Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apela pela regulamentação da Lei 9.454, de 7 de abril de 1997, que institui o Cadastro Nacional de Registro de Identificação Civil, destinado a conter o número único de Registro Civil, acompanhado dos dados de identificação de cada cidadão.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Apela pela regulamentação da Lei 9.454, de 7 de abril de 1997, que institui o Cadastro Nacional de Registro de Identificação Civil, destinado a conter o número único de Registro Civil, acompanhado dos dados de identificação de cada cidadão.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 05/04/2007 - Página 8768
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • CRITICA, EXCESSO, DOCUMENTO, IDENTIFICAÇÃO, CIDADÃO, PAIS, FACILITAÇÃO, FALSIFICAÇÃO, FAVORECIMENTO, CORRUPÇÃO.
  • COMENTARIO, HISTORIA, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, UNIFICAÇÃO, NUMERO, DOCUMENTO, IDENTIFICAÇÃO CIVIL, NECESSIDADE, EXECUTIVO, URGENCIA, REGULAMENTAÇÃO, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO, IMPEDIMENTO, FRAUDE, DOCUMENTAÇÃO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, os brasileiros podem se dividir, ou serem divididos, em dois grandes grupos: o primeiro, os sem-registro; o segundo, os registrados em demasia.

Quantos serão os cidadãos sem rosto em quase tudo na vida, que nascem, que morrem sem ter tido nem mesmo uma estatística? Dizem que são 16 milhões. Como saber se eles são desconhecidos, se eles não têm Certidão de Nascimento, se eles não têm Certidão de Óbito? Recebem, ao nascer, um nome e uma cruz como fardo. Resumem-se, ao morrer, a uma cruz com um nome. Cruz com um símbolo. Nome quase sempre sem sobrenome.

Quantos serão os registros dos brasileiros mais que identificados, da Certidão de Nascimento à Certidão de Óbito? São cidadãos com rosto, nome, sobrenome e muitos algarismos: do RG, do CPF, do PIS, do PASEP, do INSS, do CNH, do Título de Eleitor, da Certidão de Casamento, da conta bancária, da Carteira de Trabalho, do Fundo de Garantia, do Certificado de Reservista, do conselho profissional, do passaporte, da carteira de saúde e muitos outros. São mais de 20 tipos de documentos, cada um com seu número. Cada um dos vinte documentos tem seu número especial.

Portanto, há um Brasil desconhecido, oficialmente. Seus habitantes não contam, mas são equivalentes a algo como cinco Uruguais. Por outro lado, um país de tantos registros que, se distribuídos um por um, identificariam mais de duas Chinas, ou quase um terço de toda a população do planeta.

Nem um Brasil, nem outro. O primeiro, desconhecido, quase clandestino, há que ter, no registro de identidade, o passaporte para a cidadania. Uma porta de entrada para a saúde, a educação, a segurança e para todos os programas públicos, principalmente os de combate à fome e à miséria. Um registro que não significa apenas um quantitativo censitário, mas que representa o ser humano na sua plenitude. Um número, portanto, que mais que significa: dignifica.

Mas, no outro Brasil, a quantidade excessiva de registros tem-se mostrado, na prática, uma enorme porta de entrada para a corrupção. As Comissões Parlamentares de Inquérito são a prova mais contundente da falta de controle sobre a vasta documentação dos brasileiros. Milhares de contas fantasmas, os chamados “laranjas” na locupletação com desvios de dinheiro público, na falsificação de registros de identidade e de cadastros bancários, fiscais e alfandegários. Exemplo mais que contundente foi o caso do fazendeiro Darly Alves da Silva, assassino do ambientalista Chico Mendes, que fugiu da cadeia, no Acre, e foi encontrado no Pará, com CPF falso, o que lhe permitiu, inclusive, tomar empréstimo no Banco do Brasil. Quem não se lembra também daquele ex-governador, pilhado com cinco CPFs igualmente falsos? Por aí se vê que, por serem tantos os registros, perdeu-se totalmente o controle sobre o falso e o verdadeiro.

No país sem registros, o cidadão é ninguém. No de registros em demasia, ele pode ser muitos.

Ele não pode, portanto, continuar sendo o cidadão “x” para a Receita Federal, “y” para o Detran, “z” para a Secretaria de Segurança Pública, “n” para a Justiça Eleitoral. Muito menos zero para o Estado. Nem alfabeto, nem analfabeto!

É bem verdade que, a cada quatro anos, ele é eleitor. Aí, o número de seu título eleitoral adquire o devido e, muitas vezes, o indevido valor. Quase que um registro único. O eleitor, então, pelo menos no discurso, passa a ser sinônimo de cidadão. No caso, um cidadão com rosto, com perfil de voto.

Em 1995, submeti a esta Casa o Projeto de Lei nº 32, instituindo o Número Único de Registro Civil, que se converteu em lei, aprovada por unanimidade na Casa e na Câmara dos Deputados: a Lei nº 9.454, de 7 de abril de 1997. Portanto, por essa mesma lei, no seu art. 1º, ficou ”instituído o Cadastro Nacional de Registro de Identificação Civil, destinado a conter o número único de Registro Civil, acompanhado dos dados de identificação de cada cidadão”.

A lei, discutida e votada nesta Casa, previa, em abril de 1997, quando foi sancionada pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso, o prazo de 180 dias para ser regulamentada e de 360 dias para o início efetivo de sua implementação. Essa regulamentação ficava a cargo do Poder Executivo. Todos os documentos que estivessem em desacordo com a lei perderiam a validade passados cinco anos. Portanto, por essa mesma lei, discutida e votada sob o agasalho de todos os requisitos regimentais do Congresso Nacional, todos os documentos que hoje são exigidos dos cidadãos brasileiros, com o imenso emaranhado de números, já teriam perdido o valor desde abril de 2002, portanto há outros cinco anos.

O projeto de decreto de regulamentação foi elaborado em tempo hábil por uma comissão nomeada pelo então Ministro da Justiça, Nelson Jobim, composta por técnicos de diversos ministérios e órgãos públicos, incluindo um profissional do meu gabinete.

Do ponto de vista eminentemente técnico, o assunto se esgotou após amplas e profundas discussões sobre sua importância. Entretanto, a Comissão foi dissolvida pelo Ministro Renan Calheiros, novo Ministro da Justiça, e o decreto, essencial para a implantação das disposições da lei, dormita até hoje, depois de doze Ministros terem passado por lá, nas prateleiras frias do Ministério da Justiça.

Ocorre que, em abril de 2002, preocupado com o final do prazo para a validade dos documentos e com a não regulamentação estipulada na lei, apresentei novo projeto, o de nº 76, prorrogando, por mais cinco anos, o prazo para a tal regulamentação. Esse novo projeto foi aprovado, por unanimidade, no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. Até agora, o Congresso não tratou dessa matéria.

Enquanto isso, novos documentos, com seus respectivos números, foram criados, e a parafernália existente à época da decisão do Congresso tornou-se ainda mais inchada. E o cidadão brasileiro ou não tem registro algum, ou é um emaranhado de números.

A minha luta, que é de toda a população brasileira, para que essa lei seja prontamente regulamentada pelo Poder Executivo e colocada em prática de imediato, não significa tão-somente que o brasileiro obtenha um único registro, o que já seria de grande importância. Não se trata apenas de um documento único, mas de um país único, em que cada ser humano tenha um nome, um sobrenome e um registro que lhe formalize a existência, para que todos, sem exceção, se habilitem ao exercício pleno da cidadania, com todos os direitos que lhes são devidos pela Constituição brasileira.

O programa Fantástico, da Rede Globo, demonstrou, há poucas semanas, a importância dessa Lei. O repórter providenciou todos os trâmites burocráticos, com todos os carimbos e todos os números exigidos, para o enterro de um brasileiro que existia nos registros, mas que foi transfigurado em um boneco de areia na urna mortuária. Tudo indica que a corrupção tenha se escondido no emaranhado de registros. Mais do que isso: o programa também demonstrou o quanto é fácil sepultar alguém que, legalmente, nem tenha nascido; que basta uma cova rasa e uma cruz. Cruz, como fardo e, agora, como símbolo. O nome pouco importa se Pedro, José, Severino ou Maria. Um “cidadão sem rosto” que talvez tenha morrido, como disse o poeta, “de velhice, antes dos trinta, de emboscada, antes dos vinte, ou de fome, um pouco por dia”.

Sr. Presidente, eu não consigo entender. Hoje, cada brasileiro tem vinte, trinta documentos, cada um com um número diferente. Desafio meus colegas, ou você, telespectador, que está me assistindo: você talvez me dê o número da sua conta bancária. Mas qual é o número do seu título eleitoral? Qual é o número da sua certidão de nascimento? Qual é o número da sua carteira de motorista? Do seu certificado de alistamento militar? Isso é grave!

Já encerro, Sr. Presidente.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte, Senador Pedro Simon?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Já lhe darei.

            É que, em função disso, há pessoas com dez carteiras de identidade, com dez números diferentes e dez nomes diferentes. Quando uma dessas quadrilhas é presa, em seu comando, o que mais se vêem são coisas deste tipo, passaportes e mais passaportes com números e nomes falsos, títulos de propriedade de carros e caminhões com nome falso, título falso e carro falso. E, com esses documentos, anda-se por aí.

O cidadão tem um número, e o número é muito simples, eu sou Pedro Simon, nasci em Caxias do Sul, minha identificação é PS - C - RS, Rio Grande do Sul. Esse é meu número. Esse é meu número, o da minha certidão de nascimento, o meu título de batismo, o meu título para entrar na escola, o meu número da conta bancária, o meu número de certificado do colégio, o meu número de certificado militar, o meu número para carteira de identidade. Esse é o meu número; em qualquer lugar do Brasil, esse é o meu número.

Não posso sair de Porto Alegre, deixar minha mulher, deixar meus filhos, deixar conta, deixar um montão de coisas, pegar um título fantasma, pegar uma certidão fantasma, um nome fantasma, ir para o Nordeste, casar de novo, pegar nova mulher, novos filhos, fazer vida nova, e não acontecer nada.

Se houvesse um título de registro único, com prazo de cinco anos em todos os cartórios - está lá, você procura na Internet pelo computador e aparece o nome. Eu chego, pego a minha carteira, vou à ponte do rio Paraguai, entro com o caminhão e a minha carteira. A carteira é falsa, não é minha. Cadê o documento do caminhão? Esse aqui? Falso. Prendem-me na hora. Agora, hoje. se tenho uma certidão falsa, um título falso, uma carteira de identidade falsa, se tenho um passaporte falso, se tenho um título de propriedade de carro falso, se a placa é falsa, eu passo tranqüilo.

O cidadão vai lá na casa do outro, se apresenta, namora a filha, casa com a filha mostrando todos os documentos, só que todos são falsos. Ele é fugitivo da penitenciária. Como aconteceu com o matador do Chico Mendes, que foi para o Paraná, casou, fez festa, pegou dinheiro no Banco do Brasil, viveu uma vida maravilhosa.

Sabe por que não se regulamenta a lei? Dizem que é porque há gente interessada. Dizem que as quadrilhas de títulos eleitorais falsos, de carteiras falsas, de documentos falsos é de tal ordem que os órgãos do Ministério não conseguem levar o processo adiante.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Pedro Simon.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Pois não.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Pedro Simon, V. Exª apresenta argumentos para esse projeto que, no meu entender, é de bom senso para que tenhamos um documento, facilmente compreensível, que servirá para o registro não apenas da nossa carteira de identidade, mas do título de eleitor, certificado de serviço militar e toda e qualquer obrigação ou responsabilidade nossa como cidadão neste País. Isso simplifica extraordinariamente tanto para o Poder Público quanto para o próprio cidadão, em quaisquer circunstâncias em que precisemos apresentar nossos documentos, seja para viajar, abrir conta em banco, identificarmo-nos na hora de, por ventura, algum acidente, incidente, ou registro policial. Não é à toa que esse seu projeto foi aprovado por consenso no Congresso Nacional. Faz-se necessário que venhamos a dar maior força para que o Executivo o coloque em prática. O projeto de V. Exª guarda relação com outro projeto que V. Exª conhece tão bem porque votou nele juntamente comigo, de minha autoria, aquele que confere a todo e qualquer cidadão - não importa sua origem, raça, sexo e idade, condição civil ou mesmo socioeconômica - o direito de participar da riqueza da Nação como o direito de brasileiros e brasileiras. De alguma forma percebo que um pode ajudar o outro. Por que razão? Porque, se for instituída a renda básica incondicional para todos os, hoje, mais de 180 milhões de brasileiros, obviamente, mesmo aquele que se encontra porventura distante de qualquer cidade, capital, prefeitura, terá o interesse de se registrar, porque sabe que, por meio do seu número de registro de existência, ele passará a ter o direito de receber essa renda como algo que a todos será pago. Desejo, Senador Pedro Simon, passar às suas mãos um estudo que acaba de ser realizado pelo economista Sérgio Luiz de Moraes Pinto - ao qual me referi no meu discurso de hoje à tarde - em que ele demonstra os efeitos que teria esse projeto para melhoria da cidadania.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - O projeto de V. Exª é importante, mas se o Governo não é sensível ao meu projeto, como o será ao de V. Exª? O projeto de V. Exª exige equilíbrio social, exige uma mentalidade de entender que todo cidadão nasce com direitos iguais. Mas se não querem dar título para o cidadão, não querem dar número para o cidadão, não querem dar garantia para o cidadão, vão dar dinheiro para o cidadão? Olha, o que estou dizendo é muito grave.

Fui alertado por gente de quadrilha, que fizeram chegar a informação ao meu conhecimento, de que eu estava fazendo papel de bobo. Esse projeto não vai ser aplicado porque existem interesses profundos contra ele. Alertaram-me: “o que o senhor pensa, Senador, desse mar de dinheiro que existe na lama de passaportes falsos, de documentos falsos e de números falsos?” Cá entre nós, Presidente, quantos políticos, inclusive Deputados e Senadores, têm várias contas no exterior? Quanta gente importante tem várias contas com nomes fantasmas no exterior? Essa gente não tem interesse na minha proposta.

Olha, fiz chegar ao Lula diretamente uma carta nesse sentido, no primeiro mandato, achando que o PT faria isso. Mas, parece piada, não faz. Querem falar em seriedade, em ética, em dignidade, em correção e não implantam um projeto que seria o mínimo necessário para saber quantos somos, quem somos e dar a garantia de que cada um de nós é quem de fato é.

Muito obrigado Sr. Presidente.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/04/2007 - Página 8768