Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao escritor e presidente da Academia Brasileira de Filosofia, Gerardo Mello Mourão, falecido em 9 de março do corrente ano.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao escritor e presidente da Academia Brasileira de Filosofia, Gerardo Mello Mourão, falecido em 9 de março do corrente ano.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/2007 - Página 14785
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, POETA, JORNALISTA, ESTADO DO CEARA (CE), ELOGIO, VIDA PUBLICA, EMPENHO, CONSCIENTIZAÇÃO, POPULAÇÃO, SITUAÇÃO, BRASIL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Presidente Inácio Arruda, Abdias Nascimento, figura que honra esta Casa cada vez que passa por aqui, Gonçalo e Bárbara, especialmente Gonçalo, com todo respeito, pelo carinho que tenho, pela convivência que tenho tido com ele em alguns momentos, meu caro Paes de Andrade, fico muito feliz em tê-lo aqui. E devo dizer a vocês que, se um dia eu tiver de escrever minhas memórias, o Paes, de vocês, é o único que está certo de que vai entrar, porque ele foi testemunha de um momento muito decisivo na minha vida. Quando eu recebi o telefonema do Presidente Lula me demitindo do Ministério, eu estava na casa dele. Então, eu tenho essa ligação, além de muitos anos antes, com Paes.

            Pedi minha inscrição nesta sessão para falar de Gerardo Mello Mourão, mas não para falar do poeta, do jornalista, do guerreiro. Vim aqui para dizer de público de uma gratidão que tenho por ele, de uma lição fundamental que ele me deu, e que ele nunca soube que foi tão importante, embora uma vez eu tenha dito a ele, e com o Gonçalo de vez em quando eu falo e lembro. Um artigo que eu li dele quando ele ainda estava na China e que falava em culinária, coisa pela qual não tenho nenhuma afeição especial, porque, como nordestino, qualquer prato é bom para mim, desde que fundo. Mas esse artigo dizia algo que foi fundamental, provavelmente, na minha virada para a importância da educação. Esse artigo, Embaixador Paes de Andrade, dizia que a culinária de um povo é tão mais rica quanto mais pobre é a terra onde esse povo vive. Veja bem! Ele dizia que a culinária chinesa é refinada, sofisticada, porque aquele povo vive em uma terra tão pobre, com uma população tão grande, que, para sobreviver, tem de inventar a comida para que fique gostosa, seja qual for a base. E lembra a feijoada como um exemplo de criatividade dos escravos - a casa-grande não precisava de muita criatividade, porque tinha comida farta. Lembra que a Argentina não precisa da culinária, porque lá basta colocar um pedaço de carne e virar de um lado para o outro, com sal.

            O que aprendi daquele artigo? Que a cultura é a maneira que um povo tem para construir sua riqueza, quando seus recursos naturais são parcos. E o Brasil, lamentavelmente, é um país que, com uma terra muito rica, abandonou, por isso, a cultura e deixou que seu povo ficasse pobre. Não precisamos do repto de usar a criatividade e a inventividade para sobreviver e aí sobrevivemos sem inventar. E, quando vem o desenvolvimento, este País fica para trás.

            Portugal não se desenvolveu, porque tinha a terra brasileira para lhe dar ouro. Foi a Inglaterra, que não tinha ouro, que se desenvolveu com a sua revolução industrial. A terra brasileira, o ouro do Brasil, permitiu que a escassez da Inglaterra levasse aquele país a desenvolver a revolução científica e tecnológica.

            Essa lição eu peguei, meu caro Paes de Andrade, daquele artigo pequeno da Folha de S.Paulo, publicado há 25 ou 30 anos, de Gerardo Mello Mourão. Falei para o Gonçalo algumas vezes, falei para ele uma vez, mas sem transmitir a emoção que sinto hoje, ao me lembrar de quando li aquela descoberta num simples texto de um artigo de jornal. A partir dali, percebi que o nosso futuro não está na terra, está na educação; não está na riqueza natural, está na riqueza cultural, intelectual, na criatividade, na inventividade.

            O Brasil, como é um país farto demais na natureza, abandonou buscar a fartura da inteligência. E, como é um país dividido entre uma minoria e uma maioria, e a minoria é que detém todo o poder e todos os benefícios, abandonando as massas, nós pudemos, ao longo desse tempo, ser um país quase servil; ser um país dependente, que importa todas as tecnologias e ciência, sem se preocupar em descobrir aqui mesmo a sua criação.

            Na verdade, quero encerrar, dizendo que o que vale para a culinária vale para o conjunto da sociedade. Do jeito que a gente faz um prato, usando os recursos da cozinha, também faz a economia e a riqueza de um país, usando os recursos de que a gente dispõe. Da mesma maneira que, para transformar os ingredientes em um prato saboroso, a gente precisa de conhecimento, de saber, do espírito de criatividade do cozinheiro ou cozinheira, para transformar os recursos naturais, para transformar aquilo que o País tem num produto que lhe serve, a gente precisa da receita. A receita é o desenvolvimento científico e tecnológico, que vem da educação. Sem ela, desde a primeira infância, não se vai resolver a questão.

            Eu tinha lido muitos livros de Economia, de Sociologia, mas não tinha lido nada que me despertasse daquela forma tão singela para a importância da ciência e da tecnologia, que não passam de uma receita culinária para o desenvolvimento de um país.

            Quero, por isso, deixar aqui manifesta a minha gratidão na minha formação, a partir de um simples artigo de Gerardo Mello Mourão, e dizer que a gente perdeu, quando ele nos deixou, uma das figuras mais importantes do século XX, mas dizer também que quem escreve não vai embora, como quem tem um filho continua aqui também.

            E Gerardo Mello Mourão deixou muitos filhos intelectuais neste País. Considero-me um daqueles que pôde aproveitar um pouquinho do DNA dele. Por isso, a Gonçalo e a Bárbara, meu muito obrigado e ao Presidente Inácio Arruda, muito obrigado por ter feito possível esta sessão muita merecida para esse grande brasileiro. (Palmas.)

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/2007 - Página 14785