Discurso durante a 38ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão a respeito do ato praticado anteontem contra estudantes africanos na UnB.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Reflexão a respeito do ato praticado anteontem contra estudantes africanos na UnB.
Publicação
Publicação no DSF de 30/03/2007 - Página 7926
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • REGISTRO, SOLENIDADE, SENADO, HOMENAGEM, PARTIDO POLITICO, PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC DO B), ELOGIO, ATUAÇÃO, REPRESENTAÇÃO PARTIDARIA, COMPROMISSO, IDEOLOGIA.
  • COMENTARIO, CRIME, TENTATIVA, INCENDIO, ALOJAMENTO, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), VITIMA, ESTUDANTE, NACIONALIDADE ESTRANGEIRA, CONTINENTE, AFRICA, APREENSÃO, ORADOR, AUMENTO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DEFESA, DIREITOS, IGUALDADE, RAÇA, BRASIL.
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, SECRETARIA ESPECIAL, IGUALDADE, RAÇA, REFERENCIA, SITUAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, BRASIL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Inácio Arruda, eu não estava preocupado em ficar para depois, mas em falar depois do Senador Mão Santa, pela dificuldade que isso significa, pela maneira como se comunica, sobretudo com o povo do Piauí.

Sr. Presidente, Senador Inácio, ontem, fizemos aqui uma solenidade em homenagem ao seu Partido, o PCdoB. Eu disse que havia um débito, que o PCdoB, Partido ao qual nunca pertenci, foi, mesmo assim, uma escola para mim no período da minha juventude. Ao mesmo tempo em que falei do meu agradecimento ao PCdoB na minha formação, mencionei a necessidade de o PCdoB ser uma vanguarda neste País para acabarmos com dois problemas que nos enterram - nós, os líderes políticos. Os líderes políticos morrem sob os escombros do acomodamento e da perplexidade.

Vivemos uma perplexidade! Não há um rumo, uma utopia, e estamos acomodados diante disso. Acredito que o PCdoB é um dos Partidos cujos membros têm uma ideologia, algo de que precisamos; cujos membros têm militância, o que também precisamos.

Venho aqui lembrar um fato que aconteceu anteontem na minha Universidade de Brasília, que pode servir como exemplo da necessidade de se sair da perplexidade e do acomodamento. Anteontem, de madrugada, tomaram-se decisões na Universidade que praticamente poderiam ter levado à morte de dois estudantes negros - e eles poderiam ter sido mortos por serem negros. Escaparam, mas tocaram fogo neles, Senador Mão Santa! A Polícia Federal ainda não sabe quem foi o autor desse crime, mas vai descobrir. E os criminosos devem ser punidos rigorosamente. Atearam fogo, de madrugada, no alojamento onde moravam esses dois jovens estudantes africanos - estrangeiros, portanto.

O fato deve merecer de nós uma reflexão profunda. E esse não foi um fato isolado, Senador! Aqui, Embaixadores de países africanos, negros, têm sido vítimas de preconceito: no trânsito, em hotéis, em lojas. É comum haver preconceito contra senhoras e senhores por causa da cor da pele.

Estamos vivendo um período em que o acirramento racial, temo, vai-se agravar; mas vai-se agravar porque o problema era colocado debaixo do tapete, estava escondido e, agora, aflorou, porque os negros decidiram lutar pelo lugar deles.

Quando pequeno, lembro-me de ouvir das pessoas aquela idéia de que “negros são bons quando sabem o lugar deles”. Essa frase durou muitas décadas, desde a Abolição, porque, antes, nem isso se dizia. Hoje, os negros lutam pelas cotas na universidade, lutam pela igualdade. Eles conseguiram o Ministério da Igualdade Racial - tenho de elogiar o Presidente Lula por ter criado esse Ministério -, e isso vai incomodar; vai incomodar preconceituosos que não querem ceder para a igualdade, e vai incomodar outros que não são tão preconceituosos assim, mas que são iludidos pela idéia de que defender a igualdade é criar o conflito. Não. É assumir que o conflito existe e que precisa ser enfrentado.

Não tenho dúvida ao afirmar que, no Brasil, o verdadeiro problema é social. Se houver uma escola absolutamente igual em qualidade nos condomínios e nas favelas, para os brancos e para os negros, vamos acabar, sim, com o preconceito racial.

Mas isso vai demorar. E, enquanto o problema não se resolve, vamos ter de enfrentar o preconceito, vencendo-o, e não escondendo-o, como alguns querem.

Nesta semana, poucos dias atrás, a Ministra Matilde disse uma frase que foi criticada por todos. Analisemos com cuidado a frase dela. Ela disse algo com o qual concordo. Até liguei para ela, hoje, para me solidarizar, mas disse-lhe que faltaram algumas frases para fundamentar sua argumentação, e ela respondeu que precisava refletir um pouquinho mais sobre o assunto. O que ela disse é que o preconceito de fato existe, daqueles que sofrem contra aqueles que fazem, e não nos dois sentidos igualmente. E é verdade. A reação dá a impressão de ser uma resistência à superação de um problema que era escondido e que, agora, apareceu, aflorou. Não tenho dúvida de que o caminho é uma revolução na educação, mas, até lá, vamos precisar, sim, das cotas; vamos precisar, sim, da Sepir, e espero que seja um Ministério de duração marcada para acabar.

O que não podemos fazer - e peço dois minutinhos a mais, Sr. Presidente - é enfrentar, diariamente, problemas de preconceito, como o que houve contra os estudantes africanos e como o que ocorreu, há alguns anos, contra o índio Galdino, um pataxó, que, por uma “brincadeira”, como disseram alguns meninos, terminou assassinado por eles. Precisamos enfrentar esse problema.

Estive, hoje, com o Senador Paim, com o ...

(interrupção do som.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - ... ex-Presidente da Câmara Aldo Rebelo e com o Deputado Vieira da Cunha, em visita ao Reitor da Universidade. Ouvi dele todas as medidas necessárias para enfrentar o problema. Chamou a Polícia Federal, que está investigando o caso. Fez um gesto muito bonito ao considerar, a partir de agora, o dia 28 de março como o Dia da Luta pela Igualdade Racial na UnB. Todos os anos o episódio será lembrado.

Porém, um fato é preocupante: ele foi obrigado a retirar esses meninos africanos - agiu corretamente - do alojamento estudantil onde moravam e colocá-los em um apartamento fora, sem poder dizer onde eles estão.

O que isso quer dizer, se durar mais algum tempo? Que, no Brasil, o negro, para estudar na universidade, tem de ser protegido pela polícia. Isso aconteceu no Alabama há 50 anos. Naquela época, o jovem, para estudar, tinha de ir para escola rodeado de policiais. Hoje, o Reitor não precisa fazer isso para enfrentar a maioria dos jovens, porque a maioria dos estudantes da UnB já se solidarizou com esses jovens; a maioria dos estudantes da UnB já se manifestou contra aquele ato criminoso.

Mesmo assim, é constrangedor saber que, no Brasil, no século XXI, há dois jovens africanos vivendo em lugar não sabido, com endereço escondido, para se protegerem do racismo. Não podemos deixar que isso aconteça. O caminho não é colocar o problema de volta debaixo do tapete; o caminho é enfrentar o problema com rigor, punindo essas pessoas e fazendo com que o Brasil seja capaz de dar uma escola de qualidade para pobres e ricos. Assim, os negros terão uma escola igual a dos brancos, e nós teremos quebrado o preconceito. Não deixemos voltar para debaixo do tapete o problema do racismo. Vamos enfrentá-lo com competência, para que esse conflito não se agrave no futuro.

Creio que o PcdoB pode ser um dos Partidos a liderar essa luta, permitindo a lucidez e acabando com o acomodamento.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/03/2007 - Página 7926