Discurso durante a 67ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do transcurso, no próximo dia 13, dos 119 anos da abolição da escravatura.

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Registro do transcurso, no próximo dia 13, dos 119 anos da abolição da escravatura.
Aparteantes
Marisa Serrano, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 11/05/2007 - Página 14174
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, PROCLAMAÇÃO, REPUBLICA, ANALISE, HISTORIA, BRASIL, BUSCA, MÃO DE OBRA, NEGRO, AFRICA, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, AUSENCIA, PROVIDENCIA, SETOR PUBLICO, INTEGRAÇÃO, ESCRAVO, DESCENDENTE, INCLUSÃO, CIDADANIA.
  • COMENTARIO, POLITICA, COMPENSAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, NECESSIDADE, PROVIDENCIA, COMPLEMENTAÇÃO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu queria tratar aqui dos 119 anos da Abolição da Escravatura em nosso País.

Sr. Presidente, talvez a proximidade dos eventos da Abolição da Escravatura, em 13 de maio de 1888, e da Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, tenha influenciado na inserção destes versos do infelizmente pouco conhecido Hino da Proclamação da nossa República:

Nós nem cremos que escravos outrora

Tenha havido em tão nobre País....

Hoje o rubro lampejo da aurora

Acha irmãos, não tiranos hostis.

Durante grande parte da história das civilizações, o homem usufruiu do trabalho de seus semelhantes, e isso era considerado aceitável, pois decorria de situações em que os vencedores tinham direito até mesmo sobre a vida dos vencidos. Portanto, a condição de escravo nem sempre tinha relação com a cor da pele.

Mas, no Brasil, o que se conheceu foi a escravidão decorrente de relações comerciais, em que os escravos eram um bem patrimonial. Isso é incomparavelmente mais ultrajante do que a sujeição decorrente de disputas em que qualquer dos dois lados tinha a possibilidade de se tornar vencedor.

Pior do que isso, só o trabalho escravo dos dias atuais, dada a evolução das relações humanas e o estabelecimento dos direitos do homem internacionalmente, sob o patrocínio da Organização das Nações Unidas.

Estamos comemorando 119 anos do momento em que a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, libertando todos os escravos deste imenso País. A escravatura configura uma nódoa difícil de extirpar de nossa formação como nação democrática, que preza garantir direitos e oportunidades iguais a todos os cidadãos.

Mesmo depois de o Brasil ter se transformado em República, os presidentes nunca tomaram nenhuma medida concreta para integrar os ex-escravos e seus descendentes à sociedade. Eles não receberam condições de ascender socialmente e de se tornarem cidadãos no pleno usufruto de seus direitos.

Hoje em dia, está comum ouvir-se falar em políticas compensatórias, mas, por mais eficientes que sejam as políticas públicas voltadas a essa finalidade, ainda ficaremos devendo àqueles de quem tiramos tanto durante tanto tempo.

A escravidão já existia no Brasil antes da chegada dos portugueses. Era costume entre os indígenas tratar como escravos os prisioneiros de guerras, além dos fugitivos de outras tribos aos quais fosse dado refúgio. Porém, depois se constatou que, para o padrão cultural e civilizatório português, os índios não eram adequados ao trabalho escravo. Isso se devia principalmente ao fato de eles não se adaptarem ao trabalho compulsório. A solução foi trazer os africanos para serem utilizados como mão-de-obra do imenso território colonial.

Começa, a partir daí, o tráfico de seres humanos entre o Brasil e o continente africano, que perdurou por séculos em condições das mais degradantes. Oficialmente, o comércio de negros oriundos da África começou no ano de 1559, com a permissão da metrópole portuguesa para a introdução de escravos africanos no Brasil, o que não significa que já não houvesse escravos negros por aqui, pois, sob a alegação de escassez de mão-de-obra, alguns colonos já haviam adquirido alguns deles.

Trazidos principalmente das colônias portuguesas de Guiné e de Angola, amontoados nos porões dos navios negreiros em condições desumanas, muitos morriam antes de aqui chegar e eram simplesmente jogados ao mar. Entrando no Brasil principalmente pelos portos de Salvador, Rio de Janeiro, Recife e São Luís do Maranhão, eram comercializados como mercadorias, e os mais saudáveis chegavam a valer o dobro dos mais fracos e também dos mais velhos.

Não é sem motivo que o poeta e abolicionista Castro Alves, uma das glórias da literatura nacional, assim se expressou em seu épico O Navio Negreiro:

[...]

Auriverde pendão de minha terra,

Que a brisa do Brasil beija e balança,

Estandarte que a luz do sol encerra,

E as promessas divinas da esperança...

Tu que, da liberdade após a guerra,

Foste hasteado dos heróis na lança

Antes te houvessem roto na batalha,

Que servires a um povo de mortalha!...

[...]

Assim o poeta manifesta seu horror com as atrocidades que se cometiam contra seres humanos que apresentavam como diferença tão-somente a cor da pele. E não eram apenas as inomináveis condições em que eram trazidos nos navios. Depois de aportarem e serem incorporados à propriedade de algum senhor, continuavam a sua via crucis. Os escravos trabalhavam de quatorze a dezesseis horas por dia, recebiam alimentação de péssima qualidade, no máximo duas vezes por dia, e, para vestimenta, recebiam apenas alguns trapos.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Sibá Machado, podia participar?

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - Pois não, Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Foi muito oportuno V. Exª homenagear hoje a libertação dos escravos, já que 13 de maio vai ser domingo. Uma vez que estamos no Senado, lembro que por aqui passou a Lei do Sexagenário, a Lei do Ventre Livre e a Lei Áurea, da Princesa Isabel, uma mulher. Mas, atentai bem, brasileiras e brasileiros, sobre a necessidade, Presidente Tião, de haver Oposição. Rui Barbosa, que foi oposicionista e ofereceu-nos a República, disse: “Não troco a trouxa de minhas convicções por um Ministério”, no momento em que desejavam manter no poder militares como Deodoro, Floriano e outro. De outro lado, Joaquim Nabuco se manifestou contra a escravidão. Atentai bem, Sibá. Quis Deus estar aqui o Senador Jarbas Vasconcelos, que acho incorporou o espírito de Joaquim Nabuco, que, solitariamente, defendia a liberdade dos escravos. Olha o valor da Oposição, tanto é que ele não se reelegeu, tanto é que ele não conseguiu porque havia os poderosos... Não tinha emprego para ele em Pernambuco. Os donos de jornais, os ricos não iam contratá-lo como advogado. Ele foi para a Inglaterra e escreveu O Abolicionismo. Foi reconhecido lá e também na França, Paris, Lisboa e comemorou a data mais bonita, que foi o 25 de março, do Ceará, em que Dragão do Mar, um jangadeiro, fez uma greve, impedindo que os escravos dos grandes navios chegassem à terra cearense. Então, atentai bem para o valor e a necessidade da Oposição. Hoje ainda é muito maior quando a democracia é ameaçada bem aí em Cuba, na Venezuela, na Bolívia, no Equador e na Nicarágua. E nós aqui estamos resistindo, como Eduardo Gomes resistiu na ditadura de Vargas. E ele deixou a mensagem: “O preço da liberdade democrática é a eterna vigilância”. Nós estamos aqui vigilantes sobre a democracia para o povo brasileiro.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - Senador Mão Santa, agradeço-lhe o aparte, que incorporo ao meu pronunciamento, porque vem colaborar muito com explicações históricas sobre esse fenômeno tão grave que acontece em nosso País.

A Srª Marisa Serrano (PSDB - MS) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - Concedo o aparte à Senadora Marisa Serrano.

A Srª Marisa Serrano (PSDB - MS) - Quero parabenizá-lo pelo discurso e dizer que é importante demais revermos esses fatos para construirmos uma nova cidadania em outras bases, em bases firmadas na igualdade de oportunidade para todos, e para mudar certas posturas que contribuem para agravar alguns problemas como o racismo, que ainda vigora em alguns bolsões nacionais. Há duas semanas, Senador Sibá Machado, em Mato Grosso do Sul, promovi um debate com a participação de uma amiga negra, doutora pela Universidade de São Paulo, que defendeu tese sobre a educação infantil, abordando o racismo nas escolas. Uma coisa incrível, Senador. Ela abordou o instinto maternal das mulheres - domingo vamos reverenciar nossas mães no Dia das Mães - e mostrou que, nas creches, as crianças negras recebem para acalentar uma boneca branca; elas nunca recebem uma boneca negra. E, quando uma criança negra recebe uma boneca branca, ela formula na sua cabecinha que o bom é ter uma filha branca e não uma filha da sua própria cor. Ela constatou que em nenhuma creche que pesquisou havia - estou falando de coisas bem simples, só para aquilatarmos o peso delas - pente para o cabelo encaracolado das negras. Coisas simples como essa. Não há tempo para falar sobre a profundidade do programa feito por essa doutora que reverencio muito. É importante, Senador, que falemos sobre isso para convencer a sociedade brasileira de que não podemos conviver com nenhum tipo de discriminação...

(Interrupção do som.)

A Srª Marisa Serrano (PSDB - MS) - ... em nossas escolas. Temos que lutar para que isso não aconteça. Muito obrigada e parabéns.

O SR. PRESIDENTE (Tião Viana. Bloco/PT - AC) - Peço que V. Exª conclua, Senador Sibá Machado.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - Senadora Marisa, agradeço a V. Exª. Também acho que colabora bastante com o sentimento deste momento por que passamos aqui. Intitulo-me negro, de raça. Intitulo-me também membro dessa parte tão sofrida da humanidade e não sei ainda por que isso acontece. Durante tantos anos, desde os contatos iniciais com povos de outras regiões do mundo, sofrimento, dor, tragédia, enfim todo tipo de infelicidade tem recaído sobre o povo africano. Pagam um preço muito alto, como o flagelo da humanidade, coisa impensável no mundo que vivemos hoje. Parece que, infelizmente, essa nódoa, essa mácula está registrada no DNA do ser humano. E ainda haverei de ver, no Brasil, chegar o momento em que essa grande diferença seja arrancada de nós.

V. Exª tem inteira razão. Todo o ensino brasileiro colabora para que se continue pensando de forma diferente com relação às pessoas de cores diferentes. Até no começo se dizia isso. O colonizador português chegou aqui dizendo que negro e índio não tinham alma, e poderiam fazer qualquer coisa com eles. Eles não tinham direito nem à dor, nem ao choro, porque não eram gente. Não eram pessoas. Não tinham alma. Insistiam que a igreja não os abençoasse, para que pudessem ser tratados como foram até este momento. Isso está arraigado na cabeça das pessoas, infelizmente.

Sr. Presidente, como não tenho tempo para continuar a leitura, peço o registro, na íntegra, do texto que vou passar à Taquigrafia. Agradeço a tolerância de V. Exª.

O dia 13 de maio é domingo e não teremos tempo de falar sobre esse assunto na semana que vem. Devo acrescentar que a Lei Áurea, de 13 de maio de 1888 - passaram-se 119 anos -, foi um símbolo e ainda está muito distante de se tornar plena realidade em nosso País.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Agradeço muito a tolerância de V. Exª.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR SIBÁ MACHADO.

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            O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, talvez a proximidade dos eventos da Abolição da Escravatura, em 13 de maio de 1888, e da Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, tenha influenciado na inserção destes versos no infelizmente pouco conhecido Hino da Proclamação da República:

Nós nem cremos que escravos outrora

Tenha havido em tão nobre País

Hoje o rubro lampejo da aurora

Acha irmãos, não tiranos hostis

Durante grande parte da história das civilizações, o homem usufruiu do trabalho de seus semelhantes, e isso era considerado aceitável, pois decorria de situações em que os vencedores tinham direito até mesmo sobre a vida dos vencidos. Portanto, a condição de escravo nem sempre tinha relação com a cor da pele.

Mas, no Brasil, o que se conheceu foi a escravidão decorrente de relações comerciais, em que os escravos eram um bem patrimonial. Isso é incomparavelmente mais ultrajante do que a sujeição decorrente de disputas em que qualquer dos dois lados tinha a possibilidade de se tornar vencedor.

Pior do que isso, só o trabalho escravo dos dias atuais, dada a evolução das relações humanas e o estabelecimento dos direitos do homem em nível internacional, sob o patrocínio da Organização das Nações Unidas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos comemorando 119 anos do momento em que a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, libertando todos os escravos deste imenso País. A escravatura configura uma nódoa que está difícil extirpar de nossa formação como nação democrática, que preza garantir direitos e oportunidades iguais a todos os cidadãos.

Mesmo depois de o Brasil ter-se transformado em república, os presidentes nunca tomaram nenhuma medida concreta para integrar os ex-escravos e seus descendentes na sociedade. Eles não receberam condições de ascender socialmente e de se tornarem cidadãos no pleno usufruto de seus direitos.

Hoje em dia, está comum ouvir-se falar em políticas compensatórias, mas, por mais eficientes que sejam as políticas públicas voltadas a essa finalidade, ainda ficaremos devendo àqueles de quem tiramos tanto durante séculos.

A escravidão já existia no Brasil antes da chegada dos portugueses. Era costume entre os indígenas tratar como escravos os prisioneiros de guerras, além dos fugitivos de outras tribos aos quais fosse dado refúgio. Porém, depois se constatou que, para o padrão cultural e civilizatório português, os índios não eram adequados ao trabalho escravo, e isso se devia principalmente ao fato de eles não se adaptarem ao trabalho compulsório. A solução foi trazer os africanos para serem utilizados como mão-de-obra no imenso território colonial.

Começa, a partir daí, o tráfico de seres humanos entre o Brasil e o continente africano, que perdurou por séculos, em condições as mais degradantes. Oficialmente, o comércio de negros oriundos da África começou em 1559, com a permissão da metrópole portuguesa para a introdução de escravos africanos no Brasil. O que não significa que já não houvesse escravos negros por aqui, pois, sob a alegação de escassez de mão-de-obra, alguns colonos já haviam adquirido vários deles.

Trazidos principalmente das colônias portuguesas de Guiné e de Angola, amontoados nos porões dos navios negreiros em condições desumanas, muitos morriam antes de aqui chegarem e eram simplesmente jogados ao mar. Entrando no Brasil principalmente pelos portos de Salvador, Rio de Janeiro, Recife e São Luís do Maranhão, eram comercializados como mercadorias, e os mais saudáveis chegavam a valer o dobro dos mais fracos ou mais velhos.

Não é sem motivo que o poeta e abolicionista Castro Alves, uma das glórias da literatura nacional, assim se expressou em seu épico O Navio Negreiro:

Existe um povo que a bandeira empresta

Pr'a cobrir tanta infâmia e cobardia!

Auriverde pendão de minha terra,

Que a brisa do Brasil beija e balança,

Estandarte que a luz do sol encerra,

E as promessas divinas da esperança.

Tu, que da liberdade após a guerra,

Foste hasteado dos heróis na lança,

Antes te houvessem roto na batalha,

Que servires a um povo de mortalha!

Assim o poeta manifesta seu horror com as atrocidades que se cometiam contra seres humanos que apresentavam como diferença tão-somente a cor da pele.

E não eram apenas as inomináveis condições em que eram trazidos nos navios. Depois de aportarem e serem incorporados à propriedade de algum senhor, continuava a via crucis.

Os escravos trabalhavam de catorze a dezesseis horas por dia, recebiam alimentação de péssima qualidade, no máximo duas vezes por dia e, para vestimenta, recebiam apenas trapos. Passavam a noite nas senzalas, que eram galpões escuros, úmidos e com pouca higiene, acorrentados para evitar que fugissem. Os castigos físicos que recebiam chegavam a um grau de crueldade difícil de imaginar. Açoites em tronco de árvore por qualquer motivo, máscara de folha de flandres, para evitar que bebessem ou fumassem - para não adquirirem vícios - e muito mais formas de tortura.

Não pode causar estranheza que fugissem e formassem os quilombos, em que resistiam até a morte contra a possibilidade de voltarem à condição de escravos.

Srs. Senadores, as políticas compensatórias poderão, algum dia, apagar os maus tratos de que foram vítimas os antepassados desses que hoje recebem os benefícios das cotas, entre outros?

Não é sem razão que o poeta gaúcho Oliveira Silveira, algumas décadas atrás, defendeu que se comemorasse o 20 de novembro, dia da morte do líder negro Zumbi dos Palmares em 1695, como o “Dia Nacional da Consciência Negra”, por considerar mais significativo para a comunidade negra brasileira do que o dia 13 de maio. Assim se expressa ele em um de seus poemas: “Treze de maio: traição, liberdade sem asas e fome sem pão.”

E cresce a olhos vistos a reverência ao nome de Zumbi como o mais importante símbolo da luta pela liberdade dos negros na história deste País.

Zumbi nasceu livre, no Quilombo de Palmares, área hoje pertencente ao Estado de Alagoas, pelo ano de 1655. Foi aprisionado ainda criança, mas conseguiu fugir aos quinze anos e retornou ao Quilombo, onde ficou até a morte. É considerado um grande general pela capacidade de organizar e comandar a resistência, que, apenas sob suas ordens, durou cerca de quinze anos. E assumiu a liderança na guerra contra os senhores brancos a partir de 1680, quando não aceitou a alforria oferecida pelo Governador da Capitania de Pernambuco, Pedro de Almeida, apenas para os quilombolas. Exigia que todos os negros fossem libertados.

Sr. Presidente, entendo que, na realidade, o que está havendo é uma mudança de enfoque, pois não se pode tirar o mérito da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888, que libertava todos aqueles que ainda permaneciam escravos. O que aconteceu no Brasil foi uma abolição gradual, por assim dizer. Começou com a Lei Eusébio de Queirós, em 1850, que proibiu o tráfico de escravos. Mais tarde, em 28 de setembro de 1871, foi aprovada a Lei do Ventre Livre, que dava liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir daquela data. Em 1885, foi promulgada a Lei dos Sexagenários, que garantia a liberdade a todos os escravos com mais de sessenta anos de idade - aqueles que tivessem sobrevivido, é claro!

Mesmo assim, a decisão da Princesa Isabel de conceder liberdade a todos os escravos teria um efeito social e econômico inimaginável. Hoje em dia, há questionamentos se a libertação não se teria dado principalmente devido às fortes pressões exercidas pela Inglaterra, que, com o processo da revolução industrial em franco desenvolvimento, precisava ampliar o mercado consumidor para os bens cada vez mais numerosos que passou a produzir.

Apesar da força simbólica adquirida pela Lei Áurea, não está certo atribuir-se a abolição a uma simples manifestação de vontade da Princesa Isabel. Grandes vultos de nossa história se dedicaram de corpo e alma à causa da abolição. Pelo menos alguns nomes não podem ser esquecidos quando se trata dessa matéria, pois estão intimamente associados ao desfecho em prol dos negros. Joaquim Nabuco, um dos principais defensores da causa, tem muito de sua obra voltada para o tema da abolição, além de intensa atividade no Parlamento. Rui Barbosa, sobejamente conhecido, grande orador, fez de sua participação na luta contra a escravidão uma das manifestações de seu amor ao princípio da liberdade - todo tipo de liberdade. José do Patrocínio, filho de pai branco e mãe negra escrava, com a atuação principal como jornalista em campanha pela abolição do regime escravocrata, além de ter sido fundador da Confederação Abolicionista, para a qual elaborou um manifesto junto com André Rebouças e Aristides Lobo.

São alguns exemplos de pessoas que tiveram influência decisiva para que se chegasse a uma situação que culminou na assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, em 13 de maio de 1888.

Porém, o simples fato da libertação, a nossa história mostrou, infelizmente, não significou o ingresso no melhor dos mundos para aqueles ajudaram a construir as este país e que já haviam sofrido tanto! E, até hoje, é difícil a luta para encontrar um lugar digno no seio da sociedade, que é muito resistente, devemos reconhecer, a políticas voltas para a igualdade.

Há que se enfrentar, ainda, o preconceito dissimulado, apesar da proteção legal, que pune qualquer manifestação discriminatória, e a desigualdade de tratamento, já que a remuneração pelo trabalho de um negro, mesmo que dissimuladamente, costuma ser inferior à de um não-negro.

O Governo do Presidente Lula, que teve origem na classe mais humilde, está fazendo o possível para aumentar o número de vagas nas universidades públicas. Também facilitou o financiamento para aqueles que não conseguem vagas nas universidades públicas, tanto por meio do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), como por intermédio do Programa Universidade para Todos, o ProUni.

São políticas de inclusão que visam a favorecer os mais pobres, dos quais a maioria é de negros. Aliás, todas as políticas dirigidas às camadas mais pobres da população, como o Programa Bolsa-Família, acabam favorecendo a um contingente representativo de pessoas descendentes de africanos.

Nós do PT contamos como mérito do governo Lula a criação da Secretaria, com status de ministério, para cuidar de políticas especiais para integração dos afrodescendentes, a Secretaria Especial para Políticas de Promoção da Igualdade Racial, cuja titular, a Ministra Matilde Ribeiro, vem desenvolvendo um trabalho exemplar para a implantação das políticas que são de competência de sua pasta, com destaque para a atenção especial que vem sendo dada às áreas habitadas por descendentes de quilombolas.

Srs. Senadores, são numerosos e imensos os obstáculos a serem removidos. Daí, a importância histórica de Zumbi dos Palmares, que propugnava pela igualdade. A liberdade já é um bem de valor inestimável, mas tem de vir acompanhada de melhores oportunidades.

Apesar dos grandes esforços feitos nos últimos anos, ainda há imensa desigualdade em nosso País, principalmente entre os negros, mesmo com as garantias legais e as chamadas políticas compensatórias e cotas para acesso ao ensino superior, com que se pretende possibilitar mais fácil ascensão social. Entendo que os 119 anos da assinatura da Lei Áurea deve induzir-nos à reflexão sobre o que ainda é necessário fazer para que os negros sejam integrados de forma definitiva à sociedade. Por que de outra forma, como gosta de lembrar meu colega Cristovam Buarque com total razão, a Abolição continuará incompleta.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/05/2007 - Página 14174