Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao jornalista Octavio Frias de Oliveira, recentemente falecido.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao jornalista Octavio Frias de Oliveira, recentemente falecido.
Aparteantes
Tasso Jereissati.
Publicação
Publicação no DSF de 03/05/2007 - Página 12246
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, OCTAVIO FRIAS DE OLIVEIRA, JORNALISTA, EMPRESARIO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ELOGIO, VIDA PUBLICA, CONTRIBUIÇÃO, IMPRENSA, DEMOCRACIA, BRASIL.

            O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o discurso do Senador José Sarney, embasado, sobretudo, na sua experiência de vida e na sua experiência de Presidente da República, expressou muito bem o que era o convívio com Octavio Frias, figura que tive a honra de conhecer, não tão de perto quando gostaria, mas de perto o bastante para admirá-lo e estimá-lo, figura que para mim resumia o caráter irredento, indomável do seu jornal Folha de S.Paulo. A Folha de S.Paulo, precisamente, é o jornal que não é homogêneo. E alguém poderia dizer que isso parece uma certa desordem editorial. Não.

            Era, na verdade, a absoluta verdade, conquistada pelos seus profissionais, e a liberdade outorgada pelo espírito de Octavio Frias para que cada um se expressasse do jeito que bem quisesse.

            Certa vez, eu próprio, Líder do Governo passado, do Governo do Presidente Fernando Henrique, entrei em árdua discrepância com a Folha de S.Paulo. E fui, como costumo ser, frontal. Fiz críticas duras ao jornal. Fiz críticas acerbas ao que me pareceu o comportamento inadequado do jornal naquele momento. Fiz, à porta do Palácio da Alvorada, e repeti da tribuna da Câmara dos Deputados. A resposta da Folha foi absolutamente enternecedora para alguém que, como eu, não acredita, Sr. Presidente, em outro regime que não o democrático: foi me convidar para fazer um artigo onde eu pudesse dizer tudo o que eu pensava a respeito da Folha de S.Paulo. E, sob qualquer ângulo de análise, eu poderia pegar o conjunto da história do jornal, eu poderia examinar o episódio em si. Eu confesso que fui apanhado completamente de surpresa e fiz o artigo. E, no artigo, mantive as minhas posições; mas, no artigo, eu fui obrigado a me render ao fato de que o espírito de democracia que presidia a cabeça de Octavio Frias era tão grande que abria espaço do seu jornal para que alguém ratificasse as acusações que havia feito ao seu jornal. E eu usei o espaço para ratificar as acusações que havia feito ao jornal. E, agora, Senador Tião Viana, tive de me render à evidência de que não era um fato usual, não era um fato comum se proceder daquela maneira e que aquilo era, sem dúvida nenhuma, um sinal absolutamente maduro de convicção do jornal quanto ao reconhecimento do dever que as pessoas tinham, até de criticá-lo, dando à Folha de S.Paulo um direito que nunca solicitou a ninguém, o direito de criticar a mim, a V. Exª, ao Presidente José Sarney, ao Presidente Lula, a quem bem quisesse o tempo todo e no tom que quisesse.

            Aqueles almoços que a Folha de S.Paulo fazia com uma personalidade política aqui, outra acolá, eram marcados pela confidencialidade absoluta. Nada vazava daqueles almoços. Eles se realizavam com dez, doze pessoas à mesa, e nada vazava. Realmente, jamais alguém se queixou de que algo tivesse vazado de um almoço da Folha de S.Paulo, aqueles almoços presididos pelo Sr. Octavio Frias. Lá, conversava-se de tudo, as informações eram trocadas. E sem ele lá, vai-se continuar conversando sobre tudo, e as informações continuarão sendo trocadas. Nenhum jornalista usa no curto prazo aquilo; usa o raciocínio do interlocutor para reforçar a sua própria análise. Nenhum jornalista usa a informação de modo a deixar bem claro que o interlocutor teria dito aquilo, deixando mal o interlocutor visitante.

            Eu, por meu lado - e sempre confiante, cada vez mais confiante no espírito que presidia a Folha de S.Paulo -, sentindo-me cada vez mais à vontade cada vez que era convidado e ia a alguns desses almoços, para mim o ponto alto era precisamente quando o Sr. Frias falava. Ele ouvia muito, ouvia muito até quando já deficiente da audição pelo peso dos anos, mas ouvia muito, e ao fim e ao cabo, dizia algumas frases absolutamente indispensáveis para o aprendizado de quem o procurasse, Senador Pedro Simon. Eu o ouvia e saía de lá melhor, saía de lá mais forte, saía de lá menos ignorante em relação às coisas da política; saía de lá num caminho que, eu diria, acima e além daquele que significava o da minha entrada no evento. E falava de maneira irônica e sempre com muita elegância, revelava a sua preocupação de brasileiro em relação às crises vivenciadas por este País e sempre a sua preocupação era ver a melhor saída para o Brasil.

            Exaltar o jornalista Octavio Frias significa mesmo uma tautologia nesta Casa. Dar um depoimento acerca de alguém que se marcou pela independência, que construiu o jornal à imagem e semelhança da sua altivez é, sem dúvida, uma outra forma de sermos redundantes, até porque qualquer democrata reconhece isso.

            Devo dizer que a Folha de S.Paulo para mim se constitui em um teste duplo, porque Líder do Governo, Ministro de Estado e, portanto, exercendo plenamente e com muita convicção o papel de situacionista em determinado momento da minha vida, as críticas eram duras, eram fortes, eram constantes. E as críticas tais como eram feitas, Senadora Lúcia Vânia, eram vistas por mim como aperfeiçoadoras do trabalho que eu me propunha a realizar.

            Mais tarde, na Oposição, e não uma oposição a uma ditadura... É preciso que todos entendam a diferença entre alguém se opor ao Presidente Lula da Silva e se opor ao General Médici. É diferente. É fundamental se ter muito claro que antes era o “sim” contra o “não”. Na democracia, entre o “sim” e o “não” há uma série de cores, entre o branco e o preto há uma série de tonalidades. Mas, na Oposição, em momentos muito róseos para o Governo, nunca se poderia deixar de reconhecer que a Folha de S.Paulo abria e abre espaços generosos para que a Oposição brasileira possa mostrar suas posições, seus pontos de vista, suas considerações no tom que achar adequado.

            E o mais bonito: a mesma Oposição que é prestigiada, porque tem o que dizer, no editorial ao lado, pode ser criticada duramente por alguma omissão sua, pode ser criticada acerbamente por algum equívoco ou algum exagero que tenha praticado.

            Não consigo imaginar que tudo isso seja obra de um homem só, mas é, sim, uma obra basicamente liderada por um homem que foi capaz de erigir um grande jornal, um dos maiores jornais do subcontinente latino-americano. Um milagre de êxito empresarial porque um jornal independente, desvinculado de outros meios de comunicação - não tinha rádio, não tinha televisão, não tinha revista a ampará-lo. Um jornal em si mesmo, o jornal pelo jornal. Irredento, repito, rebelde, combativo, competente, algo que já seria suficiente para elogiarmos a figura de Octavio Frias, que entra para a História.

            Eu queria dar meu depoimento pessoal do carinho que passei a sentir por ele, um carinho que eu sentia mútuo, mas que, com muita certeza, ainda que unilateral fosse, era um carinho muito sincero de minha parte. Eu gostava de estar com ele, gostava de ouvi-lo. Eram raros os momentos, mas esses raros momentos eu os bebia com avidez, eu os sorvia com muito egoísmo, eu os sorvia com o máximo de vontade de aprender com quem tinha muito o que ensinar, até pelo muito que presenciou da História do Brasil, alguém com mais de 90 anos de idade, tendo vivido com lucidez todo o seu tempo, que experimentou tantas crises.

            Qual foi a posição da Folha durante os momentos todos em que a liberdade esteve ameaçada neste País? Qual foi a posição da Folha cada vez que se denunciava algo parecido com crime de corrupção neste Brasil? Qual foi a posição da Folha, senão a de abrir espaço amplo para a denúncia, espaço amplo para a comprovação daqueles fatos denunciados.

            A resistência, o compromisso com a liberdade, o compromisso com a democracia, tudo isto sintetiza a figura absolutamente enternecedora de Octavio Frias, que deixa um legado para Octavio Frias Filho, para os seus colaboradores, para todos daquele jornal.

            Já concedo um aparte ao Senador Tasso Jereissati.

            Acredito que numa empresa estatal, numa empresa privada consolidada, em algumas dessas entidades há um espírito. A Petrobras tem um espírito. O Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty, tem um espírito. A Vale do Rio Doce tem um espírito. As pessoas que trabalham lá têm orgulho de fazê-lo. As pessoas que por lá militam têm uma enorme consciência de que cumprem um papel relevante. Já se aplica isso à Embraer.

            Sinto que, dos gráficos aos jornalistas, ao pessoal de escritório, à direção do jornal, todos lá encarnam o espírito da Folha. Algo que é mais do que o salário pago no fim do mês. Algo que é mais do que meramente a prestação e a contraprestação do serviço em relação ao salário. Algo que é mais do que isso. Algo que é a expressão desse espírito, a expressão dessa vida, a expressão dessa coisa mais funda que vai ao coração, que é alguém dizer: além de trabalhar aqui, tenho convicção de que é bom para a minha vida, para a minha biografia, trabalhar aqui.

            Ouço o Senador Tasso Jereissati.

            O Sr. Tasso Jereissati (PSDB - CE) - Senador Arthur Virgílio, agradeço a V. Exª a oportunidade de juntar-me a sua manifestação nesta homenagem que todos nós do Senado Federal fazemos à ilustre figura de Octavio Frias. Com certeza, V. Exª está falando em nome de toda a Bancada do PSDB no Senado Federal. Mas não resisto à tentação, apesar de me sentir muito bem representado por sua palavra, de também dar a minha palavra individual sobre o empresário Octavio Frias. O Senador José Sarney já fez um belíssimo discurso, contando a história da sua amizade e relação com Octavio Frias ao longo desses últimos trinta ou quarenta anos, história essa que, de alguma maneira, permeia a história recente do Brasil. Realmente, não se pode falar da história recente do Brasil sem falar em Octavio Frias. Por interessante e paradoxal que pareça, Senador Tião Viana, pelo que li nos jornais, quando Octavio Frias comprou a Folha de S.Paulo ele o fez menos como jornalista e mais como empresário. No entanto, foi como jornalista que ele marcou época na imprensa brasileira. A Folha de S.Paulo, como V. Exª disse muito bem, Senador Arthur Virgílio, tem um espírito. Hoje, quando se fala em imprensa brasileira, quando se fala na Folha de S.Paulo e em seu jornalismo, se está falando em um determinado estilo de jornalismo, numa determinada maneira de fazer jornalismo que, na verdade, interpreta o caráter e a disciplina pessoal de Octavio Frias: o jornalismo totalmente independente que não se vincula e não se vinculou a nenhum tipo de poder, em momento algum e em nível algum, e que teve na independência e na discrição suas principais características. Com certeza, as próprias características pessoais de Octavio Frias eram muito conhecidas daqueles que fazem política e que têm a atividade pública como principal ocupação. No entanto, Octavio Frias era pouco conhecido do grande público. Mesmo o seu rosto não era tão conhecido. Isso era próprio de Octavio Frias, homem extremamente discreto. Nunca se ouviu falar de que usasse o poder, a influência, o prestígio que tinha. Ele nunca se deixou tocar pela vaidade pessoal, tão própria daqueles que hoje, ou durante toda a nossa história recente, obtiveram e tiveram poder, influência e prestígio. Fez da Folha de S.Paulo um grande marco de revolução na imprensa brasileira. Hoje, o jornal brasileiro, a imprensa escrita brasileira, com certeza, tem na Folha de S.Paulo, de Octavio Frias, uma referência histórica e um momento novo. Não podemos deixar, portanto, de enaltecer a memória de Octavio Frias com o nosso respeito, com a nossa admiração, com o que ele representou para todos nós e para a história do Brasil, seja na luta pela democracia, seja em momentos difíceis da nossa democracia, em que seu papel, sua figura de equilíbrio e de estímulo dentro da Folha de S.Paulo fizeram com que esse jornal se tornasse um elemento de referência e de independência, fazendo parte daquilo de bom que tivemos na nossa histórica recente. Por isso, agradeço a V. Exª pela oportunidade de também prestar a minha homenagem, extensiva a toda a sua família, aos filhos de Octavio Frias e a toda a redação da Folha de S.Paulo.

            O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Meu Presidente, Senador Tasso Jereissati, respondo ao seu aparte com muita honra e até torno público o fato de que V. Exª me deu demonstração de confiança, ao transmitir-me para ler a carta emocionada e comovida que enviou ao jornalista Otavio Frias Filho. E eu me refiro precisamente ao tom comovido da sua carta, ao tom emocionado dela, à preocupação lógica de fazer justiça ao pai que desaparecia e ao grande homem público que o Brasil, naquele momento, perdia - do convívio conosco, que aqui ficamos.

            Sr. Presidente, eu poderia - e encerro - dizer que Octavio Frias era tão grande que daria para homenageá-lo, como estou fazendo agora, em um discurso comum, como os demais, como qualquer outro - o do Presidente Sarney não foi comum, foi um discurso brilhante -, tecendo os elogios necessários e justos a quem tanto valor teve ao longo da sua trajetória de vida.

            Mas eu poderia, por exemplo, fazer diferente: não pareceria mesquinho se eu dissesse que estou preocupado com o projeto que estaria em gestação no Ministério da Justiça, procurando estabelecer a tal classificação, que me parece arbitrária e ditatorial, dos horários, para que menores possam assistir a filmes, enfim, contrariando a tendência das democracias do mundo inteiro. Em se tratando de Octavio Frias, eu poderia fazer um discurso inteiro e, ao final dele, dizer: Esse discurso é um ponto a mais na nossa luta por liberdade, e eu o dedico a Octavio Frias.

            Eu poderia criticar o dirigente de um partido importante deste País, que, outro dia, disparatadamente, afirmara que, durante uma eleição, a imprensa deve ter menos liberdade. Se fosse qualquer outro o homenageado, Senador Pedro Simon, diriam: “O Senador Arthur Virgílio aproveitou aquele momento para fazer algo parecido com politicagem; foi politiqueiro”. Para qualquer outro homenageado, diriam: “Não cabia o Senador Arthur Virgílio ter mencionado isso”. No entanto, eu poderia fazer um discurso inteiro sobre esse tema e, no final, dizer: “Esta é uma homenagem que presto ao democrata Octavio Frias”.

            Ou seja, seria possível fazer-se tanto o discurso convencional e comum, que, meramente e de maneira factual, falasse dos feitos e da vida de Octavio Frias, como se poderia aqui simplesmente fazer uma denúncia, dizendo que essa denúncia tem a cara do jornal Folha de S.Paulo, que tem o espírito de Octavio Frias, encarnado na sua valentia e na sua bravura.

            Por isso, Sr. Presidente, por todos esses títulos - e até anunciando temas que farão parte do nosso debate, porque não podemos deixar de discutir tudo aquilo que ameace arranhar a liberdade neste País -, digo duas coisas a Octavio Frias: uma é que não faltarão brasileiros para continuar a sua luta, dentro e fora do seu jornal; outra coisa é que ele vai encontrar Barbosa Lima Sobrinho lá em cima, e os dois continuarão sendo gauche na vida.

            O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Concedo a palavra ao Senador Flávio Arns.

            O SR. TASSO JEREISSATI (PSDB - CE) - Sr. Presidente, pela ordem.

            O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Concedo a palavra ao Senador Tasso Jereissati pela ordem.

            O SR. TASSO JEREISSATI (PSDB - CE. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, eu gostaria de encaminhar um requerimento para que seja incluída nos Anais desta Casa a homenagem feita no artigo de hoje, no jornal Folha de S.Paulo, pelo jornalista Elio Gaspari, ao homem Octavio Frias. Que isso seja registrado nos Anais desta Casa.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR TASSO JEREISSATI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno)

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Matéria referida:

“A Octavio Frias ausente”


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/05/2007 - Página 12246