Discurso durante a 76ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre o processo de criação e desmembramento de municípios.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVISÃO TERRITORIAL. EXECUTIVO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES.:
  • Reflexões sobre o processo de criação e desmembramento de municípios.
Aparteantes
Sérgio Zambiasi.
Publicação
Publicação no DSF de 24/05/2007 - Página 16007
Assunto
Outros > DIVISÃO TERRITORIAL. EXECUTIVO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES.
Indexação
  • ANALISE, LEGISLAÇÃO, DIVISÃO TERRITORIAL, MUNICIPIOS, POSTERIORIDADE, PROMULGAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CUMPRIMENTO, DIRETRIZ, DESCENTRALIZAÇÃO, OCORRENCIA, DESEQUILIBRIO, CRIAÇÃO, EMANCIPAÇÃO, MUNICIPIO, AUSENCIA, APTIDÃO, RESPONSABILIDADE, ATENDIMENTO, COMUNIDADE, EFEITO, APROVAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, RESTRIÇÃO, OBJETIVO, COMBATE, DEPENDENCIA, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.
  • COMENTARIO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, SERGIO ZAMBIASI, SENADOR, REFORÇO, DESCENTRALIZAÇÃO, DIVISÃO TERRITORIAL, APRESENTAÇÃO, ORADOR, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, DESTINATARIO, MINISTERIO DAS CIDADES, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), MINISTERIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, SOLICITAÇÃO, AVALIAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, POSTERIORIDADE, DIVISÃO, MUNICIPIOS, ANALISE, GASTOS PUBLICOS, CRITERIOS, VIABILIDADE, SUBSIDIOS, CONGRESSO NACIONAL, EXAME, MATERIA.
  • LEITURA, TRECHO, RESPOSTA, MINISTERIOS, DETALHAMENTO, PROBLEMA, EXCESSO, DESMEMBRAMENTO, MUNICIPIOS, PROPOSTA, PARTICIPAÇÃO, EXECUTIVO, PODER, VETO (VET), CRIAÇÃO, COMISSÃO, REPRESENTANTE, PODERES CONSTITUCIONAIS, DEFINIÇÃO, CRITERIOS, ANALISE, PEDIDO.
  • DEFESA, REGULAMENTAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ESPECIFICAÇÃO, DEBATE, PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR (PLP), AUTORIA, LUIZ OTAVIO, SENADOR, GARANTIA, AUTONOMIA, MUNICIPIOS, PRESERVAÇÃO, INTERESSE NACIONAL, AMBITO, DIVISÃO TERRITORIAL.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Senador Gerson Camata, Srªs e Srs. Senadores, o Senador Sérgio Zambiasi apresentou, em abril de 2003, uma proposta de emenda constitucional com o objetivo de regulamentar o processo de criação, a incorporação, a fusão, o desmembramento de Municípios, aprimorando a Emenda Constitucional nº 15, de 12 de setembro de 1996. Esse dispositivo de nossa Carta Magna dispõe que a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.

            Na justificação da apresentação do projeto, o autor salienta que esta Emenda Constitucional fere o pacto federativo através da centralização na esfera federal, retirando dos Estados e Municípios a competência de legislar sobre o tema: criação e desmembramento das administrações municipais. A PEC nº 13, de 2003, reescreve esse instrumento legal devolvendo aos Estados a competência para legislar sobre a criação e desmembramento de seus Municípios.

            Vale notar que a Constituição de 1988 promoveu a descentralização, transferindo responsabilidades e prerrogativas aos entes federativos, beneficiando os Estados e Municípios, e essas últimas administrações que eram componentes dos Estados assumiram o status de unidade da Federação dotada de autonomia política, administrativa, financeira e normativa.

            A motivação para aprovação de artigos na Constituinte de 88 que dispuseram sobre a organização dos Municípios foi, por um lado, recuperar o espírito federativo para a questão da emancipação e, ao mesmo tempo, resolver o mal-estar das populações em diversas localidades, as quais sentindo-se negligenciadas ou escamoteadas, em detrimento da sede urbana do Município, reclamavam contra a falta de autonomia que lhes tolhia o desenvolvimento. Nesse segundo aspecto, tratava-se de uma situação que englobava uma parte pequena ao universo dos Municípios. Havia, na verdade, poucos casos em que a emancipação refletia uma capacidade para o local constituir-se efetivamente num ente autônomo.

            Essa autonomia política atribui ao Município o direito de eleger seu prefeito, vice-prefeito e os vereadores, de se auto-organizar através da elaboração de sua própria lei orgânica. A autonomia administrativa vem possibilitando aos Municípios orientar a sua oferta de serviços públicos e criar órgão de administração direta e indireta.

            A autonomia financeira assegurou a possibilidade de instituir e arrecadar seus tributos, além da aplicação dos seus recursos próprios. A autonomia normativa vem assegurando a capacidade de elaborar suas próprias leis no limite de sua competência.

            Graças à Constituição de 1988, o processo de criação de Municípios foi facilitado pela prerrogativa dos Estados de estabelecerem normas para a criação de novos Municípios, diferentemente da situação na antiga Constituição, quando a União dava o norte das regras para a criação de novas unidades autônomas.

            A abertura proporcionada pela nova legislação rompeu um represamento de muitos anos, o que ensejou distorções com a criação de Municípios pouco aptos para assumir as responsabilidades junto às suas comunidades, muito embora um dos componentes da demanda por emancipação fosse exatamente a ansiedade dos cidadãos para a solução dos seus problemas relacionados com a prestação deficiente de serviços de infra-estrutura.

            A proliferação de Municípios foi de tal monta que até 1996, ano da alteração do § 4º pela Emenda Constitucional nº 15, houve um acréscimo de 1.455 novos Municípios, conforme dados do IBGE. Nesse bojo foi gerada uma distorção em que as pequenas e médias municipalidades, geralmente dependentes de transferências fiscais, principalmente do Fundo de Participação dos Municípios, foram as maiores prejudicadas. Os grandes centros foram pouco afetados por esse processo, já que possuem recursos de peso além desse Fundo. Tal situação provocou o movimento para a volta de regras mais rígidas para a criação de novos Municípios.

            Tendo em vista essa situação e em face da apresentação da PEC nº 13, de 2003, do Senador Zambiasi, apresentei requerimentos de informação aos Ministérios da Cidade, da Fazenda e da Integração Nacional, pedindo as seguintes informações:

1. Haverá um maior desenvolvimento da área do Município criado, sem prejuízo para o desenvolvimento do Município do qual está sendo desmembrado, que compense a sua criação?

2. Os novos encargos administrativos decorrentes da nova administração municipal e da câmara de vereadores serão de fato justificados pela maior arrecadação decorrente de maior atividade econômica prevista com a criação de Município?

3. Que parâmetros e/ou variáveis devem ser levadas em consideração para se permitir a criação de Municípios?

4. Que análise faz esse Ministério - tendo em conta a experiência de criação de Municípios desde 1989 - sobre as vantagens e desvantagens dos diversos casos ocorridos, com o objetivo de subsidiar o Congresso Nacional no exame da proposição em epígrafe?

            Após discorrer e responder sobre as questões enviadas, o Ministério da Integração Nacional concluiu com as seguintes assertivas:

Está claro que a descentralização político-administrativa promovida pela Constituição vigente, no que toca ao desmembramento de parcelas distritais de municípios já instituídos, trouxe, em alguns casos, progresso e desenvolvimento sócio-econômico para os territórios em questão.

            Pela ordem, Sr. Presidente. Vou pedir uma interrupção pelo seguinte motivo: inúmeras vezes o Senador Mão Santa pede a mim que preste atenção, que não fale ao telefone; mas S. Exª fez um pronunciamento entusiasmado, depois desceu ao Plenário e continuou um novo pronunciamento. Então, não sei se presto atenção em seu pronunciamento, que está envolvendo inúmeros Senadores, ou no meu próprio. Como tantas vezes o Senador pede respeito à palavra dele, eu pediria um pouco de atenção. É só isso.

            Peço que desconte esse tempo, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Gerson Camata. PMDB - ES) - A Mesa adverte o Plenário de que há um orador na tribuna.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Continuo:

Mas cabe argumentar que o procedimento acarretou graves problemas ao sistema político-administrativo brasileiro. A não exigência do cumprimento, no tempo, de metas de desenvolvimento e também da sua ligação com a continuidade ou não do funcionamento da unidade desmembrada, que serviria como um freio técnico para o processo, só realimenta aspirações desprovidas de base técnica e científica quando ocorrem novas propostas de desmembramentos.

Os recursos que a União repassa para os Municípios são por eles geridos, mas a responsabilidade pelos casos de fracasso na gestão dos novos entes recai, via de regra, nos ombros do Executivo Federal, razão pela qual [o Ministério da Integração Nacional] consideramos de suma importância que o mesmo participe dos processos de desmembramento, com poder de veto.

Seria desejável a criação de uma comissão responsável pela análise de cada caso que surja no ambiente da descentralização estabelecida na Constituição.

Essa Comissão deverá ser composta por representantes dos três Poderes e ficar encarregada tanto de estabelecer parâmetros mais acurados e rígidos que possam balizar de forma mais aprofundada o problema, como também de analisar a versão final do EVM de cada Município que se propõe criar.

            O Ministério da Fazenda, por sua vez, ao encaminhar suas respostas, concluiu:

A STN [Secretaria do Tesouro Nacional] não possui informações detalhadas sobre casos particulares de Municípios criados ou que tenham sido alvo de desmembramento. A análise aqui feita se baseia na observação dos números do conjunto de Municípios brasileiros. Esses números permitem concluir que a criação de novos Municípios tende a aumentar o número de micromunicípios (com população inferior a cinco mil habitantes) sem capacidade de geração de arrecadação própria e, portanto, fundamentalmente dependentes de transferências de recursos da União e dos Estados e de serviços públicos essenciais fornecidos por Municípios maiores. A proliferação desses Municípios reduz o montante de recursos do FPM disponível para as demais prefeituras, principalmente daquelas de municípios médios e grandes (mais de 100 mil habitantes), onde se concentra a maioria da população brasileira e, portanto, onde é maior a demanda por recursos financeiros. Finalmente, cabe destacar que a criação de um novo Município implica gastos com manutenção do Poder Legislativo local, e os números indicam que os menores Municípios são os que apresentam maior gasto per capita com o Legislativo.

            Para o Ministério das Cidades, o difícil é determinar o exato ponto de corte que define a viabilidade para a autonomia, dependente de variáveis fiscais, demográficas, sociais e econômicas.

            O Sr. Sérgio Zambiasi (Bloco/PTB - RS) - V. Exª me permite um aparte.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Vou conceder-lhe o aparte com muita honra.

É preciso determinar o potencial para a geração de riqueza nos novos Municípios pelos seus próprios recursos e a capacidade para a distribuição dos benefícios e riquezas potenciais à coletividade. E assim avaliar até que ponto podem ser gerados tributos nos municípios capazes de dar conta de suas necessidades.

Esse processo, conduzido adequadamente, certamente iria continuar refreando a criação irracional de Municípios, mas poderia produzir oportunidades para localidades com potencial de desenvolvimento.

            Tenho sempre trabalhado pela autonomia dos Municípios. Considero da maior importância a proposição do querido Senador Sérgio Zambiasi e acho importante que possamos ouvi-lo. E agora estamos mais bem informados pelas respostas dadas pelos três respectivos...

            (Interrupção do som)

            O SR. PRESIDENTE (Gerson Camata. PMDB - ES) - V. Exª dispõe de dois minutos.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Estou concluindo, Sr. Presidente.

            Então, estamos agora mais bem aparelhados. E eu gostaria, Sr. Presidente, que essas informações fossem destinadas a todos os Senadores, dada a sua relevância.

            Quero, então, ouvir o Senador Sérgio Zambiasi, antes da conclusão final, pelo respeito que tenho a V. Exª.

            O SR. PRESIDENTE (Gerson Camata. PMDB - ES) - A Mesa solicita ao Senador Sérgio Zambiasi que seja rápido, em conseqüência do cumprimento do tempo destinado ao orador, previsto no Regimento Interno. Obrigado a V. Exª.

            O Sr. Sérgio Zambiasi (Bloco/PTB - RS) - Eu gostaria de pedir a generosidade do Presidente no desconto desse tempo, para que eu possa me manifestar. Acompanhei atentamente a manifestação e li as informações que o Senador Eduardo Suplicy nos trouxe. Entendo que todas essas questões e esses preconceitos hoje com relação às emancipações, Senador Eduardo Suplicy, são decorrência do que foi carimbado como abuso acontecido de 1988 a 1996. E esse dito abuso, Senador Suplicy...

            (O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O Sr. Sérgio Zambiasi (Bloco/PTB - RS) - ...foi decorrência da demanda reprimida do período de 1967 a 1988, quando não aconteceram emancipações. Novamente surge o problema da demanda reprimida. Não emancipamos desde 1995, com apenas uma exceção, admitida por meio de emenda constitucional, se não me engano, de autoria do Senador Luiz Otávio, que corrigiu a distorção de alguns Municípios que, aproveitando a brecha, acabaram sendo emancipados. O nosso tempo é exíguo, mas farei um pronunciamento sobre este assunto específico. Apenas quero justificar um pouco as razões da minha defesa das emancipações, com responsabilidade, é claro. Senador Eduardo Suplicy, mentalize seu Estado. Imagine o mapa do Estado de São Paulo e identifique as regiões mais desenvolvidas do seu Estado. São aquelas que têm mais Municípios, indiscutivelmente.

            O SR. PRESIDENTE (Gerson Camata. PMDB - ES) - O orador dispõe ainda de um minuto.

            O Sr. Sérgio Zambiasi (Bloco/PTB - RS) - Essa pode ser uma das razões, mas existem inúmeras outras. Vejo os Senadores Mário Couto e José Nery, que representam o Estado do Pará. O Município de Altamira tem 161 mil km², mais de 80 mil habitantes e um distrito a mil quilômetros da sede, que tem 20 mil habitantes. Qual é a perspectiva de aquela população ser atendida pelo Prefeito de Altamira? É praticamente zero. Em razão dessas informações técnicas e burocráticas que estamos recebendo e da pressão contrária do Governo, não permitimos que aquela região se desenvolva e, talvez, provoquemos migrações, inchando ainda mais os bolsões de miséria das periferias de Altamira, porque se aquele povo não for atendido lá, se não tiver seu médico, se não tiver sua escola, se não tiver esperança, o que restará para aquele povo...

            (Interrupção do som.)

            O SR. PRESIDENTE (Gerson Camata. PMDB - ES) - A Mesa solicita aos oradores e aparteantes que, em benefício de todos, cumpramos o Regimento.

            V. Exª dispõe de um minuto, Senador Eduardo Suplicy, para concluir sua fala, não podendo mais conceder apartes.

            O Sr. Sérgio Zambiasi (Bloco/PTB - RS) - Vamos utilizar outro momento para trazer nossas justificativas e nossas explicações para que a população possa entender exatamente o quanto de importância tem esse debate, Senador Eduardo Suplicy. Agradeço a oportunidade de debater com V. Exª esse tema, que realmente é muito rico e muito importante. Muito obrigado, Presidente Gerson Camata.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Caro Senador Sérgio Zambiasi, acho perfeitamente justificável o exemplo que V. Exª dá, sobre comunidades que distam cem, duzentos, trezentos, quase mil quilômetros da sede do Município, como é o caso de Altamira. Estando distantes, é perfeitamente justificável que queiram criar um Município. Isso é perfeitamente possível realizar com base na Emenda Constitucional nº 15. Mas o que é importante - o Supremo Tribunal Federal já nos alertou, por duas vezes, em recentes decisões, quanto à omissão - é que precisamos regulamentar o que está previsto nessa Emenda Constitucional.

            (Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Portanto, conclamo o Senado Federal para a necessidade de cumprirmos rapidamente a regulamentação exigida pela Constituição. E o projeto referido por V. Exª, de autoria do Senador Luiz Otávio, visa justamente à regulamentação, em lei complementar, daquilo que prevê a Constituição. É nessa direção que precisamos caminhar.

            Inclusive, conclamo a Presidência para dar atenção a essa necessidade.

            Requeiro, Sr. Presidente, que sejam transcritas as respostas completas para que todos os Senadores possam ter acesso às informações importantes sobre o processo de criação e desmembramento dos Municípios.

            Muito obrigado.

 

********************************************************************************

SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY.

********************************************************************************

           O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o Senador Sérgio Zambiasi apresentou em abril de 2003 uma Proposta de Emenda Constitucional com o objetivo de regulamentar o processo de criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, aprimorando a Emenda Constitucional nº 15 de 12 de setembro de 1996. Esse dispositivo de nossa Carta Magna dispõe que a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.

           Na justificação da apresentação do projeto, o autor salienta que essa Emenda Constitucional fere o pacto federativo através da centralização na esfera federal retirando dos Estados e Municípios a competência de legislar sobre o tema: criação e desmembramento das administrações municipais. A PEC n. 13 de 2003 reescreve esse instrumento legal devolvendo aos Estados a competência para legislar sobre a criação e desmembramentos de seus municípios.

           Vale notar que a Constituição de 1988 promoveu a descentralização transferindo responsabilidades e prerrogativas aos entes federativos beneficiando os estados e municípios e essas últimas administrações que eram componentes dos estados, assumiram o status de unidade da Federação, dotada de autonomia política, administrativa, financeira e normativa.

           A motivação para a aprovação de artigos na Constituinte de 1988, que dispuseram sobre a organização dos Municípios foi, por um lado, recuperar o espírito federativo para a questão da emancipação e ao mesmo tempo, resolver o mal-estar das populações em diversas localidades, as quais, sentindo-se negligenciadas ou escamoteadas em detrimento da sede urbana do Município, reclamavam contra a falta de autonomia, que lhes tolhia o desenvolvimento. Nesse segundo aspecto, tratava-se de uma situação que englobava uma parte pequena no universo dos municípios. Havia, na verdade, poucos casos em que a emancipação refletia uma capacidade para o local constituir-se efetivamente num ente autônomo.

           Essa autonomia política atribui ao município o direito de eleger seu prefeito, o vice-prefeito e os vereadores e de se auto-organizar através da elaboração de sua própria lei orgânica. A autonomia administrativa vem possibilitando aos municípios orientar a sua oferta de serviços públicos e criar órgãos de administração direta e indireta.

           A autonomia financeira assegurou a possibilidade de instituir e arrecadar seus tributos, além da aplicação de seus recursos próprios. A autonomia normativa vem assegurando a capacidade de elaborar suas próprias leis, no limite de sua competência.

           Graças a Constituição de 88, o processo de criação de municípios foi facilitado pela prerrogativa dos estados de estabelecerem normas para criação de novos municípios, diferentemente da situação na antiga constituição, quando a União dava o norte das regras para a criação de novas unidades autônomas.

           A abertura proporcionada pela nova legislação rompeu um represamento de muitos anos, o que ensejou distorções com a criação de municípios pouco aptos para assumir as responsabilidades junto às suas comunidades, muito embora, um dos componentes da demanda por emancipação fosse exatamente a ansiedade dos cidadãos pela solução de seus problemas relacionados com a prestação deficiente de serviços e de infra-estrutura.

           A proliferação de municípios foi de tal monta que até 1996, ano da alteração do § 4 pela Emenda Constitucional n° 15, houve um acréscimo de 1405 novos municípios, conforme dados do IBGE. Nesse bojo foi gerada uma distorção em que as pequenas e médias municipalidades, geralmente dependentes de transferências fiscais, principalmente do Fundo de Participação dos Municípios, foram os maiores prejudicados. Os grandes centros foram pouco afetados por esse processo, já que possuem recursos de peso além desse Fundo. Tal situação provocou o movimento para a volta de regras mais rígidas para a criação de novos municípios.

           Tendo em vista essa situação e face a apresentação da PEC nº 13, de 2003, apresentei Requerimentos de Informação aos Ministérios da Cidade, da Fazenda e da Integração Nacional com as seguintes indagações.

1 Haverá um maior desenvolvimento da área do município criado, sem prejuízo para o desenvolvimento do município do qual está sendo desmembrado, que compense a sua criação?

2 Os novos encargos administrativos decorrentes da nova administração municipal e da câmara de vereadores serão de fato justificados pela maior arrecadação decorrente de maior atividade econômica prevista com a criação do município?

3 Que parâmetros e/ou variáveis devem ser levadas em consideração para se permitir a criação de municípios?

4 Que análise faz esse Ministério - tendo em conta a experiência de criação de municípios, desde 1989 - sobre as vantagens e desvantagens dos diversos casos ocorridos, com o objetivo de subsidiar o Congresso Nacional no exame da proposição em epígrafe?

Após discorrer e responder sobre as questões enviadas, o Ministério da Integração Nacional concluiu com as seguintes assertivas:

Está claro que a descentralização político-administrativo promovida pela constituição vigente, no que toca ao desmembramento de parcelas distritais de municípios já instituídos trouxe em alguns casos, progresso e desenvolvimento sócio-econômico para os territórios em questão.

Mas cabe argumentar que, por outro lado, acarretou graves problemas ao sistema político-administrativo brasileiro. A não exigência do cumprimento, no tempo, de metas de desenvolvimento e também da sua ligação com a continuidade ou não do funcionamento da unidade desmembrada, que serviria como um freio técnico para o processo, só realimenta aspirações desprovidas de base técnica e cientifica, quando ocorrem novas propostas de desmembramentos.

Os recursos que a União repassa para os municípios são por eles geridos, mas a responsabilidade pelos casos de fracasso na gestão dos novos entes recai, via de regra, nos ombros do Executivo Federal, razão pela qual [o Ministério da Integração Nacional] consideramos de suma importância que o mesmo participe dos processos de desmembramento, com poder de veto.

Seria desejável a criação de uma Comissão responsável pela analise de cada caso que surja no ambiente da descentralização estabelecida na Constituição.

Essa comissão devera ser composta por representantes dos três poderes e ficar encarregada tanto de estabelecer parâmetros mais acurados e rígidos que possam balizar de forma mais aprofundada o problema, como também pela análise da versão final do EVM de cada municípios que se propõe criar. [grifos meus]

O Ministério da Fazenda, por sua vez ao encaminhar suas respostas concluiu que:

A STN [Secretaria do Tesouro Nacional] não possui informações detalhadas sobre casos particulares de municípios criados ou que tenham sido alvo de desmembramento. A análise feita aqui se baseia na observação dos números do conjunto de municípios brasileiros. Esses números permitem concluir que a criação de novos municípios tende a aumentar o número de micromunicípios (com população inferior a 5 mil habitantes) sem capacidade de geração de arrecadação própria e, portanto, fundamentalmente dependentes de transferências de recursos da União e dos Estados e de serviços públicos essenciais fornecidos por municípios maiores. A proliferação desses pequenos municípios reduz o montante de recursos do FPM disponível para as demais prefeituras, principalmente daquelas de municípios médios e grandes (mais de 100 mil habitantes), onde se concentra a maioria da população brasileira e, portanto, onde é maior a demanda por recursos financeiros. Finalmente, cabe destacar que a criação de um novo município implica gastos com manutenção do Poder Legislativo local e os números indicam que os menores municípios são os que apresentam o maior gasto per capita com o Legislativo. [grifos meus]

Por sua vez, o Ministério das Cidades, em sua analise afirmou:

O difícil é determinar o exato ponto de corte que define a viabilidade para a autonomia, dependente de variáveis físicas, demográficas, sociais e econômicas. É preciso determinar o potencial para a geração de riqueza nos novos municípios pelos seus próprios recursos e a capacidade para a distribuição dos benefícios e riquezas potenciais à coletividade. E assim avaliar até que ponto podem ser gerados tributos nos municípios, capazes de dar conta de suas necessidades.

Esse processo, conduzido adequadamente, certamente iria continuar refreando a criação irracional de municípios, mas poderia produzir oportunidades para localidades com potencial de desenvolvimento.

           Considerando sempre ter trabalhado pela autonomia das diversas comunidades municipais, pois é nos municípios onde a população se depara com os problemas do cotidiano como saúde, educação, saneamento, habitação, transporte, dentre outros serviços públicos.

           Considerando a relevância do tema e face às informações recebidas, creio ser importante que possam todas as senhoras senadoras e senhores senadores conhecerem estas informações antes de voltarmos a discutir a matéria. Estou enviando para Vossas Excelências cópia desses documentos.

           Também creio ser importante que possamos ouvir com atenção os argumentos que levaram o Senador Sérgio Zambiasi a apresentar essa proposição. Dentre os quais reputo relevantes os casos, por ele relatados, como os de municípios com grandes áreas territoriais onde comunidades ficam a mais de cem, duzentos ou até trezentos quilômetros das respectivas sedes municipais, dificultando em muito a prestação dos devidos serviços públicos e a presença do prefeito e dos vereadores.

           O que é necessário é envidarmos esforços para a edição da lei complementar prevista na Emenda Constitucional nº 15, de 1996. Nesse sentido, cabe lembrar que o STF já advertiu o Congresso Nacional em recentes decisões em ações de inconstitucionalidade por omissão. Assim, conclamo à essa Casa sobre a necessidade de cumprirmos rapidamente a regulamentação exigida pela Constituição.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/05/2007 - Página 16007