Discurso durante a 60ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro do falecimento de uma das figuras públicas que mais contribuíram para o Brasil do Século XX, Octávio Frias, diretor do jornal Folha de S.Paulo. Homenagem aos trabalhadores do país pelo transcurso, amanhã, do Dia do Trabalho.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA DE EMPREGO. EDUCAÇÃO.:
  • Registro do falecimento de uma das figuras públicas que mais contribuíram para o Brasil do Século XX, Octávio Frias, diretor do jornal Folha de S.Paulo. Homenagem aos trabalhadores do país pelo transcurso, amanhã, do Dia do Trabalho.
Aparteantes
Adelmir Santana, Cícero Lucena.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/2007 - Página 12040
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA DE EMPREGO. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JORNALISTA, DIRETOR, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, HISTORIA, PAIS, DEFESA, DEMOCRACIA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, TRABALHADOR RURAL, INFERIORIDADE, EXPECTATIVA, VIDA, COMPARAÇÃO, PERIODO, ESCRAVATURA.
  • APREENSÃO, AUSENCIA, PROPOSTA, COMEMORAÇÃO, DIA, TRABALHADOR, MOTIVO, INSUCESSO, IDEOLOGIA, DESENVOLVIMENTO, SOCIALISMO, IGUALDADE, IMPOSSIBILIDADE, CRIAÇÃO, EMPREGO, NECESSIDADE, COMPROMISSO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, COMBATE, AUMENTO, TEMPERATURA, CLIMA, PREVENÇÃO, INUNDAÇÃO, REFORÇO, EDUCAÇÃO, POSSIBILIDADE, EQUIPARAÇÃO, OPORTUNIDADE, CLASSE SOCIAL.
  • COMENTARIO, PLANO, DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, PROPOSTA, EDUCAÇÃO, TEMPO INTEGRAL, INEFICACIA, MEDIA, SALARIO, PROFESSOR, IMPOSSIBILIDADE, INCENTIVO, MELHORIA, ENSINO.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, EDUCAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO, PAIS.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT- DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, ontem, o Brasil perdeu uma das figuras públicas que mais contribuíram para o Brasil no século XX. O jornalista Octávio Frias teve, ao longo de uma parte substancial do século XX, um papel fundamental.

Não fosse o jornal a Folha de S.Paulo, a democracia chegaria de qualquer maneira ao Brasil, mas poderia ter demorado mais. Foi um jornal que carregou a bandeira da democracia no momento mais importante. Foi o primeiro grande jornal brasileiro a carregar a bandeira das Diretas Já, da Anistia, além de levar o debate sobre o futuro do Brasil às últimas conseqüências.

Sem a Folha da S.Paulo, Senador Geraldo Mesquita Júnior, o Brasil seria menor; sem o jornalista Octávio Frias, a Folha de S.Paulo seria menor; logo, sem ele, o Brasil seria menor.

Nós temos de lembrar o papel dele e o papel do jornal que ele dirigiu na história do nosso País. Quanto à democracia, está muito claro qual foi o papel dele, mas não é só isso. Trata-se de um jornal que trouxe para o cenário nacional a denúncia do quadro social no País e de tudo aquilo que representava governos sem transparência. A Folha de S. Paulo é um jornal que não se acomodou depois que chegou a democracia. Aprofundou-se, fazendo com que a transparência se manifestasse por meio das denúncias, sem as quais a democracia não está completa.

Mas quero tocar num ponto que veio ontem talvez na primeira manchete que ele não leu do seu jornal, uma denúncia não da transparência política, mas, sim, da informação social. É triste que, segundo a manchete de ontem, no Brasil de hoje, um trabalhador rural, bóia-fria, tenha a esperança de vida menor do que tinha um escravo, ou seja, a alimentação e o atendimento que recebe hoje dão a ele menos condições de desempenhar o seu trabalho com os seus braços do que tinha um escravo 120 anos atrás.

Essa situação ocorre na véspera do Dia do Trabalho, que é comemorado desde o mesmo ano em que acabou a escravidão no Brasil: 1º de maio de 1889. Comemorando a morte de um grupo de trabalhadores na Cidade de Chicago, nos Estados Unidos, há alguns anos antes, nesta mesma data, o Brasil e o mundo inteiro começaram a comemorar o Dia do Trabalho.

Agora, na véspera do Dia do Trabalho, 120 anos depois da abolição da escravatura, sabemos que, no Brasil, o trabalhador rural tem uma esperança de vida útil menor do que tinham os escravos, sem falar da desigualdade na esperança de vida entre os trabalhadores e as classes altas, que têm acesso a um bom serviço médico. Na época da escravidão, o escravo ou o dono de escravo eram curados com chazinho e não com toda a parafernália que tem hoje a Medicina a serviço daqueles que podem pagar, ou seja, 120 anos depois, a desigualdade entre as massas trabalhadoras, aqueles que têm salários nas camadas mais baixas, e aqueles que têm nas camadas mais altas, inclusive trabalhadores assalariados, aumentou.

E o que temos de trazer como proposta para esses trabalhadores que amanhã comemoram o seu dia? Alguns anos atrás, trazíamos o desenvolvimento, que ia criar emprego, ou o socialismo, que, além do emprego, criaria a igualdade no Brasil e no mundo. E hoje, qual é a proposta que trazemos? Vamos trazer a proposta do desenvolvimento, que, no Brasil, tomou essa dimensão que chegamos a chamar de milagre econômico? É a promessa de que o crescimento vai melhorar a vida do trabalhador, quando sabemos, pela experiência dos últimos anos e décadas, que o crescimento, em si, não traz mais emprego nem mais salário? Daqui para frente, cada vez mais haverá menos emprego para a mesma taxa de crescimento e, sem emprego, não haverá salário. 

E o salário que houver para aqueles que não tiverem alta especialização será baixo. Então não é o desenvolvimento a grande proposta que podemos fazer aos trabalhadores neste dia em que se comemora a festa deles.

É o socialismo? Também não é. Não é, porque vimos, pela experiência das últimas décadas, que, em primeiro lugar, esse é um assunto que não temos mais como utopia possível para os próximos anos ou décadas. Vimos que faltou eficiência onde foi executado o socialismo da maneira como foi desenhado no Séc. XIX. Vimos que até mesmo a igualdade não se realizou como se prometia.

E o que vamos propor aos trabalhadores, se o desenvolvimento é uma farsa no que se refere aos resultados para eles e o socialismo é uma ilusão que não podemos oferecer a eles? Então o que lhes podemos oferecer?

Creio, Sr. Presidente, que a grande bandeira da utopia, neste Dia dos Trabalhadores, seria dizer para eles que vamos poder construir um país onde todos terão a mesma chance, a mesma chance de cada um desenvolver e de desempenhar conforme o seu talento, a sua persistência, a sua vocação. A mesma chance é a proposta que podemos fazer aos trabalhadores no dia deles. Dizer a eles que a mesma chance que o filho do patrão terá o filho dele poderá ter também. E isso é possível. Isso não é impossível nem é difícil! A mesma chance! Não é igualdade. Não é nem acreditar que o desenvolvimento e o crescimento vão trazer a eles as vantagens que esperam. A mesma chance!

Mas a mesma chance, com duas pernas, Sr. Presidente. Por um lado, a mesma chance entre classes, as ricas e as baixas, os donos do capital e os trabalhadores; e por outro, a mesma chance entre gerações, a geração de hoje e a do futuro. Continuando esse crescimento do jeito que vem, as próximas gerações, inclusive os filhos dos ricos, inclusive os filhos dos patrões, não vão ter a mesma chance que as nossas gerações tiveram até aqui. As próximas gerações vão receber um planeta superaquecido, com a agricultura desarticulada, com o mar crescendo e inundando cidades como a sua e a minha: João Pessoa e Recife.

As duas pernas do futuro que podemos dar aos trabalhadores, como promessa e proposta, nesse dia em que se comemora a festa deles são as de que vamos cuidar bem da natureza e vamos cuidar bem da escola. Vamos cuidar bem da escola dando a mesma chance entre classes; e, protegendo a natureza, daremos a mesma chance entre gerações. Isso é possível. Agora nisso não estamos fazendo o dever de casa ainda.

Semana passada, tivemos o lançamento do Plano de Desenvolvimento Educacional, pelo Presidente Lula, o que, sem dúvida alguma, é um avanço. Melhor com ele do que sem ele, mas do jeito que ele está, mesmo que seja executado integralmente, não vai dar a mesma chance, porque, mesmo que ele seja realizado integralmente, as escolas dos condomínios vão continuar melhores do que as escolas das favelas. Então, não haverá a mesma chance. A mesma chance é quando as escolas forem iguais, quando uma criança nascer e souber que vai ter a mesma oportunidade de estudar em escolas com a mesma qualidade. Isso o plano não traz. Não traz porque não diz que vai haver horário integral em todas as escolas. Não traz porque não diz quanto será o salário médio dos professores daqui a alguns anos. Traz um piso salarial - que é positivo, apesar de baixo ainda, mas é positivo.

Mas e o salário médio desses professores? Nem vincula o salário ao desempenho do próprio professor. Só aumento do salário do professor não melhora a qualidade da escola. É preciso vincular salários altos com preparo e dedicação. Cabeça, coração e bolso é a santíssima trindade do professor, mas não podem ser separados. Só esses três juntos é que poderão trazer o resultado.

Então, estamos na véspera do Dia dos Trabalhadores, tendo a chance, Senador Geraldo Mesquita, de oferecer uma utopia outra vez, a utopia da mesma chance para os seus filhos e os filhos de todos os brasileiros mediante uma revolução educacional. E garantindo para eles a outra revolução: a revolução de um desenvolvimento sustentável, sem o que, as futuras gerações não terão a qualidade de vida que temos. E aí vem mais uma preocupação: quando vemos no noticiário que, em nome de apressar o crescimento, podem ser tomadas decisões que afetarão de maneira negativa a natureza brasileira. Não temos o direito de brincar com aquilo que está provado, que é o risco para a sobrevivência da civilização, especialmente para as camadas mais pobres que não terão como se proteger, que é o aquecimento global, que é a destruição da natureza.

Temos sim como perdoar o regime militar, que não respeitou a natureza, porque, naquela época, não sabíamos as conseqüências dos gestos. Ninguém tinha ainda consciência plena dos riscos que ocorriam com a ecologia. Hoje, temos. Hoje não temos mais direito de brincar com a cadeia da vida que se mantém neste planeta ainda. Não temos direito de brincar com o desequilíbrio ecológico que está acontecendo. Não é mais uma projeção de cientistas. Não é mais a formulação de modelos para o futuro. É a realidade de hoje.

            O que podemos oferecer para os trabalhadores neste 1º de maio, se não for outra vez o sonho utópico: agora da mesma chance entre gerações e entre classes, por meio da proteção da natureza e da construção de uma escola de qualidade para todos? Não estamos vendo isso. Aqui mesmo fazemos parte de um bloco de partidos onde vejo discussões sobre como constituir o bloco para ser antiPT. Não! Tem que ser um bloco para ser a favor de um projeto novo. Ou seja, quer se criar um antiPT para apoiar o Presidente Lula. Não tem que ser por aí. Tem que ser um bloco que tenha um rumo, um projeto, e que apóie o Lula no que for preciso e possível de acordo com o rumo e que esteja junto do PT em tudo aquilo que o PT quiser também. Sou favorável e creio que o Senador também de criarmos esse bloco, mas um bloco tem começar pela formulação do seu projeto para este País. Tem que começar pelo rumo que oferecemos a este País. Tem que começar dizendo: Meninos deste País, acordem, porque o Brasil que está sendo preparado para vocês vai ser pior do que o Brasil que seus pais receberam!

Por pior que, hoje, o Brasil esteja na violência, na corrupção, se continuarmos nesse rumo, será pior para as próximas gerações, por causa das dificuldades de inserir-se na economia e na vida sem alta formação e preparo educacional e por causa da destruição ecológica. Escola e natureza são as duas palavras chaves. Ecologia e educação são as duas palavras fundamentais que gostaria de ver nesse bloco que agora se cria com aqueles pequenos partidos que se consideram de esquerda. Gostaria de ver essas duas palavras como as duas pernas que ofereceríamos aos trabalhadores brasileiros para os seus filhos. Não o bloco anti-, porque já basta de blocos anti-. Aceitava-se antiditadura, mas não anti- na democracia. Na democracia é “a favor” que criamos os projetos, mas não a favor do Governo, mas de um rumo, de uma proposta de uma bandeira e não o antiPT, como - leio nos jornais - é a tentativa de se criar.

Nesse 1º de maio, dia seguinte ao que perdemos esse grande brasileiro que foi Octavio Frias, temos que nos lembrar, em primeiro lugar, de todas as conquistas que o Brasil teve nesse Século XX, especialmente na democracia, contando inclusive e fundamentalmente com o papel da imprensa, da Folha de S.Paulo e de seu líder e proprietário. E, lembrando que amanhã não vamos estar aqui com esta Casa aberta no Dia do Trabalhador, deixemos uma mensagem para eles. Eu comecei na política muito jovem, pensando em falar para os trabalhadores. Comecei muito jovem na idéia de que poderíamos ter um mundo melhor para os trabalhadores do Brasil e do mundo.

Não perdi esse sonho, nem esse compromisso. Posso tê-lo ajustado nas propostas em um mundo em que a natureza está sendo destruída - e naquela época não estava - e, ao mesmo tempo, em um mundo onde percebemos que a economia não vai dar a resposta como acreditávamos antes.

O Sr. Adelmir Santana (PFL - DF) - Senador, V. Exª me permite um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Trago por isso, pela idéia da utopia da mesma chance, da revolução em um desenvolvimento sustentável e da revolução em uma escola de qualidade igualitária para todos. Essa é a mensagem que gostaria de deixar aqui, nessa véspera do Dia dos Trabalhadores.

Mas, antes, passo a palavra, com muito prazer, para ouvir o aparte do Senador Adelmir Santana.

O Sr. Adelmir Santana (PFL - DF) - Senador Cristovam Buarque, o discurso de V. Exª hoje naturalmente centra-se na comemoração do Dia do Trabalhador. E V. Exª faz, ao mesmo tempo, uma ligação entre as desigualdades e as oportunidades, de alguns brasileiros inclusive com relação ao Sr. Octávio Frias, falecido ontem. Queria me reportar à questão do trabalho. V. Exª diz muito bem que o desenvolvimento não significará certamente a geração de empregos. E naturalmente ele se refere a empregos formais, com carteira assinada. Mas o desenvolvimento também traz a oportunidade da geração de trabalho. Nem sempre se traduz em empregos. E queria me associar as suas preocupações. Na verdade, este País - já disse aqui em outras oportunidades, inclusive em um discurso de V. Exª - tem uma dívida imensa no que diz respeito efetivamente à educação. Quando V. Exª faz esse diferencial entre a escola do condomínio e a escola da favela, realmente é assustador pensarmos no futuro das próximas gerações. É importante, portanto, que todos estejamos atentos à questão da qualidade da escola. Nós mesmos, que estudamos, na década de 40, nas escolas públicas, éramos privilegiados. Naquela época, quem estudava nas escolas particulares tinha um diferencial a menor. Nós éramos considerados os Liceus estaduais... As Escolas Técnicas, as Escolas Estaduais eram o que havia de primeira. E, hoje, infelizmente, esse diferencial está ao contrário. Então, eu queria me associar as suas preocupações e às comemorações do Dia do Trabalho. Na verdade, quero dizer que essa não é uma preocupação apenas de V. Exª, certamente de todos nós. Enxergamos que, mesmo crescendo o País, mesmo havendo desenvolvimento, pari passu, isso não ocorre com o crescimento dos empregos. Então, é importante que a escola esteja atenta a isso. Tenho dito também que a nossa escola tem essa dívida por não formar os alunos para o empreendedorismo, por exemplo. Todos nós somos formados para ser empregados, para arrumar um bom emprego, passar no concurso do Senado, do Banco do Brasil, da UnB, onde o senhor foi reitor e conhece bem. Mas, na verdade, não somos preparados para os negócios, para os investimentos, para o empreendedorismo. Essa é, também, uma deficiência da escola brasileira. É importante que o senhor, como pregador da questão do ensino no País - e todos nós façamos isso - incutamos, na cabeça de todos os educadores, a necessidade da reformulação, inclusive do conteúdo programático das nossas escolas para estimular o empreendedorismo na educação brasileira. Somos um País de empreendedores, mas, normalmente, sem a formação necessária para o desenvolvimento do empreendedorismo. Daí a morte das empresas, o fracasso nos dois primeiros anos, segundo as próprias pesquisas que estão aí. Com a nova lei geral, que entrará em vigor em primeiro de julho, haverá a oportunidade de formalizarmos negócios no País. Reputo ser importante que a nossa população esteja treinada, esteja formada, para ser empreendedora. Associo-me a V. Exª nas preocupações com relação ao ensino e às oportunidades do povo brasileiro. Quero desejar que 1º de Maio se traduza em uma festa. No entanto, efetivamente não temos muito a oferecer ao trabalhador brasileiro a não ser as nossas preocupações.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador Adelmir Andrade, antes de passar a palavra ao Senador Lucena, quero agradecer-lhe por ter-nos trazido, com seu pronunciamento, a lembrança de um fato.

Quando falo de trabalhadores, refiro-me àqueles que trabalham. Os capitalistas trabalham também. Alguns não, alguns são ausentes e vivem apenas da renda. A maior parte trabalha. Quero lembrar que, sem empreendedorismo, não haverá mais empregos. Daqui para frente, teremos cada vez menos trabalho assalariado em proporção ao total de trabalhadores. Cada vez mais nossos trabalhadores serão empreendedores.

Ninguém trabalha mais neste País do que os taxistas. Mas é um trabalho certamente menos pesado do que o de um bóia-fria, que trabalha com cana e cuja expectativa de vida - e vimos lendo a Folha de S. Paulo de ontem - é menor do que a de um escravo. Dezoito, dezesseis horas são comuns para um taxista, mesmo que fique sentadinho, parado. Os que estão parados estão mais preocupados ainda porque não estão ganhando. Além disso, quero lembrar-lhe de que estou de acordo com o sua fala. Sem educação, não haverá mais empreendedorismo.

Até algum tempo atrás, o empreendedor era um intuitivo, o homem de negócios por si.

Não vai mais existir isso. Daqui para frente, cada vez mais, para se levar adiante um empreendimento, tem de ter tido uma formação, formação inclusive para falar com aqueles que serão contratados porque aquelas pessoas terão de ter formação, senão o empreendimento não irá adiante.

Então, eu lhe agradeço, primeiro por permitir esclarecer porque, quando falo do trabalhador, não separo o dono do capital do dono do trabalho; falo daquele que separa as horas de labuta das horas de lazer; e segundo pela importância do empreendedorismo e o fato de que ele exige formação e, por isso, as escolas têm de incluir, sim, nos seus currículos, a idéia de ensinar às pessoas a serem empreendedoras.

Ouço o Senador Lucena. 

O Sr. Cícero Lucena (PSDB - PB) - Senador Cristovam, dos assuntos que hoje à tarde o senhor traz à tribuna, todos eles de muita relevância, gostaria de destacar o dos bóias-frias. Na Subcomissão do Biocombustível, que faz parte da Comissão de Agricultura, existiam alguns requerimentos para que fossem ouvidas pessoas do setor de biocombustível em relação ao mercado, em relação à perspectiva desse programa que o Brasil está motivado para o seu desenvolvimento, para o seu crescimento, para a oportunidade de emprego, para a geração de renda, com as devidas preocupações que todos devemos ter. Na semana passada, apresentamos, nessa Subcomissão, a necessidade de uma audiência pública para tratarmos da questão do bóia-fria, do trabalhador desse mercado que desponta, o mercado de produção do etanol. Se o Brasil quer ocupar uma posição de destaque no âmbito internacional, quer ser o condutor dessa nova matriz energética, quer ser o líder dessa nova condição, não podemos deixar de fora, sem dúvida alguma, o assunto do trabalhador desse setor para que não tenhamos a repetição de práticas como foi citado na própria reportagem, em que V. Exª tão bem disse que Octavio Frias, possivelmente, não tenha tido oportunidade de ler a sua segunda manchete, da forma como os bóias-frias estão trabalhando hoje não só com a redução da perspectiva de vida, sendo menor que a do escravo, mas até com as condições precárias de trabalho. Tenho absoluta certeza de que o Brasil não será líder na produção do etanol se não deixar devidamente equacionada essa questão do trabalho. O mundo vai cobrar o meio ambiente nessa liderança e o combate ao trabalho escravo.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço. Deveríamos criar uma comissão especial para debater esse tema com rigor. O Brasil vai ter mais uma oportunidade. Já teve da cana, do café, do ouro, da indústria, mas os nossos trabalhadores não se beneficiaram, a nossa natureza foi depredada, e os resultados não ficaram aqui.

Nessa nova oportunidade, o etanol, trinta anos depois, temo que os bóias-frias que produzem o etanol para os automóveis dos ricos, inclusive dos estrangeiros, estejam nas mesmas condições devidas dos atuais. Alguns estão piores, porque não vão ter nem emprego, pois, cada vez mais, as plantações serão mecanizadas. Não temo apenas isso. Também temo o que vai acontecer com os rios, onde são jogados os dejetos do processo de produção. Temo o que vai acontecer com a produção de alimentos, porque, queira ou não, para encher de álcool todos os automóveis do mundo, será necessário deixar de plantar comida. Temo o que vai acontecer com os dólares que vão entrar vindos do álcool, porque, se dermos o destino que demos nos últimos 500 anos ao “dólar” que vinha para o ouro ou para a cana ou para o café, pouco vai ficar no Brasil. E temo o que vai sobrar da soberania brasileira, se um país com o nosso potencial continuar sendo o mesmo que vem sendo há 500 anos: exportador de bem primário.

Quero concluir, Sr. Presidente, mais uma vez lembrando que amanhã é o Dia do Trabalhador. Temos de trazer uma esperança realista, sem ilusão, mas que traga uma utopia. Não basta prometer que, no próximo ano, o salário mínimo vai subir 5%, 10%, 15%, 20%, 30% ou 100%. Não é esse salário que vai construir a utopia, não é esse salário que vai dar a mesma chance. A mesma chance só virá de um desenvolvimento sustentável, cuidando bem da natureza, e de uma escola de qualidade, igualitária, cuidando bem das nossas crianças.

Espero que os trabalhadores brasileiros, todos eles, todos que labutam, com ou sem capital, ainda tenham a esperança de que é possível. E espero que lembrem que um brasileiro que lutou por isso, de outra forma e com outras palavras, foi o Sr. Octavio Frias. Ontem ele nos deixou do ponto de vista de sua vida, mas deixou o seu legado daquilo que ajudou a construir na democracia. Deixou também um jornal, que o Brasil espera continue servindo a um projeto democrático, não apenas pelo direito de falar, mas também pela mesma chance que assegure a cada brasileiro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/2007 - Página 12040