Discurso durante a 53ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Debate sobre a regulamentação constitucional para a criação de novos municípios no Brasil.

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVISÃO TERRITORIAL.:
  • Debate sobre a regulamentação constitucional para a criação de novos municípios no Brasil.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 21/04/2007 - Página 11079
Assunto
Outros > DIVISÃO TERRITORIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, FALTA, REGULAMENTAÇÃO, ARTIGO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CRIAÇÃO, MUNICIPIOS, DEFESA, DEBATE, NECESSIDADE, AVALIAÇÃO, CAPACIDADE, ARRECADAÇÃO, TRIBUTOS, VIABILIDADE, EMANCIPAÇÃO.
  • REGISTRO, HISTORIA, GESTÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ALTERAÇÃO, CRITERIOS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CRIAÇÃO, MUNICIPIOS, OBRIGATORIEDADE, APRESENTAÇÃO, PLANO, VIABILIDADE.
  • COMENTARIO, APROVAÇÃO, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUMENTO, DIFICULDADE, CRIAÇÃO, MUNICIPIOS.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, REGULAMENTAÇÃO, ARTIGO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CRIAÇÃO, MUNICIPIOS, NECESSIDADE, AVALIAÇÃO, VIABILIDADE, EMANCIPAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, TERRITORIO, POPULAÇÃO, INFRAESTRUTURA, SERVIÇO PUBLICO, DEFESA, AUTONOMIA, MUNICIPIO, CALIFORNIA (PR), EXTREMA (MG), ESTADO DO ACRE (AC).
  • CONCLAMAÇÃO, SENADOR, DEBATE, PROPOSTA, GARANTIA, REGULAMENTAÇÃO, EMANCIPAÇÃO, MUNICIPIOS.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Presidente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna para tratar da regulamentação constitucional para a criação de novos municípios no Brasil. Volto a este tema por considerá-lo importante para o desenvolvimento de inúmeras localidades no nosso País que teriam um estímulo ao seu desenvolvimento se já tivéssemos regulamentado o art. 18 da Constituição Federal.

Até 1996, era relativamente fácil criar municípios. Essa facilidade, infelizmente, levou ao abuso de se dar autonomia para localidades sem capacidade para andar com suas próprias pernas.

O Governo passado, do Presidente Fernando Henrique, corretamente, para dar um freio no abuso, conseguiu aprovar uma alteração na Constituição, estabelecendo que, entre outros critérios, a criação de municípios se dará após a divulgação do Plano de Viabilidade Municipal, que vem a ser um estudo para verificar se a localidade tem condições de se auto-sustentar.

Eu me incluo entre aqueles que consideram que a mudança foi responsável e criteriosa no sentido de conter a criação exacerbada de muitos municípios. Vivemos outros tempos. Não dá mais para se criarem municípios sem procedimentos apropriados e rigorosos.

Desde a promulgação da Constituição Federal até 1996, o número de municípios brasileiros elevou-se em 34%. Muitos municípios foram criados, embora não tivessem condições mínimas de auto-sustentabilidade, sobretudo capacidade de arrecadação tributária própria. E aqui vale lembrar a metáfora do bolo: quanto mais gente participar da divisão, menores serão as fatias.

Outro motivo que me levou a ter muito cuidado na elaboração da proposição que apresentei foram os estudos, de 2000, do IPEA, que colocam fatos relevantes à nossa reflexão. Segundo esses estudos, pequenos municípios dependem mais fortemente das transferências de impostos; municípios pequenos gastam parcela maior de sua receita com o Legislativo do que os Estados e a União; municípios com até cinco mil habitantes gastam mais por habitantes com o Legislativo do que as médias das grandes cidades.

Logo, não estarei equivocado se considerar que boa parte da crise que hoje se verifica a respeito da bancarrota de muitos municípios, dependentes de repasses estaduais e federais, deve ser atribuída à irresponsabilidade com o desmembramento de municípios, transformando distritos em entes federativos municipais sem a menor condição de lograr êxito na administração dos assuntos locais e sem levar em conta a viabilidade municipal sob os aspectos administrativos, ambientais, demográficos, socioeconômicos e urbanísticos.

Devo reconhecer, entretanto, que existem muitos distritos e vilas que alcançariam, sem muitas dificuldades, a autonomia, a auto-sustentabilidade e aproximariam os serviços básicos e necessários para os seus moradores.

Destaco aqui três casos imediatos, que conheço, Sr. Presidente. No meu Estado, o Acre, temos Vila Campinas, que, no meu entendimento, atingiria com muita tranqüilidade essa viabilidade econômica. No Estado de Rondônia, há a Ponta do Abunã, divisa com o Estado do Acre. Luto muito, Sr. Presidente, para devolver ao Estado do Acre essa ponta de terra, onde estão as vilas Nova Califórnia e Extrema, que já pertenceram ao Acre, mas perdemos numa ação judicial no Supremo, sem consulta à população. Tenho certeza de que, se hoje fosse consultada aquela população, eles prefeririam muito ser do Estado do Acre. Portanto, até apresentei projeto de lei aqui, para que, de forma muito tranqüila, a gente consiga devolver a Ponta do Abunã para o Estado do Acre.

Por isso, participo do esforço para regulamentar a Emenda à Constituição nº 15, de 1996. Apresentei, ainda no ano de 2004, Projeto de Lei Complementar regulamentando o art. 18 da Constituição Federal para localidades como Vila Campinas, Extrema e Nova Califórnia. Também tenho certeza de que haja essa possibilidade para outras localidades no Brasil.

Tomei todos os cuidados para não cairmos nos mesmos erros de dois outros projetos aprovados pelo Congresso Nacional e que foram vetados, na sua íntegra, pelo Poder Executivo.

Aproveito esta oportunidade para agradecer a contribuição que recebi do Ministério da Justiça e também do Ministério das Cidades, que, na época, me ajudaram muito na elaboração dessa proposição.

Lembro, aqui, alguns dados, Sr. Presidente.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Senador Sibá, quando V. Exª julgar oportuno, gostaria de fazer um aparte.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - Sim, posso concedê-lo neste momento.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Quero cumprimentá-lo pela abordagem deste assunto. Na verdade, no Brasil, a tendência tem sido sempre de concentrar e nunca de desconcentrar; sempre de proibir e nunca de regulamentar. V. Exª citou exemplos de alguns municípios de seu Estado. O menor município, curiosamente, em termos de população, está em São Paulo, que é o Estado mais populoso da Federação. Não está no seu Estado nem no meu Estado. O meu Estado, por exemplo, que tem aproximadamente a mesma área do Estado de São Paulo, tem apenas 15 municípios. É verdade que tem uma população muito menor, mas cito um exemplo: o Município de Caracaraí tem três ecossistemas praticamente diferentes; o prefeito fica numa ponta do Município e, para ir à outra ponta, é uma dificuldade enorme. É preciso, realmente, repensar regionalmente o País. Não podemos criar uma norma única para um País de dimensão continental como é o Brasil. Ao propormos redivisões territoriais, devemos levar em conta critérios regionais. A redivisão municipal é fundamental. O meu Estado, que era um território federal, tinha dois municípios apenas. Agora, tem 15, com a capital. E a diferença, em termos de desenvolvimento, de assistência médica, de educação, de assistência à produção aos colonos, mudou da água para o vinho. Então, devemos fazer isso de maneira criteriosa. Sempre defendo que as leis federais devam estabelecer limites que não levem em conta apenas a realidade do Sul e do Sudeste. Deveriam ser mais flexíveis. Portanto, concordo com a regulamentação, como V. Exª propõe, dessa emenda constitucional. Que possamos aprová-la e ter, realmente, no Brasil uma realidade mais dinâmica. Sempre digo que o cidadão tem os seus problemas e as suas soluções no município. Ele mora numa vila, numa cidade, na vicinal de algum município. Ele não mora na União Federal, não mora no Governo Federal. Quero cumprimentar V. Exª pela oportunidade do tema. Na Frente Municipalista criada com essa recente marcha dos prefeitos a Brasília, deve-se intensificar não só o apoio aos municípios existentes, como também, e prioritariamente, aos pequenos, procedendo-se a uma revisão na redivisão municipal do País.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - V. Exª tem razão. Agradeço até pela contribuição que faz, porque, até 1996, julgo, realmente, que não havia razão para a criação de muitos dos municípios. Em compensação, depois que a Emenda nº 15 foi aprovada pelo Congresso, em 1996, acabou havendo um prejuízo para outros que poderiam ser criados. Então, com medo do problema, evitamos também uma redivisão que eu considero muito importante, porque é até uma dívida que o País tem com essas localidades. Essas localidades têm todo o direito de dar um passo à frente.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - É a questão da dosagem de novo, Senador Sibá. Quer dizer, para evitar algumas leviandades que foram feitas, proíbe-se de fazer coisas certas que devem ser feitas. Então, penso que se deve optar sempre por uma dose certa e, principalmente, ajustá-la à realidade de cada região que precisa se desenvolver.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - Exatamente.

Quero até ler aqui, para enfatizar, o §4º do art. 18 da Constituição Federal, Sr. Presidente: “A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios far-se-ão por lei estadual [até aí, como era no passado] dentro de período determinado por lei complementar federal [...]”

Portanto, a regulamentação do que prevê a própria Constituição nunca saiu, e é isso que estou propondo. E não estou fazendo nada da minha cabeça. Procurei nada menos do que o Ministro da Justiça na época, Márcio Thomaz Bastos, e o Ministro das Cidades, Olívio Dutra, que nos aconselharam, deram todo um roteiro do que seria o melhor para essa regulamentação. Pedi emprestados técnicos do Governo, pedi ajuda aos técnicos do Senado, pedi ajuda de muita gente, e apresentei, no meu entendimento, uma proposta muito razoável, ainda que possa ter alguns defeitos.

Eu queria lembrar ainda um estudo do IBGE apresentado em 2003. Dos 5.561 municípios, apenas setenta são responsáveis pela produção de 50% do PIB brasileiro. São 70 municípios, dos 5.561, que produzem 50% do PIB! Por outro lado, na outra ponta, 2.800 municípios, juntos, produzem apenas 1%! Ou seja, é preciso que se junte a produção de mais de 50% dos municípios brasileiros para se alcançar uma produção equivalente a 1% do nosso PIB, que, segundo o próprio IBGE, agora atingiu seu primeiro trilhão de dólares. Dez por cento de um trilhão, Sr. Presidente, seriam cem bilhões, mas 10% de cem seriam dez: temos 2.800 municípios para produzir dez bilhões; em contrapartida, outros 70 produzem quinhentos bilhões de dólares do nosso PIB.

Esse estudo do IBGE cita os principais fatores da economia que levam esses municípios a terem um cálculo importante de receitas. Eles estão embasados na mineração, no petróleo, em algumas indústrias e, em boa parte, na agricultura, que também já é pulsante em muitos lugares. Exemplo é o Paraná, onde a agricultura é pulsante em todo o conjunto do Estado; o petróleo está restrito a Estados como o Rio de Janeiro e o Espírito Santo; à mineração está associada o Estado do Pará; quando falamos em indústria, um exemplo a ser citado aqui é o da cidade de Manaus, que é o 6º Município brasileiro na produção do PIB, perdendo para outros cinco apenas, como a cidade de São Paulo e algumas do Rio de Janeiro por conta do petróleo. Então a indústria também, por si só, pode ser um elemento propulsor do desenvolvimento econômico.

Essa proposta de regulamentação do §4º do art. 18 da Constituição leva em conta alguns fatores importantes, fatores que permitem avaliar a viabilidade da emancipação de municípios. Um deles é o território. A própria Constituição define que o município novo deve ser, em termos territoriais, inferior ao município que cede parte de seu território. O segundo é a população, considerar a população residente na área a ser desmembrada. O terceiro é a infra-estrutura já disponível na localidade, o que já existe de infra-estrutura básica: rede elétrica, vias de transporte, hospitais etc. Um outro é a capacidade produtiva, o que já há nesses municípios que poderá, em breve espaço de tempo, ser fonte importante de receitas próprias. Por último, os serviços básicos de que esses municípios dispõem para o atendimento da população, como escolas, hospitais etc.

Sr. Presidente, tomei a iniciativa de ajudar a nossa Universidade Federal, por meio do Departamento de Geografia, fazendo um robusto levantamento das Vilas Extrema e Califórnia, que ainda estão em Rondônia, mas espero que voltem a ser do Acre, e da Vila Campinas. Foi feito um trabalho muito bonito no qual foram analisados todos esses aspectos. No meu entendimento, o relatório aponta para a seguinte direção: é possível, sim, a emancipação, porque, de acordo com os critérios que apresentei para a regulamentação, há viabilidade.

A segunda realização foi a proposição de um mapa dessas áreas. Até sugeri que estudantes fizessem mestrados voltados para essas realidades. Na Unesp, de São Paulo, três estudantes fizeram seus mestrados voltados para essa realidade da emancipação. As comunidades, no meu entendimento, têm todo o direito de reivindicar sua emancipação.

Espero poder contar muito com a ajuda do Senado Federal. Já pedi ao Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Senador Antonio Carlos Magalhães, que coloque o assunto em pauta na CCJ para que nós possamos fazer o debate e dar todas as contribuições, mas eu não posso concordar que nós façamos uma PEC, que façamos uma alteração na Constituição para voltar ao que era, a algo que nós já combatemos aqui, que a própria Emenda nº 15 já combateu.

O que eu proponho aqui é justiça. Municípios que não mereçam ser criados não deverão ser criados, mas aqueles que mereçam também não podem ser penalizados pela crueldade que foi colocada e imposta na redação que está colocada na Constituição. E outra: a própria Constituição clama por essa regulamentação.

Sendo assim, estou propondo que a Casa rejeite a idéia de PEC para mexer nesse assunto. Seria mexer em vespeiro no meu entendimento. Mas que possamos fazer essa regulamentação e conceder às comunidades um direito líquido e certo.

Espero ver, em breve, a emancipação das Vilas Campinas, Califórnia e Extrema, no Acre - cito três casos que conheço para ilustrar meu pronunciamento. Aliás, já disponho de estudos técnicos que me levam a acreditar que elas têm todo o direito de se emancipar. Tenho certeza de que outros Estados têm a mesma condição que tem o meu Estado do Acre.

Era isso, Sr. Presidente. Agradeço por sua paciência comigo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/04/2007 - Página 11079