Pronunciamento de Paulo Paim em 16/05/2007
Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Homenagem ao escritor e presidente da Academia Brasileira de Filosofia, Gerardo Mello Mourão, falecido em 9 de março do corrente ano.
- Autor
- Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
- Nome completo: Paulo Renato Paim
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.:
- Homenagem ao escritor e presidente da Academia Brasileira de Filosofia, Gerardo Mello Mourão, falecido em 9 de março do corrente ano.
- Publicação
- Publicação no DSF de 17/05/2007 - Página 14783
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
-
- HOMENAGEM POSTUMA, POETA, JORNALISTA, ESTADO DO CEARA (CE), ELOGIO, VIDA PUBLICA, EMPENHO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Inácio Arruda, confesso que reivindiquei minha fala por entender que se trata de momento importante para o Senado da República.
Quero, aqui, cumprimentar V. Exª, Senador Inácio Arruda, que preside a sessão; cumprimentar o Exmº Deputado, para mim sempre Constituinte, Embaixador Paes de Andrade. Juntos, tivemos grandes alegrias em participar de grandes momentos na história desta Casa; cumprimentar o Exmº Embaixador Gonçalo de Barros Carvalho e Mello Mourão, filho do homenageado; cumprimentar a Srª Bárbara Junqueira Ayres, filha do homenageado; cumprimentar o Exmº amigo, se assim me permitir chamá-lo, Abdias Nascimento, sabedor do carinho especial que nutro por ele.
Abdias, não sou poeta, mas saiba que, para você, escrevi uma poesia, que está pendurada na parede do meu gabinete. Você, Abdias, por haver sido amigo pessoal do homenageado - creio que somente a figura dele fez com que você, que está chegando aos cem anos - graças a Deus - com toda sua bonita história de vida - se deslocou do Rio de Janeiro para vir até aqui homenagear este ato. Confesso, Abdias, que, quando Adriana, sobrinha do homenageado, que trabalhou muito também, Senador Inácio Arruda, para esta sessão acontecer, disse-me que traria o Abdias, foi difícil acreditar. Disse-lhe que estava preparando a vinda do Abdias para novembro, quando homenagearemos Zumbi. Mas, ela disse-me que ele viria agora, porque foi - diria que é - amigo pessoal do homenageado. Então, Abdias, é uma alegria enorme você estar aqui e eu poder, desta tribuna, feliz por este momento, também dizer ao Senador Mauro Benevides, Deputado e Presidente do Congresso Nacional das inúmeras lutas travadas por nós em favor do salário mínimo!
Mas, Sr. Presidente, fiz um compromisso comigo mesmo de não sair desse pequeno texto que escrevi. Quando a gente fala dos poetas, há uma tendência grande de divagar, de falar da luz dos campos, de falarmos da vida, da liberdade, da justiça, enfim, da imagem de um poeta.
Sr. Presidente, esta é uma sessão solene, sim. Mas não é como as outras, pois esta é para os poetas. É para a memória do poeta Gerardo Mello Mourão, indicado ao Prêmio Nobel de Literatura, em 1979.
Gerardo, veio do nosso querido Ceará, lá de onde estava cravada uma das principais trincheiras, meu Abdias, abolicionista. Foi lá, na terra de Mourão, que primeiro se aboliu a escravatura nesta Federação. Fato que fez com que José do Patrocínio chamasse o Ceará de “terra da luz”, “terra iluminada”.
Nós temos a mania de dizer - e o Presidente já o disse - que o poeta é um cidadão do mundo. Mas, tomo a liberdade de dizer que Mello Mourão é mais: ele é um cidadão do universo. Dedicou sua vida não somente à poesia, mas também aos direitos humanos. Não era negro, mas dedicou grande parte da sua trajetória ao combate e à discriminação contra o povo negro.
Grande Gerardo, todos nós nos lembramos quando ele, à época Secretário da Cultura do Governo do grande gaúcho e Governador Leonel Brizola, tornou realidade a construção do monumento a Zumbi dos Palmares, lá na Praça 11.
Lembro-me ainda na Argentina, em Buenos Aires, em 1939, ele funda, juntamente com os hermanos Efraim Tomás Bó, Godofredo Iommi, Juan Raul Young, e com os brasileiros Abdias Nascimento e Napoleão Lopes Filho, o movimento poético Santa Hermandad de la Orquídea.
O grande compromisso da Hermandad era se aproximar o mais possível do autor da Divina Comédia, tanto que seu lema era: “Dante, ou nada”. Nesse período, assistiram, no Teatro Municipal de Lima, no Peru - e Abdias lembra; estou discorrendo com você na memória --, a uma encenação da peça O Imperador Jones, de Eugene O’Neill, estrelada por um autor branco argentino, pintado de preto.
Ali, naquele momento, ao lado do homenageado, o grande e inesquecível líder da nação negra deste País, admirado e respeitado por todos nós, Abdias -- nosso convidado especial para essa atividade --, junto com o homenageado, resolveu fundar o teatro negro, quando voltasse ao Brasil, para enfrentar a barreira racial no palco e na literatura dramática.
Como disse, Mello Mourão era um homem que pautava sua vida pelos direitos humanos. Na época da ditadura de Getúlio Vargas, aqui foi dito e eu repito, foi preso 18 vezes. Além de teimoso, era corajoso, porque não abriu mão, em nenhum momento, do seu ponto de vista. Não mudava seus ideais. Eu diria que só por essa frase eu renderia aqui, se pudesse, com muito mais força neste pronunciamento, minhas homenagens a ele.
No período mais longo em que esteve na prisão, durante a guerra, escreveu, registrado por todos, Valete de Espadas. Foi dali também que ele escreveu à Cruz Vermelha Internacional um memorial contra a guerra e pela defesa dos direitos humanos dos pacifistas encarcerados.
Mello Mourão era daqueles homens, a exemplo de você, Abdias - meu querido Abdias -, que estava sempre à frente de seu tempo. Quantas vezes, Abdias, eu lá na Câmara dos Deputados, você Senador, da tribuna eu disse: “Que coragem, que ousadia!. É um exemplo a ser seguido”. Antes mesmo de a Lei de Execução Penal ser aprovada, nos anos 80, ele, o nosso homenageado, já era um rebelde. Um rebelde de muita coragem, contestando a política adotada nos presídios, inclusive demonstrando sua força por intermédio de suas belas poesias.
Antonio Olinto, imortal da Academia Brasileira de Letras, afirmou que “nenhum fazedor de versos desta parte do mundo tem com Gerardo Mello Mourão parentesco”. E Gerardo, sendo único, foi universal, e, sendo universal, não esqueceu o que mais prezava: os valores de sua terra, de sua gente, tão bem representados nesta Mesa e neste plenário.
Portanto, Sr. Presidente, senhoras e senhores, na qualidade de Presidente da Comissão de Direitos Humanos, estou aqui apenas me somando a esta homenagem mais do que justa a esse homem que, além de fazer com que nos apaixonássemos por suas poesias, deu-nos um exemplo de cidadania e de luta pelos direitos humanos.
Abraços também a você, meu Senador Abdias Nascimento, quase lenda viva na luta contra a discriminação racial e amigo-irmão de Mello Mourão, o grande homenageado nesta solene sessão.
Otto Lara Resende dizia ser uma honra ser contemporâneo do grande Gerardo Mello Mourão, e, plagiando o mesmo, digo a vocês que nem que tentassem, e sei que não foi essa a intenção, eu não abriria mão de, falando ou não falando, participar desta homenagem ao grande Gerardo Mello Mourão, junto com você, Abdias.
Termino de render minhas homenagens dizendo que você, Abdias, e Mello Mourão, jamais, jamais, jamais, serão esquecidos por aqueles que lutam por igualdade, oportunidades, justiça e liberdade. Vocês são, e serão, uma referência eterna para todos nós.
Sr. Presidente, nada melhor do que terminar, na minha avaliação, esta sessão de homenagem ao grande poeta - e foi V. Exª, Sr. Presidente Inácio Arruda, que apresentou o pedido desta sessão e citou o poema Invenção do Mar -, lendo uma parte do poema, obra de nosso querido, que diz:
E da nau capitânia de Pedrálvares
vamos às armas, às capitanias
hereditárias com seus donatários.
A terra se amadura em sangues vivos
de visigodos, celtas, celtiberos
portugueses das cepas henriquinas.
E tupis e tapuias e aimorés,
timbiras, tabajaras, potiguaras,
guaicurus, guaranis e goitacazes.
E os negros arrastados dos Benins,
das Angolas, Guinés e Moçambiques
temperam com seu riso a sua dor
a beleza do rosto das mulheres
o braço varonil de seus varões
E aqui, Abdias, ele termina o seu poema:
a alma auroral da raça da esperança.
os negros, Abdias - Abdias Nascimento, os negros!
É assim que ele termina a poesia.
Por isso tudo eu digo: vida longa aos ideais de Abdias e Gerardo. Ideais que nos unem hoje e sempre.
Esses ideais são eternos.
Gerardo, você estará sempre, sempre, junto de nós, guiando os passos dos guerreiros, dos lutadores pela liberdade e pela igualdade.
Muito obrigado a todos. (Palmas.)