Discurso durante a 35ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

A usurpação pelo Executivo de atribuições do Legislativo. Equívocos sobre a decisão da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania na reunião do dia 14 de março último, de recomendar o julgamento da prejudicialidade da Proposta de Emenda à Constituição 47, de 2004, que pretendia eliminar o instituto da medida provisória.

Autor
Papaléo Paes (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODERES CONSTITUCIONAIS. MEDIDA PROVISORIA (MPV).:
  • A usurpação pelo Executivo de atribuições do Legislativo. Equívocos sobre a decisão da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania na reunião do dia 14 de março último, de recomendar o julgamento da prejudicialidade da Proposta de Emenda à Constituição 47, de 2004, que pretendia eliminar o instituto da medida provisória.
Publicação
Publicação no DSF de 27/03/2007 - Página 6673
Assunto
Outros > PODERES CONSTITUCIONAIS. MEDIDA PROVISORIA (MPV).
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, CONDUTA, EXECUTIVO, EXCESSO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), USURPAÇÃO, COMPETENCIA, LEGISLATIVO, IMPEDIMENTO, APERFEIÇOAMENTO, SISTEMA, POLITICA.
  • CRITICA, PARALISAÇÃO, PAUTA, SENADO, PRIORIDADE, TRAMITAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV).
  • PROTESTO, DECISÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, RECOMENDAÇÃO, JULGAMENTO, PREJUDICIALIDADE, EMENDA CONSTITUCIONAL, PROPOSIÇÃO, EXTINÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV).
  • INFORMAÇÃO, DECISÃO, ORADOR, APRESENTAÇÃO, RECURSO REGIMENTAL, PLENARIO, SENADO, REVERSÃO, INDICAÇÃO, PREJUDICIALIDADE, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL.

            O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, há muitos critérios que se podem utilizar na avaliação do maior ou do menor grau de sucesso de um sistema político, no contexto de uma democracia. Embora a lista desses critérios possa ser objeto interminável de discussão, um entre eles estará certamente fora de qualquer contraditório ou de qualquer polêmica: justamente o que avalia o equilíbrio entre os Poderes.

            É neste ponto que pretendo centrar meu pronunciamento: no Brasil, o Executivo usurpou, pelo uso que fez do instituto da Medida Provisória, as atribuições do Legislativo, e existe pouca chance de aprimorar nosso sistema político, enquanto subsistir essa distorção.

            De fato - e não sou o primeiro a registrá-lo desta tribuna -, não há como negar que, hoje, toda a agenda legislativa, no âmbito federal, regula-se pela necessidade de dar vazão ao fluxo avassalador de medidas provisórias diuturnamente produzidas pelo Governo.

            Todo dia, debates importantíssimos são interrompidos nesta Casa, simplesmente porque acabou de chegar da Câmara dos Deputados mais uma medida provisória, recebida para exame do Senado em curtíssimo prazo. Todo dia, decisões congressuais relevantes são adiadas. O motivo? A pauta de uma das Casas está trancada, precisamente em função da tramitação de uma medida provisória. Tudo pára no Legislativo, porque sua verdadeira prioridade ficou sendo uma só: processar as propostas de lei remetidas, em regime de marcha batida, pelo Poder Federal.

            Está claro, Sr. Presidente, que não haverá progresso na qualidade do nosso sistema político, se antes não se remediar essa situação; que os vícios do hiperpresidencialismo no Brasil não serão superados, sem que cesse o seqüestro da agenda do Congresso Nacional; que o Legislativo jamais assumirá, em nosso País, o grau de importância que lhe é natural em toda parte, enquanto o instituto da medida provisória fizer letra morta o princípio de equilíbrio entre os Poderes.

            Confesso que não tenho ilusões sobre a utilidade das tentativas de aprimoramento do conjunto de mecanismos que regem o instituto da medida provisória. A última delas, trazida pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001, que cassou a reedição da medida provisória vencida em prazo, embora parecesse à época uma boa idéia, não trouxe nada de efetivo.

            Prova disso é que a quantidade média de medidas provisórias anuais elaboradas pelo Governo Fernando Henrique Cardoso - que era de 40 no primeiro mandato - subiu após a adoção da emenda, chegando, no primeiro Governo Lula, à impressionante marca de 60 medidas provisórias por ano.

            E por que tudo isso, Srªs e Srs. Senadores? Acaso não existem mecanismos de urgência previstos na Constituição? Acaso alguns dos temas importantes impostos pelo Executivo à nossa apreciação, tais como a regulamentação dos bingos e dos caça-níqueis - são realmente urgentes e relevantes?

                   Longe disso, Senador Mão Santa! O que há, de fato, é uma enorme indisposição do Executivo para negociar politicamente com o Congresso, ao menos nos moldes republicanos. O que há, de fato, é a incapacidade do Governo em planejar-se adequadamente - o que lhe sai barato, visto que uma medida provisória resolve qualquer problema. O que há, em definitivo, é que, assim - a cada medida que edita -, o Executivo coloca o Congresso na condição de refém de seus desejos e de sua agenda, na contramão da harmonia entre os Poderes e em prejuízo da República e da pedagogia democrática, em nosso País.

            É por esse motivo, Sr. Presidente, que considero equivocada a decisão tomada pela CCJ na reunião do dia 14 de março último, de recomendar o julgamento da prejudicialidade da PEC nº 47, de 2004, que justamente pretendia eliminar o instituto da medida provisória do nosso ordenamento jurídico.

            Do ponto de vista técnico, a prejudicialidade somente pode ser recomendada por perda de oportunidade, ou em virtude de prejulgamento do Plenário em outra deliberação.

            A oportunidade da proposta é, por tudo o que expus preliminarmente, clara e insofismável, e não pode ser negada senão em distorção de seu mérito.

            A alegada hipótese de prejulgamento, por sua vez, é ainda mais frágil, uma vez que feita em relação a uma outra proposta, a PEC nº 72, de 2005, que pretende trazer uma série de modificações ao instituto da medida provisória, sem, contudo, prever sua supressão.

            Embora reconheça que os ajustes oferecidos pela PEC nº 72 sejam razoáveis, eles o são apenas na perspectiva da manutenção do instituto, ou seja: se pretendermos, de fato...

            O SR. PRESIDENTE (Gilvam Borges. PMDB - AP) - Senador Papaléo, peço a V. Exª uma interrupção para prorrogar a sessão. Aproveito para fazer um apelo ao Senador Mão Santa, para que se prepare e pare de ler o jornal, pois há um orador na tribuna.

            Senador Mão Santa, o Senador Papaléo...

            Está prorrogada a sessão.

            O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - O Senador Mão Santa é um dos companheiros Senadores que todos os dias mostra o seu conhecimento, a sua atualização, a sua capacidade de abordar um conjunto de assuntos, e, ao fim do seu discurso, todos nós ficamos encantados e aprendemos muito com eles.

            O SR. PRESIDENTE (Gilvam Borges. PMDB - AP) - A Mesa comunga da opinião de V. Exª.

            O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) -É um homem de uma grande leitura, e não abre mão, quando dispõe de um jornal ou de uma matéria importante à sua frente, de ler, para se preparar para os próximos discursos.

            Muito obrigado, Excelência, pela prorrogação.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, embora reconheça que os ajustes oferecidos pela PEC nº 72 sejam razoáveis, eles o são apenas nas perspectivas da manutenção do instituto; ou seja, se pretendermos de fato que o Executivo continue a legislar via medida provisória. Mas é imperativo perguntar: por que permitir que as medidas provisórias continuem a trazer o dano que trazem, se os mecanismos constitucionais são suficientes para tratar da situação em real urgência e de real relevância? Por que deveria o Congresso Nacional dar continuidade a um mecanismo que tanto tem operado em desfavor da eficácia de sua agenda? Por que jogar fichas e queimar cartuchos no aprimoramento de um equívoco que, em vez de aprimorar, melhor seria eliminar?

            Compreendo perfeitamente que a Liderança do Governo queria, no encaminhamento das matérias, privilegiar ajustes ao mecanismo das medidas provisórias e não sua supressão. Afinal, embora profundamente danosas às instituições republicanas, as medidas provisórias resolvem muito da incompetência administrativa e da incapacidade governamental em articular-se politicamente na Câmara e no Senado.

            Não posso compreender, entretanto, que seja negada a esta Casa a oportunidade de avaliar - uma vez ao menos - a extinção do instituto da medida provisória e dos malefícios que ele traz à prática de um sistema de governo efetivamente democrático em nosso País.

            É por isso que lamento profundamente a decisão da CCJ. É certo que problemas estruturais exigem soluções estruturais; que problemas sensíveis exigem decisões tomadas com sensibilidade. Não foi esse, entretanto, o encaminhamento que, no meu entender, foi dado à PEC nº 47.

            É por isso, Sr. Presidente, que tomei a decisão de submeter ao Plenário do Senado Federal recurso visando a reverter a indicação de prejudicialidade da PEC nº47, na forma em que se manifestou a CCJ. O assunto é muito grave para que se deixe consumar, sem qualquer reação contrária, a tentativa de inviabilizar a manifestação desta Casa.

            Estou certo de que, assim procedendo, será possível dar ao Senado Federal a oportunidade de tomar posição, sem meios-termos, em relação ao estatuto que o Legislativo merece ter como Poder efetivamente autônomo, independente e eqüipotente. Estou certo de que, assim procedendo, não será essa oportunidade subtraída por uma manobra regimental interesseira e equivocada.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/03/2007 - Página 6673