Discurso durante a 65ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da reforma política e crítica ao Judiciário por barrar a cláusula de desempenho aprovada pelo Legislativo.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA. JUDICIARIO.:
  • Defesa da reforma política e crítica ao Judiciário por barrar a cláusula de desempenho aprovada pelo Legislativo.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/2007 - Página 13722
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA. JUDICIARIO.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, NATUREZA POLITICA, BRASIL, TENTATIVA, REALIZAÇÃO, REFORMA POLITICA, REESTRUTURAÇÃO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA.
  • CRITICA, JUDICIARIO, REJEIÇÃO, SANÇÃO, CLAUSULA, RESTRIÇÃO, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, REFERENCIA, APURAÇÃO, VOTAÇÃO, ALEGAÇÕES, INCOMPATIBILIDADE, DIREITO A IGUALDADE, PREJUIZO, REALIZAÇÃO, REFORMA POLITICA.

            O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, nobre Senador Tião Viana, Srªs e Srs. Senadores, as análises e abordagens do sistema político brasileiro, como de resto a avaliação que dele todos fazemos periodicamente, têm sempre por foco a conjuntura e por objetivo a justificativa de nossas próprias convicções. Quaisquer que elas sejam, seguem o modelo tradicional que oscila entre o ufanismo de um lado, o pessimismo do outro. Isso significa que o realismo, raramente tem a sua vez. O pessimismo tem como paradigma “Retrato do Brasil: ensaio sobre tristeza brasileira” de Paulo Prado. O ufanismo é representado por um pequeno ensaio hoje já esquecido, mas que deitou raiz na consciência coletiva. Refiro-me ao livro do Conde Afonso Celso, “Por que me ufano de meu país”. Sua representação se baseia na convicção de que somos um país dotado de riquezas naturais supostamente inesgotáveis. Orgulhamo-nos da abundância dos recursos minerais, da fertilidade do solo, da extensão do território e da amenidade do clima. Explicamos com isso a crença de que somos, como nos ensinou Stefan Zweig, “o país do futuro”. Essa visão nos tem custado alguns desenganos.

Sr. Presidente, nas cerca de dez mil páginas de sua monumental obra “Um estudo de história”, Arnold Toynbee dedicou o segundo volume a gênese das civilizações. Em suas próprias palavras, “constatamos que as civilizações nascem em ambientes que não são extraordinariamente difíceis nem extraordinariamente fáceis, e isto nos levou a indagar se existe ou não alguma lei social que possa expressar-se com a fórmula ‘quanto maior o incitamento, maior o estímulo’”. 

Para dar consistência a sua tese, ele aborda em seguida os casos do que considera “os termos médios”, isto é, aqueles em que o incitamento para vencer as adversidades do solo, não teria sido tão acentuado. Compara alguns paralelos, citando alguns países europeus e americanos. Ao Brasil estão reservadas seis desalentadoras linhas: “o litoral atlântico da América do Sul apresenta, evidentemente fenômenos paralelos. No Brasil, por exemplo, a maior parte da riqueza, a estrutura industrial, a população e a energia nacionais estão concentradas na primeira fração deste vasto território que está abaixo do grau 20 da latitude sul. Além do mais, mesmo o Brasil meridional é inferior em civilização a regiões mais ao sul, em ambos os lados da Bacia do Prata: a República do Uruguai e a Província Argentina de Buenos Aires”.

      Essa conclusão, como divulgado, provocou justas reações no Brasil e o governo providenciou um convite para que ele visitasse o País, ocasião em que foi levado para além do eixo Rio-São Paulo, a fim de conhecer a Amazônia. Na segunda edição de sua obra a referência ao Brasil consistiu em acrescentar umas poucas linhas que em resumo afirmava que o nosso País se transformaria numa potência, no dia em que adquirisse “o dom da eficiência”.

      Poderia ser considerada uma visão pessimista, na medida em que a indução do desenvolvimento dessa vasta região já mudou, em menos de 50 anos. Hoje, os riscos que corremos não são mais pela falta, mas pelo excesso de eficiência da capacidade de exploração de nossos recursos naturais sem respeitar as peculiaridades das vocações ecológicas e de nosso vasto território.

O excesso de otimismo e o excesso de pessimismo constituem os principais enganos e a maioria dos desenganos das avaliações que fazemos do Brasil, seu povo e suas instituições, inclusive o sistema político. Por isso mesmo, é necessário considerá-lo com realismo. Uma dessas visões pode ser encontrada no livro “Conciliação e Reforma no Brasil”, do historiador José Honório Rodrigues, publicado em 1964. Nele, o autor ressalta as extraordinárias conquistas de um povo escasso num vastíssimo território, que não devemos esquecer. No capítulo 2 com o título “Teses e antíteses da história do Brasil”, ele as enumera: “as vitórias do povo são objetivas e incontestáveis. Afora sua ação pela unidade política, pela integridade territorial (...) e pelo regime representativo, deve o Brasil ao povo, a mestiçagem, a tolerância racial, a homogeneidade religiosa, a integração psicossocial, a sensibilidade nacional muito viva que exige o abrasileiramento das próprias contribuições estrangeiras. Suas características positivas são: uma consciência muito alerta da herança histórica, a coesão nacional, um profundo sentimento democrático que desaprova as injustiças, a extroversão, a conciliação, o espírito aberto e acessível, o pacifismo”. Essas qualidades podem ser observadas em todas as regiões brasileiras indistintamente, e em todas as etapas de nossa evolução histórica, são débitos que temos para com gerações passadas e representam ser o maior legado.

Aponta, ainda, o citado historiador que “o divórcio entre o Poder e a Sociedade é a principal fonte de instabilidade política que se manifesta entre nós quase permanentemente, e não apenas nos momentos de transição do poder”. Acredito que essa instabilidade estrutural que é reiterativa e resultado das crises por que periodicamente passamos, explica por que, nos últimos duzentos anos, fomos o país que mais mudanças institucionais realizou. Transitamos pelas formas de Estado, passando de unitário a federativo. Mudamos a forma de governo, tendo experimentado o sistema monárquico e o republicano. Testamos por duas vezes tanto o parlamentarismo informal do Império, quanto o meramente formal da República, entre 1961 e 1963 e persistimos no presidencialismo interrompido em pelo menos duas outras oportunidades: entre 1937 e 1945, com o Estado Novo, e entre 1964 e 1985, com o regime militar. Da mesma forma, tivemos no Império uma religião oficial do Estado, passando a Estado leigo na República, muito embora sejamos um país em que a proliferação de seitas e crenças religiosas se expandiu com extraordinária e inusitada velocidade, sobretudo nos últimos 30 anos.

Todas essas mudanças têm encurtado, ainda que lentamente, a distância, que, no Brasil, ainda separa o Poder da Sociedade, na medida em que os interesses do primeiro sempre terminam prevalecendo sobre os da segunda. José Honório é de opinião que, “dentre os poderes, o Executivo sempre foi mais progressista e mais receptivo às aspirações populares; o Congresso mais anti-reformista e mais retardatário” e que a “Justiça esteve, quase sempre a favor das forças dominantes”. Há mais de 40 anos, é bom lembrar, advertia que “será necessário um grande esforço para que a imagem deste dois últimos poderes, (Legislativo e Judiciário) seja refeita”.

O escritor e pensador social reconhece que, “se o Executivo falhou, o Congresso e o Judiciário falharam muito mais na República, e não somente o Judiciário como acreditou João Mangabeira”.

 Em busca de todos os nossos males, a solução tem sido sempre o recurso à reforma política, o que, segundo, José Honório, “significa basicamente reforma eleitoral”. O que estamos assistindo hoje, em que a reforma política, restrita a mudanças eleitorais, parece ser antídoto para todos os males, já estava diagnosticado há 40 anos pelo autor de “Conciliação e Reforma no Brasil”. Lembremo-nos que a agenda política que precedeu o movimento militar de 1964, se cingia às “Reformas de base”. Embora não fossem exatamente as mesmas com as quais nos defrontamos agora, necessárias, indispensáveis e inadiáveis para que o País pudesse voltar a crescer. 

Temos de reconhecer que, depois de seguidas frustrações, planos insubsistentes e sucessivas trocas do padrão monetário conseguimos um êxito que parecia inalcançável: domar o descontrole inflacionário, de forma criativa, pacífica e sem recurso a planos mirabolantes. Vencido o que foi um dos maiores obstáculos da nossa história, nossa prioridade é crescer a taxas consistentes com a nossa evolução demográfica, para que possamos vencer as carências sociais. Tal como na década de 60 do século passado, a reforma política volta à tona como remédio para todos os males. A lição de Toynbee, quando nos comparou com nossos vizinhos, o Uruguai e a Argentina, parece nos alertar para a necessidade de readquirirmos o “dom da eficiência” a que se referira. Afinal, a Argentina que passou por uma das maiores crises econômicas no começo deste século e prodigalizou com sucesso a única moratória da dívida externa que se conhece sem rupturas e graves danos, voltou a crescer a taxas de desenvolvimento asiáticas, enquanto patinamos alguns anos, no estreito índice entre 2 e 3% do crescimento do PIB.

A trajetória da reforma política que se discute no Congresso há décadas, começaria por se materializar com a implantação da cláusula de desempenho e se consumaria na legislatura inaugurada em primeiro de fevereiro último. Aprovada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo, essa norma foi, contudo, frustrada pelo Judiciário, ao julgá-la incompatível com o pluralismo político e o princípio da igualdade assegurado pela Constituição. Por isso, parece-me cabível a pergunta: Será o Brasil sem cláusula de desempenho, mais democrático que países como a Alemanha, onde esse instituto político nasceu, ou a Áustria, a Dinamarca, a Suécia, a Noruega que a acolheram ao lado de cerca de 40 outros países? A conclusão plausível é que, pelo menos nessa matéria ao contrário do que afirmou o professor José Honório Rodrigues, não foi o Legislativo que faltou ao Brasil ou que falhou na tentativa de dar racionalidade ao debate político e dotar os poderes do Estado das condições necessárias para assegurar a governabilidade e garantir a estabilidade.

Nosso sistema político sem dúvida pode haver dado causa a muitos enganos, mas temos que reconhecer que também tem sido vítima de muitos desenganos. Assim, nosso maior desafio continua ser o de aprimorá-lo, aperfeiçoá-lo e dar-lhe condições para atingirmos o dom da eficiência a que se reportou o inglês Arnold Toynbee. O que estamos vendo, porém, é que toda tentativa de modernização do nosso sistema político, quando não esbarra em interesses difusos de pequenos segmentos que convivem no Congresso, não ultrapassa as barreiras que lhe impõe o Judiciário. Os critérios jurídicos que têm pautado as decisões do Judiciário nessas matérias, podem ser procedentes, corretos e respeitáveis. Mas sem dúvida não obedecem ao requisito essencial de legitimidade, no que respeita aos padrões do desempenho político que não podem ser ignorados, quando se trata de matéria essencialmente política. Este parece, a meu ver, um obstáculo a mais que teremos que ultrapassar, para não sermos vítimas, já não digo de mais um engano, mas pelo menos de mais um desengano dos muitos de que padecemos.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/2007 - Página 13722