Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

O descrédito das instituições que devem garantir a lei e a ordem, como o melhor combustível para o crime.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • O descrédito das instituições que devem garantir a lei e a ordem, como o melhor combustível para o crime.
Publicação
Publicação no DSF de 23/05/2007 - Página 15857
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • DEFESA, REDUÇÃO, LIMITE DE IDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, REGISTRO, HISTORIA, MENOR, AUTORIA, HOMICIDIO, ESTUPRO, FUGA, FUNDAÇÃO ESTADUAL DO BEM ESTAR DO MENOR (FEBEM).
  • DEFESA, REPRESSÃO, CRIME, PUNIÇÃO, CRIMINOSO, NECESSIDADE, DETENÇÃO, PSICOPATA, PREVENÇÃO, REINCIDENCIA, DELITO.
  • COMENTARIO, DESIGUALDADE SOCIAL, AUSENCIA, MOTIVO, OCORRENCIA, CRIME.

 

            O SR. GERSON CAMATA (PSDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um fato ocorrido há poucos dias deveria servir como matéria para meditação por todos os que se opõem à redução da maioridade penal no Brasil. O criminoso conhecido como Champinha, condenado pelo seqüestro e assassinato, em 2003, do casal de namorados Felipe Caffé, de 19 anos, e Liana Friedenbach, de 16, em São Paulo, fugiu de uma unidade da Febem.

            Na época em que cometeu esses crimes monstruosos, o assassino tinha 16 anos. Acompanhado de dois cúmplices, seqüestrou os dois jovens, que iam acampar com amigos na zona rural da Grande São Paulo. Depois de matar Felipe, violentou e torturou Liana durante três dias, acabando por matá-la com 15 facadas.

            Preso juntamente com os comparsas, o bandido confessou os assassinatos com frieza, afirmando: “Matei porque senti vontade de matar”. Como era inimputável, graças à nossa legislação, foi recolhido à Febem para esperar a maioridade.

            O autor das mortes de Felipe e Liana foi recapturado com rapidez e encaminhado para uma unidade experimental de saúde da Fundação Casa, a antiga Febem paulista.

            Vale a pena ouvir o que dizem sobre esse criminoso três psiquiatras forenses ouvidos pelo jornal Folha de S.Paulo. Champinha, segundo eles, não tem a menor condição de ser reintegrado à sociedade. O psiquiatra Breno Ramos diz que, por seu quadro clínico e pelo crime cometido, o assassino deveria cumprir pena por crime hediondo. O psiquiatra Guido Palomba considera-o portador de uma perturbação mental persistente e irreversível, e acredita que ele deveria permanecer internado durante toda a sua vida. Sua colega Hilda Morana diz que criminosos como ele deveriam ser enviados a penitenciárias destinadas a psicopatas - que, infelizmente, não existem no Brasil.

            Por que estou lembrando esse caso? Porque, ao fugir da Febem, Champinha tornou-se um símbolo, um doloroso símbolo, do atraso de nossas políticas penais, da perspectiva deformada com que encaramos o combate à criminalidade no Brasil.

            Tive a oportunidade, dias atrás, de ler, no jornal de uma universidade paulista, uma das mais conceituadas do País, opiniões de especialistas, professores universitários, entrevistados ainda em 2003, logo depois da tragédia que vitimou Liana e Felipe. Li frases estarrecedoras, como esta: “A sociedade que precisa a toda hora controlar e punir é uma sociedade doente”. E mais esta: “Prender o jovem não adianta, mesmo porque a prisão é uma idéia do século 19 e há mais de um século não se mostra eficaz”.

            São opiniões que espantam, primeiro por partirem de estudiosos, de supostos conhecedores do problema da violência urbana. Se a sociedade não punir os criminosos, o que vamos fazer com quem infringe a lei? Se prender jovens assassinos não adianta, se penitenciárias são uma “idéia ultrapassada”, devemos então esvaziar as cadeias e instituições para menores infratores, desistir da repressão ao crime?

            Nos Estados Unidos e em países europeus, nos anos 60 e 70, um movimento denominado “antipsiquiatria” advogava o esvaziamento dos manicômios judiciários e outras instituições que abrigavam portadores de distúrbios mentais graves, a maioria autores de crimes. Alegava-se que síndromes psiquiátricas como a esquizofrenia aguda e a psicose deveriam ser tratadas em regime aberto. Psicopatas e sociopatas seriam “curados” por meio do convívio social.

            Onde essa “política da libertação” chegou a ser aplicada, o resultado foi um desastre. Casos irrecuperáveis, indivíduos que necessitavam de supervisão constante e de medicamentos, muitos deles agressivos e violentos, voltaram para as ruas, e não demoraram a praticar atrocidades.

            Sabemos hoje em dia que não há como considerar “normais e inofensivos” os portadores de certos distúrbios biológicos do cérebro. Sabemos também que não é possível atribuir exclusivamente à miséria, à fome, à desigualdade social a motivação para todos os crimes. Se fosse assim, países como Estados Unidos, Japão, Suécia e Dinamarca teriam uma taxa de criminalidade zero, não precisariam de polícia, sistema judicial ou de penitenciárias.

            Infelizmente, esses fatores tornaram-se, no Brasil, uma espécie de verdade absoluta, válida para qualquer caso, mesmo os mais desumanos. Além disso, em matéria de identificação de distúrbios mentais entre criminosos, ainda praticamos a “antipsiquiatria” que caiu rapidamente em descrédito no restante do mundo. Na contramão do que demonstram pesquisas médicas nem tão recentes assim, insistimos em considerar possível a “ressocialização” de doentes mentais perigosos, portadores de distúrbios de personalidade que jamais serão curados - e que, por isso mesmo, voltam a cometer crimes tão logo ganham a liberdade.

            Em resumo, pagamos caro, na forma de uma crescente perda de vidas, por nossa visão ingênua, primária mesmo, de um problema tão grave como a violência. Não é com artifícios de retórica - como dizer que, “se reduzirmos a maioridade penal, em breve estaremos colocando crianças na cadeia” - que resolveremos a questão. Tampouco podemos lavar as mãos, creditar tudo à injustiça social e dizer à população que a solução chegará no dia em que tivermos políticas públicas de emprego e educação plenamente eficazes.

            O problema deve ser abordado em todas frentes, de todas as formas, porque a sociedade não pode esperar décadas. Um Estado que não impõe punições proporcionais à conduta ilícita e aos danos causados às vítimas é um Estado desacreditado. E o descrédito das instituições que devem garantir a lei e a ordem é o melhor combustível para o crime.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/05/2007 - Página 15857