Pronunciamento de Paulo Paim em 09/05/2007
Discurso durante a 66ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Reflexão sobre a condição de vida dos negros no Brasil.
- Autor
- Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
- Nome completo: Paulo Renato Paim
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
- Reflexão sobre a condição de vida dos negros no Brasil.
- Aparteantes
- José Nery, Mão Santa.
- Publicação
- Publicação no DSF de 10/05/2007 - Página 13793
- Assunto
- Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
- Indexação
-
- QUESTIONAMENTO, EFEITO, LEGISLAÇÃO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, PROMULGAÇÃO, PERIODO, IMPERIO, BRASIL, LIBERAÇÃO, ESCRAVO, AUSENCIA, GARANTIA, DIREITOS, NEGRO, REGISTRO, SITUAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, PAIS, ATUALIDADE, COMENTARIO, DADOS, PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DIFICULDADE, ACESSO, GRUPO ETNICO, MERCADO DE TRABALHO, EDUCAÇÃO, PERMANENCIA, CLASSE SOCIAL, BAIXA RENDA, IMPOSSIBILIDADE, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA.
- COMENTARIO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, CONCESSÃO, PREMIO, PESSOAS, ATUAÇÃO, LUTA, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
- COMENTARIO, AUSENCIA, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO, OBRIGATORIEDADE, ENSINO FUNDAMENTAL, ENSINO MEDIO, DIVULGAÇÃO, HISTORIA, POVO, NEGRO.
- COMENTARIO, LEITURA, TEXTO, HOMENAGEM, ALMIRANTE, NEGRO, REGISTRO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REABILITAÇÃO, IMPORTANCIA, PERSONAGEM ILUSTRE, HISTORIA, BRASIL.
- COMENTARIO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, ANO NACIONAL, AUSENCIA, CONCLUSÃO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, BRASIL.
- REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, MANIFESTAÇÃO, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), FACILITAÇÃO, ACESSO, NEGRO, UNIVERSIDADE.
O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Até porque, Senador Mão Santa, falo hoje de um tema pelo qual V. Exª também é apaixonado. Senador Mão Santa, o dia 13 de maio deste ano é domingo.
Como esta é a terceira vez que venho à tribuna nesta semana, e o normal neste expediente, num tempo maior, é duas vezes, aproveito para fazer o meu pronunciamento sobre o dia 13 de maio.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste momento, gostaria de convidá-los a fazer uma volta ao passado no Brasil, uma visita a 119 anos atrás. E o que veríamos? Estaríamos na época do Império. Dependendo do dia em que chegássemos e da cidade em que estivéssemos, veríamos muitas coisas, mas uma delas seria comum a nossos olhos: um número enorme de pessoas negras andando pelas nossas ruas. Negros, 119 anos atrás, carregando caixas; negras servindo de babás; cozinheiras negras; engraxates negros; negros trabalhando nas casas dos chamados senhores; negros nos campos...
Sr. Presidente, a Lei Áurea foi assinada há 119 anos, a famosa carta de alforria dos negros escravos. Mas a pergunta que fica até hoje é: que alforria foi essa? Falaram de liberdade, mas direitos de fato não vieram. Como sabemos, a Lei Áurea possui somente dois artigos:
Art. 1º- É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil.
Art. 2º - Revogam-se as disposições em contrário.
Se estivéssemos lá, em 13 de maio de 1988, o que passaria pelos nossos olhos? Claro, a euforia da população, com flores sobre os parlamentares e sobre os abolicionistas.
Transcrevo aqui um trecho de matéria publicada pelo jornal Gazeta de Notícias, em 15 de maio de 1888:
Continuavam ontem com extraordinária animação os festejos populares. Ondas de povo percorriam a rua do Ouvidor e outras ruas e praças, em todas as direções, manifestando por explosões do mais vivo contentamento o seu entusiasmo pela promulgação da gloriosa lei [...]
E, aqui, Sr. Presidente, como o pronunciamento é longo, o texto fala da dança, das canções e da festa realizada na época. Diz mais: que não dava para transcrever a alegria daquele momento para o povo e para a Pátria.
Eu diria hoje: como podemos notar, a população estava feliz sim. Os negros escravizados, torturados, violentados, homens e mulheres tinham esperança de uma vida melhor. Mas os dias foram passando, e a euforia começou a dar lugar à realidade. Os negros podiam tocar suas vidas, mas não havia quem os quisesse empregar. Havia quem permitisse que eles estudassem? Não. A Lei Áurea garantia a liberdade, mas nenhum direito.
Sr. Presidente, muitos se diziam a favor da abolição, mas, em seu íntimo, continuavam tendo preconceito. Preconceito, acredito eu, é uma das coisas mais difíceis de serem eliminadas. Aos negros, repito, não eram dados direitos ao trabalho, ao estudo, nem à compra de terra. Por outro lado, os demais trabalhadores - imigrantes e não-escravos - tinham direito a tudo isso. A eles era assegurado o direito a terras e ferramentas, ao estudo e ao trabalho remunerado.
Não é de nos perguntarmos, Sr. Presidente, por que razão não existe, em nosso País - eu, pelo menos, não conheço -, um único negro fazendeiro ou grande produtor do agronegócio? O Presidente de um dos países da África, ao vir ao Brasil, visitou uma grande feira do agronegócio e observou que não havia visto ali um único expositor negro; viu apenas, é claro, negros cuidando dos animais.
Sr. Presidente, reconheço que negros e brancos, que lutaram no passado, continuam lutando juntos - os abolicionistas - pela liberdade, pela igualdade e pela justiça. Mais de um século, depois daquele 13 de maio, se passou. E, se uma pessoa daquela época viesse para este momento, certamente ficaria preocupada ao ver tantos negros e negras na mesma situação de 119 anos atrás.
Ao andar pelas ruas, o que esse brasileiro da época do Império veria? Negros limpando as ruas; negros morando nas favelas; negros nas casas como domésticos; negros fora das universidades; negros fora dos bancos escolares; negros fora do Parlamento, fora do Executivo, fora dos primeiros escalões das áreas pública e privada. Alguém já deve estar dizendo: “E você?” Rara exceção.
Sr. Presidente, nós temos de convir, temos de reconhecer que algo está errado.
Quantos são os prefeitos negros no Brasil? Eu estive na Marcha dos Prefeitos, como estive ontem também em uma reunião da Confederação Nacional dos Municípios, um movimento justo, mas corri os olhos de curiosidade: ontem, nenhum negro; na Marcha dos Prefeitos, um ou outro. Repito: algo está errado.
E agora vem mais uma pergunta: qual proprietário de um grande jornal, de uma grande revista, de um grande rádio, de uma grande rede de tevê ou de um banco é negro? Uma reflexão tem de ser feita. Algo está errado.
Essas são reflexões que precisamos fazer nesta semana de 13 de maio. Estamos caminhando para os 120 anos da abolição não concluída.
Sr. Presidente, apresentei um projeto de lei que prevê a premiação das pessoas que se destacam na luta contra os preconceitos e o racismo, brancos ou negros. Trata-se do Troféu Lanceiros Negros. O projeto já foi aprovado no Senado, mas falta ainda a implementação devida.
E por que essa idéia, Sr. Presidente? Na Revolução dos Farrapos - e V. Exª conhece essa história -, foi dito aos negros, chamados “lanceiros negros”, que eles fizessem a batalha. Eles foram à batalha, e lhes foi prometido que eles seriam libertos no fim da guerra.
Pois bem. Em resumo, em 1844, eles foram desarmados; foi-lhes dito que eles seriam libertos, e foram todos assassinados - pelo menos a ampla maioria -, à época, pelo Exército Imperial. Quando perguntado a um dos comandantes do Exército Imperial por que isso, a alegação foi a seguinte: “Se fossem os negros gaúchos libertos, o rastilho de pólvora poderia se alastrar pelo País, exigindo o fim da escravidão”. Esses negros queriam o fim da escravidão, e com os seus direitos. Assim, 44 anos antes da abolição, eles foram assassinados.
Sr. Presidente, o Brasil mudou muito. Contudo, o preconceito é muito forte ainda, fruto de uma cultura escravocrata, em menor grau, é certo, mas que ainda existe. Prova disso - e não vou ler, porque o tempo não permite - são os dados que tenho do Pnud e outros dados das Nações Unidas, que demonstram que pelo menos 70% dos indigentes brasileiros são negros.
Eu poderia aqui mencionar os dados referentes à situação da mulher negra, que também são assustadores. Eu poderia citar os dados da universidade, já que apenas 5% dos alunos negros estão na universidade. Eu podia aqui lembrar, Sr. Presidente, que nós, depois de muita luta no Congresso Nacional, aprovamos a Lei nº 10.639, para que a verdadeira história do povo negro fosse contada nas salas de aula; ela praticamente não é aplicada, a não ser em raras exceções, em todo o País. Recentemente, houve ainda uma resolução, afirmando que isso deve ser aplicado, mas de forma transversal.
Sr. Presidente, como eu disse, algo está errado. O que é isso? Não querem que a nossa juventude saiba, efetivamente, qual a formação...
(Interrupção do som.)
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Paulo Paim, creio que baixou aqui o espírito de Joaquim Nabuco, que sozinho, solitário, defendia a escravatura, sendo Oposição. Então, em nome dele, eu lhe proporciono mais dez minutos.
O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Será que têm medo de contar para a nossa juventude a origem da formação do povo brasileiro? O que é isso? É medo? O tema precisa ser debatido, precisa ser estudado. As pessoas têm que ouvir. Sei que muitos não gostam que se trate desse tema, mas, pelo menos aqui, no Congresso Nacional, Senador Mão Santa, temos que debater essa questão.
Sr. Presidente, trago aqui a fala de uma professora, que não é negra. Vou resumir o que ela disse e vou tentar encerrar em cinco minutos. Quanto mais, em sala de aula - e ela não é negra -, ela fala da história do povo negro, dizendo como eles foram seqüestrados, na África, e tratados como animais neste País, infelizmente, ela ouve de algumas crianças, que não são negras: “Mas, então, por que eles não voltam para a África?” Para vermos como está enraizado, no próprio adolescente, algo que ele acabou ouvindo ao logo da sua vida.
Quero ainda destacar, como fato real e presente, o que aconteceu - e fizemos uma reunião a respeito neste plenário - aqui na Universidade de Brasília, quando os alojamentos dos estudantes africanos foram incendiados, num caso explícito de intolerância e racismo. Sabe como, Senador César Borges, está sendo levada a discussão? Aquilo foi um ataque ao patrimônio público da Universidade Federal. E é isso que vai acontecer se não avançarmos nesse debate.
Vejamos o debate sobre as ações afirmativas. Eu nem vou entrar aqui no Estatuto, nem vou entrar na política de quotas, que é do PL nº 73, que está na Câmara. Vejam o absurdo de parte de nossa elite. Eles chegam a dizer, por incompreensão ou má-fé, que aqueles que querem as políticas afirmativas, a política de inclusão, são irresponsáveis e estão pregando o preconceito. Vejam a que ponto chegamos.
Lembro aqui de um caso de Porto Alegre, onde estarei amanhã, participando de uma audiência pública. A Sociedade Cultural Floresta Aurora, 135 anos de existência, a mais antiga sociedade de negros do Brasil, está sendo ameaçada de tirarem o seu patrimônio porque ela faz muito barulho quando promove suas atividades culturais, esportivas ou de lazer. Só que, naquela região, existem inúmeros clubes, e os outros clubes não têm o mesmo tratamento. Estarei lá amanhã, em Porto Alegre, em nome da Comissão de Direitos Humanos, debatendo esse tema.
O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Senador Paulo Paim, V. Exª me concede um aparte?
O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador José Nery, ouvirei V. Exª em seguida. Só quero mencionar este dado - e sei que V. Exª vai concordar comigo.
Por que o PL nº 7.198, de 2002, da Ministra Marina Silva, que reconhece anistia post mortem ao Almirante João Cândido, herói negro da Revolta das Chibatas, foi aprovado no Senado e está parado na Câmara desde 2003?
Concedo um aparte ao Senador José Nery.
O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Senador Paulo Paim, quero cumprimentá-lo pelo pronunciamento alusivo aos 119 anos da luta pela libertação dos escravos, luta que continua ainda hoje contra os preconceitos, a desigualdade e a violência muitas vezes institucionalizadas sobre parcelas importantes da comunidade brasileira. As elites da época acabaram concordando com a libertação formal dos escravos, mas foram incapazes de criar as condições necessárias para a inclusão dessas pessoas que viviam sob a forma do trabalho forçado, negando-lhes todas as condições de dignidade humana. Essas elites também foram incapazes de incluir efetivamente essas pessoas, como V. Exª acabou de dizer, sem lhes garantir trabalho digno, educação e todas as condições a que o ser humano tem direito. Portanto, cumprimento-o pela defesa que V. Exª faz da população negra do nosso País, inclusive com a proposição de várias medidas legislativas e de políticas públicas para combater a violência contra parcela significativa da nossa população. Aproveito a oportunidade para saudar o seu trabalho à frente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. V. Exª teve a ousadia de propor à Comissão, em requerimento, a criação da Subcomissão Temporária de Combate ao Trabalho Escravo, que, sob sua liderança e seu trabalho, tenho a honra de presidir no momento. É uma maneira de o Senado Federal e sua Comissão Diretora se associarem à luta de todos aqueles e aquelas que combatem as formas modernas de escravidão presentes em várias regiões do País, notadamente na Amazônia, fruto dessa desigualdade e dessa violência, relatadas e denunciadas de todas as formas. No Senado Federal, temos a tarefa de ampliar esse trabalho, ajudando e contribuindo na efetivação de políticas públicas que combatam a violência contra a população negra e as novas formas de escravidão, pois há também a escravidão branca. Ressalto, enfim, a minha satisfação em cumprimentá-lo nesta tarde pelo seu pronunciamento e por sua luta pela liberdade e pela justiça. V. Exª é uma das grandes referências nesta Casa para o Rio Grande do Sul e para o Brasil. Muito obrigado.
O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Obrigado, Senador José Nery.
Antes de passar a palavra ao Senador Mão Santa, eu gostaria de fazer uma justa homenagem à composição de João Bosco e Aldir Blanc, que escreveram, numa homenagem a João Cândido, o Almirante Negro, a canção “O Mestre-Sala dos Mares”. Vou ler apenas um trecho, que diz o seguinte:
Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar apareceu
Na figura de um bravo marinheiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como Almirante Negro
Tinha a dignidade de um mestre-sala
E, ao acenar pelo mar, na alegria das regatas
Foi saudado no porto
Pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
[...]
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias,
[...]
Salve o Almirante Negro,
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
[...]
Não li toda a canção, que é linda e com a qual faço uma homenagem ao João Cândido e também ao João Bosco.
Quero também dizer, Sr. Presidente, que reapresentei um projeto, já apresentado pela Ministra Marina Silva, que teve seu projeto rejeitado, para que João Cândido esteja entre os heróis da Pátria. Acho mais do que justo que consigamos assegurar essa pequena homenagem post mortem ao grande João Cândido.
Vou solicitar também à CNBB, vou ter a liberdade de fazê-lo, que a Campanha da Fraternidade - o ideal é que fosse no próximo ano - tenha como tema a abolição não conclusa.
Sr. Presidente, sei que já tive muito boa vontade por parte da Mesa, pois eram dez minutos e já falei vinte, mas eu não poderia deixar de pedir a V. Exª que desse por lido, na íntegra, o meu pronunciamento e que me permitisse conceder, nos meus últimos minutos, um aparte ao Senador Mão Santa.
O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Quis Deus que estivesse na Presidência o Senador César Borges, que tem muita sensibilidade. Senador Paulo Paim, é preciso saber que é uma vergonha que tenhamos sido o último país a libertar os escravos. O fato a que V. Exª se refere aconteceu em 25 de março de 1884. Esse dragão do mar liderou uma greve para trazer os escravos, nos grandes navios, para o Ceará. Mas aqui há um exemplo. Joaquim Nabuco ficou solitário, pois perdeu as eleições seguintes e teve de ser reconhecido na Europa - Londres, Paris, Portugal -, onde escreveu O Abolicionista. Quis Deus que estivesse presente a Senadora Serys aqui. Serys, foi uma mulher - tinha de ser uma mulher - que escreveu, na Inglaterra, o romance A Cabana do Pai Tomás. Foi outra mulher que libertou os escravos: a Princesa Isabel. Presidente César Borges, ali no nosso Pernambuco temos Porto de Galinhas. Sabem o porquê do nome? Mesmo após a lei de libertação dos escravos, ainda vinham para cá contrabandos de escravos. Como não se podia dizer que eram escravos, dizia-se aos ricos e poderosos proprietários fazendeiros que iriam chegar galinhas para serem vendidas. Não eram galinhas, mas escravos, mesmo depois da lei. É por isso que a cidade se chama Porto de Galinhas. Mas temos a esperança, a luz: Deus deu ao Brasil V. Exª, que é o nosso Martin Luther King.
O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. V. Exª, muito generoso, na verdade, lembra o grande Martin Luther King, que foi um líder do povo negro, que acreditava na paz, na integração de brancos e negros para a construção de uma grande sociedade, mas que, infelizmente, foi assassinado por aqueles que não concordavam que brancos e negros caminhassem juntos.
Sr. Presidente, se V. Exª me permitir ainda, eu gostaria de dizer que entrei com um projeto de lei para que o ano de 2008 seja o “Ano Nacional dos 120 Anos da Abolição Não Conclusa”, com o objetivo de que, nesse período desta data até o próximo ano, aprovemos propostas que venham garantir uma política de inclusão, ou seja, o combate ao racismo e ao preconceito.
Quero terminar, Sr. Presidente, contando que tive uma alegria muito grande. Participei de um fato histórico em 18 de março de 2004, na UnB, em Brasília. Brancos e negros disseram, naquele ato muito bonito; “O negro agora na universidade tem vez”. Vi um quadro iluminado com jovens, homens e mulheres abraçados. Eram brancos, eram negros e eram índios. Homens e mulheres representado esta Nação, rasgando a barreira da discriminação. Que bonito! Como foi bom! Jamais vou esquecer isso.
O Brasil pode ser outro, sem preconceito, sem divisão.
Agradeço a tolerância de V. Exª, Sr. Presidente.
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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR PAULO PAIM.
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O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como o 13 de maio, data da abolição, cai em um domingo, faço hoje meu pronunciamento sobre esta data histórica. (Lei Áurea)
Quero convidá-los, hoje, a fazer uma volta ao passado do Brasil. Uma visita há 119 anos atrás. O que veríamos? Estaríamos na época do Império... dependendo do dia em que chegássemos e a cidade em que estivéssemos, veríamos muitas coisas, mas uma delas seria comum a nossos olhos: um enorme número de pessoas negras andando pelas ruas.
Negros carregando caixas, negras servindo de babás, cozinheiras negras, engraxates negros, negros trabalhando nas casas dos chamados senhores, negros nos campos.
Um Brasil de maioria negra.
Há 119 anos, sabemos todos, a princesa Isabel assinava a Lei Áurea. A carta de alforria dos negros escravos... Pergunto: mas que alforria? Uma liberdade por lei, mas não de fato.
Como sabemos, a Lei Áurea possuía apenas dois artigos:
“Art 1º - É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil.
Art 2º - Revogam-se as disposições em contrário.”
Se estivéssemos lá, em 13 de maio de 1888, o que veríamos? A euforia da população, uma chuva de flores sobre os parlamentares e abolicionistas...
Transcrevo aqui um trecho de matéria publicada pelo jornal Gazeta de Notícias, em 15 de maio daquele ano:
"Continuavam ontem com extraordinária animação os festejos populares. Ondas de povo percorriam a rua do Ouvidor e outras ruas e praças, em todas as direções, manifestando por explosões do mais vivo contentamento o seu entusiasmo pela promulgação da gloriosa lei que, extinguindo o elemento servil, assinalou o começo de uma nova era de grandeza, de paz e de prosperidade para o império brasileiro. (...) Em cada frase pronunciada acerca do faustoso acontecimento traduzia-se o mais alto sentimento patriótico, e parecia que vinham ela do coração, reverberações de luz.
Mal podemos descrever o que vimos. Tão imponente, tão deslumbrante e majestoso é o belíssimo quadro de um povo agitado pela febre do patriotismo, que só d'ele poderá fazer idéia quem o viu, como nós vimos. Afigura_se_nos que raríssimas são as histórias das nações os fatos comemorados pelo povo com tanta alegria, com tanto entusiasmo, como o da promulgação da gloriosa lei de 13 de maio de 1888."
Como podemos notar, a população estava feliz. Sim, os negros, até então escravizados, torturados, tinham esperança. Esperança de uma vida melhor.
Mas, os dias foram passando. E a euforia começou a dar lugar à realidade.
Os negros podiam tocar suas vidas, mas havia quem quisesse os empregar? Havia quem quisesse deixá-los estudar? A Lei Áurea lhes garantiu liberdade, entretanto, nenhum direito.
As pessoas que assim procediam formavam a minoria. Muitas se diziam a favor da abolição, mas, em seus íntimos continuavam tendo preconceito. Sim, o preconceito, acredito eu, é uma das coisas mais difíceis de serem eliminadas.
Aos negros não eram dados direitos ao trabalho, ao estudo e nem à compra de terras. Por outro lado, os demais trabalhadores - imigrantes e não ex-escravos-, tinham direito a tudo isso. A eles era assegurado o direito a terras e ferramentas, ao estudo e ao trabalho remunerado.
Não é de nos perguntarmos por que razão não existe em nosso país (pelo menos não que eu tenha conhecimento) nenhum fazendeiro ou grande produtor do agronegócio negro?
Mas, os negros e brancos de bem lutaram. E dia após dia as coisas foram, sim, melhorando. Porém, melhorias lentas.
Mais de um século depois daquele 13 de maio, o que vemos? Se uma pessoa daquela época viesse para cá, certamente ela se surpreenderia ao ver tantos negros e negras em situação semelhante à daquele tempo, ou seja, da escravidão.
Ao andar pelas ruas o que esse brasileiro da época do Império veria? Negros limpando as ruas, negros morando nas favelas, negros nas casas como domésticos, negros fora das universidades e dos bancos escolares, negros fora do parlamento, fora do Executivo, fora dos primeiros escalões das áreas pública e privada. A não ser raras exceções. Vocês vão ter de convir que algo está errado.
Quantos são os prefeitos negros? Estive recentemente na Marcha de Prefeitos sobre Brasília e ontem participei de uma reunião com integrantes da Confederação Nacional de Municípios (CNM)... não vi nenhum negro. Algo não está errado?
Qual proprietário de um grande jornal, de uma grande revista, de uma grande rádio ou de uma grande tv que é negro? Estará mesmo tudo bem? Algo está errado.
Essas são reflexões que precisamos fazer nesta semana do 13 de maio. Estamos caminhando para os 120 anos da abolição não concluída.
Nós, negros, somos, no mínimo, metade da população brasileira. E, apesar disso, somos tão poucos na linha de frente desse debate. Tanto que apresentei um projeto de lei que prevê a premiação das pessoas que tem se destacado na luta contra o preconceito e o racismo. Trata-se do Troféu Lanceiros Negros.
Idéia que partiu da injustiça cometida contra os negros que, em 1844, foram traídos na Batalha de Porongos, durante a Revolução Farroupilha.
Heróis da Revolução dos Farrapos, eles participaram da guerra por seus ideais e por sua liberdade. A eles foi prometida a liberdade após a guerra, mas, como disse, foram traídos, desarmados e fuzilados.
A alegação: se fossem libertos o rastilho de pólvora poderia se alastrar pelo país exigindo o fim da escravidão e a garantia d direitos.
Assim, 44 anos antes da abolição, eles foram mortos.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil mudou muito, contudo o preconceito, fruto de uma cultura escravocrata, ainda perdura. Em menores graus, é certo, mas ainda existe.
Prova disso é a exclusão social em que vive o negro hoje. Dados do Atlas Racial Brasileiro, divulgados pelo PNUD em 2004 nos mostram que 65% dos pobres e 70% dos indigentes brasileiros são negros. Números que mantêm uma certa tendência desde a década de 90.
A pesquisa mostra ainda que, apesar de uma queda nos números de mortalidade infantil, as taxas entre os filhos de mulheres negras é 66% acima das registradas entre os de mulheres brancas.
Pergunto: não é algo muito semelhante ao que tivemos há 119 anos?
Uma outra pesquisa, realizada pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), intitulada "Retrato das Desigualdades: Gênero e Raça", traz dados semelhantes. Mostra-nos que cerca de 21% das mulheres negras são empregadas domésticas, sendo apenas 23% com carteira assinada. Entre as não negras esses números são 12,5% e 30%, respectivamente.
Na área educacional, também há disparidade. Em 2003, 16,8% dos negros com mais de 15 anos eram analfabetos, entre a população não negra esse percentual era de 7,1. Nas Universidades temos apenas 5% de alunos negros. Número muito baixo para um país de maioria negra.
Aproveito aqui para fazer uma reclamação: Em 2003 a Lei 10639 foi aprovada. Ela determina a inclusão da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" no currículo da Rede de Ensino. Mas isso não tem sido cumprido. Digo mais, existem pessoas que querem mascarar a lei.
Atualmente, resolução 4 de agosto de 2006, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE/CEB) parece querer alterar o que dispõe a lei. Sob alegação de que carecemos de materiais específicos sobre o tema e de que a lei permite a transversalidade, o tema pode passar a ser dado sem a atenção merecida.
Seria uma forma de impedir que nossos jovens tenham, de fato, conhecimento sobre sua origem? Sobre a origem verdadeira da formação do povo brasileiro?
O que é isso? Medo? O tema precisa, sim, ser debatido, ser estudado.
Aqui quero citar uma fala que está no livro “Relações Raciais na Escola: reprodução de desigualdades em nome da igualdade”, editado pela Unesco sob coordenadoria das pesquisadoras Mary Garcia Castro e Miriam Abramovay:
“Eu não sei, mas às vezes eu acho que quanto mais falam, o tiro sai pela culatra. Eu acho muitas vezes isso. E alguns alunos são assim. Se começar a falar como era na África, daí sim, tem gente que põe para fora toda a maldade que tem, que o negro tinha que ter voltado para a África. Tem gente que faz isso e muito”
Esse pensamento é o de uma professora, não é negra, do ensino médio de uma escola privada da capital gaúcha. E isso se repete por todos os lugares.
Vejamos o caso da Universidade de Brasília, em que alunos africanos tiveram seus quartos incendiados. Um caso explícito de intolerância e racismo e que estão querendo transformar em um simples ato de agressão e violência contra o patrimônio público. Um absurdo! Uma vergonha!
Vejamos o debate das ações afirmativas. Parte de nossa elite chega ao absurdo da incompreensão e da má fé de dizer que aqueles que querem, efetivamente, construir uma política de inclusão - entre elas o estatuto da Igualdade racial e a política de cotas-, são irresponsáveis. Vejam a que ponto nós chegamos.
Outro caso ocorre em Porto Alegre, onde um Juiz de Direito quer confiscar os bens e fechar a Sociedade Beneficente Cultural Floresta Aurora alegando “transtorno de barulhos”. Entidade criada em dezembro de 1872 por “negros forros” (que haviam conquistado a liberdade). Lerei aqui um trecho do documento que me foi enviado:
“(...) nossa entidade no ano de seu 135 aniversário, sendo considerada a mais antiga sociedade negra deste país, corre o risco de fechar suas portas por conta da intolerância jurídica e étnica, tendo em vista que estamos localizados em uma região da zona sul de Porto Alegre onde existem diversos clubes, sociedades e associações, onde todas têm liberdade de funcionamento amparadas por alvarás expedidos pelo poder municipal”.
Pergunto: serão todos clubes e associações fechados?
Por que o projeto (PL 7198/02) que reconhece anistia “post mortem” ao herói negro da Revolta das Chibatas, Almirante João Cândido, passou pelo Senado e está parado na Câmara desde 2003? Felizmente em março deste ano o deputado Edmilson Valentim apresentou requerimento de urgência para apreciação em Plenário.
Leio aqui a música de composição de João Bosco e Aldir Blanc, em homenagem ao Almirante Negro, João Cândido, intitulada:
“O Mestre Sala dos Mares”
“Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar apareceu
Na figura de um bravo marinheiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como almirante negro
Tinha a dignidade de um mestre-sala
E ao acenar pelo mar, na alegria das regatas
Foi saudado no porto
Pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas
Jorravam das costas dos negros
Entre cantos e chibatas
Inundando o coração
Do pessoal do porão
Que a exemplo do marinheiro gritava, então:
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias,
Glória à farofa, à cachaça, às baleias,
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esqueceram jamais
Salve o almirante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Salve o almirante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais”
Quero dizer que apresentei hoje projeto para que João Cândido, nosso Almirante Negro, seja considerado um dos heróis da pátria.
Aproveito para dizer que vou solicitar à CNBB que um dos temas da Campanha da Fraternidade seja a abolição não conclusa.
Sr. Presidente, como é evidente, as disparidades são muitas, por isso não podemos fraquejar.
Depois, quando digo que esse debate está dividido, tal como há 119 anos, alguns discordam. Mas não. Temos de um lado os abolicionistas, pessoas que defendem políticas afirmativas e o fim dos preconceitos, e de outro lado os que querem manter os negros excluídos, não aceitam as políticas de inclusão.
Dizem que estou exagerando, mas não, esse é o debate atual.
Os escravocratas de ontem estão muito vivos e mais violentos que no passado, pois possuem instrumentos que, ao invés de informar a população, procuram desinformar e confundir.
Por tudo isso é que temos de aprofundar a reflexão e o debate. Devemos lembrar que em 13 de maio do ano que vem estaremos completando os 120 anos da abolição, uma abolição inconclusa.
Não podemos continuar assim. A luta de negros e brancos que buscam a igualdade e o fim dos preconceitos não acabou com a assinatura da Lei Áurea. Ali tivemos uma vitória e o início de uma nova batalha. Sim, porque a liberdade foi conquistada, mas não os direitos.
Foi em razão dessa abolição inconclusa que propusemos a criação de uma Comissão Temporária no Congresso Nacional. Envolvendo Legislativo, Judiciário e Executivo, a idéia é debater matérias como o PL 73/99 que institui o sistema de cotas, de autoria da Deputada Nice Lobão, e a PEC, de nossa autoria, que institui o Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial.
Há ainda o Estatuto da Igualdade Racial que, entre outras coisas, prevê o acesso universal e igualitário ao Sistema Único de Saúde; o respeito às atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer; o direito à propriedade definitiva de terras para remanescentes das comunidades quilombolas; o reconhecimento do direito à liberdade de consciência e de crença.
Apresentei o PLS 225/07 que institui o ano de 2008 como "Ano Nacional dos 120 anos de abolição não conclusa”.
O objetivo é conclamar a sociedade para refletir sobre o tema, e colaborar para que os projetos que estão em tramitação no Congresso Nacional possam ser aprovados até o ano de comemoração dos 120 anos de abolição não conclusa, como forma de enfrentarmos e combatermos o racismo e o preconceito.
Como venho dizendo, no Brasil, o racismo ainda é negado por diversos discursos que pregam a plena assimilação do negro à cultura dominante. Ou, então, a discriminação racial não é assumida como rotina apenas, como prática eventual ou episódica! Vejam que irônico!!
Em contrapartida, como observado por Antonio Sérgio A. Guimarães, “reconhecer a idéia de raça e promover qualquer ação anti-racista baseada nesta idéia, mesmo se o autor é negro, é interpretado como racismo”
Felizmente, isso já vem sido combatido. Precisamos fazer mais? Sim, é evidente. Porém, temos avançado. Um exemplo são os mecanismos de reparação, tendo em vista o recente despertar do Estado brasileiro para os programas de ação afirmativa.
Ninguém pode apagar o passado de nosso país. Este passado se reflete no presente e somente com a sabedoria da experiência poderemos projetar um futuro onde todos sejam realmente iguais.
Como disse Albert Einstein, “triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito”. Mas, ainda tenho esperanças de que um dia as pessoas deixem de julgar as outras pela cor de suas peles, pelos seus cabelos, por suas religiões... Sonho com o dia em que todos entendam que a raça é uma só: a humana. E que nós, humanos, temos sim as nossas especificidades e são elas que nos tornam tão especiais.
Peço licença para finalizar com um poema de minha autoria intitulado “Inclusão”.
“Por que não?
Foram 400 anos de escravidão.
É legítimo que haja uma compensação.
Cota na universidade, no trabalho, na política, no teatro, no cinema, na televisão.
Por que não, meu irmão?
Esse é o caminho, é a solução, este país tem que enfrentar a chaga da discriminação.
As universidades da Bahia do Senhor do Bonfim,
do Rio de Janeiro, com seu Cristo Redentor, e
de Brasília, a capital da Nação, já fizeram essa opção.
Que sirvam de exemplo ao sistema de educação.
Eu estava lá, eu participei, vi este fato histórico.
18 de março de 2004, na UnB brancos e negros disseram:
“O negro agora na universidade tem vez.”
Vi um quadro iluminado com os jovens abraçados.
Eram brancos, negros, índios, homens e mulheres,
representando esta Nação rasgando a barreira da discriminação.
Que bonito, que bom,
o Brasil ser outro: sem preconceito, sem divisão.
Nesse caminho, o Estatuto da Igualdade Racial e social mostra que é possível combater a discriminação.”
Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.