Discurso durante a 40ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Leitura da carta recebida da Federação da Agricultura do Estado do Paraná, contendo denúncia sobre a possibilidade do Incra anular o título de domínio de propriedades rurais consideradas improdutivas, na faixa de fronteira.

Autor
Osmar Dias (PDT - Partido Democrático Trabalhista/PR)
Nome completo: Osmar Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES. POLITICA FUNDIARIA.:
  • Leitura da carta recebida da Federação da Agricultura do Estado do Paraná, contendo denúncia sobre a possibilidade do Incra anular o título de domínio de propriedades rurais consideradas improdutivas, na faixa de fronteira.
Aparteantes
José Agripino.
Publicação
Publicação no DSF de 03/04/2007 - Página 8235
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES. POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • GRAVIDADE, CRISE, TRANSPORTE AEREO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, PREJUIZO, TURISMO, DESRESPEITO, USUARIO.
  • LEITURA, TRECHO, CARTA, AUTORIA, PRESIDENTE, FEDERAÇÃO, AGRICULTURA, ESTADO DO PARANA (PR), DENUNCIA, ATUAÇÃO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), ANUNCIO, VISTORIA, PROPRIEDADE RURAL, PECUARIA, FAIXA DE FRONTEIRA, ANULAÇÃO, TITULO DE DOMINIO, AUSENCIA, INDENIZAÇÃO, ALEGAÇÕES, PROPRIEDADE IMPRODUTIVA, ANTECIPAÇÃO, PARCERIA, CULTIVO, CANA DE AÇUCAR.
  • PROTESTO, ATUAÇÃO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), ANTERIORIDADE, EXIGENCIA, PROPRIEDADE RURAL, DESPESA, LEVANTAMENTO, DOCUMENTAÇÃO, RATIFICAÇÃO, TITULO DE DOMINIO, FAIXA DE FRONTEIRA, AUSENCIA, PROVIDENCIA, REGULARIZAÇÃO, POLITICA FUNDIARIA, DESRESPEITO, TRABALHO, FAMILIA, GARANTIA, SEGURANÇA, TERRITORIO NACIONAL.

            O SR. OSMAR DIAS (PDT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Vou colaborar com o controlador.

            Sr. Presidente, Senador Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, o assunto tratado pelo Senador Arthur Virgílio é gravíssimo, porque interfere na vida dos brasileiros e também na economia. Não sei o que pensa a Ministra do Turismo, Marta Suplicy, a respeito desse caos, já que os turistas que vêm ao Brasil e encontram essa situação, seguramente não voltam. É dinheiro que deixa de circular na economia e de gerar emprego. Emprego que é importante para os trabalhadores de todos os Estados brasileiros. No Paraná, notadamente em Foz do Iguaçu e no litoral, perdemos muitos visitantes e, com isso, muita receita.

            Esse caos também me vitimou. Na quinta-feira passada, experimentei o que é um atraso de seis horas. Mas não é apenas o atraso, é o tratamento desrespeitoso da companhia aérea, da Infraero e da Anac, que não dá qualquer informação. Quando se vai ao balcão, tem uma informação; quando se vai à Infraero, tem outra; e, na Anac, tem outra. Fomos colocados dentro do avião para que não transcorressem as quatro horas que obrigariam a companhia aérea a nos oferecer almoço e, depois, eles nos retiraram do avião. Então, é um desrespeito enorme e ninguém dá satisfação. Sabemos que a culpa disso tudo é o descontrole por parte do Governo com relação a essa área de fundamental importância para a economia brasileira e principalmente para o cidadão brasileiro que precisa se locomover para trabalhar ou para passear. E estamos vendo esse caos instalado.

            Alertei o Senador José Agripino, quando passei por S. Exª, de que ia falar de um assunto também muito grave. Recebi uma carta da Federação da Agricultura do Estado do Paraná, uma entidade tradicional do nosso Estado, assinada por uma pessoa que preside a Federação por muitos anos. Trata-se de uma pessoa respeitada, séria, que jamais fez qualquer denúncia que não fosse verdadeira. Fez aqui uma denúncia muito séria o Presidente da Federação da Agricultura do Estado do Paraná, Ágide Meneguette.

            Trata-se da faixa de fronteira do País, assunto que, há muitas décadas, vem incomodando e não tem solução. Quero aproveitar a presença do Líder do novo Partido, os Democratas, Senador José Agripino, e do Líder do PSDB, um grande Partido. Pena que não tenhamos aqui nenhum líder dos Partidos do Governo para que eu possa levar ao conhecimento de S. Exªs esse assunto.

            Lerei a primeira parte da carta. Os Senadores entenderão a gravidade do assunto só de ouvir essa leitura. Escreve o Presidente da Federação:

Informações que chegaram a esta Federação dão conta de que o Incra pretende, a partir do mês de abril [portanto, este mês], iniciar trabalhos de vistoria em propriedades rurais sujeitas à ratificação de seus títulos de domínio, localizadas na faixa de fronteira, que, em nosso Estado, envolvem as regiões do sudoeste, oeste e parte do noroeste.

Quero lembrar que Estados como o Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Rondônia têm propriedades na faixa de fronteira, que é de 150 quilômetros.

As informações recebidas dizem também que o objetivo do Incra é vistoriar as grandes propriedades rurais e, sob os termos da Instrução Normativa nº 27, de 2006, identificar as não-produtivas, para, com base na Lei nº 9.871/99, promover suas nulidades dominiais e, com isso, apossar-se das terras sem promover as respectivas indenizações.

            Vou repetir:

(...) anular os títulos de domínio e dessa forma não promover nenhuma indenização dessas propriedades.

Para atingir tal objetivo, a linha de ação da autarquia federal é concentrar seus trabalhos prioritariamente nas propriedades pecuárias, visando antecipar-se a possíveis contratos de parceria para implantação de lavouras canavieiras, as quais tendem a crescer significativamente por estímulo do próprio Governo Federal.

            Vejam bem, a denúncia é que as propriedades pecuárias têm a prioridade do Incra para serem vistoriadas a partir de abril, não para desapropriação, mas, sim, para anular os títulos de domínio dessas propriedades localizadas na faixa de fronteira que, repito, na Constituição, está prevista como sendo de 150 quilômetros.

Deixando de lado as idiossincrasias na gestão federal, vimos alertar V. Exª para o brutal confisco de terras prestes a ser patrocinado pelo Incra. 

Senão, vejamos:

1. desde o Decreto-Lei nº 1.414, de 1975, que trata da ratificação de títulos na faixa de fronteira, ficou convencionado que o imóvel rural está apto a ser ratificado se estiver sendo explorado. A seguir, a Instrução Normativa nº 42, de 2000, definiu que o imóvel está sendo explorado quando atingir, no mínimo, 50% de sua área aproveitável;

2. visando promover maior número de anulações de títulos de domínio, sempre em nome da reforma agrária, em 22 de março de 2006 - portanto, março do ano passado -, o Incra, legislando indevidamente, editou a Instrução Normativa nº 27, determinando que imóvel explorado é aquele que atende ao que dispõe a Lei nº 8.629, de 1993, ou seja, que atinge grau de utilização da terra igual ou superior a 80% e grau de eficiência na exploração igual ou superior a 100%. Portanto, a propriedade tem que ser produtiva e, caso isso não ocorra, em vez de desapropriada, ela terá seu domínio anulado e passará a integrar o patrimônio da União.

Por último, alerto sobre dois pontos que melhor explicitam o contexto em que o Incra pretende exercer tais ações com base em instrução normativa espúria:

1. o processo de ratificação atinge as regiões da faixa de fronteira dos Estados de Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia, envolvendo mais de uma dezena de milhões de hectares;

2. para se ter idéia da dimensão do problema que se avizinha, somente no Estado do Paraná, o mesmo diz respeito a áreas totais ou parciais de 140 Municípios, totalizando cerca de 40 mil propriedades rurais passíveis de ratificação.

            Esse é o ofício que recebi da Federação da Agricultura, Senador José Agripino.

            Agora, prestem atenção para ver como isso é perigoso. Ocorre que todos os proprietários rurais localizados na faixa de fronteira foram obrigados pelo próprio Incra a fazer a ratificação de suas propriedades, de seus títulos de domínio. Como? Pagando a um topógrafo para medir a área novamente, para ratificar o tamanho da área, pagando para retirar toda a cadeia dominial, a cadeia sucessória desse imóvel. Dezenas de anos voltando atrás, pagando aos cartórios para, pegando esse documento, poder entregar um processo ao Incra.

            Os proprietários gastaram dinheiro, tempo, preocupação. E não foi pouco dinheiro, não. Um proprietário médio gastou de R$7 mil a R$10 mil para ter os documentos, fora o que pagou para topógrafos, fora o que pagou para técnicos que foram a sua propriedade para fazer os procedimentos técnicos para a ratificação.

            Ocorre que o Incra recebeu esses processos e não tomou nenhuma providência. Ou seja, deixou sobre as mesas ou no arquivo os processos de ratificação.

            Os proprietários cumpriram sua parte: contrataram técnicos, montaram seus processos de ratificação, recuperaram, por pesquisa, toda a cadeia dominial e entregaram esse processo para o Incra.

            O Incra, há cinco anos em alguns casos, sete em outros, dez em outros, está lá, nos Estados, com esses processos aguardando o despacho do Superintendente Regional do Incra para poder ter aquele proprietário suas áreas ratificadas.

            Eu não estou falando aqui de grandes propriedades, de latifúndios; estou falando de propriedades que, no meu Estado, em 95% dos casos, não chegam a 100 hectares e que, em 89% dos casos, não chegam a 50 hectares. Quer dizer, se essas propriedades têm menos do que 50 hectares ou menos do que 100 hectares, estamos falando de agricultores familiares que estão lá desde o começo do século, quando os Estados fizeram a concessão dessas áreas, quando os Estados emitiram os títulos dominiais e permitiram que, através desses títulos, essas famílias se tornassem proprietárias e, nesses imóveis, investissem a sua vida e a de suas famílias, para, em gerações sucessivas, transformar aquelas regiões em regiões altamente produtivas e com segurança.

            Aí, sim, se instalou a segurança na faixa de fronteira, porque, no momento em que famílias se espalharam por essas propriedades para produzir, para trabalhar, impediu-se que ali se instalassem os criminosos e a criminalidade. Ali estavam e estão famílias de trabalhadores.

            Pois bem. O Incra simplesmente não cumpriu a sua parte, não fez o que era sua competência: pegar esses processos, tomar as providências para legalizar, ou seja, de uma forma definitiva, ratificar aqueles títulos, deixando a situação absolutamente legal para que em nenhum momento mais essas famílias sejam ameaçadas de perder essas propriedades.

            Agora vem essa denúncia, que é de uma gravidade imensa, porque não se fala aqui em vistoriar as propriedades das faixas de fronteira e, se elas forem improdutivas, desapropriá-las, porque a lei já determina que sejam desapropriadas se forem improdutivas. Não, o que o Incra pretende é, contra a lei, contra a Constituição, baseado numa instrução normativa do próprio órgão, que coloca a instrução normativa acima da lei, acima da Constituição, segundo essa denúncia, vistoriar as propriedades e, se encontrar uma propriedade improdutiva, anular seu título de domínio, sem que seu proprietário tenha direito à indenização. Isso é um crime contra a lei, contra a Constituição e, principalmente, um crime contra famílias, um desrespeito a milhares de famílias. No caso do Paraná, como eu disse, são quarenta mil propriedades nessa situação. São milhares de famílias espalhadas, em vários Estados brasileiros, nas faixas de fronteira, que garantem a segurança do País, porque estão lá trabalhando e agora se sentindo ameaçadas até de perder o patrimônio que construíram, com sacrifício, durante longos anos, longas décadas.

            Estou trazendo aqui esta denúncia, estou fazendo um alerta e, ao mesmo tempo, pedindo por essas famílias aos Líderes partidários. Fiz um requerimento, que foi aprovado, à Comissão de Agricultura do Senado. Ele propõe um convite, por enquanto, para que o Presidente do Incra venha aqui explicar essa denúncia e negá-la ou, se ela tiver procedência, justificá-la.

            No meu entendimento, ela não tem justificativa. A denúncia é feita por uma entidade tradicional, séria, que não faria essa denúncia se não houvesse essa possibilidade.

            O Presidente do Incra tem, portanto, o dever de, chegando na Comissão de Agricultura do Senado, deixar esse assunto esclarecido de uma vez por todas e, sobretudo, tomar providências para que todos os processos entregues pelos proprietários rurais sejam devidamente apreciados, analisados e para que se dê o despacho para reconhecer a titularidade daqueles que estão lá porque tiveram essa terra adquirida pelos seus familiares, pelos atuais ou pelos seus antecessores.

            Concedo o aparte, com satisfação, ao Líder José Agripino.

            O Sr. José Agripino (PFL - RN) - Senador Osmar Dias, V. Exª coloca com muita oportunidade essa questão. Veja V. Exª: parece-me que a preocupação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do seu Incra é apresentar ou exibir troféus, entre eles o número de assentados. Não é o número de propriedades emancipadas, mas o número de assentados. Assentar é a coisa mais fácil: você desapropria a terra, quando é o caso, coloca pessoas para ocupar a terra, e elas ficam vivendo de Bolsa-Família, habituando-se à leniência. O que V. Exª está colocando é um caso mais grave: pessoas que, ao longo da vida, constituíram um patrimônio, desenvolveram uma atividade produtiva, criaram os filhos, muitas delas até conseguindo formar os filhos a partir da lavra da terra ou da pecuária e que tiram realmente da terra o seu sustento estão ameaçados, agora, de se verem expropriados, sem ao menos indenização, para serem colocadas pessoas, ali, que vão fazer apenas registro, estatística de assentamento, sem que haja nem ao menos a garantia de que aquele assentado vá ter, daquele pedaço de terra, o seu sustento. Então, V. Exª pode contar - não há nenhuma dúvida - com o endosso do meu Partido. Os democratas estarão solidários com o requerimento de V. Exª para o Presidente do Incra, que por sinal é um homem decente. Tenho muito boa relação com ele, que é um homem decente, mas precisa vir aqui explicar do que se trata. Essa denúncia da entidade de classe a que V. Exª se refere, que é uma entidade de respeito, merece que convoquemos o Presidente do Incra para vir aqui dizer se é isso mesmo, ou se houve má interpretação. Tomara que tenha havido má interpretação.

            O SR. OSMAR DIAS (PDT - PR) - Senador José Agripino, incorporo o aparte de V. Exª porque é a síntese da conclusão do meu pronunciamento.

            Digo a V. Exª que também não acredito que o Presidente do Incra esteja informado desse movimento e até acredito que ele não saiba como andam os processos de ratificação daquelas propriedades de fronteira.

            E mais, nesse caso é pior ainda, porque seria uma reforma agrária às avessas. Seria tirar famílias que estão ali viabilizadas, produzindo alimentos, commodities.

            Há, naquela região do Paraná, por exemplo, muita suinocultura e avicultura; renda agregada de alto valor. E essas famílias, esses agricultores seriam prejudicados para que outros fossem ali assentados, começando do zero. Mas não são essas propriedades que devem ser objeto de reforma agrária. Precisamos fazer reforma agrária, sim, mas dentro do que a lei admite, não usurpando a lei e não causando essa insegurança jurídica a milhares de pessoas que estão na faixa de fronteira deste País e que ajudam - repito - a dar segurança ao País, porque estão lá trabalhando, produzindo e vivendo num ambiente social harmônico, em paz e que deve prosseguir assim. Não é dessa forma que vamos conseguir contabilizar números para a reforma agrária. Não é dessa forma, nem por esse caminho.

            Senador José Agripino, eu, que falei outro dia da questão do biodiesel, vejo o alerta daqueles que estão para antecipar a vistoria nas áreas de pastagem, que poderão ser substituídas por plantações de cana-de-açúcar. Por que estão fazendo essa campanha contra a produção de energia em nosso País? Porque dizem que podem substituir áreas de produção de alimentos por produção de energia.

            Ora, há, sem aproveitamento nenhum, hoje, 90 milhões de hectares para serem incorporados imediatamente ao sistema produtivo nacional, sem nenhum prejuízo. Ademais, a cana-de-açúcar tem exigências em relação ao clima e solo; não se permite o plantio acima do paralelo 24. Portanto, não significa que iremos espalhar a cana-de-açúcar por todo o País, não. Inclusive, algumas ONGs dizem que o açúcar e o álcool brasileiros são manchados de sangue.

            Quando se tenta colocar o Brasil no contexto e no cenário internacional, negociando acordo com os Estados Unidos, no momento em que a Europa que está querendo comprar o nosso biodiesel, o nosso álcool e o nosso combustível à base de oleaginosas, podemos perder a oportunidade, por causa desta propaganda negativa que é feita do setor produtivo nacional. E vê-se que isso está atendendo a interesses de outras empresas localizadas em outros países. É preciso tomar cuidado.

            Trouxe o alerta em relação a essa questão do Incra, convidando o Presidente do Incra a fazer o esclarecimento ao País e quero contar com o apoio de todos os partidos nesta Casa, para que possamos dar tranqüilidade a todos os proprietários rurais da faixa de fronteira do Brasil. 

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente. 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/04/2007 - Página 8235