Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao educador Paulo Freire.

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao educador Paulo Freire.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Epitácio Cafeteira.
Publicação
Publicação no DSF de 03/05/2007 - Página 12226
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, PAULO FREIRE, PEDAGOGO, ELOGIO, VIDA PUBLICA, CONTRIBUIÇÃO, HISTORIA, DEMOCRACIA, BRASIL, FORMAÇÃO, LIDERANÇA, CONSCIENTIZAÇÃO, POPULAÇÃO, BUSCA, JUSTIÇA SOCIAL, LEITURA, TRECHO, LIVRO, DEFESA, LIBERDADE, REGISTRO, DESENVOLVIMENTO, METODO, ALFABETIZAÇÃO, ADULTO, VALORIZAÇÃO, CULTURA, LOCAL.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Renan Calheiros, Srªs e Srs. Senadores, Professora Anita Freire, tal qual a Câmara dos Deputados realizou sessão especial em homenagem à memória de um dos maiores educadores de nossa História, o Professor e educador Paulo Freire, também nós, no Senado Federal, havíamos proposto um requerimento, subscrito pelos Senadores Mão Santa, Eduardo Suplicy, Tião Viana, Paulo Paim e Sibá Machado, requerendo a esta Casa a realização de sessão especial em homenagem ao educador Paulo Freire. Como o requerimento não foi votado a tempo, hoje, durante a sessão especial na Câmara dos Deputados, o Senador Eduardo Suplicy teve a idéia de convidar a Srª Anita Freire para se fazer presente na parte inicial da nossa sessão plenária, a fim de que também pudesse aqui receber, em nome da família, em nome de todos aqueles que têm pautado sua atuação guiados pelo trabalho, pelo espírito e pela obra de Paulo Freire, as homenagens do Senado Federal.

            Ainda bem jovem, quando iniciava minha militância política e social nos sertões do Ceará, tive contato com a obra de Paulo Freire pelas mãos de Dom Antônio Fragoso, Bispo de Crateús, no Ceará, que, àquela época, desenvolvia o trabalho de base de educação, de conscientização das populações mais oprimidas do Nordeste e do Ceará, em particular, organizando o Movimento de Educação de Base (MEB), responsável pela formação de inúmeras lideranças populares naquela região do Ceará e em várias partes do Brasil.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, 2 de maio, completam-se dez anos da morte do educador e filósofo da educação Professor Paulo Freire, conhecido mundialmente como grande pensador e militante da educação.

            Inicio meu pronunciamento com uma citação desse grande educador, extraída do seu livro Pedagogia da Esperança:

Sonhar não é apenas um ato político necessário, mas também uma conotação da forma histórico-social de estar sendo de homens e mulheres. Faz parte da natureza humana que, dentro da história, se acha em permanente processo de tornar-se... Não há mudança sem sonho, como não há sonho sem esperança...

A compreensão da história como possibilidade e não determinismo seria ininteligível sem o sonho, assim como a concepção determinista se sente incompatível com ele e, por isso, o nega.

            Inconformado com as injustiças sociais, Paulo Freire fez da educação um instrumento político de combate ao autoritarismo e de luta em favor da democracia. Dedicou sua vida a criticar toda e qualquer forma de opressão e de tirania e questionou, de forma contundente, as formas de ensinar e de aprender, impostas pelas classes dominantes.

            Sua trajetória de vida, sua contribuição teórica e a reflexão sobre sua prática, assim como suas propostas de políticas públicas em diversas áreas, mais especificamente para a área educacional, fizeram com que se tornasse referência mundial para intelectuais, para profissionais de diversos setores e campos do saber, para atores sociais, para educadores e educadoras comprometidos com as causas populares, com a educação pública de qualidade, com a luta por uma sociedade mais justa e igualitária.

            Paulo Freire foi um cidadão do mundo. Pernambucano, nascido em Recife, em 19 de setembro de 1921, morreu em 2 de maio de 1997. De família humilde, teve uma infância marcada por dificuldades econômicas e desde cedo conheceu a pobreza. Foi alfabetizado em casa por seus pais, escrevendo com gravetos no chão de terra, debaixo das mangueiras do quintal, tendo oportunidade de aprender de forma significativa e contextualizada. Como gostava muito de estudar, assim que concluiu a escola secundária, tornou-se professor.

            Formou-se em Direito, mas não exerceu a profissão. Sob a influência da sua primeira mulher, Elza, optou por engajar-se na formação de jovens e de adultos trabalhadores e por atuar em projetos de alfabetização. A partir de sua prática, com uma metodologia diferente, criou uma teoria epistemológica que o tornou conhecido internacionalmente.

            A partir dos anos 60, desenvolveu uma proposta revolucionaria de alfabetização, por meio da qual, para além da mera aquisição da linguagem escrita, a partir da realidade vivencial dos educandos e do diálogo permanente, busca-se a leitura e a compreensão crítica do mundo, para poder transformá-lo. Essa teoria valoriza o universo cultural e vivencial dos educandos, estabelece o diálogo como método e, por intermédio dele, a construção coletiva do conhecimento, estabelecendo uma relação dialógica entre natureza e cultura, fazendo com que os alunos se percebam como sujeitos e, portanto, como construtores de sua própria história.

            Concedo um aparte ao nobre Senador Eduardo Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Nobre Senador José Nery, quero associar-me à homenagem que V. Exª, o Senador Valter Pereira, o Senador Cristovam Buarque e muitos outros Parlamentares hoje estão fazendo ao Professor Paulo Freire, diante da nossa querida Ana Maria Araújo Freire, que conheceu Paulo Freire ainda menina. Foi graças à iniciativa de seu pai, que era Diretor de um colégio, que foi proporcionado a Paulo Freire realizar seus estudos ainda no ciclo médio e daí por diante. É tão bonita a história de como Paulo Freire - depois de ter sido casado com Elza, que tanto amou, mãe de suas filhas, e de ter ficado viúvo por dois anos - pediu permissão a Elza, para que pudesse ter uma relação de amor, que se manteve até o final de sua vida, com Anita. Anita, inclusive, publicou recentemente um livro formidável sobre a história de Paulo Freire, contando sua obra, sua vida, sua trajetória. Gostaria, neste momento, de fazer um apelo ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para que, junto ao Ministro Luiz Dulce, ao Ministro da Educação, Fernando Haddad, e a outros que compreendem a importância da história de Paulo Freire para o Brasil, para o processo educacional, possa haver a iniciativa do Governo no que diz respeito à instalação, em São Paulo, da Fundação Paulo Freire. No edifício em que foi instalada por muitos anos a Polícia Federal, patrimônio da União, já se verificou que haveria condições de instalar a Fundação Paulo Freire, que poderia proporcionar a pessoas interessadas no desenvolvimento educacional conhecer, em profundidade, os métodos de alfabetização e de educação desenvolvidos por Paulo Freire. A Fundação Paulo Freire seria, enfim, uma sede para encontros de todos os interessados em desenvolver a educação brasileira. Que isso possa ser efetivamente colocado em prática! Gostaria, então, de transmitir ao Ministro Luiz Dulce quão importante será que essa homenagem ao Professor Paulo Freire se constitua em algo prático e importante para o processo educacional brasileiro. Que a educação seja sempre um processo conscientizador e libertador, conforme nos ensinou Paulo Freire!

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Obrigado, Senador Suplicy. Associo-me à sua proposta e à sua idéia de que o Governo brasileiro verifique a melhor forma de continuar prestando suas homenagens a um dos mais brilhantes educadores comprometidos com a mudança que o Brasil já conheceu.

            Paulo Freire, quando incentivou o Movimento de Cultura Popular no Recife, realizou atividades que inspiraram sua teoria do conhecimento, da qual seu “método de alfabetização” é um bom exemplo.

            Paulo Freire, perseguido pela ditadura militar, foi preso em 1964. Nos anos seguintes, período duro da ditadura militar no Brasil, ficou exilado por quase 16 anos. Trabalhou no Chile, onde implantou um programa de alfabetização de camponeses. Trabalhou nos Estados Unidos. Esteve em Genebra e, como Consultor Especial do Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas, viajou e trabalhou em diferentes países, tornando-se mundialmente conhecido.

            Com outros companheiros de exílio, fundou o Instituto de Ação Cultural (Idac) e, no início dos anos 70, com pessoas de sua equipe, trabalhou na África, especialmente nas ex-colônias portuguesas: Guiné Bissau, Cabo Verde, Angola, São Tomé e Príncipe. Assessorou as campanhas de alfabetização e contribuiu efetivamente para a sistematização de programas e projetos educacionais naqueles países.

            Em 1980, com a anistia, voltou ao Brasil e, por considerar ofensivas as regras impostas, recusou-se a pedir reintegração a seus cargos na Universidade Federal de Recife. Passou, então, a trabalhar como professor na PUC - São Paulo e, em setembro de 1980, após pressões dos estudantes e de professores, tornou-se professor da Universidade de Campinas, onde lecionou até o final do ano letivo de 1990.

            Em 1989, foi convidado pela Prefeita Luiza Erundina a assumir o cargo de Secretário da Educação do Município de São Paulo.

(Interrupção do som.)

            O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA) - Sr. Presidente, peço mais tempo para concluir meu discurso.

            Desenvolveu uma experiência de gestão democrática na Prefeitura de São Paulo, um dos maiores Municípios do mundo. Aprovou o primeiro Estatuto do Magistério da rede municipal de São Paulo, promoveu a revisão curricular e uma nova organização do ensino, por meio de ciclos e de projetos de interdisciplinaridade.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil deve a Paulo Freire a inclusão na categoria de lutadores sociais de milhões de brasileiras e brasileiros que compreenderam, por meio de seus ensinamentos, o que é ser sujeito de sua própria história. Permitiu a milhões de pessoas que pertenciam aos “de baixo” enxergarem-se como agentes transformadores por uma sociedade mais justa e igualitária.

            Paulo Freire, como intelectual orgânico e, mais do que isso, como militante político, ao colocar seus conhecimentos em prática, valorizando o homem do povo, aprendendo com a vida e com a experiência popular, formando milhares de educadores engajados e respeitadores da sabedoria popular, subvertia valores, atacava a meritocracia, o autoritarismo, a hierarquia imposta.

            Paulo Freire mostrou de diferentes ângulos, unindo a dimensão ética e a estética das relações humanas, que, atrás do ato de ensinar e de aprender, há uma clara opção política e que a educação não é neutra, tem um “lado”, principalmente em um mundo fortemente marcado pela opressão e desigualdade social.

            Encerro minha singela homenagem, novamente recorrendo aos ensinamentos de Paulo Freire, que, em sua última obra, alertava todos os professores sobre a importância de um posicionamento claro diante do mundo:

Não posso ser professor se não percebo, cada vez melhor, que, por não ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto e aquilo. Não posso ser professor a favor de quem que seja e a favor de não importa o quê. Não posso ser professor a favor simplesmente do homem ou da Humanidade, frase de uma vaguidade demasiado contrastante com a concretude da prática educativa. Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda.

            Essas palavras, que estão em um de seus livros, ilustram muito bem seu compromisso e sua luta pela educação libertadora, por uma educação que efetivamente possa contribuir para um futuro de dignidade para nosso povo e para vários povos do mundo.

            O Sr. Epitácio Cafeteira (Bloco/PTB - MA) - V. Exª me permite um aparte?

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Sr. Presidente, se V. Exª me permitisse mais um tempo, eu gostaria de conceder um aparte ao Senador Epitácio Cafeteira.

            O Sr. Epitácio Cafeteira (Bloco/PTB - MA) - Senador, na realidade, o que quero destacar e o que me comove, neste mundo atual, onde cada um cuida de si, é que é digno do maior louvor encontrar uma pessoa como Paulo Freire, que pensou nos outros e que trabalhou pelos outros. Essa é uma exceção honrosa. Por isso, é mais do que justa a homenagem que V. Exª presta a Paulo Freire.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Com toda a certeza, agradecendo ao Senador Epitácio Cafeteira o aparte, enalteço a saudação e as homenagens feitas pelos demais Senadores que antes se pronunciaram, como o Senador Eduardo Suplicy, o Senador Mão Santa, o Senador Valter Pereira, o Senador Romeu Tuma e os demais aqui presentes. Compreendendo a importância da educação e do seu espírito para a liberdade, para a justiça, para a transformação do mundo, tenho a certeza de que essa homenagem é do conjunto desta Casa.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/05/2007 - Página 12226