Discurso durante a 65ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a questão da violência e sobre a redução da maioridade penal. Questionamento sobre a atuação da Polícia Militar durante os distúrbios de rua ocorridos em São Paulo no último final de semana.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL. EDUCAÇÃO. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • Reflexão sobre a questão da violência e sobre a redução da maioridade penal. Questionamento sobre a atuação da Polícia Militar durante os distúrbios de rua ocorridos em São Paulo no último final de semana.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/2007 - Página 13717
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL. EDUCAÇÃO. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • REGISTRO, SENADO, APROVAÇÃO, REDUÇÃO, LIMITE DE IDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, VOTO CONTRARIO, ORADOR.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, CRIANÇA, AUTOR, VIOLENCIA, COMENTARIO, INEFICACIA, ESTABELECIMENTO PENAL, RECUPERAÇÃO, MENOR.
  • IMPORTANCIA, GOVERNO FEDERAL, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), IMPLANTAÇÃO, PLANO, DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL, BENEFICIO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, NECESSIDADE, GARANTIA, RENDA MINIMA, CIDADANIA.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, eu gostaria de fazer aqui uma reflexão sobre a violência que por vezes tem caracterizado a vida das grandes metrópoles brasileiras e relacioná-la também com a matéria que será objeto de decisão do Plenário do Senado. Eu me refiro à diminuição da idade penal de 18 para 16 anos.

            Conforme tenho feito, na reunião da Comissão de Constituição e Justiça, que por 12 a 10 votou para que haja essa diminuição, com todo respeito aos Senadores que têm manifestado sua opinião de que deveria baixar a idade penal, eu me manifestei a favor de manter 18 anos como a idade penal.

            Ontem a Folha de S.Paulo publicou um artigo, que eu considero muito bem escrito, da professora Alba Zaluar, que eu gostaria de ler e comentar.

             Violência versus compaixão.

Em 1968, na Inglaterra dos Beatles e dos sindicatos fortes, uma linda menina de olhos azuis - Mary Bell - foi julgada como adulto quando tinha 11 anos de idade. Ela havia assassinado, sem nenhum motivo, dois meninos de 3 e 4 anos, provavelmente com outra amiga. Mary foi condenada, depois de uma série de reportagens e investigações apressadas em que a sua imagem foi pouco a pouco associada ao demônio. Ela ficou internada até 1980 em várias instituições, todas com o objetivo de recuperar crianças e adolescentes que ali cumprem pena, mas das quais saiu sem conseguir admitir o mal que havia feito. Em 1995 foi procurada por uma escritora interessada em entender por que as crianças matam. Foi nas longas conversas com essa mulher, durante as quais pôde reconstituir o seu passado, inclusive o descaso e a série de abusos sexuais sofridos por ela nas mãos de sua própria mãe com seus namorados, que Mary pôde finalmente, um dia, reconhecer ser a assassina e acrescentar: “O que fiz não tem desculpa”. Ela havia recuperado sua consciência moral e os sentimentos da vergonha, da culpa e da compaixão. Não foi apenas a disciplina da instituição, a horta das verduras, o contato com animais, a oficina mecânica ou as aulas que lhe permitiram atingir esse ponto. Foi algo muito mais profundo.

A diminuição da idade na responsabilidade criminal de 18 para 16 anos poderia diminuir os efeitos da manipulação perversa do Estatuto da Criança e do Adolescente por impedir que jovens nessa faixa de idade sejam usados para garantir a impunidade de maiores. Mas, enquanto as medidas socioeducativas forem mera ficção na letra da lei, enquanto não houver atendimento médico e psicológico a adolescentes tão precocemente comprometidos com a crueldade e a indiferença ao próximo, tal mudança de nada adiantará. Se o sistema de Justiça no Brasil não for capaz de estancar as absurdas taxas de impunidade nos homicídios, se o sistema de punição específica para menores homicidas não tiver meios de lhes devolver a consciência moral malformada ou desmantelada ao longo de suas abusadas vidas, continuaremos a ver os mesmos jovens repetirem tais fatos sem remorso. Falta-lhes empatia, falta-lhes a capacidade de avaliar o sofrimento que causam no outro, falta-lhes a fala que permite colocar-se no lugar do outro, ou seja, compaixão. Enquanto isso não acontecer, não resta senão a alternativa da prisão para que outras Lianas não sejam imoladas nem fique apenas o olhar doloroso de seu pai a dizer: “Foi a minha filha, mas poderia ter sido a sua.

            Essa é uma reflexão importante. Conforme disse na ocasião de meu voto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, acredito que muito melhor será universalizarmos para valer a boa qualidade do ensino para todas as crianças e jovens. Inclusive é importante que o Governo do Presidente Lula e o Ministro da Educação, Fernando Haddad, tenham anunciado essas medidas do Plano de Desenvolvimento da Educação, que são exatamente nessa direção de prover boas oportunidades de educação para todos os brasileiros e brasileiras, sobretudo para as crianças e os jovens e mesmo para os adultos que não tiveram boas oportunidades de educação quando crianças.

            Considero igualmente importante que possamos assegurar, o quanto antes, neste País, a toda e qualquer pessoa, o direito de receber uma renda, como um direito à cidadania. Hoje, o Ministério do Desenvolvimento Social está anunciando que cerca de 330 mil famílias que estavam inscritas no Programa Bolsa- Família terão o seu benefício retirado, porque, em princípio, não estariam na faixa de rendimento até R$120,00 per capita por mês, conforme diz a legislação.

            São mais de 11 milhões de famílias que estão inscritas no programa, praticamente todas aquelas que deveriam ter esse direito por terem renda per capita menor do que R$120,00. 

            Todavia, há que se considerar que sempre vai haver problema de mensuração, de constatação de quanto as pessoas ganham, qual é a renda que, efetivamente, as famílias recebem, qual é a que declaram, em que medida estão declarando tudo o que recebem no mercado formal, ou no mercado informal, e assim por diante.

            E daí a enorme vantagem que haverá quando chegar o dia em que houver uma renda básica universal e incondicional para toda e qualquer pessoa, na medida do possível, suficiente para atender suas necessidades vitais.

            Na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, contei que, certo dia, em agosto de 2003, fiz a exposição para menores, entre 14 e 20 anos, que estavam na Unidade de Atendimento Inicial da Febem no Brás, e disse a eles que, muito provavelmente, se já existisse a renda básica de cidadania, não estariam ali, porque não teriam cometido os delitos que os fizeram ir presos.

            E, para ilustrar isso, declamei, então, O homem na estrada, de Racionais MC, composto por Mano Brown.

            Pois bem, de pronto, verifiquei que praticamente todos ali, mais de 60%, sabiam de cor a letra que para se cantar é preciso mais de 8 minutos. E percebi que estavam de acordo. Pediram-me que, na semana seguinte, eu voltasse lá com o próprio Mano Brown, e assim o fiz. E, quando estivemos com Mano Brown, novamente conversamos com eles por cerca de uma hora, período durante o qual pediram-lhe que cantasse seis músicas. Eles, novamente com o Mano Brown, cantaram e acompanharam o ritmo da música, e pude perceber o quanto as músicas de Mano Brown, as músicas de Os Racionais, representam um fenômeno cultural moderno do Brasil de hoje, simplesmente extraordinário.

            Não foi a toa que, de sábado para domingo, durante a madrugada, lá para...

            (interrupção do som)

            O SR. PRESIDENTE (Gerson Camata. PMDB - ES) - V. Exª dispõe de um minuto para concluir.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ...por volta das quatro e meia, iniciou-se o show de Os Racionais MCs, o mais esperado da Virada Cultural, e que levou à Praça da Sé um público simplesmente notável, comparável ao dos grandes comícios ali havidos, do PT e de outros partidos, e o memorável comício primeiro das Diretas Já, tão repleto e lotado estava. Pude, a convite de Eliana, esposa de Mano Brown, acompanhar o show do palco, e eis que, durante o show, houve uma série de incidentes que acabaram resultando em tumulto generalizado, infelizmente.

            Espero que isso não mais aconteça. Tive a impressão, isso ainda vai ser...

            (interrupção do som)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Um minuto mais, por favor.

            O SR. PRESIDENTE (Gerson Camata. PMDB - ES) - V. Exª dispõe de um minuto para concluir a sua fala.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Tive a impressão de que houve da parte da autoridade policial, em alguns momentos, uma reação demasiadamente forte. 

            Ainda há pouco, liguei para o Comandante Geral da PM, Coronel Roberto Antônio Diniz, propondo-lhe fazer uma visita, que foi aceita. Sugeriu, inclusive, que seja feita em companhia do Secretário de Segurança, para dialogarmos a respeito de como poderemos prevenir em shows que venham a ocorrer, tal como tantas vezes testemunhei, incidentes como aqueles que, infelizmente, acabaram interrompendo uma manifestação cultural importante, que diz tanto aos jovens, porque as letras dos Racionais MCs são muito o reflexo do que acontece no cotidiano dos jovens de nossas periferias.

            Muito obrigado, Senador Gerson Camata.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/2007 - Página 13717