Discurso durante a 47ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da derrubada do veto presidencial à denominada "Emenda 3", apresentada ao projeto que criou a Super-Receita.

Autor
Wilson Matos (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Wilson de Matos Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • Defesa da derrubada do veto presidencial à denominada "Emenda 3", apresentada ao projeto que criou a Super-Receita.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 14/04/2007 - Página 9711
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • DESAPROVAÇÃO, VETO PARCIAL, EMENDA, CORREÇÃO, SITUAÇÃO, PROFISSIONAL LIBERAL, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, PESSOA JURIDICA, DEFESA, COMPETENCIA, JUSTIÇA DO TRABALHO, JULGAMENTO, CONTRATO DE TRABALHO.
  • ANALISE, ESTUDO, SOCIOLOGO, ESPECIALISTA, RELAÇÃO DE EMPREGO, APRESENTAÇÃO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), DEMONSTRAÇÃO, ALTERAÇÃO, CLASSIFICAÇÃO, CATEGORIA PROFISSIONAL, AUMENTO, EMPRESA, AUSENCIA, EMPREGADO, MOTIVO, APERFEIÇOAMENTO, TECNOLOGIA, VALORIZAÇÃO, CRIATIVIDADE, QUALIDADE, TRABALHADOR, NECESSIDADE, MODERNIZAÇÃO, CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT), ACOMPANHAMENTO, EXIGENCIA, MERCADO DE TRABALHO, IMPORTANCIA, PESSOA JURIDICA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, EFICACIA, PRODUTIVIDADE.
  • IMPORTANCIA, SENADO, DERRUBADA, VETO PARCIAL, NECESSIDADE, ADAPTAÇÃO, RELAÇÃO DE EMPREGO, ATUALIDADE.

O SR. WILSON MATOS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Cumprimento o Senador Paulo Paim, Presidente desta sessão, bem como os demais Senadores e Senadoras presentes.

Tenho o prazer de usar a tribuna neste momento para fazer alguns registros, dar algumas contribuições e apresentar algumas idéias que trazemos do nosso cotidiano.

Dentro de poucos dias, estarei organizando todo um trabalho que pretendo fazer aqui, no Senado Federal, na área da educação, mas hoje eu gostaria de falar um pouco sobre outro tema.

Como é do conhecimento dos Srs. Senadores e das Srªs Senadoras, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, no dia 16 de março passado, o projeto de lei que unificou as Secretarias da Receita Federal e da Receita Previdenciária na chamada Super-Receita. Em meio a contendas que ganharam dimensão nacional, o Presidente Lula vetou a Emenda nº 3. Nesse contexto, é importante recordar que, após exaustivas rodadas de negociações, o Senado Federal incluiu no projeto da Super-Receita a mencionada Emenda, que foi, em seguida, aprovada na Câmara dos Deputados por 304 votos contra 146.

No entendimento majoritário do Parlamento, os auditores fiscais não poderiam deliberar sobre as pessoas jurídicas quando entenderem que a relação de prestação de serviço com outra empresa é, na verdade, uma relação trabalhista. Pelo texto aprovado no Congresso Nacional, apenas a Justiça do Trabalho teria o poder de autuar empresas nos casos de contratação irregular de pessoas jurídicas.

No mundo moderno, notadamente na sociedade do conhecimento e da informação, as relações entre as empresas e as eventuais prestadoras de serviço são as mais complexas possíveis. Não vejo, por mais bem qualificados que sejam os auditores fiscais, condições efetivas que os habilitem a julgar um contrato de trabalho. Sem dúvida, essa é uma atribuição privativa da Justiça do Trabalho.

Como tão bem definiu a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, “o texto da Emenda 3 nada mais faz do que exigir que eventual desconsideração de um ato jurídico perfeito e acabado, no caso uma fraude à legislação trabalhista, deva ser decidido na esfera judicial”.

As mudanças ocorridas tanto na relação entre empregadores e empregados - aqui ainda utilizando uma denominação arcaica - bem como nas fórmulas e modalidades de trabalho são responsáveis por verdadeira revolução naquilo que convenientemente se designou chamar de trabalho e vínculo empregatício. O sociólogo e professor da universidade romana La Sapienza, Domenico de Masi, por exemplo, afirma que, dos 6 bilhões de habitantes do mundo, somente 1,5 bilhão de pessoas trabalham formalmente - o restante não conhece ou não tem acesso ao ritmo pós-industrial de trabalho. É inaceitável, nos dias atuais, abordar a temática do trabalho em suas diversas modalidades sem considerar novos paradigmas, os paradigmas da sociedade do conhecimento e da sociedade da informação.

Em seus estudos, desenvolvidos a partir da observação do trabalho dos operários e dos empregadores, e considerando o vetor atual do aumento do trabalho intelectual, Domenico de Masi chama atenção para o fato de que há uma distinção cada vez mais tênue entre o trabalho propriamente dito e a criatividade. “E sendo a criatividade a principal ferramenta do trabalho do mundo moderno, fica difícil distinguir os momentos em que estamos, de fato, trabalhando duro ou os momentos em que, mesmo usufruindo de tempo livre, estamos criando coisas”, afirma Domenico, ilustrando o assunto também com o seguinte pensamento: “O trabalho braçal a máquina faz; o mental o computador realiza; ao ser humano resta a tarefa na qual ele jamais será substituído, que é ter idéias e ser criativo”.

Não pretendo, Sr. Presidente, assumir uma postura crítica em relação ao veto da Emenda nº 3 sem ressaltar que nossa visão está calcada nos dados mais atualizados sobre o tema em epígrafe. O aumento exponencial dos profissionais especializados que trabalham como pessoas jurídicas é uma realidade incontestável, que tem de ser abordada sob um prisma que leve em conta todas as variantes interpostas.

Segundo José Pastore - sociólogo, especialista em relações do trabalho e desenvolvimento institucional, professor da Universidade de São Paulo -, o tipo de empresa que mais cresce em número é o modelo que não tem empregados. Nos Estados Unidos, por exemplo, entre 2003 e 2004, houve um aumento de quase um milhão de empresas desse tipo. Das 27 milhões de empresas existentes, 19,5 milhões (72%) não possuem empregados.

Segundo dados do Cadastro Central de Empresas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2003, dos 4,9 milhões de empresas existentes, 3,4 milhões (69%) estão nessa categoria - em 1997, eram apenas 65%.

Conforme levantamento do Prof. José Pastore, aproximadamente 17% do pessoal ocupado do Brasil trabalha em empresas sem empregados. As áreas de atuação são as mais variadas, desde a lanchonete até - e principalmente - o consultor.

Não é por acaso que ouvimos constantes referências à modalidade de trabalho que consagrou o chamado home office. O “trabalho em casa” se vale essencialmente de duas poderosas ferramentas: a mente e o notebook. Está sacramentado em todos os quadrantes do planeta como espaço de produção e criação intelectual. Como mensurar produtividade e até mesmo estabelecer liames com o código trabalhista de um país diante de tantas inovações?

A propósito, nossa Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) encontra-se defasada em face das mudanças verificadas nos últimos tempos. Ela abriga normas que engessam a relação e a ação da empresa em todas as direções. Nos últimos 50 anos, os atores que protagonizavam as relações de trabalho, baseados na clássica dicotomia empregador/empregado, passaram a operar e a interagir sob novo script. O cliente interno da organização - assim são chamados os colaboradores - ganhou importância, e suas satisfações passaram a figurar entre as metas fixadas, juntamente com o atendimento ao público externo.

A CLT não está atualizada para regular as relações advindas na esteira do incremento do trabalho intelectual, que não se mensura na simples relação tempo e espaço e que, na busca da excelência perseguida pelas empresas, contempla a criatividade e a qualidade. É preciso urgentemente modernizá-la e adaptá-la ao novo tempo.

Como destaca o Prof. Pastore, “os serviços que mais se expandem por meio das pessoas jurídicas - no mundo inteiro - são os que se relacionam com a chamada economia intangível e que dependem muito mais do talento intelectual do que da força física. Nos Estados Unidos, dos 19,5 milhões de empresas sem empregados, 14% são de pessoas liberais, técnicos e cientistas; 8,2% de serviços de saúde; 7% de apoio administrativo; 4,8% do campo das artes, entretenimento e recreação; 3,6% dos seguros e finanças; 2,1% dos serviços educacionais; 1,4% dos serviços de informação e comunicação. Ou seja, 41% caem na área dos intangíveis.”

É importante aqui destacar que, em nosso País, observa-se o mesmo em termos de distribuição: quase a metade é constituída de empresas cujos profissionais empenham atividades especializadas como pessoas jurídicas de economia intangíveis.

É fato incontestável que o Governo Federal, ao defender em bloco o veto à Emenda nº 3, deixou de considerar que o crescimento desse tipo de atividade é mundial e reflete, como nos ensina José Pastore, “uma nova divisão do trabalho”. Sim, pois o próprio conceito de trabalho mudou: “Nos dias atuais, são muitas as formas de trabalhar: tempo parcial; por projeto (que tem começo, meio e fim); trabalho à distância; trabalho casual, intermitente, cooperado, compartilhado, etc”, afirma o especialista da Universidade de São Paulo. Ademais, já foi o tempo em que os papéis exercidos pelos empregados e empregadores eram claramente divididos e identificáveis. E, se antes eles até mesmo se confrontavam, a exemplo das históricas greves do passado, hoje se unem, enfrentando juntos os desafios advindos com a chamada “globalização”.

No passado, a eficiência de uma estrutura empresarial era mensurada segundo parâmetros que envolviam o “fazer tudo”, sem partilhar etapas produtivas. Atualmente, uma empresa é eficiente quando dimensiona, com toda precisão e escala, o que “faz” e não hesita em comprar o que é feito com mais eficiência e no tempo certo por outra pessoa ou empresa. Não há mais espaço para o desperdício de qualquer natureza, muito menos dos seus recursos humanos, um erro fatal para qualquer organização moderna.

Uma consideração importante que o estudioso faz diz respeito à competição entre as empresas. Atualmente, a competição ocorre entre “redes de produção”, das quais participam várias empresas e profissionais diferentes, inclusive formando os APLs - Arranjos Produtivos Locais -, uma nova figura na qual várias empresas se associam para produzir um único produto, objetivando aumentar a eficiência e a produtividade, sobretudo a competitividade. Nessas redes, cada um entra com sua especialidade, no tempo certo e pelo preço adequado.

Nesse contexto, nossa visão vai ao encontro aos novos paradigmas que norteiam a sociedade moderna, ou seja, precisamos aperfeiçoar, Sr. Presidente, o ordenamento jurídico, mas jamais promover uma “cruzada” para constranger e cercear os que trabalham legalmente como pessoas jurídicas. O que é verdadeiramente nefasto para o Brasil é a informalidade, que grassa no País e atinge quase 60% dos que trabalham.

Por fim, Sr. Presidente, eu gostaria que o Senado da República, ao examinar os vetos presidenciais, se debruçasse, com todo o senso possível de realismo, sobre o veto presidencial à Emenda nº 3, veto esse que considero insustentável.

Essas são, por ora, as ponderações que eu gostaria de fazer sobre o tema que tanta polêmica vem provocando.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Senador Wilson Matos, primeiramente, eu gostaria de cumprimentá-lo pelo seu pronunciamento. Quero lhe dizer que fiz um pronunciamento defendendo o veto do Presidente, mas quero ponderar - se assim V. Exª me permitir, porque não estou no plenário - ...

O SR. WILSON MATOS (PSDB - PR) - Claro!

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - … que muitos dos seus argumentos são totalmente procedentes. Com essa preocupação, entendo que podemos construir um meio-termo, Senador Mozarildo e Senador Mão Santa, debatendo a Emenda nº 3 em uma audiência pública, na Comissão de Assuntos Sociais, para buscarmos uma alternativa. Por isso, quero contar muito com V. Exª para construirmos esse meio-termo.

Concordo com V. Exª: mais de 60% dos assalariados brasileiros estão no mercado informal.

Eu o cumprimento pelo seu pronunciamento. É a partir desse bom debate que poderemos construir o meio-termo.

V. Exª está com a palavra, e o Senador Mão Santa vai aparteá-lo.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Wilson Matos, primeiramente, apresentamos os cumprimentos, as boas-vindas a V. Exª. V. Exª, vem de um Estado grandioso, um Estado livre, um Estado que tem história própria. Lá existe a “boca maldita”, que é a tribuna que surgiu contra a ditadura. Estive lá. V. Exª representa, sem dúvida alguma, um dos melhores Senadores que tem esta Casa, o Senador Alvaro Dias. Senador Paulo Paim, eu me lembro que, na Copa de 62, o Pelé se contundiu. Todo mundo ficou desesperado, mas entra o Amarildo e faz os gols - V. Exª já entra aí. Paim, olha, temos que fazer uma reflexão. Na história do Rio Grande do Sul, sei a bravura daquela gente toda, desde Bento Gonçalves, na luta precursora da República que foi a Guerra dos Farrapos, dos lanceiros negros que dela participaram; do seu avô, de V. Exª e Martin Luther King, todos simbolizados pelo Senador Pedro Simon, que assinou ontem a CPI. Mas a reflexão que faço é sobre o livro de um economista moderno que fala do fim do emprego. As coisas mudaram. Hoje, a maioria das iniciativas de trabalho é pessoal, mas, agora, em pouco tempo, o Senador Wilson Matos vem com uma tese... Segundo a Bíblia, a sabedoria está no meio. Paim defende o trabalho e o trabalhador, como Getúlio Vargas, que dizia, no dia 1º de Maio: “Trabalhadores do Brasil”. Assim, faço minhas as palavras dele ao dizer: esse salário mínimo que está aumentado deve-se, sobretudo, a Paim. Quando aqui chegamos, era menos de US$70,00. Foi muita luta, mas Paim tem valorizado o trabalho e o trabalhador. Paim, só tem uma força permanente: a mudança. Mudaram os conceitos de trabalho, e o Senador Wilson Matos mostra isso. Há um livro, atual, de economistas norte-americanos que trata do fim do emprego, preconizando o predomínio da iniciativa particular de trabalho. Enfim, nós temos que facilitar aquela mensagem de Deus que diz: “Comerás o pão com o suor do teu rosto”. Mozarildo, é uma mensagem de Deus aos governantes. Lula da Silva, aprenda! Aprenda! Se não lê a Bíblia, que pelo menos vá aí um pastor ou um padre que lhe repita essa verdade. Essa mensagem é de Deus, e determina aos governantes propiciar emprego e trabalho. É com trabalho que se fazem as riquezas.

O SR. WILSON MATOS (PSDB - PR) - Agradecemos a participação do nobre Senador.

Realmente, a Emenda nº 3 traz à tona a necessidade de um debate sobre a CLT, porque, cada dia mais, avança o trabalho intelectual e o trabalho intangível. Eu, que tenho me debruçado, Sr. Presidente, sobre as questões de gestão acadêmica, que tenho discutido muito isso no Brasil e no exterior, tenho me deparado com “n” problemas, e sobre eles há limitadores na CLT.

Um professor, por exemplo, trabalha no sistema universitário e dá aulas à noite. No outro dia, ele dá aulas de manhã. Há a questão da intrajornada. Já temos problemas aí. Temos professores que são pesquisadores, que se debruçam sobre sua bancada de pesquisa dia e noite. Eles têm que cumprir, têm recursos de fora na sua bancada. Agora, ele pode ficar no espaço da universidade dia e noite? Quando fica, ele está gerando um passivo trabalhista para a universidade, e nós ainda não encontramos um meio jurídico para tratar isso, para incentivar o homem que se dedica à pesquisa, que se debruça sobre a pesquisa. E, muitas vezes, são estudos que ele está fazendo de mestrado e doutorado, com prazo para entregar. É claro que ele tem que usar o espaço da universidade para se debruçar sobre essas pesquisas. Mas, se ele permanecer mais de 8 horas na universidade, para o sistema, pela legislação, ele está gerando novos encargos para a universidade.

Então, são muitas questões que nós temos que discutir para modernizar a nossa CLT.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/04/2007 - Página 9711