Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

A importância dos estudos sobre como erradicar a pobreza e tornar mais justa a distribuição de renda no país, de autoria dos pesquisadores Samir Cury, Ricardo Paes de Barros e Gabriel Ulyssea, do IPEA e da FGV, e do Dr. Sérgio Luiz de Morais Pinto.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • A importância dos estudos sobre como erradicar a pobreza e tornar mais justa a distribuição de renda no país, de autoria dos pesquisadores Samir Cury, Ricardo Paes de Barros e Gabriel Ulyssea, do IPEA e da FGV, e do Dr. Sérgio Luiz de Morais Pinto.
Publicação
Publicação no DSF de 05/04/2007 - Página 8722
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ESTUDO, PESQUISADOR, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (FGV), TESE, CURSO DE DOUTORADO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, ERRADICAÇÃO, POBREZA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, BRASIL, COMPARAÇÃO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), CONCLUSÃO, ALTERAÇÃO, RENDA, FAMILIA, CALCULO, DESIGUALDADE SOCIAL, NECESSIDADE, CONTINUAÇÃO, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA SOCIAL.
  • REGISTRO, REUNIÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, BANCADA, SENADOR, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), ENTREGA, ESTUDO, SIMULAÇÃO, EFEITO, IMPLEMENTAÇÃO, LEGISLAÇÃO, RENDA MINIMA, CIDADANIA, PREVISÃO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DETALHAMENTO, DADOS.
  • ANALISE, DESVINCULAÇÃO, POBREZA, VIOLENCIA, VINCULAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, CRIME, IMPORTANCIA, BUSCA, INSTRUMENTO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Gerson Camata, Srªs e Srs. Senadores, recentemente foram elaborados dois estudos importantes sobre como erradicar a pobreza e tornar mais justa a distribuição de renda em nosso País, cujos resultados merecem ser conhecidos por nós Senadores e por todos aqueles que se interessam pelo tema. Um feito pelos pesquisadores Samir Cury, Ricardo Paes de Barros e Gabriel Ulyssea, do IPEA e da FGV, e o outro pelo Dr. Sérgio Luiz de Moraes Pinto.

Ricardo Paes de Barros e Gabriel Ulyssea são do IPEA. Samir Cury é pesquisador que colabora com o IPEA, mas também é meu colega como professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da FGV. O outro estudo foi feito pelo Dr. Sérgio Luiz de Moraes Pinto, que completou, no ano passado, sua tese de doutoramento sobre uma política para combater a desigualdade, denominada Sociedade dos Participantes.

            Pesquisas domiciliares com cobertura nacional representam a melhor fonte de informação para medir o grau de desigualdade de um país. No caso do Brasil, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, constitui a principal fonte de informação disponível, sendo internacionalmente reconhecida. Nada obstante, assim como ocorre em todas as pesquisas domiciliares, a PNAD apresenta limitações.

Nesse sentido e com o objetivo de aferir a real desigualdade de renda na sociedade brasileira, os pesquisadores Samir Cury, Ricardo Paes de Barros e Gabriel Ulyssea, do IPEA, confeccionaram um estudo fundamentado na PNAD, na Pesquisa de Orçamento Familiar - POF, e nos números do Sistema de Contas Nacionais - SCN, denominado A desigualdade de renda no Brasil encontra-se subestimada? Uma análise comparativa com base na PNAD, na POF e nas Contas Nacionais. Cabe lembrar que todos esses dados são produzidos pelo IBGE.

Uma das conclusões apresentadas por Cury, Paes de Barros e Ulyssea é que a renda das famílias brasileiras é 26% maior do que a apurada pela PNAD, pesquisa mais utilizada no País para se medir rendimentos. Na prática, isso significa que há mais R$219 bilhões disponíveis para o consumo do que se imagina.

Além de a renda ser maior do que a divulgada pela PNAD, essa discrepância em relação aos dados da Pesquisa de Orçamento Familiar não ocorre apenas devido ao fato de a primeira não captar de maneira fiel os rendimentos de ativos. Os pesquisadores concluíram que a principal contribuição para essa diferença de 26% é justamente a da renda do trabalho, que também é mal captada pela PNAD.

Os cálculos mostraram que apesar da renda das famílias ser maior do que aquela com a qual trabalham Governo, consultorias e especialistas, esse diferencial não altera a desigualdade social medida pelo coeficiente de Gini. Pela PNAD, esse coeficiente estaria em 0,583, enquanto que com os dados da POF, ela ficaria em 0,582.

Um outro cálculo realizado pelos pesquisadores mostra que o nível de desigualdade no Brasil pode ser menor do que 0,58. Eles analisaram a renda das famílias de uma maneira diferente. Partiram do princípio de que alguns gastos do Governo, tais como educação, saúde, entre outros, devem ser contabilizados como renda para as famílias. “A família que não paga escola a seus filhos ou seguro-saúde, por pior que possam ser esses serviços públicos, economiza dinheiro e acaba tendo uma renda maior do que a declarada”, explica Samir Cury. E, ao mesmo tempo, os cálculos do estudo deduziram os gastos familiares com impostos.

O resultado é um coeficiente de Gini de 0,503 pela PNAD (antes considerado 0,583), supondo que 75% dos gastos do Governo são efetivamente transferidos para as famílias. Isso significa que o índice utilizado hoje para medir a desigualdade está 16% acima dos números encontrados pelo estudo. Ou seja, esse cálculo alternativo demonstra que a desigualdade de renda no Brasil é menor do que a mensurada pela PNAD.

As duas formas de cálculo demonstram que a distribuição de renda no Brasil continua com extrema desigualdade e que se faz necessário continuar o trabalho para reduzi-la.

É importante que o Governo do Presidente Lula tenha iniciado ou enfatizado como política diversos instrumentos que estão colaborando para reduzir gradativamente o grau de desigualdade no País.

Gostaria, agora, de mencionar as conclusões do estudo de Sérgio Luiz de Moraes Pinto, que defendeu, no ano passado, uma tese de doutoramento em administração pública e governo, na área de finanças públicas, sob a orientação do professor George Avelino Filho, justamente na Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da FGV, onde também sou professor, denominada Proposta de Avaliação de uma Política Pública contra a Desigualdade Econômica no Brasil - A Sociedade dos Participantes. Refere-se à proposição feita pelos professores Bruce Ackerman e Anne Alstott, no livro The Stakeholder Society, que pode ser traduzida para a sociedade dos participantes.

Pois bem, em diálogo comigo, Sérgio Luiz de Moraes Pinto salientou que a proposta de se pagar a todos, numa sociedade, um capital básico é equivalente ao pagamento de uma renda básica. E teve Sérgio Luiz de Moraes Pinto a gentileza de fazer uma simulação, enviando-me um trabalho que considero de grande relevância e que, inclusive, entreguei, ontem à noite, ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Quero aproveitar a oportunidade, Presidente Gerson Camata, para agradecer a gentileza do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, com o Ministro Tarso Genro, compareceu ontem à minha residência, para uma reunião com a Bancada do Partido dos Trabalhadores no Senado. Nós somos hoje doze Senadores, com a chegada de João Pedro, que substituiu o Ministro Alfredo Nascimento. Apenas o nosso Augusto, Senador por Roraima, que foi acometido de uma gripe, não pôde estar presente.

Foi um diálogo extremamente positivo, construtivo e que certamente colaborará muito para o melhor relacionamento entre o Senado Federal, o Congresso Nacional, a nossa Bancada, o Governo e também as demais bancadas. O Presidente Lula deseja ter encontros dessa natureza com todos os partidos; já teve com o partido de V. Exª, Sr. Presidente. Sua Excelência vai dar continuidade a procedimentos dessa natureza e aos diálogos intensos com as principais lideranças, não apenas da base de Governo, mas também da Oposição. Ele próprio mencionou que, hoje pela manhã, teria um diálogo com o Senador Antonio Carlos Magalhães, que o visitaria no Palácio do Planalto.

Diz Sérgio Luiz de Moraes Pinto:

Este breve trabalho avalia os efeitos da implantação da Lei da Renda Básica de Cidadania, de autoria do Senador Eduardo M. Suplicy e sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva [em 8 de janeiro de 2004].

Por meio de uma técnica matemática, denominada microssimulação, mediu-se os resultados da adoção deste programa, usando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2005, a última divulgada pelo IBGE. Os resultados [Presidente Gerson Camata, que também votou favorável a essa medida] são surpreendentemente positivos. O índice de Gini, que mede desigualdade econômica, seria reduzido em 4,77%, de 0,552 para 0,525, [pela aplicação, apenas em um ano, de uma Renda Básica de Cidadania modesta, de R$40,00 por mês, para todos os brasileiros e brasileiras]. Para avaliar a força deste resultado, basta lembrar que este índice [o coeficiente Gini] diminuiu de 2,59% entre 2003 e 2005; e 6,16% entre 1993 e 2003 [em dez anos, portanto]. Outro dado que mostra a eficácia do programa de Renda Básica é o aumento de quase 50% da participação na renda nacional dos 10% dos brasileiros mais pobres, de 0,88% para 1,31%.

Para se chegar a estes valores, simulamos na PNAD de 2005 a proposta do Senador Suplicy, exposta em seu livro “Renda Básica de Cidadania: A Resposta dada pelo Vento”, na qual cada cidadão brasileiro receberá R$40 por mês [como uma hipótese para começar].

A ferramenta usada, a microssimulação, ou simulação microanalítica, é a técnica de modelagem econômica que permite alterar os atributos das unidades individuais que compõem um banco de dados, e analisar os resultados agregados destas alterações. A partir de modelos econométricos, simulam-se alterações nos indivíduos, e mede-se o efeito destas na distribuição da renda e nos índices de desigualdade da população.

A implantação do programa de Renda Básica impõe um dispêndio significativo de R$88,8 bilhões, que é o resultado de 12 parcelas mensais de R$40,00 pagas a 185 milhões de brasileiros [a nossa população em 2005, atualmente, de 188,3 milhões]. [...] Este trabalho não busca enumerar as fontes de financiamento para o programa, o que está feito no livro já citado do senador Suplicy. Também não simulamos nenhuma redução na renda dos mais ricos, o que ocorreria no caso da adoção de um sistema tributário mais progressivo, que reduziria ainda mais a desigualdade aqui calculada. Na verdade, como o programa proposto é um direito de cidadania, a renda dos ricos é acrescida dos mesmos R$40,00 mensais do que a dos pobres.

Este estudo desenvolve uma simulação estática, i.e, o efeito da implantação do programa de Renda Básica está sendo medido somente para o ano de 2005, sem analisar sua progressão no tempo [que, obviamente, se for em 10 anos, a redução na desigualdade será extraordinariamente maior]. A injeção de recursos da ordem de R$88,8 bilhões na economia aumentará o consumo, estimulará o setor produtivo e gerará mais empregos. Desta forma, os resultados quanto à redução da pobreza e da desigualdade nos anos seguintes devem ser maiores do que os aqui apontados.

No entanto, seria necessário desenvolver modelos econométricos, avaliando o impacto no comportamento da população e nos diferentes setores da economia, para poder mensurar todos os benefícios do programa ao longo do tempo.

A simulação aqui desenvolvida supõe a implantação da Renda Básica sem a suspensão da Bolsa Família [em 2005, ela aconteceu]. Assim, todos os brasileiros irão ter sua renda acrescida de R$40,00; e os que recebem a Bolsa Família não perderão este benefício. No entanto, o resultado medido de redução de 4,77% na desigualdade brasileira deve-se tão-somente à adoção do programa de Renda Básica, visto o efeito da Bolsa Família já estar computado na redução de 2,59%, medida entre 2003 e 2005. Em outras palavras, a PNAD de 2005 traz embutida a renda total recebida pelos brasileiros, inclusive os valores referentes ao programa Bolsa Família. A simulação realizada acresce a esta renda a proposta do Senador Suplicy [da Renda Básica], cujos efeitos são medidos pela diferença entre a PNAD real e a simulada.

As Tabelas 1 e 2 [...] [anexas] apresentam, respectivamente, a desigualdade no Brasil medida pelo índice de Gini e sua variação, por estado e por região. Os valores da Tabela 1 representam, de 1993 a 2005, a desigualdade real, medida, e na coluna R.B. [Renda Básica] a simulação da adoção da política de Renda Básica. Nestas tabelas podemos ver que a maior redução do índice de Gini devido a esta política ocorre na região Nordeste, de 0,551 para 0,509, ou seja, 7,59%. Todas as regiões e todos os estados, sem exceção, melhoram sua distribuição de renda. Mesmo onde o programa Bolsa Família não foi tão eficaz para reduzir a desigualdade, o Renda Básica apresenta bons resultados.

Por exemplo, a região Centro-Oeste reduziu sua desigualdade entre 2003 e 2005 em 0,71%. Com a adoção do Programa Renda Básica, a redução passaria a ser de 4,15% nessa região.

No Rio Grande do Norte, Paraíba e Goiás, onde a desigualdade aumentou nesse período, mesmo com o Bolsa Família, haveria uma redução com a adoção do Renda Básica. Cabe ressalvar que a comparação dos resultados da Região Norte, entre 2003 e 2005, não é tão acurado como os das demais, pois o IBGE ampliou a área de pesquisa dos domicílios em 2004, e preferimos manter os resultados de 2005 integrais, sem harmonizar com a área de 2003.

Finalmente, a Tabela 3 mostra como a renda nacional se distribui entre cada decil da população brasileira. Conforme afirmamos atrás, os 10% da população mais pobre aumenta sua participação na renda de 0,88% para 1,31%, quase 50%. A metade mais pobre dos brasileiros, i.e., os cinco primeiros decis, aumentam sua participação na renda nacional de 15,79% (a soma dos cinco primeiros grupos) para 17,42%, ou seja, um aumento superior a 10%.

Quanto à redução da pobreza, a PNAD de 2005 mostra que aproximadamente 4,5% da população brasileira, após a adoção do Bolsa Família, continuava abaixo do nível de pobreza extrema, ganhando menos do que um dólar por dia. Enquanto isso, cerca de 10,5% ganhavam menos do que dois dólares por dia, o nível de pobreza. Com a adoção do programa de Renda Básica, concomitante ao do Bolsa Família, a porcentagem da população ganhando menos do que um dólar por dia seria reduzida para menos de 2%, e menos de 8% estariam recebendo até dois dólares diários. Isto significa tirar mais de 4,6 milhões de brasileiros da miséria, e outros 4,6 milhões da linha de pobreza, além dos que já foram beneficiados pelo programa Bolsa Família.

Quando falo em miséria, digo aqui os que estão vivendo com menos de US$1 por dia, e condições de pobreza os que estão vivendo com menos de US$2 por dia.

Assim, os dois programas estudados reduzem a pobreza. No entanto, o de Renda Básica mostra-se mais eficiente na redução da desigualdade. Sabemos que o Brasil não é um país pobre, mas é um dos países com pior distribuição de renda do mundo. Os estudos mostram que a pobreza não gera violência, enquanto esta grande desigualdade econômica diminui a coesão social, gerando a violência e a criminalidade, apontada pelas pesquisas como o problema que mais incomoda os brasileiros hoje. Além disto, esta má distribuição de renda dificulta o crescimento econômico do país, aumenta o número dos que vivem na pobreza, retarda a redução dos pobres quando o país cresce, aumenta a exclusão social e traz um enorme custo de oportunidade pelo não aproveitamento do potencial de trabalho de milhões de desempregos, principalmente jovens.

Ou seja, a pobreza, ao lado da pobreza, ela não induz tanto à violência, mas quando a pobreza está ao lado da disparidade de renda e riqueza, tal como no Brasil em muitos lugares, nas grandes metrópoles se observa, então é aí que a violência aumenta muito mais.

Quero aqui então registrar estes dois trabalhos. Peço que eles sejam transcritos na íntegra, tanto o trabalho de Ricardo Paes de Barros, de Samir Cury e Gabriel Ulyssea.

Eu gostaria até de registrar que, ontem, no jantar com a Bancada do PT, o Presidente Lula recomendou que eu assistisse a entrevista de Ricardo Paes de Barros que mostrou a natureza da distribuição da renda e como esses estudos mostram que a população mais pobre está melhor do que antes estava sendo considerada. Gostaria também de informar que encaminhei ao Presidente esse estudo da renda básica, que mostra como ela pode se tornar um instrumento muito eficaz na batalha do atual Governo e de toda a sociedade brasileira para diminuirmos a desigualdade.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente Gerson Camata e Srs. Senadores.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

“Renda Básica de Cidadania: Efeitos de sua implantação na sociedade e na desigualdade”;

“Texto para discussão nº 1263”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/04/2007 - Página 8722