculdade que lhes concedia o inciso II, §§ 6º e 7º da Constituição Federal, convocaram extraordinariamente o Congresso para, entre outras matérias, deliberar sobre o processo de impeachment.

No dia seguinte, S. Exª deferiu a juntada aos autos da seguinte certidão:

A pedido do Senhor Presidente da República, Fernando Collor de Mello, certifico que determinei a realização de busca nos arquivos do Tribunal de Contas da União nesta data, no sentido de verificar se existe processo, em curso ou já julgado por esta Corte de Contas, em nome do requerente, e que foi concluído o trabalho feito junto ao serviço eletrônico de controle de processos do Tribunal, com o esclarecimento de que nada existe que o incrimine moral ou administrativamente nesta Corte.

Brasília, 16 de dezembro de 1992.

Élvia Lordello Castelo Branco, Vice-Presidente no exercício da Presidência.

Não havia mais fatos, recursos, argumentos, evidências, indícios ou provas capazes de demover a maioria da representação política nacional, que já tinha se decidido por minha condenação.

No dia 21 de dezembro, véspera da data aprazada para o julgamento, meus advogados, Antonio Evaristo de Moraes Filho, José Guilherme Villela e Fernando Neves, cumpriram sua última missão perante o Congresso Nacional: entregaram ao Presidente da Suprema Corte, na qualidade de presidente do julgamento do impeachment, a carta em que, reiterando a confiança que neles depositava para continuarem defendendo os meus direitos no processo perante o STF, revoguei o mandato a eles confiado para minha defesa no Senado.

O Presidente declarou a revelia e nomeou defensor dativo o professor Inocêncio Mártires Coelho, ex-Procurador-Geral da República. Marcou nova sessão para o dia 29 de dezembro, ao mesmo tempo em que notificava as testemunhas arroladas pela defesa. Mais uma vez convocou-se o Congresso Nacional para reunir-se em caráter extraordinário, no período de 25 a 31 do mesmo mês.

O ato legítimo custou-me novos e virulentos ataques, incompatíveis com a dignidade e a seriedade do ambiente em que foram proferidos, prontamente repelidos pelo Senador Áureo Mello.

Não me veio à mente, Sr. Presidente, a frase de Cesar ao atravessar o Rubicão, pois a minha sorte, há tempos, já estava selada. Lembrei-me, sim, de Voltaire, que disse: “mentez, mentez, quelque chose restera” - mintam, mintam, que sempre alguma coisa acaba ficando.

Constituí novo defensor, o Dr. José Moura Rocha, que se habilitou perante o Senado e requereu vista de trinta dias. O prazo foi negado em face de ter sido mantido o dia 29 de dezembro para o julgamento do impeachment.

Os fatos ocorridos naquela oportunidade são do conhecimento público. Iniciada às 9 horas a sessão cujo resultado era de antemão conhecido, autorizei meu advogado a entregar o documento pelo qual renunciei à Presidência. No mesmo ato, o Dr. Moura Rocha requereu, como mandam a doutrina e o art. 15 da Lei nº 1.069, de 1950, que regula o impeachment, a extinção do processo.

O Presidente do Senado havia comunicado ao meu defensor, como este deixou registrado nos Anais, ser imperativo de ordem constitucional submeter o ato unilateral de renúncia ao Congresso Nacional. As atribuições privativas do Congresso estão discriminadas no art. 49 da Constituição, e entre nenhum de seus 17 incisos consta esse imperativo.

Para quem já havia cometido tantos atos falhos, mais este não alteraria o curso dos acontecimentos, entre outras razões, porque, desde 1º de outubro, estava eu afastado da Presidência, então exercida por meu substituto.

Suspensa a sessão de julgamento pelo Senado Federal às 9 horas e 43 minutos da manhã, os trabalhos foram reabertos à 1 hora e 40 minutos da tarde, para que se decidisse sobre a continuidade ou a extinção do processo.

A Constituição Federal concede ao Presidente do Supremo Tribunal Federal o privilégio de presidir a sessão do Senado Federal no julgamento do Presidente da República e de seus Ministros por crime de responsabilidade. Essa cautela dos Constituintes de 1946 foi recepcionada pela Constituição em vigor, para assegurar a isenta condução do julgamento.

Se não há julgamento em decorrência do falecimento, da renúncia do acusado ou de qualquer outro motivo superveniente em que se dá a extinção do processo, o Presidente da Corte Suprema não tem por que presidir o Senado, pois somente pode fazê-lo quando esta Casa atua como órgão judiciário. Supõe-se que, nessa hipótese, seu dever seja declarar extinto o processo e retirar-se do recinto, dando por finda a missão que lhe é reservada pelo parágrafo único do art. 52 da Constituição Federal.

Em meu julgamento, no entanto, S. Exª, em vez da toga de magistrado, vestiu a túnica de Pilatos e, como romano, lavou as mãos para livrar-se de sua responsabilidade, entregando-a ao arbítrio do Plenário. S. Exª suspendeu a sessão às 9 horas e 43 minutos, como eu disse, e a reabriu quatro horas depois, para, segundo suas palavras, “ver se o processo deve ser extinto ou não”.

Ao lado do advogado da acusação, manifestaram-se todos os Senadores favoráveis ao prosseguimento do processo, legalmente já extinto depois da renúncia. A exceção foi, mais uma vez, o Senador Josaphat Marinho, que, contraditando a maioria, invocou o art. 52, parágrafo único, da Constituição, segundo o qual a condenação limitar-se-á à perda do cargo, com inabilitação por oito anos para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

E ele vem com a sua intervenção e conclui:

Ou reconhecemos logicamente que a renúncia recebida e admitida e tendo produzido os seus efeitos obsta também esse processo, ou estamos adotando uma dupla interpretação para o mesmo ato. De um lado, reconhecemos que a renúncia é correta, não é uma hábil manobra, para lembrar a expressão usada pelo nobre advogado Evandro Lins e Silva, ou é um ato perfeito. Ou é uma coisa, ou outra. Ato perfeito foi considerado pelo Congresso Nacional, que lhe deu todas as conseqüências. O Presidente da República agora é o Senador Itamar Franco. Fernando Collor de Melo é cidadão brasileiro. Perdemos, portanto, a condição de Tribunal Especial para julgá-lo neste instante. Por interpretação lógica, por interpretação literal, por qualquer interpretação legítima, só há inabilitação para o exercício da função pública, se houver a condenação à perda do cargo. À perda do cargo já não podemos condenar quem dele abrir mão, com todos os efeitos já produzidos. Vamos, então, prosseguir como e para quê?

Enquanto o Senador Josaphat Marinho falou pela consciência jurídica do País, seu Colega, o Senador Jarbas Passarinho, exprimiu sua postura sob o ponto de vista político.

Disse ele:

Não posso entender, Sr. Presidente, algumas questões que ouvi aqui, a partir do ilustre Patrono da Acusação, de que a inabilitação era cautelar. Era a necessidade de impedir que voltasse a ter ações públicas, sobretudo o voto popular para funções eletivas, aquela pessoa que, no momento, já renunciou à Presidência da República. Isso seria, aí sim, mostrar o medo que temos do povo. Quando se falou em povo, que o povo exige uma punição, por que ter medo do povo, dizendo que amanhã, se ele não for inabilitado, voltará à Presidência da República ou a qualquer outra função eletiva? Seria o povo, por intermédio de um referendo popular, acusando-nos, aí sim, de termos sido um tribunal de exceção que não agiu de acordo com a justiça e por isso o povo reclama a necessidade de corrigir o erro de um tribunal de exceção?

Sr. Presidente, se prosseguirmos nesse processo, tenho a impressão de que vamos lavrar exatamente a sentença de nosso medo. Meu eminente Colega Cid Sabóia de Carvalho disse que o povo quer a punição. Pelo menos, o eminente Senador Antonio Mariz, em sua colocação brilhante, fez a mesma afirmação. Estaremos nós, neste momento, tomando uma decisão apenas porque receamos que o povo lá fora não entenda que queremos impunidade? Ou queremos que este Senado seja respeitado pela autonomia e coragem que tem de decidir?

Não me cabe dizer se o ex-Ministro Jarbas Passarinho falou pela história. O que sei é que a história deu o seu veredicto. A censura, nos atos dos Presidentes do Senado e do STF, quando esta Casa atuou como órgão judiciário, não se cingiu aos que se manifestaram no âmbito do Congresso. Repercutiu também na área acadêmica em textos dos mais renomados juristas. Celso Ribeiro Bastos, em seus Comentários à Constituição do Brasil...

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Pois não, Senador Garibaldi Alves Filho, por favor.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Presidente Fernando Collor, fui um daqueles que estavam presentes no Senado, como Senador, naquele dia em que V. Exª foi suspenso das funções de Presidente da República e em que, ao mesmo tempo, teve seus direitos políticos cassados. Reconheço que, voltando àquela cena de muitos anos atrás - são quinze anos, para ser mais exato, de acordo com o Senador Romeu Tuma, que me ajuda -, eu não teria muita coisa a dizer, até porque não estou aqui para contestar V. Exª, como também aqui não estou para me penitenciar. Estou aqui para dar um depoimento, neste momento em que V. Exª me dá a oportunidade de, tendo assumido essa posição, poder dizer-lhe, com relação a mim, o que aconteceu. Digo a V. Exª que, depois da sua cassação, passei a me preocupar mais com a investigação dos fatos reais, porque, de fato, notei que o que estava sendo apurado na CPI não estava levando a um conhecimento maior os Senadores que não participaram da CPI, mas que participaram do seu julgamento. Sendo assim, não estou sendo cobrado por ninguém, estou sendo cobrado por minha consciência. Confesso a V. Exª que, depois de quinze anos, quando V. Exª volta ao cenário político, vejo-me na situação de ter de enfrentar esse fato, o fato de que fui um daqueles que, como disse V. Exª, concorreram para que V. Exª sofresse tantas amarguras, tantas agruras e tantos sofrimentos. Quero dizer a V. Exª que, na verdade, depois, fiz parte da CPI do Orçamento, como Sub-Relator, e da CPI dos Bingos, como Relator, com a preocupação dessa apuração. Sei que há excessos numa CPI, mas, como se diz do próprio regime democrático, há algo mais eficiente do que a CPI para apurar fatos com relação ao Congresso Nacional, quando o Congresso Nacional adquire e assume aquelas prerrogativas do Poder Judiciário? Então, Presidente Collor, queria dizer a V. Exª, concluindo, que, depois de todo o discurso de V. Exª, propriamente não estou com a consciência tranqüila. Digo isso com toda serenidade. Não estou aqui para me penitenciar, mas não estou com a consciência absolutamente tranqüila pelo fato de que o relato que V. Exª faz me coloca no centro dos acontecimentos, pelo menos com relação à minha memória, como se tivesse existido um processo, uma armação contra V. Exª. Não vou colaborar para esse julgamento, mas quero reconhecer que o Supremo Tribunal Federal, depois, absolveu V. Exª. O povo de Alagoas o mandou para cá. E estou aqui, como representante do Rio Grande do Norte, novamente como Senador, na expectativa de que o Brasil possa não ver repetidos aqueles acontecimentos, não apenas pelo infortúnio que trouxeram a V. Exª, mas pelo tumulto que trouxeram à vida brasileira. Agradeço à V. Exª a oportunidade que me dá.

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Senador Garibaldi Alves, gostaria de dizer a V. Exª que, em nenhum momento, sou contra o instituto do impeachment; em nenhum momento, sou contra a que se criem CPIs ou CPMIs. O que defendo - e tenho certeza de que também V. Exª e todos os integrantes desta Casa o defendem, até porque somos legisladores e, quando formulamos e fazemos leis, assim agimos na presunção de que elas sejam seguidas e obedecidas - é que as leis não sejam violadas, que a Constituição não seja violentada.

Nesse caso específico, em que o Senado atua como órgão judiciário, está muito clara a Constituição. No momento em que não há mais a figura do Presidente, em que o Senado só pode reunir-se como tribunal para julgar o Presidente da República, depois de todos esses outros atropelos jurídicos havidos - para utilizar um termo mais suave -, no momento em que o Senado Federal atua como tribunal, isso se dá para que se julgue o Presidente ou seus Ministros.

No momento em que apresentei minha carta-renúncia, como dizem aqui todos, deixou de haver Presidente, não havia mais o que julgar. E, mais do que ninguém, o Presidente do Supremo Tribunal Federal à época - que, pela Constituição é quem devem presidir o Senado reunido como tribunal -, como guardião das leis e conhecedor delas em profundidade, sabia dos seus limites. É por isso que digo aqui que ele, cândida e docemente, lavou suas mãos e deixou para que o Plenário decidisse o que já estava decidido pela manifestação da maioria dos Srs. Senadores, mesmo antes de as eleições terem sido processadas, em 1º de outubro - outra coisa que, como todos sabemos, não pode acontecer. Nós, Senadores, se estivermos aqui participando de uma sessão do Senado como tribunal, não podemos exarar nosso voto, porque somos juízes. Se exararmos nosso voto, se publicarmos nosso voto, podemos ser impedidos de participar do julgamento.

É contra isso que me insurjo. Não me insurjo contra o fato de ter-se instalado a CPMI, tanto que não criei nenhum tipo de obstáculo para que ela se instalasse, não criei nenhuma dificuldade para que todos os dados fossem fornecidos. Mas eu, V. Exª e todos nós temos de nos insurgir quando vemos que a lei está sendo flagrantemente violada, com interesses políticos subalternos animando essa ação. É claro que, nesse roldão, ao sabor das emoções que foram desencadeadas naquele instante, muitos de nós poderíamos ter sido levados por isso, o que é humano.

Agradeço muito a V. Exª suas palavras e a atenção com que está ouvindo meu discurso, porque vi que V. Exª percebeu que alguma coisa de equivocado aconteceu nesse processo. E o que aconteceu de equivocado, Senador Garibaldi, foi exatamente a violação, a violentação da nossa Constituição e das leis vigentes no País.

Aqui, cito alguns dos nossos juristas. Celso Ribeiro Bastos, respondendo ao tópico “A renúncia do Presidente da República extingue ou não o processo por crime de responsabilidade?”, conclui:

Há que notar que o propósito que tem em mira o impeachment não é propriamente o de punir o acusado, mas, sim, o de destituí-lo do cargo. No passado, nossas Constituições até mesmo não impunham a pena obrigatória de inabilitação por determinado tempo no futuro. Essa era e continua, no fundo, a ser uma pena acessória, uma pena decorrencial da outra, que é logicamente procedente, qual seja, a perda do cargo por julgamento do Senado.

E continua ele:

O impeachment é um instituto, em si, voltado a coisas grandes, à defesa da pátria, à preservação da coisa pública, à preservação da própria Constituição. É a isso que o instituto está volvido, não a transformar-se num instrumento canhestro de expansão de sentimentos condenáveis e espúrios.

Diz Ives Gandra Martins:

No julgamento do Presidente Collor, o Presidente do Supremo, exercendo a função de condutor do julgamento, fez notar o caráter jurídico-político, ao admitir a continuação de um julgamento para retirar direitos de um presidente que renunciara às suas funções e que, portanto, segundo a abalizada doutrina, não mais poderia ser julgado pelo Senado. Com brilhantismo, o Senador Josaphat Marinho [continua o Dr. Ives Gandra] insistiu na ilegalidade do processo. Mas o Presidente do Supremo Tribunal Federal houve por bem remeter ao Plenário a decisão, abdicando de sua função de dizer o direito, para que prevalecesse a opinião não jurídica, mas política, da Casa legislativa dos Estados. E, ao assim agir, abriu, no meu entender [continua o professor Ives Gandra], nova conformação técnica do julgamento de um Presidente da República nos crimes de responsabilidade pelo Senado Federal, fazendo nele prevalecer o elemento político sobre o jurídico.

O Sr. Joaquim Roriz (PMDB - DF) - Sr. Presidente Fernando Collor, peço-lhe um aparte?

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Ouço o Senador Joaquim Roriz.

O Sr. Joaquim Roriz (PMDB - DF) - Sr. Presidente Fernando Collor, estou assistindo ao depoimento de V. Exª com muita atenção. Há exatamente 2 horas e 34 minutos, V. Exª está falando. E ainda não terminou. Desculpe-me interrompê-lo.

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Não é nada, Senador.

O Sr. Joaquim Roriz (PMDB - DF) - Mas eu gostaria apenas de dizer que nada acontece por acaso. V. Exª tinha um destino, que era ser o primeiro presidente eleito após o regime ditatorial. Foi eleito pelo povo. V. Exª cumpriu essa missão. V. Exª foi afastado do governo, e duas coisas me chocam muito, Sr. Presidente: a injustiça e o desprezo pelos pobres. Quantas injustiças V. Exª sofreu? Eu, aqui, em 2 duas horas e 44 minutos, percebi a angústia de V. Exª. Imagino V. Exª, angustiado, durante quinze anos! Foram 15 anos de noites indormidas, sofrendo! E nunca ouvi uma palavra de agressão a quem quer que seja partindo de V. Exª. Essa é uma missão, uma missão que V. Exª tinha de cumprir. E foi uma provação para V. Exª. Fique certo de que, hoje, V. Exª retorna à vida pública com galhardia, como homem cônscio de sua responsabilidade. Eu estava assistindo ao seu pronunciamento como se estivéssemos aqui cantando o Hino Nacional, com V. Exª na postura de respeito ao Hino Nacional. V. Exª voltou ao Congresso Nacional, ao Senado, para mostrar ao brasileiro que cometeram uma grande injustiça com V. Exª. Fui solidário ao seu Governo e sou solidário à sua postura. Quero dizer que a única forma que tenho de homenageá-lo, neste dia em que V. Exª retorna oficialmente ao Senado, é suspendendo minha inscrição. Já que eu ia falar, vou suspender minha inscrição, para que o discurso de V. Exª tenha mais repercussão no Brasil inteiro, entre todos os jornalistas que aqui o estão acompanhando. Parabéns, Sr. Presidente, pelo depoimento!

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Muito obrigado, Senador Joaquim Roriz. Dos gratos momentos que guardo na minha memória como ex-Presidente da República, vários deles foram compartilhados com V. Exª, quando Governador de Brasília. Discutíamos as questões pelas quais nossa Capital ansiava, como a disseminação dos CIACs por todas as cidades satélites, como a inauguração do primeiro Ciac, no Paranoá. E me lembro da alegria com que visitávamos essas obras, da alegria que víamos no sorriso das crianças, amparadas por aquela iniciativa de governo.

Isso me traz à lembrança também outro fato: no momento em que deixei o Palácio do Planalto, peguei o helicóptero. Eu me preocupava, como V. Exª sabe, com o andamento das obras. Naquela época, estava para ser concluído o Ciac de Santa Maria. Pedi ao piloto que, antes de me levar ao destino, sobrevoasse a cidade-satélite de Santa Maria, para que eu pudesse ver como estavam as obras. E o piloto, então, informou-me: “Negativo, não tenho combustível suficiente no helicóptero para fazer esse sobrevôo”. E era um sobrevôo de mais cinco minutos ou dez minutos. Naquele exato momento, senti que a Presidência a que o povo havia me levado já não mais pertencia a esse povo, nem a mim.

Portanto, suas palavras me servem de reconforto, Senador Joaquim Roriz, e também me trazem enorme alegria, porque, como eu disse no início, guardo na minha memória os momentos em que estivemos juntos - V. Exª governando nossa Capital, e eu, nosso País. Lembro-me da dedicação de V. Exª pela sua cidade, das solicitações que sempre me fazia - aí está o metrô, que foi iniciado também naquele período, com o apoio do Governo Federal -, mas, sobretudo, lembro-me da forma como V. Exª se dedicou a disseminar aquelas unidades de ensino integral, para dar acolhida às nossas crianças.

Muito obrigado, Senador Joaquim Roriz, por suas palavras.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, concluindo, quero dizer que não foi fácil viver aqueles momentos, em que todas as virtudes estavam num prato da balança e em que, no outro, estavam todos os vícios. A mim, nem o benefício da dúvida foi concedido. A reparação dos agravos, das ofensas e das injúrias, encontrei-a no Pretório a que todos os injustiçados pensam em recorrer, mas a que poucos, efetivamente, apelam por não estar ao alcance da maioria preponderante dos brasileiros: o Supremo Tribunal Federal.

A peça acusatória do Procurador-Geral da República era apenas corrosiva - sabia eu que era inepta e inócua. Era fruto contaminado da mesma árvore de cuja seiva se nutriam meus adversários. Os autos da Ação Penal nº 307-3/DF, que estão disponíveis no site do Supremo Tribunal Federal, são o testemunho mais eloqüente, mais definitivo, mais expressivo e mais convincente tanto da falta de fundamento da acusação quanto da inépcia da denúncia.

Em seu relatório, o eminente Ministro Ilmar Galvão sintetizou os atos e fatos ilícitos de que fui acusado e que falam por si. O voto do eminente Relator do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ilmar Galvão, é uma peça, como disse, eloqüente, definitiva e memorável. São 124 páginas de demonstração de sua cultura jurídica, de sua erudição doutrinária e de seu conhecimento técnico do Direito, que podem ser lidas nas págs. 2.191 a 2.315 dos autos da Ação Penal nº 307-5. Nela, S. Exª, ao julgar improcedente a denúncia, concluiu por minha absolvição, no que foi seguido pelo Supremo Tribunal Federal, vencidos os eminentes Ministros Carlos Veloso, Sepúlveda Pertence e Nery da Silveira.

No mesmo sentido foi o parecer do Ministro Moreira Alves, Revisor do processo, cuja erudita manifestação pode ser lida das páginas 2.432 a 2.612 do mesmo processo. Os votos prolatados demonstraram não só a improcedência da denúncia do Procurador-Geral da República como também o mais importante para mim e minha consciência: a minha absoluta inocência às imputações que, ao longo de todo o processo, foram-me feitas sem consistência, sem comprovação e sem nenhum fundamento.

Como evidenciam os pronunciamentos dos ilustres magistrados que me julgaram, não há, nos autos, nos documentos e nos depoimentos das testemunhas ouvidas, comprovação de nenhum ato ilícito que eu tenha, em qualquer momento, praticado como Presidente da República. Fui afastado na suposição, e tão-somente na suposição, de que as acusações que me fizeram fossem verdadeiras.

Depois de dois anos da mais profunda e abrangente investigação a que um homem público já foi submetido na história do nosso País e da absolvição de todas as imputações que suportei, restaram a mutilação de meu mandato e o ostracismo político que me foi imposto.

Não tive ainda reparados os danos causados à minha honra, à minha dignidade e ao meu decoro pessoal e político. Enfim, tinha suportado sete meses de torturante expectativa em relação ao meu destino depois de ver atropelado, pela CPMI, pela Câmara dos Deputados e, por que não dizê-lo, pela maioria do Senado, os meus mais comezinhos direitos e até mesmo o elementar benefício da dúvida. Tive de esperar mais dois anos, até 13 de dezembro de 1994, para ver minha inocência reconhecida em sentença hoje transitada em julgado.

A violência cometida com a suspensão de meus direitos políticos contra a letra expressa da lei e o entendimento majoritário dos doutrinadores não foi, contudo, reparada pela Justiça. Foi, sim, corrigida e remediada pela decisão soberana do povo alagoano - o bravo povo alagoano a quem mais uma vez agradeço - ao enviar-me a esta Casa como seu representante, elegendo-me, pela quinta vez. Isto não só me recompensa, mas também me consola e me resgata.

Por isso mesmo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, permito-me evocar perante V. Exªs os versos do poeta espanhol Antonio Machado.

O Sr. Efraim Morais (PFL - PB) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Pois não, Senador Efraim Morais.

O Sr. Efraim Morais (PFL - PB) - Senador Fernando Collor, nós que fazemos o Senado Federal temos hoje V. Exª como um dos nossos. E V. Exª vem a esta Casa defender, inicialmente, sua terra querida, Alagoas. V. Exª, que silenciou por muito tempo, hoje, traz a sua versão a esta Casa e ao Brasil inteiro, por intermédio da TV Senado, dos nossos meios de comunicação. Conta ao Brasil uma história; a história da qual V. Exª faz parte, tendo sido inocentado pelo Supremo, inocentado pelo voto popular de seus conterrâneos ao elegê-lo Senador da República.

Acompanhei todo o processo. Eu era Deputado Federal à época. Devo dizer-lhe que V. Exª teve a tranqüilidade, a paciência e, acima de tudo, a grande virtude de contar para o Brasil, hoje, a verdade. Há dois anos passei por uma história parecida quando presidi a CPI dos Bingos nesta Casa. Lá, pude constatar que vários companheiros que tiraram o mandato de V. Exª, tentavam impedir que o Supremo Tribunal Federal quebrasse o sigilo bancário de um simples diretor do atual Governo. Como mudou! Mas isso faz parte da história. Quantos mudaram! Mas isso faz parte da história! No entanto, a história é o próprio povo brasileiro que julga. V. Exª foi julgado pelos tribunais e pelo povo. Tenho a certeza de que V. Exª recomeça com muita força e com credibilidade; credibilidade, por haver enfrentado todas essas dificuldades. O Brasil ainda espera muito de V. Exª. E nós, que fazemos o Senado Federal, sentimo-nos honrados de tê-lo como companheiro. Vamos trabalhar pelo Brasil! Todos nós ainda temos muito a fazer pelo nosso País. Parabéns a V. Exª. Sucesso! Que Deus o abençoe nesse reinício, marcado por este pronunciamento. Tenho a certeza de que V. Exª ainda tem muito a dar para o nosso País.

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Muito obrigado, Senador Efraim Morais, pela manifestação de V. Exª. Obrigado pela correção com que se houve naqueles episódios de 1992.

E, ao agradecer a V. Exª pela minha acolhida nesta Casa, agradeço também a todos os integrantes do Senado Federal, a começar pelo seu Presidente, Senador Renan Calheiros, companheiro de lutas políticas importantes que travamos juntos, pela gentileza de, como Presidente desta Casa, acolher-me com tanta fidalguia, com tanto carinho, diria.

Obrigado a todos os Senadores que aqui se pronunciaram. Quero dizer que aqui estou como um Senador igual a todos, sem preconceito, sem qualquer tipo de discriminação.

Obrigado, Senador Arthur Virgílio, também companheiro de geração. Juntos estivemos em alguns momentos importantes da nossa recém iniciada vida pública, tanto a dele quanto a do Presidente Renan Calheiros e a minha. Quantas boas recordações temos daqueles instantes em que o senhor seu pai ainda convivia conosco, e nossas conversas e nossos sonhos eram compartilhados.

Obrigado, enfim, a todos aqueles que se pronunciaram dando-me as boas-vindas e fazendo-me sentir, finalmente, uma pessoa inteira, alguém que traz consigo uma experiência de vida e que deseja colocar à disposição do Senado da República, nos debates aqui sempre realizados, o pouco que eu possa colaborar.

O Sr. Wellington Salgado de Oliveira (PMDB - MG) - V. Exª me permite um aparte, Senador Fernando Collor?

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Pois não, desculpe-me, Senador Wellington Salgado de Oliveira.

O Sr. Wellington Salgado de Oliveira (PMDB - MG) - Sr. Presidente, Senador Fernando Collor de Mello, V. Exª me ensinou uma frase de que nunca mais esqueci. Ouvi, eu não o conhecia. V. Exª era o Presidente do meu País, em quem votei. A frase diz: “O tempo é o senhor da razão”. A primeira vez que a ouvi foi da boca de V. Exª. O tempo está passando, e V. Exª vem aqui firme mostrar a sua versão dos fatos. Fiquei aqui ouvindo a história passar, sendo contada por V. Exª, pois nunca lhe deram a oportunidade de contar. A verdade é essa. Fiquei triste quando V. Exª foi cassado, pela queima de toda uma geração, naquele momento. Minha geração foi queimada naquele momento da cassação. Não foi a cassação de V. Exª, mas a cassação da minha geração. Ouvi, muitas vezes, na minha vida empresarial, dizerem: “Olha o que dá votar em jovem!”. Ouvi isso. E isso me causava uma angústia tremenda, porque quando votei em V. Exª, e V. Exª era jovem, assim como aquele grupo, eu sentia a esperança. Por isso, quando V. Exª faz o discurso criticando a emoção com que cassaram o seu mandato, eu também me lembro da emoção de quando V. Exª foi eleito. Na vida política, tentar separar a emoção da vida pública é impossível. Lembro-me daquelas corridas de V. Exª com as pessoas acompanhando. Muitas vezes, acompanhavam V. Exª não para correr, mas porque acompanhavam uma esperança, um líder. E um líder, Presidente Collor, Senador Fernando Collor, não se constrói; um líder já nasce feito. Líder é líder, como um capitão de time, que não se escolhe, nasce naturalmente. V. Exª é um líder. V. Exª passou por esse período todo, um período triste, tanto na vida pública quanto na vida pessoal, e acredito que todos nós sentimos a dor que V. Exª sentiu. Ninguém queria passar pelo que V. Exª passou. Mas um líder vivo continua um líder. Vejo, no pouco tempo em que V. Exª se encontra nesta Casa, ao falar, como as pessoas escutam, como os Senadores ouvem. Um erro que V. Exª cometeu quando era Presidente - e é algo que muitos dizem e eu procuro fazer sempre no Senado - foi não ouvir os mais velhos. Isso é muito importante. Aqui, muitas vezes enfrentei situações difíceis, algumas dentro de CPIs criadas nesta Casa, mas sempre procurei conversar com os mais velhos, com os mais experientes. Naquele momento, faltou isso a V. Exª. Talvez o poder o tenha deixado sozinho. Com o poder, as pessoas ficam muito sozinhas. V. Exª ficou sozinho. E faltou a V. Exª pedir um pouco de conselho aos mais velhos. V. Exª foi firme, como está sendo firma agora. Já vi nesta Casa muitas pessoas que passaram por muito menos que V. Exª subirem aí e chorarem muito. Choraram muito para ser pelas lágrimas purificados. V. Exª não. V. Exª vem como um homem, citando fatos. Um homem, um líder, não tem jeito. O tempo, está provado isso... Eu, quando tive a oportunidade de me tornar Senador, pretendia fazer duas coisas nesta Casa: a primeira já fiz, que era dizer ao Senador ACM que se o filho dele fosse candidato, eu votaria nele, e tive a oportunidade de dizer isso sozinho ao Senador ACM; a segunda o destino me fez estar aqui neste momento, frente a um ex-Presidente cassado, que, na beleza da nossa democracia, a verdade é essa, ele, cassado, fica fora da vida pública, volta e aqui faz um discurso limpando a sua história, um discurso que ilumina para trás, como um farol de carro. Daqui para frente, Sr. Presidente, esse farol tem de ser virado, tem de iluminar para frente. E eu quero acompanhar V. Exª, quero ver a história onde termina. A história não terminou aqui não, a história não termina com esse discurso, não termina porque tenho participado de comissões com V. Exª. Tenho visto que V. Exª tem um caminho longo a percorrer, um caminho que vai mostrar como funciona a democracia do nosso País. Eu quero estar vivo para ver até onde vai a história de V. Exª. Era o que gostaria de dizer. (Palmas.)

O Sr. Jayme Campos (PFL - MT) - Senador Fernando Collor, V. Exª me permite um aparte?

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Pois não, Senador Jayme Campos.

O Sr. Jayme Campos (PFL - MT) - Estou aqui desde o início do seu pronunciamento. Prestei atenção à sua fala. Como seu amigo particular, cumprimento-o pela coragem do pronunciamento, que dá luz a um dos momentos mais dramáticos da história brasileira. E sua fala coloca um ponto final nesse episódio. Com certeza, o povo brasileiro hoje tomou conhecimento, por intermédio da TV Senado e da Rádio Senado, e amanhã vai tomar, por meio da grande imprensa nacional, da veracidade dos fatos, de tudo o que aconteceu e que entendo ter sido uma grande conspiração contra a sua pessoa. Desejo a V. Exª sucesso na nova missão. Certamente, aos brasileiros de Alagoas, que lhe deram novamente esse voto de confiança, V. Exª retribuirá com muito trabalho e, acima de tudo, demonstrando ao Brasil que Collor de Mello sempre será aquele defensor dos oprimidos e dos menos favorecidos da sorte. Saudações, cumprimentos e parabéns pela nova missão.

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Muito obrigado, Senador Wellington Salgado, pelas palavras de esperança que incute em meu espírito. Desculpe-me o tropeço de ter talvez feito desvanecer o sonho que V. Exª, ainda jovem, tinha no Presidente, conforme disse, que representava a esperança para a sua geração. Desculpe-me se interrompi esse seu sonho, mas muito obrigado pela confiança.

Obrigado ao Senador Jayme Campos, velho e querido companheiro de lutas políticas. Tantos e bons comícios fizemos em Várzea Grande, quando o Senador era Prefeito daquela querida cidade, e, depois, nos anos em que se seguiram! Ao Senador e ao seu irmão, Júlio Campos, meus agradecimentos.

Mas como eu dizia, Sr. Presidente Renan Calheiros, meus agradecimentos sobretudo a V. Exª pela acolhida, pela forma amiga como me recebeu nesta Casa, pela tolerância de V. Exª e de todos os integrantes da Mesa e das lideranças dos partidos nesta Casa, que me permitiram ultrapassar todos os tempos regimentais para que eu pudesse dar minha versão dos fatos que me levaram ao afastamento da Presidência.

Não me esquecerei deste dia, não me esquecerei deste dia...

Muito obrigado, Senador Renan Calheiros, e, por extensão, a todos os Senadores aqui presentes.

Concedo um aparte ao Senador Romero Jucá.

O Sr. Romero Jucá (PMDB - RR) - Presidente Collor, fiz questão de também juntar minha voz a tantas que hoje aqui colocaram no depoimento de V. Exª emoção, história, um pouco da visão da cada um. V. Exª falou de coração, de alma, com a sua consciência, com o seu preparo, sobre as circunstâncias e os episódios que viveu. Penso que hoje ficou claro para o País o outro lado - aquele que não esteve presente neste plenário há muitos anos. Sem dúvida nenhuma, a partir deste momento, V. Exª encerra esse episódio. Mas, com toda a experiência, com toda a vivência, com todo o sofrimento, com toda a sua história de vida, V. Exª tem condição de partir para frente e de, neste mesmo plenário, nesta mesma Casa, servir ao País. Tenho certeza de que V. Exª dará uma grande contribuição ao Brasil, a esta Casa e também ao nosso trabalho na Liderança do Governo. Quero pedir o apoio de V. Exª, o auxílio de quem passou pela Presidência da República, com a visão de iniciar tantos processos novos, modernos, que desaguaram na trajetória que o País vive hoje. Quero contar com o apoio, com a palavra amiga, com a crítica corajosa, com a palavra leal de V. Exª, que é um Senador que chega a esta Casa com história, com biografia e, principalmente, com uma visão de futuro muito grande. Saúdo V. Exª pelo pronunciamento, pela coragem de relembrar tantos fatos dolorosos. Nós, como companheiros, recebemos V. Exª e o abraçamos. Seremos parceiros no grande trabalho que temos de fazer aqui pelo País. Meus parabéns!

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Muito obrigado, Senador Romero Jucá, Líder do Governo nesta Casa. V. Exª tem demonstrado toda sua capacidade, sua competência, seu amor às causas que defende, sua convicção às causas que abraça, que abriga. Quero dizer que V. Exª, como Líder do Governo, pode contar comigo. Sou um soldado seu, seu liderado, esperando apenas suas ordens e orientações para que possamos ajudar o Governo a alcançar as metas que todos nós desejamos, para a felicidade da população brasileira. Muito obrigado a V. Exª.

Ouço o Senador Valdir Raupp.

O Sr. Valdir Raupp (PMDB - RO) - Da mesma forma, nobre Senador, ex-Presidente Fernando Collor de Mello, quero unir minha voz a todas as vozes que se pronunciaram neste plenário no dia de hoje, e dizer que fui um seguidor de V. Exª. Estive, por um período muito curto, no PRN, quando V. Exª foi candidato e depois Presidente da República. Foi o único período em que fiquei fora do PMDB. Estou no meu quinto mandato, sempre eleito pelo PMDB, mas disputei, em 1990, uma eleição ao Governo do meu Estado pelo PRN, seguindo V. Exª. V. Exª vai se lembrar de uma passagem em que V. Exª se deslocou da Presidência da República e foi ao meu Estado, onde visitou uma pequena cidade chamada Cujubim. Eu estava lá. V. Exª visitou a casa de um casal pobre, uma família que conheço até hoje e que nunca mais esqueceu a visita de V. Exª. Depois, V. Exª subiu ao palanque, fez um pronunciamento sobre ecologia, sobre a Amazônia, sobre o Brasil. Logo em seguida, foi a eleição que disputei. Estive no Palácio do Planalto e fui recebido por V. Exª em audiência; mostrei as pesquisas, em que eu estava muito bem, e V. Exª falou: “Muito bom, muito bom, vá firme, vá em frente!”. Fui para o segundo turno, em 1990, e aconteceu uma tragédia. Recebi um golpe. Estava disputando o segundo turno, com 45% das pesquisas - o segundo colocado estava com 31% -, e, faltando 20 dias para a eleição, assassinaram meu concorrente, que era o Senador Olavo Pires. No calor da campanha, colocaram a culpa no meu grupo político, como se eu tivesse mandado assassinar um candidato que estava atrás nas pesquisas do Ibope, da Rede Globo. Perdi a eleição. Em função desse episódio todo, perdi a eleição. Mais tarde, veio a verdade, a justiça foi feita e fui eleito Governador, quatro anos depois, com 62% dos votos, e o grupo que me acusou acabou sendo derrotado. Então, nunca é tarde para recomeçar. V. Exª está recomeçando. V. Exª é jovem ainda, tem muito futuro pela frente, muito futuro. Eu me lembro da história de Roberto Marinho, que fundou a Rede Globo com sessenta anos. Ele já tinha sessenta anos quando fundou a Rede Globo. E foram mais 37 ou 38 anos, durante os quais tornou a Rede Globo um grande império de comunicação, não só no Brasil, como no mundo. Então, V. Exª ainda pode brilhar muito, ter muito sucesso. Seja bem-vindo ao Senado Federal. Muito obrigado.

O Sr. Sérgio Zambiasi (Bloco/PTB - RS) - Senador, Presidente Collor, V. Exª me permite um aparte?

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - V. Exª tem o aparte, Senador.

O Sr. Sérgio Zambiasi (Bloco/PTB - RS) - São raros, realmente muito raros, os momentos em que esta Casa pára. Na contagem do Senador Roriz, até o momento em que S. Exª, com sua emoção e veemência, manifestou-se, duas horas e trinta e quatro minutos; agora, já se vão mais de três horas, Senador Roriz, três horas e dez minutos. E não é apenas esta Casa, Senador Collor: com certeza, milhões de brasileiros estão acompanhando seu pronunciamento. Este, sem dúvida nenhuma, é um momento para a História. Chegando aqui, momentos antes de V. Exª iniciar sua manifestação, fui surpreendido por uma eleitora, que agarrou em meu braço e disse: “Eu preciso assistir, é um momento histórico, foi o meu primeiro voto!”. Ela tinha, na época, 16 anos. Aquela geração, seguramente, estava na expectativa de ouvir esse outro lado, testemunhado por alguém que estava aqui ao meu lado, o ex-Deputado Roberto Jefferson, que foi solidário com V. Exª naqueles dias de massacre e posteriormente também, a ponto de hoje estarmos juntos na mesma fileira, no Partido Trabalhista Brasileiro. Eu me emocionei com a emoção do Senador Romeu Tuma, comovi-me com suas manifestações e com suas lágrimas. São lágrimas, não tenho nenhuma dúvida, que ajudam a marcar este momento importante da democracia brasileira. O Senador Collor está hoje escrevendo uma página extremamente importante da nossa história, uma página que fala de injustiça e de justiça, uma página que, não tenho dúvidas, fica marcada na história da política brasileira. Quantos estavam nessa expectativa? Confesso que eu, que sou seu companheiro de Bancada, não tive coragem de lhe perguntar, nesses dias que antecederam este momento, como seria, mas todos tínhamos uma grande expectativa. Como será o pronunciamento? Que linha o Senador Collor vai adotar? A do ódio? A da vingança? A da raiva? A da denúncia? Esses saíram frustrados, Senador Collor. V. Exª adota a linha serena de quem fez a travessia de todas essas dificuldades e amadureceu; entende a responsabilidade deste momento e oferece ao Brasil, em vez do ódio, da denúncia, da raiva, oferece o seu compromisso com a governabilidade. Isso, realmente, é admirável! É uma lição, sem dúvida nenhuma, para todos nós, uma lição política que todos estamos recebendo hoje, diante da sua sereníssima manifestação, uma manifestação que todos nós, brasileiros, queríamos ouvir. Mas, antes e acima de tudo, eu entendo, Senador Collor, que esta é uma homenagem à sua história, à sua vida e - permita-me citar mais três pessoas que são absolutamente essenciais, como já manifestado por V. Exª por ocasião do ingresso no PTB - à sua esposa, Caroline, que está aqui lhe assistindo, pacientemente, solidariamente. Lembro-me do seu pronunciamento, na sede do diretório, quando V. Exª dizia que havia uma pessoa responsável pela decisão da sua candidatura ao Senado. Foi ela que lhe estimulou, que lhe deu força, que lhe deu energia e que, enfim, acompanhou V. Exª nesse desafio do resgate pelas urnas, que é, seguramente, o melhor de todos os resgates, junto com a Celine e a Cecília, suas gêmeas. Imagino que, acima de tudo, este dia e esta jornada devem ser dedicados a essas três pessoas. Parabéns, companheiro Fernando Collor de Mello!

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Muito obrigado, Senador Sérgio Zambiasi, querido amigo e companheiro, integrante das fileiras do nosso Partido Trabalhista Brasileiro, pela lembrança que faz do nome de minha mulher, que, sem dúvida, foi quem decidiu a minha candidatura. Tenho a foto do dia da diplomação, que fiz questão de tirar com ela, segurando o diploma, porque mais da metade daquele diploma pertence a ela e às minhas filhas, que V. Exª, tão generosamente, cita, Senador Sérgio Zambiasi.

Também temos gratas recordações de momentos passados juntos em anos em que V. Exª, numa demonstração de coragem, de altruísmo, de imparcialidade, recebeu-me em seu programa de rádio em Porto Alegre, a despeito das enormes pressões em contrário, e abriu os microfones do seu programa para que eu pudesse falar. Quis o destino que hoje estivéssemos juntos. Não posso deixar de me lembrar, quando sempre falo com V. Exª, de minhas raízes gaúchas. Orgulho-me delas.

Falando em PTB, também agradeço o sacrifício que vem sendo feito pelo nosso Líder, Senador Epitácio Cafeteira, que, durante todo esse tempo, acompanha o nosso discurso, tendo tantos compromissos. Sei que sua senhora sempre o chama para atender os compromissos que tem.

V. Exª, com sua disposição de ouvir, presenteia-me e deixa-me muito orgulhoso do meu Líder, Senador Epitácio Cafeteira.

Senador Valdir Raupp, lembro-me muito bem desses momentos, da nossa torcida pela eleição de V. Exª em 1990. Lembro-me bem desse episódio, do trauma que causou à sua vida a acusação injusta que lhe foi imposta. Mais tarde, a justiça de Deus se fez e ficou demonstrada sua completa e absoluta inocência diante daquele fato tão triste para todos nós. Parabéns por sua brilhante carreira política! Parabéns pela forma como V. Exª se conduz na Liderança do PMDB nesta Casa! Muito obrigado pelos votos de boas-vindas que V. Exª me oferece.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Pois não, Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Desde logo, louvo a serenidade, a sobriedade com que V. Exª expõe a sua versão. Ela faltava à História política deste País e não deveria ser sonegada. V. Exª o faz do alto da tribuna da mais alta Casa do Congresso Nacional. Fomos colegas na Câmara dos Deputados. No passo seguinte, eu era Governador e V. Exª, Presidente da República. V. Exª sempre me recebeu em seu gabinete com extrema cordialidade e com extrema rapidez até nas audiências que eu solicitava. Antes mesmo desse episódio que culminou com a queda de V. Exª da Presidência da República, houve nuvens que se adensaram em torno da presidência de V. Exª. De algum modo, tive até alguma participação no sentido de removê-las, ou de contribuir para que isso acontecesse. O destino dos políticos, muitas vezes, é incontrolável. Ainda há pouco, V. Exª citou Cícero. Não devemos nos esquecer de que o colega de Cícero, Júlio César, também caiu, de maneira trágica até. V. Exª mencionou Getúlio Vargas, Pedro I e Pedro II. O Imperador Pedro II, em certo momento, recebe a visita de um major, o Major Sólon, que lhe disse que ele não era mais imperador; sumária, a comunicação. Com V. Exª, houve um processo - tumultuado; não foi longo, mas houve algum tempo ainda. Indira Gandhi, Primeira-Ministra da Índia, teve momentos em que se submeteu também a um processo e caiu de maneira estrepitosa e até perigosa. No passo seguinte, voltou à política com a mesma força e com o mesmo entusiasmo. Isso é da vida pública. Lamentavelmente, tais solavancos ocorrem e fazem parte da vida pública. V. Exª chega ao Senado Federal e aqui recomeça a sua caminhada. Foi bom que tivesse feito esse depoimento. Ele faltava à História política deste País. Seja feliz, Senador Fernando Collor! (Palmas.)

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Muito obrigado, Senador Edison Lobão. Somos companheiros já de longa data, como disse V. Exª, companheiros de Câmara dos Deputados. Ambos jornalistas, ambos do Nordeste - o nosso querido Nordeste -, ambos ex-Governadores, e, agora, nos encontramos no Senado, onde precisarei obter de V. Exª as lições e as considerações que, com sua experiência, sem dúvida, poderá oferecer-me. Obrigado.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez, agradecendo pela paciência, evocaria os versos do poeta espanhol Antonio Machado:

Nossas horas são minutos

Quando esperamos saber,

E séculos quando sabemos

O que se pode aprender.

Hoje, dia 15 de março de 2007, conforme V. Exªs afirmaram, posso virar definitivamente aquelas páginas doídas da minha vida pública e, finalmente, invocar o personagem Marco Antônio, na peça Júlio César, há pouco citado pelo Senador Edison Lobão. Diz Marco Antônio: “I come to bury Caesar, not to praise him”.

Como ele, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não vim lastimar o passado. Eu vim para sepultar, com a permissão de V. Exªs, de vez, essa dolorosa lembrança.

Muito obrigado a todos os senhores. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/03/2007 - Página 5611