Discurso durante a 52ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do transcurso do Dia do Índio, hoje, 19 de abril e alerta para a situação dos índios Cinta Larga, em Rondônia, ameaçados em razão da exploração ilegal de diamantes em suas terras.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Registro do transcurso do Dia do Índio, hoje, 19 de abril e alerta para a situação dos índios Cinta Larga, em Rondônia, ameaçados em razão da exploração ilegal de diamantes em suas terras.
Aparteantes
José Nery, João Pedro.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2007 - Página 10976
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, INDIO, SAUDAÇÃO, PRESIDENTE, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), INSTALAÇÃO, COMISSÃO, POLITICA INDIGENISTA.
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, AUDIENCIA PUBLICA, GRUPO INDIGENA, REIVINDICAÇÃO, DEMARCAÇÃO, PROTEÇÃO, TERRAS INDIGENAS, POLITICA, MELHORIA, SAUDE, EDUCAÇÃO, AMPLIAÇÃO, GARANTIA, PARTICIPAÇÃO, POVO, ELABORAÇÃO, IMPLEMENTAÇÃO, FISCALIZAÇÃO, POLITICA SOCIAL, CRIAÇÃO, ESTATUTO, COMUNIDADE INDIGENA.
  • LEITURA, TRECHO, CARTA, AUTORIA, COORDENAÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA, REGIÃO AMAZONICA, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, TRABALHO, MINERAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, PERSEGUIÇÃO, AGRESSÃO, INDIO, SOLICITAÇÃO, GOVERNO, PROVIDENCIA, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL, ABUSO DE PODER, DISCRIMINAÇÃO, GRUPO ETNICO, INCENTIVO, INVASÃO, TERRAS, DESTRUIÇÃO, CULTURA, GRUPO INDIGENA.
  • COMENTARIO, CARTA ABERTA, AUTORIA, COMUNIDADE INDIGENA, REGIÃO AMAZONICA, REPUDIO, ACORDÃO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CONVENÇÃO INTERNACIONAL, AUTORIZAÇÃO, EXPLORAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, SOLICITAÇÃO, GOVERNO, PROVIDENCIA, COMBATE, ALICIAMENTO, REPRESENTANTE, INDIO, CONTENÇÃO, IMPACTO AMBIENTAL.

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente. Srªs. e Srs. Senadores, hoje, 19 de abril, é o Dia do Índio - o movimento indígena brasileiro dá sentido completo a esta data.

Há pelo menos cinco anos, o mês de abril data intensa mobilização dos povos indígenas no Brasil, que culmina com o Acampamento Terra Livre, na Esplanada dos Ministérios, próximo ao Congresso Nacional e ao Ministério da Justiça - como, mais uma vez, realizou-se nesta semana. Neste período, Brasília recebe um concentrado de reflexões e demandas indígenas, assim como a plural manifestação de suas culturas. Desta vez, são cerca de mil lideranças indígenas de todas as regiões brasileiras, representando o interesse direto de mais de 100 diferentes povos.

Na pauta de sua mobilização, Sr. Presidente, há denúncias e demandas específicas por demarcação e proteção de terras indígenas; por adequadas políticas de saúde e educação; por garantias à participação dos povos indígenas na formulação, implementação e fiscalização de políticas públicas; por um Estatuto dos Povos Indígenas - que inclua todos os temas de interesse indígena, como, por exemplo, a mineração em seus territórios.

Esses guerreiros e guerreiras de todo o Brasil, com seus aliados e convidados, ocuparam esta Casa, na manhã de hoje - como acabou de dizer o Senador José Nery -, num encontro memorável, que lotou o auditório Petrônio Portella até o início da tarde - graças à oportuna iniciativa da Comissão de Direitos Humanos, requerida por sugestão inicial do Senador Geraldo Mesquita Júnior. Neste momento, um conjunto de líderes está sendo recebido pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Nesta manhã, tivemos a grata satisfação de contar com a presença do Presidente da Funai, Márcio Meira, que anunciou a instalação da Comissão de Política Indigenista deste País. Como se trata de uma pessoa que tem cobrado, há muito tempo, a instalação dessa Comissão, saúdo o Presidente Márcio Meira pela instalação - até que enfim! - da Comissão Nacional de Política Indigenista.

Entre as muitas manifestações dos diferentes povos das diferentes regiões brasileiras, quero repercutir, no Senado e para a sociedade brasileira, dois documentos produzidos neste abril de 2007 - e que apresento à Mesa como parte integrante do meu pronunciamento -, pois se referem a questões específicas dos povos de Rondônia e de regiões vizinhas. São eles: uma carta da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e do Fórum das Organizações do Povo Paiter Suruí, datada de 5 de abril; e a manifestação crítica dos povos indígenas do Acre, sul do Amazonas e noroeste de Rondônia, relativas ao Acórdão nº 560/2007, do Plenário do Tribunal de Contas da União - TCU, de 11 de abril de 2007 - e seus efeitos sobre as comunidades indígenas no Brasil.

Senhoras e senhores, há muitos anos, sou testemunha de que, em Rondônia, de tempos em tempos, reinstala-se a especulação criminosa e a disputa degradante pela ocupação dos territórios indígenas, com vista à ávida dilapidação dos seus recursos naturais, ambientais e culturais. Uma tática genocida, Sr. Presidente, que começa cercando as terras e a honra dos índios Cinta Larga e se espalha indistintamente sobre a vida e a sorte de índios e índias em todo o Estado de Rondônia - e pior: com a cumplicidade ativa de autoridades do Governo Estadual.

É isto, mais uma vez, que se denuncia à sociedade brasileira na carta da Coiab e do Fórum Paiter Suruí, que trago ao conhecimento desta Casa.

Em função do tempo, reproduzo aqui apenas alguns trechos da Carta nº 193, de 5 de abril de 2007, que diz:

A Coiab e o Fórum das Organizações do Povo Paiter Suruí, em nome dos interesses e na defesa dos direitos dos povos indígenas amazônicos, vêm mostrar sua indignação com a forma como vem sendo tratada a situação dos indígenas Cinta Larga, em Rondônia e no Mato Grosso, desde que se alardeou a mineração de diamantes nas suas terras.

Estes indígenas vêm sendo perseguidos, caluniados, sofrendo pressões de toda ordem, desde as psicológicas até mesmo físicas.

[...]

Nesse sentido, diante dos riscos e constrangimentos a que constantemente somos submetidos, a Coiab vem a público solicitar providências no sentido de esclarecer o que realmente vem acontecendo em Rondônia, em função do grande interesse que vem despertando o garimpo de diamantes, ao mesmo tempo garantindo o direito à defesa aos indígenas acusados e apoio jurídico, para que sejam apuradas e punidas as agressões e abusos cometidos contra os Cinta-Larga.

Repudiam as reportagens acerca dos Cinta-Larga, onde se ouve apenas o lado dos não-índios, e alertam que preconceito e discriminação provocam reações hostis e intolerantes contra os povos indígenas da região de Cacoal, Espigão d’Oeste e Pimenta Bueno, em Rondônia.

Diante destas considerações, a Coiab e o Fórum Paiter Suruí exigem investigação rigorosa e imparcial de processos que envolvem os Cinta-Larga, por comissão independente, cujos profissionais sejam deslocados de outra região e que não atuem em Rondônia, assegurando aos indígenas Cinta-Larga uma defesa justa e imparcial.

         Srªs e Srs. Senadores, na tarde de ontem, recebi em meu gabinete uma delegação de lideranças de Rondônia que participam do Acampamento Terra Livre, no Abril Indígena 2007. Trouxeram-me denúncias de diferentes povos, segundo as quais, enquanto acusações contra os índios ocupam livre e fartamente a mídia local, a Polícia Civil e Militar do Estado aborda violentamente e prende arbitrariamente índios e índias quaisquer, em trânsito pelas cidades vizinhas às suas terras, a pretexto de que a sua natureza indígena implica, fatalmente, ameaça à segurança pública.

Isso é grave, Srªs e Srs. Senadores. Essas práticas constituem crime e exigem providências que devem incluir a devida responsabilização dos autores e agentes de tal campanha, tanto mais quando empreendida com abuso de poder por autoridade de governo, e as devidas sanções legais à discriminação étnica, ao incentivo à invasão e dilapidação de terras e culturas indígenas, à agressão aos indígenas, bem como à não-comprovação de afirmações que comprometem a dignidade e a segurança das populações de meu Estado.

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Senadora Fátima Cleide, permite-me V. Exª um aparte?

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO) - Ouço, com prazer, o Senador João Pedro.

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Senadora Fátima Cleide, V. Exª faz um pronunciamento oportuno, que mostra seu compromisso com essa causa. V. Exª faz uma reflexão a respeito de como é importante a sociedade brasileira, o Senado Federal e o Governo terem um olhar mais comprometido com os povos indígenas. Penso que o gesto do Presidente Lula, que hoje recebeu a comissão de líderes, foi um passo importante para essas lideranças. O Congresso Nacional - e V. Exª discutiu essa matéria hoje, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa - deve destravar o Estatuto do Índio, que está aqui há quase 20 anos. Precisamos travar esse debate e fazer com que a Nação tenha um Estatuto do Índio que, verdadeiramente, repare o passado, as agressões e o genocídio indígena brasileiro.

É hora de nos mobilizarmos para discutir o Estatuto do Índio. Parabéns pelo pronunciamento que V. Exª está fazendo no dia 19 de abril.

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO) - Muito obrigada, Senador João Pedro. Tenho certeza de que V. Exª será parceiro nessa luta pelo Estatuto dos Povos Indígenas, com ampla participação. Precisamos aprender a ter paciência para nos relacionarmos com os diversos povos indígenas, que formam várias nações no Brasil e que são o primeiro povo, de fato, brasileiro.

Ouço, com prazer, o Senador José Nery.

O Sr. José Nery (P-SOL - PA) - Senadora Fátima Cleide, primeiramente, cumprimento-a por seu brilhante pronunciamento, relatando a luta dos povos indígenas em defesa dos seus direitos. Durante a audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa, dispusemo-nos a ouvir lideranças das diversas partes do País, as quais manifestaram a sua indignação e as suas reivindicações, solicitando-nos apoio decidido em defesa de sua causa. Elas obtiveram de todos nós o compromisso de fazer avançar as conquistas das populações indígenas, porque a situação em que se encontram exige medidas urgentes. Por ocasião dessa reunião da Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa, propusemos um roteiro de visitas pelo País, nos locais onde a situação é mais grave, para que possamos não apenas manifestar solidariedade, mas acompanhar de perto as denúncias que foram apresentadas em relação à demarcação de terra e às políticas de atendimento nas áreas de saúde e de educação, e, principalmente, discutir o estatuto que de fato interessa aos povos indígenas brasileiros. Quero parabenizá-la, Senadora Fátima Cleide, pelo pronunciamento. Nosso compromisso de lutar pelos direitos dos povos indígenas é conjunto. Muito obrigado.

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO) - Muito obrigada, Senador José Nery. Tenho a maior felicidade por poder contar com V. Exª nesse front, na Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa e no plenário desta Casa.

Sr. Presidente, outro documento que me cabe ressaltar desta tribuna e dar conhecimento à sociedade brasileira é também uma carta aberta à sociedade e às autoridades brasileiras, contra o disposto no Acórdão nº 560/2007, do TCU, de 11 de abril de 2007.

Entre outras preocupações, organizações representativas dos povos indígenas da Amazônia brasileira condenam veementemente as recomendações desse acórdão a diferentes órgãos do Governo Federal, principalmente no que favorece a prospecção de potencial e exploração de recursos naturais de superfície e de subsolo de terras indígenas, com igual liberação aos respectivos levantamentos geológicos básicos.

As comunidades indígenas alertam que esses procedimentos, deliberados sem sua participação ou conhecimento, ferem o interesse indígena, a Constituição brasileira e os acordos e convenções internacionais de que o Brasil é signatário, além de atentar contra a territorialidade indígena.

Diga-se de passagem, Sr. Presidente, esse acórdão representa uma tentativa do TCU de legislar a respeito de assuntos que ainda não têm deliberação no Congresso Nacional.

Denunciam e exigem providências contra o suborno, o aliciamento e a manipulação de representantes indígenas e suas organizações. E, finalmente, justificam o seu temor quanto à capacidade de o Estado brasileiro garantir a compensação dos massivos e abusivos impactos ambientais e socioculturais decorrentes da exploração extrativista em seus territórios, seja mineral ou madeireira.

Sr. Presidente, nesses tempos difíceis, de alterações climáticas e sombrias perspectivas de futuro para a Humanidade, quero encerrar este pronunciamento reafirmando uma declaração que fiz aqui, no início deste mandato, e que considero, hoje, ainda mais pertinente.

Digo que os índios não são uma remota referência de passado em nossos livros escolares. Eles existem hoje, agora, entre nós e apesar de nós, com a densidade dos milênios que atravessaram. Ainda que fossem extintos sumariamente hoje, com a fantástica tecnologia que a nossa civilização desenvolve, isso não mudaria o fato de que toda a riqueza preservada nos territórios indígenas não será suficiente para superar a escassez que cobre o mundo, acometido por insustentáveis padrões de produção e consumo. Antes, haverá de transformar-se a ânsia desenvolvimentista em capacidade de aprender com os povos indígenas as muitas outras formas de viver, saber e buscar a felicidade.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE A SRª SENADORA FÁTIMA CLEIDE EM SEU PRONUNCIAMENTO.

Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º do Regimento Interno.

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Matérias referidas:

“Carta da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e do Fórum das Organizações do Povo Paiter Suruí”;

“Manifestação crítica dos povos indígenas do Acre, sul do Amazonas e noroeste de Rondônia, relativas ao Acórdão nº 560/2007, do Plenário do Tribunal de Contas da União”


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2007 - Página 10976