Discurso durante a 78ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Manisfestação de descrença em relação à possibilidade de mudanças reclamadas pela população que deveriam ser feitas por iniciativa das instituições públicas.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Manisfestação de descrença em relação à possibilidade de mudanças reclamadas pela população que deveriam ser feitas por iniciativa das instituições públicas.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti, Wellington Salgado.
Publicação
Publicação no DSF de 26/05/2007 - Página 16506
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • REGISTRO, REVISÃO, DIVERSIDADE, PRONUNCIAMENTO, ORADOR, MANUTENÇÃO, DEFESA, TESOURO NACIONAL, AUMENTO, INVESTIMENTO, CRIAÇÃO, EMPREGO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, CONTENÇÃO, CORRUPÇÃO, APERFEIÇOAMENTO, FIDELIDADE, SERVIDOR PUBLICO CIVIL.
  • CRITICA, FALTA, RESPONSABILIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INDICAÇÃO, REU, OCUPAÇÃO, PRESIDENCIA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), CONCESSÃO, MINISTRO, IMUNIDADE, PRIVILEGIO, FORO.
  • DEFESA, ESTADO, DETERMINAÇÃO, PARTIDO POLITICO, RESPONSABILIDADE, FIDELIDADE PARTIDARIA, QUALIDADE, COMPORTAMENTO, MEMBROS, BENEFICIO, TESOURO NACIONAL.
  • NECESSIDADE, REGULAMENTAÇÃO, ESTADO, FINANCIAMENTO, FISCALIZAÇÃO, CAMPANHA ELEITORAL, CONTENÇÃO, CORRUPÇÃO, FACILITAÇÃO, ACESSO, MANDATO, MELHORIA, REPUTAÇÃO, REPRESENTANTE, POPULAÇÃO.
  • DEFESA, REFORMULAÇÃO, EMENDA INDIVIDUAL, REDUÇÃO, INDICE, CONGRESSISTA, PARTICIPAÇÃO, CORRUPÇÃO, EXECUÇÃO, ORÇAMENTO, CONTENÇÃO, PERDA, LEGITIMIDADE, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA.
  • CONCLAMAÇÃO, POPULAÇÃO, REALIZAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, REIVINDICAÇÃO, REFORMA POLITICA, PROMOÇÃO, LEGITIMAÇÃO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA, BUSCA, ATENDIMENTO, INTERESSE NACIONAL, CONTENÇÃO, IMPUNIDADE.
  • BALANÇO, HISTORIA, GOVERNO, BRASIL, ATUAÇÃO, ORADOR, EX MINISTRO, REGISTRO, ANTERIORIDADE, EXISTENCIA, INFERIORIDADE, IMPUNIDADE.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, eu tive que explicar várias vezes no Rio Grande do Sul por que V. Exª é conhecido como Mão Santa, porque as pessoas não entendiam: “Mas por que ‘Mão Santa’?” E eu digo que ele era um grande médico, um médico muito famoso, porque era de uma competência incrível; ninguém morria na mesa de operação nas suas mãos, e além disso não cobrava. Então, a família do cidadão ficava feliz da vida, porque recebia o paciente com saúde, e ficava feliz da vida porque não havia conta a pagar. Acontece algumas vezes que recebemos o paciente com saúde, de volta da mesa de cirurgia, mas perdemos a saúde quando vem a conta do médico. Geralmente... Mas, com V. Exª, não; eles recebiam o paciente com saúde e dobravam de alegria quando não tinham conta a pagar. Isso eu expliquei para minha gente.

Mas agora, como V. Exª não pode operar aqui no Senado, de mão santa está ficando com o coração santo; quer dizer, um coração cheio de bondade. Estamos vendo uma desgraça em cima da outra, uma mal-querência em cima da outra. Eu não quis ler, nem quis analisar, pediram até que eu viesse à tribuna. Mas a Veja antecipou para hoje a sua edição de domingo e invoca desde a capa o nome de um companheiro nosso de Senado. Eu prefiro que outros analisem em primeiro lugar. E V. Exª, com sua bondade, às vezes comete absurdo que só V. Exª pode cometer: o absurdo de comparar o maior jurista e o maior nome do Brasil, que é Rui Barbosa, a um advogado - não digo como um Senador da Bahia falou do nosso querido Senador já falecido lá de Mato Grosso do Sul, chamando ele de um advogadozinho dos pampas...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - De rábula.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - É, o rábula de Mato Grosso. Eu não sou rábula, mas sou um advogadozinho do Rio Grande do Sul.

Meu querido Presidente, Srªs Senadoras, a quem eu saúdo - devem estar em casa, porque aqui não estão - e Srs. Senadores, eu tive o cuidado, nesses dias, de reler os meus pronunciamentos, nos últimos 15 anos, sobre corrupção e desvios do dinheiro público; nos últimos 15 anos, nesta Casa. Primeiro, fiquei impressionado com a quantidade: são dezenas e dezenas de pronunciamentos. Se empilhados, montanhas de papel; se espalhados, rios de tinta; se gravados, horas intermináveis de lamentos.

Mas o que mais me impressionou, nessa volta a um passado não tão recente, é a atualidade de todos os meus discursos nesses 15 anos.

Eu poderia escolher qualquer um deles, para, aleatoriamente, reprisar aqui e agora o mesmo texto, com as mesmas propostas deixadas ao léu; por isso mesmo, quem sabe, com um pouco menos de esperança. Mudam-se alguns atores, embora muitos continuem perseverantes na falcatrua, mas não se altera a essência nem dos fatos em si, nem na maneira com a qual os desvios são investigados. Nos discursos, procurei sempre me aprofundar sobre as causas da corrupção no Brasil, embora as investigações tenham se preocupado, quase sempre e apenas, com as conseqüências da corrupção.

Sinceramente, não sei se mais um discurso que faço agora sobre mais uma operação da Policia Federal servirá para estancar essa sangria dos recursos que faltam nas filas dos hospitais, na escuridão do analfabetismo, ou na dor da mãe que se debruça sobre o corpo inerte da criança vítima da ausência do Estado. Ou se ele terá mais um, será mais um nas estatísticas e nos Anais do Senado Federal, para os historiadores do futuro, ou para que eu mesmo, daqui a um mês, mais algum tempo, repita esse mesmo discurso, com menos esperança ainda, sobre outras operações, sobre outros corruptos, sobre outros corruptores, sobre outras filas, sobre outras escuridões, ou sobre outros corpos estendidos no chão, frutos de outras balas perdidas.

O dinheiro público é sagrado. Os cofres públicos deveriam ser tratados como verdadeiros sacrários. Mas não é o que tem acontecido neste País “abençoado por Deus e bonito por natureza”. Há uma verdadeira sanha de uns poucos - que já não são tão poucos - sobre uma riqueza que deveria ser de todos. Ouso dizer que, não houvesse corrupção neste País, seriam muitos brasileiros que teriam condições de não ter fome, de não estar ao relento, de não serem analfabetos. Não se ouviriam gemidos do lado de fora do hospital público, não haveria tantas balas perdidas nem miradas, não haveria tamanha barbárie.

Imagine-se, por exemplo, uma Previdência sem corrupção. Não haveria - quem sabe? - o tão propalado déficit da Previdência. Não haveria - quem sabe?- a necessidade de uma já anunciada nova reforma, que, com certeza, haverá de decepar direitos sagrados de trabalhadores. Haveria, sabe-se, condições de remunerar melhor todos aqueles que dedicaram uma vida inteira de trabalho pelo País e que não recebem, no final da vida, o merecido reconhecimento.

Imagine-se, igualmente, uma Saúde sem desvios e sem vigarice. O sofrimento não seria tanto, a ponto de se instituir, muitas vezes, uma verdadeira loteria macabra para decidir quem tem o direito de viver e quem é relegado ou condenado à morte na porta de entrada de um hospital, que por dever lhe deveria a vida em plenitude.

Imagine-se, enfim, um orçamento sem corrupção, investimentos públicos multiplicadores de emprego, de renda e de qualidade de vida.

Imagine-se a implantação, como defendi, já em 1995, da chamada CPI dos Corruptores. Na verdade, ela se confundia com a CPI das Empreiteiras. A Comissão morreu pela falta de vontade da Presidência da República e dos líderes partidários de investigar os desvios que, naqueles idos tempos, chamavam atenção, principalmente dos recursos da União, de seu Orçamento. Se cumpridas as determinações que certamente seriam aprovadas caso aquela Comissão tivesse sido instalada, não haveria hoje - quem sabe? - a necessidade da Operação Navalha nem das outras operações e CPIs, como a das Sanguessugas, das Ambulâncias, do Mensalão, dos Correios, Furacão, Gafanhoto, Matusalém, Anaconda e tantas outras com suas respectivas, e criativas, nomenclaturas.

É por isso que eu sempre defendi a idéia de que a gestão pública tem uma imensa dose de sacerdócio. O concurso público tem que adicionar novos elementos que não somente o conhecimento. Pobre país onde a sabedoria é colocada a serviço do mal! Os cargos de livre provimento têm que ser preenchidos sob critérios rígidos de conduta. O comportamento do servidor público, em todos os níveis, tem que ser, obrigatoriamente, ilibado, sem qualquer mácula que o desabone. Para dirigir um órgão público, há que se ter uma folha corrida sem manchas. O sigilo bancário do servidor público, em qualquer nível, tem que estar sempre à disposição para eventuais esclarecimentos. Quem escolhe um subalterno torna-se, obrigatoriamente, co-responsável pelas ações do designado, qualquer que seja a função. Escolheu? É responsável por quem escolheu; não pode dizer “era meu subalterno e eu não sabia”. Uma vez investido em cargo público, o servidor será afastado, imediatamente, quando de qualquer suspeita de desvio, até que se encerrem todas as investigações sobre a sua conduta.

O Presidente do Banco Central está sendo processado no Supremo Tribunal Federal em decorrência de denúncias feitas pelo Procurador-Geral da República, e o Presidente da República diz que ninguém pode condená-lo enquanto a condenação não transitar em julgado. Claro, ele é réu, não foi condenado. Mas de ser presumivelmente inocente a poder ser Presidente do Banco Central há uma distância muito grande.

Igualmente, o partido político terá que ser co-responsável pela escolha de seus candidatos, em qualquer nível, tanto nos parlamentos quanto para os cargos majoritários. Para o Poder Legislativo, terá que ser implantada, necessariamente, a fidelidade partidária. De igual modo, em qualquer possível desvio de conduta, o parlamentar deverá se afastar, até que todas as instâncias de investigação emitam seus veredictos. Confirmada a culpa, além de perder o mandato, terá que devolver aos cofres públicos, obrigatoriamente, os recursos apropriados indevidamente em valores corrigidos monetariamente.

Apresentei um projeto de lei ao Congresso Nacional e um projeto à Convenção do meu partido, o PMDB, segundo os quais, para poder fazer parte da lista de candidatos do PMDB a Deputado, Senador e Governador, o cidadão tem que apresentar o seu curriculum vitae, e qualquer filiado ao partido pode impugnar a candidatura. Essa impugnação será analisada pelo partido, e o Conselho de Ética dirá se está ou não correta. Não vai acontecer como aconteceu aqui, quando indicamos para Ministro da Agricultura, no Governo Itamar Franco, um ilustre cidadão, presidente da Associação de Agricultura do Rio de Janeiro, durante dez anos, e, quando ele assumiu o Ministério da Agricultura, descobriu-se que havia matado duas pessoas em Goiás. Denunciado e pronunciado, com júri marcado, ele desapareceu, fugiu, ninguém sabia onde ele estava. Estava em Brasília, como Ministro da Agricultura! Só ali é que apareceu. Ele foi afastado, claro. O governo de Itamar Franco era diferente: foi afastado no mesmo dia.

O partido tem que tomar precauções. O partido tem que fazer a lista dos seus deputados. Vai indicar alguém para Ministro? Vamos ver quem é a pessoa, qual a sua biografia, qual a sua história. Fazendo assim, evitamos que o Presidente ou outro partido depois diga: “Não, não pode, porque tem isso contra ele”.

O partido é responsável. Ao indicar um cara para Deputado, para Governador, para Ministro ou para qualquer cargo, o partido é o primeiro responsável. O Presidente da República é o segundo. O Presidente da República não pode dizer: “Nomeei o fulano porque o PMDB me indicou”. Nomeou o fulano porque quis, a responsabilidade é dele, é ele que assina. Isso tem que acontecer.

Eu sou advogado com sessenta anos de advocacia e sempre defendi a tese de que, na dúvida, deve-se decidir a favor do réu. Eu sempre defendi essa idéia, nunca acusei ninguém. No Júri, eu só trabalhei na defesa. Mas há uma coisa: na hora de julgar, na dúvida, absolve-se. É muito melhor um criminoso solto - ele pode até melhorar - do que um inocente na cadeia.

No Governo é diferente, na política é diferente. Na política, na dúvida, demite-se, porque é melhor alguém sofrer injustiça do que um vigarista continuar no cargo.

Para todos os Poderes, deve ser extinto, de imediato, o chamado foro privilegiado.

O Supremo está há três meses votando, mas não consegue decidir. Querem arquivar, querem arquivar 12 mil processos que não andaram, que pararam no Supremo. E como o Supremo não tem tempo, como não tem condições, quer arquivar.

Imaginem, no país da impunidade, o que isso significará para milhões de brasileiros! “Deixa, rapaz. Deixa, daqui a três anos vai ser arquivado”. É preferível, Supremo, que V. Exªs deixem na gaveta sem votar, mas não arquivem! Por amor de Deus, não arquivem, porque arquivar é um absurdo!

Terminem com o foro privilegiado. Vamos todos para o foro comum: Simon, João, Manoel, Senador, Deputado... Vamos para lá, vamos responder, porque está aí: ninguém é processado, ninguém vai para a cadeia.

Com isso, o percentual de aceitação do Congresso é de 1,1%. O povo acredita que há seis Congressistas, entre Senado e Câmara, que merecem respeito: 1,1% de seus membros! Entretanto, 98,9% são rejeitados pela opinião pública! Estamos todos na vala comum. Como não se condena ninguém - não se condena nem se absolve -, o povo condena a todos.

Além disso, há que se instituir o financiamento público de campanha. Os interesses da corrupção têm difundido, hoje, a idéia de que se trata de mais um gasto público desnecessário, ou uma nova “mordomia” para os Parlamentares ou para os postulantes dos cargos majoritários.

É exatamente o oposto! A corrupção que se alastra no financiamento privado das campanhas é infinitamente maior que qualquer montante de recursos que venham financiar eleições, em todos os níveis.

Ninguém financia campanhas eleitorais sem a devida compensação. Aí não importa se tais retribuições posteriores se materializam por meios ilegais. Quantas são as leis que beneficiam interesses individuais ou de grupos específicos, em detrimento das necessidades coletivas? Além disso, o financiamento público de campanha democratiza o acesso aos mandatos. As campanhas eleitorais nos moldes atuais fugiram do alcance de quem tem poucos recursos para se eleger. Ou, pior ainda, de quem se move pela boa conduta. Campanhas milionárias discriminam os possíveis representantes dos segmentos mais pobres da população que são obrigados a uma espécie de procuração compulsória para serem representados politicamente, principalmente nos legislativos.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Senador Pedro Simon, V. Exª me concede um aparte?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Daqui só um pouquinho.

Entretanto, o financiamento público não pode se transformar também em foco de corrupção, ou de um valor que se permita agregar aos recursos do chamado “caixa dois”, recentemente tratados como “recursos não contabilizados”. A fiscalização sobre os gastos de campanha deverá ser mais contundente e avessa a qualquer possibilidade de corrupção e a qualquer possibilidade de impunidade.

Na Alemanha, o Primeiro-Ministro falou com seus amigos empresários para que, nas eleições distritais, pudesse eleger sete ou oito deputados, porque, para ele e seu partido, era muito importante manter a maioria no Parlamento. E conseguiu! Ele, Primeiro-Ministro, conseguiu, nas eleições, com o dinheiro dos empresários, que esses cidadãos se elegessem. E isso foi descoberto! Esse Primeiro-Ministro caiu, foi demitido da presidência do seu partido. E ele, que tinha sido o grande herói da Unificação da Alemanha, passou a ser um réu vil e desmoralizado perante a sociedade. O que ele fez foi telefonar para seis, sete empresários para darem dinheiro a seis, sete candidatos que interessavam a ele que ganhassem as eleições distritais para ele ter maioria garantida no Parlamento alemão.

Há que se ter uma integração maior entre os órgãos responsáveis pela fiscalização dos gastos públicos! Hoje os trabalhos dos órgãos responsáveis por essa tarefa das mais importantes se realizam de forma estanque, quando não concorrentes.

A Controladoria-Geral da União, os Tribunais de Contas, principalmente o da União, os órgãos gerenciadores de risco, as instituições responsáveis pela fiscalização dos gastos de campanha, os Conselhos de Ética e as Comissões Parlamentares de Inquérito nem sempre trabalham conjuntamente, o que resulta em duplicação de esforço e de recursos, além de não atingir objetivo nenhum. Vale lembrar que uma investigação malfeita é pior do que a não investigação, porque distribui indevidamente atestados de idoneidade.

Diz-se que, no Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral e os Tribunais Regionais Eleitorais fingem que fiscalizam a campanha e os candidatos fingem que cumprem as leis, mas, na verdade, sabe-se que, terminadas as campanhas, os coordenadores de diversos partidos se reúnem para que tudo seja aprovado. E o Tribunal não faz nada.

Embora os Parlamentares tenham, de fato, pouca participação na definição do Orçamento da União, um dos focos principais da corrupção são as chamadas “emendas individuais”. Nas duas pontas há corrupção: corrupção na liberação de recursos, na maioria das vezes em troca de votos no Parlamento em assuntos de interesse do Executivo; e corrupção na execução propriamente dita, na relação do Governo com o executor da emenda, quase sempre empresário, financiador de campanha. Em meio a isso, funcionários corruptos se aproveitam da promiscuidade para levar alguma vantagem indevida.

Então, ou se muda a execução orçamentária, ou se eliminam de vez as chamadas emendas individuais. Ou os dois. Não sei quantas operações ainda virão, nem como serão chamadas, nem quantas CPIs ainda se instalarão, nem como se comportarão. Espero que não se esgote a criatividade da Polícia Federal. Nem as minhas esperanças.

Não tenho qualquer expectativa de que as mudanças por que a população tanto reclama, em termos de valores e referências, venham ser concretizadas de dentro para fora. As últimas pesquisas de opinião pública dão conta de que essa mesma população também não acredita mais nas instituições públicas. É que nunca, em nenhum momento da nossa histórica política, os três Poderes estiveram tão contaminados pela corrupção. Há um poder paralelo que se entranha no Congresso, no Executivo, no Judiciário e que faz com que as instituições públicas percam a legitimidade junto à sociedade civil. As pessoas não acreditam mais na sua representação política. Aos olhos da população, estamos todos aqui como protagonistas de um grande teatro do absurdo. Pior: ela generaliza, ela nos imagina apenas no papel de vilões, usurpadores da coisa pública.

A população sente a perda de suas melhores referências políticas. Os grandes nomes representativos dos principais segmentos organizados da vida nacional não foram renovados. Ela sente falta, por exemplo, de um jornalista como Barbosa Lima Sobrinho; de um político de porte como Ulysses, Teotônio ou Tancredo; de um jurista Presidente da OAB como Raimundo Faoro ou Evandro Lins e Silva, ou ainda Sobral Pinto; de um religioso como Dom Hélder; de um economista como Celso Furtado; e de tantos outros, em todos os campos da vida nacional, capazes de aglutinar um pensamento e uma prática em nome da reconstrução da nossa melhor representação democrática.

Enquanto isso, ficamos nós aqui, quem sabe municiados pelas melhores intenções, mas, como numa Torre de Babel, falando línguas diferentes e construindo uma torre, embora não se saiba bem até onde ela se erguerá. E aí alimentamos na população a idéia de um teatro.

O que falamos, embora possa ser bem orientado pelas melhores das convicções, não encontra lá fora a devida repercussão. Por isso, aqui dentro, em caráter de maior urgência, temos de encontrar uma linguagem comum, sem necessidade de tradução simultânea. A mudança que virá, a partir de princípios democráticos, terá que contar com a participação do poder constituído. Mas o tempo passa, e o noticiário invade as salas, com sucessivas operações da Polícia Federal, fixando algemas em quem deveria ser de fato guardião da coisa pública. É preciso que juntemos forças para expulsar de vez esses novos vendilhões do templo. E aí de nada vai adiantar o nosso trabalho moralizador, se outras instâncias do poder também continuarem a falar uma língua própria, longe do entendimento, longe da expectativa da imensa maioria dos imortais. Se, por exemplo, o Judiciário traduzir as leis de acordo com as conveniências e contra o interesse público; engavetar o que sangra nas feridas da corrupção; punir unicamente os pobres e privilegiar os ricos, o que dizer, por exemplo, quando um Ministro, Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal, que aliás também responde a duas acusações de improbidade, atribuir, sob holofotes, como de motivação psiquiátrica as decisões judiciais fundamentadas em provas cabais? Evidentemente, não haverá babel mais contundente que essa.

É por isso que, embora nossas melhores intenções, não há que se esperar, a partir do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, pelo menos em curto prazo, as mudanças políticas, obviamente no espaço democrático, que a sociedade tanto reclama. Ocorre que a realidade brasileira hoje, tamanha a barbárie, não pode esperar mudanças além do curto prazo. E aí há que se ter uma imensa mobilização de fora para dentro. É preciso que o povo seja de fato senhor da história, sujeito e não objeto. É preciso que a sociedade brasileira volte a exercitar a força das ruas. Um movimento, que poderia orientar-se sob o lema: Reage, Brasil! Ora, um país com tantas e tamanhas riquezas como o nosso não pode permanecer mergulhado na barbárie. Não pode conviver com a corrupção, com a miséria, com a pobreza, com a violência, com o analfabetismo e com tantas precárias condições de vida.

No século passado, fomos o país que mais cresceu no mundo. Embora toda essa riqueza gerada pelo trabalho dos brasileiros, irrompemos o novo milênio como o país de pior distribuição de renda do planeta, onde há maior distância e injustiça entre os que mais têm e os que menos têm renda, mergulhados na violência e na corrupção. Corrupção que faz os jornais do centro do País dizer que o Brasil é a Nação do escândalo, do “rouba, mas faz”. É o noticiário que os grandes jornais do País estão publicando: “O Brasil é o país do rouba, mas faz”. O que foi lema de deboche de um candidato a Presidente da República, um ex-Governador de São Paulo, agora em nível internacional é atribuído ao Brasil: “O Brasil é aquele país do ‘rouba, mas faz’”.

Este meu discurso é de conclamação. Que a população brasileira ocupe de novo, de maneira pacífica e democrática, as ruas e exija mudanças de postura dos gestores da coisa pública em todos os níveis. Que reclame por uma reforma política que legitime verdadeiramente essas instituições democráticas. Que imponha o término da corrupção. Que obrigue o fim da impunidade, principalmente para quem se locupleta com o sagrado dinheiro público. Que se reconstrua um Estado com novas bases, verdadeiramente voltadas para a democracia, para a soberania e para a cidadania. Que as leis busquem de fato o interesse coletivo e não a sanha perversa de alguns. Que todos sejam iguais perante a lei, como determina a nossa Constituição.

Ainda está presente na nossa memória o movimento Diretas Já, que, embora a subserviência ao poder deste Congresso Nacional, que negou, no primeiro momento, a lei que daria ao povo o direito de votar para presidente, marcou um dos momentos mais sublimes da nossa história, deu suporte para a abertura política, fez com que os militares retornassem aos quartéis e que a democracia retornasse, elegendo os seus presidentes pelo voto direito. Uma mudança também reclamada em todos os cantos e recantos do País, naqueles idos da década de oitenta.

Quem não se lembra dos jovens caras-pintadas, movimento democrático que também ocupou as ruas de todo o País na luta contra a corrupção. Quem não se lembra de tantos outros momentos em que a sociedade ditou verdadeiramente os melhores rumos para o País. É hora de a sociedade organizada reagir, a partir dos movimentos das igrejas, das escolas, das famílias, dos sindicatos, dos jovens, principalmente dos jovens, na rua, de cara pintada. Reagir em todos os sentidos da palavra e da ação: de demonstrar reação, de protestar, de se opor, de lutar, de resistir, de agir e de exigir. “Decência já” é o que o povo quer.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Pois não!

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Senador Pedro Simon, o pronunciamento que V. Exª faz é impecável sob todos os aspectos e muito abrangente. Eu tinha solicitado o aparte em um determinado trecho do seu pronunciamento, quando V. Exª enfocava a questão do financiamento público de campanha, que eu já tive oportunidade de debater com alguns setores. A pergunta, como V. Exª disse, é sempre assim: vai ser mais uma vantagem para os Parlamentares? O povo é quem vai ter de pagar, quer dizer, os impostos é que vão pagar? Eu acho, Senador, que temos de esclarecer mais isso, até porque aí nós vamos ver que sai mais barato o financiamento de campanha por meio de recurso público aberto, claro e determinado do que esse financiamento público de campanha feito por essa roubalheira de empreiteiras em conluio, desde o segundo e terceiro escalões do Ministério, passando por Ministros, Parlamentares, enfim, todas as esferas do Poder, até chegar ao próprio Judiciário, o que é lamentável. Um outro ponto - V. Exª inclusive é paladino dessa questão - é investigarmos as empreiteiras que têm negócios com o Governo. Eu propus inclusive um projeto aqui em que todo servidor público, desde o mais simples até o mais graduado, inclusive o Presidente da República, eleitos ou concursados, tivesse as suas contas sempre disponíveis e abertas, porque quem é servidor público, seja ele o que for, não é realmente uma pessoa que tenha essa privacidade de não ser investigado a qualquer momento. Por outro lado, se nós temos a indicação permanente de pessoas corruptas, e os corruptores? É a primeira vez que eu vejo um grande empresário ser preso pela Polícia Federal e chegar, digamos assim, a se esmiuçar o gigantismo do roubo que estava sendo feito. E aí V. Exª tocou em um outro ponto, que talvez pensemos ser a matriz de todo o problema, que é o Orçamento que nós votamos aqui, ou pelo menos fazemos de conta que aperfeiçoamos. E quanto significa o que nós mexemos no Orçamento que vem do Executivo? Cinco por cento. Nem tudo é liberado. É aí que discordo um pouco e até gostaria de aprofundar o debate com V. Exª, porque acho que o maior problema não está nem nas emendas individuais, mas nas de bancada, porque nessas que estão sob o rótulo de emendas de bancada todo mundo pode mexer e os mais espertos, com maior trânsito e com algumas ligações não muito claras, conseguem liberar mais emendas do que os outros. Se fossem somente as individuais, portanto identificadas, e de maneira que fossem impositivas, que não ficassem ao sabor do Governo reter - quando falo Governo, digo Presidente e Ministro -, aí acabaria a discussão de estar alguém correndo atrás, precisando negociar, regatear, para poder ter uma emenda liberada. Senador Pedro Simon, abrir mão das emendas individuais, principalmente para os Estados mais pobres, é, realmente, negar oportunidade de o Parlamentar que conhece a realidade lutar pelos seus Estados.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço a V. Exª pelo aparte, que me permite fazer um esclarecimento que não fiz no pronunciamento.

Toda essa história de emenda dos parlamentares, que é o que se movimenta, que é o que se discute, que é para que se crie a comissão, é um problema sério, sim, mas é desse tamanhozinho perto da realidade. Tenho dito várias vezes que o escândalo do orçamento no Brasil não está aqui no Congresso, mas no terceiro escalão dos Ministérios. Querem saber onde as empreiteiras agem? Não é no Ministro... Claro que tem Ministro que manda e vai lá no terceiro escalão, mas tem Ministro como o Jatene, que chegava para nós e dizia: “quando fui ver o que estava acontecendo, eram empresas especializadas que tinham ponto, maquete de um hospital, dinheiro do estrangeiro mais dinheiro do Orçamento, e iam ao Prefeito e davam de presente dizendo ‘você vai ganhar esse hospital, dois anos de carência, o seu sucessor é quem vai pagar’. E não se dava conta de que o hospital era três vezes o valor do que seu valor real”.

Eu fui Ministro. Chegou a mim um Orçamento. A única briga que eu tinha era com o Ministro da Fazenda em relação ao custo da produção, o custo mínimo de produção da soja, da lã...

Modéstia à parte, quando cheguei ao Ministério, fiz minhas nomeações e quinze dias depois minha chefe de gabinete disse: “Tem aí um coronel que quer falar com o senhor”. Eu disse: “Pois não”. Ele era o chefe do SNI do Ministério, pois cada Ministério tinha o seu SNI. Ele disse: “Olha, eu lamento lhe dizer, Ministro, mas tudo que o senhor fez até agora não tem valor”. Não tem valor por quê? “Porque não tem o meu ‘Eu concordo’”. A tradição lá era de tudo passar por ele. Agradeci, mas fiquei com aquilo. Reuni o meu comando no Ministério. A primeira coisa era fazer um escândalo, fazer um carnaval, fazer uma denúncia. Parei, pensei, conversei com o General Leônidas, que era Ministro do Exército, e com o General Ivan, que me aconselharam: “Por que você não aproveita a estrutura e faz uma coisa diferente?” E eu fiz: criei uma espécie de SNI. Era um grupo sob o comando do Coronel Brochado, que foi Deputado e Secretário no Governo do Distrito Federal. Eu o chamei e disse: “Você vai fiscalizar todas as atividades do meu Ministério, a começar pelo Pedro Simon. Tudo o que houver de errado, tudo o que você vir que está ocorrendo você tem obrigação de me dizer. Não quero saber a vida do cidadão, se ele é comunista ou se está fazendo reunião com os comunistas, com isso ou com aquilo. Não quero nem saber, a não ser, obviamente, que haja um movimento para derrubar o Governo. Travei uma luta inteira para chegar até aqui e não quero cair. Mas, se não for isso, se for bobagem, deixa para lá.” Agora, moralização é moralização.

Quando cheguei ao Governo, havia alguns órgãos que apenas apareciam na página policial. Eles foram ver lá na origem. Ele fez um processo de fiscalização, e todo mundo veio.

A CFP tratava do financiamento da produção. Fazíamos os estoques reguladores, comprávamos arroz, feijão, batata, etc., e depois vendíamos. Quando fui ver a venda, a quantia que íamos gastar era dez vezes superior ao que gastávamos. No caso do arroz de Goiás, na verdade, o produto era vendido no Rio, mas registravam a venda, porque o arroz saía de Goiás, ia para a Bahia e era vendido nesse Estado. Era mentira, mas eles tinham a nota. Pegavam um produto de um canto e levavam para outro lado. E as notas eram dez vezes superiores ao valor. Essa situação está ocorrendo. Isso ia para o Orçamento no terceiro escalão. Eu nunca iria descobrir se não tivesse feito esse esquema.

O Presidente do IBDF era reitor da Universidade de Uberlândia, filho de um membro da Academia Brasileira de Letras. Apareceu, no Jornal Nacional, o Dr. Tancredo Neves, Presidente da República, indo visitá-lo num barco que ele tinha e em que estava morando no Amazonas. Falando com ele, Dr. Tancredo convidou-o para um Ministério. Ele disse: “Eu não vou, eu não saio mais. Mas eu tenho um filho formidável. Leve meu filho”.

Morreu o Dr. Tancredo. E José Sarney, que também era da Academia, muito amigo, pediu para eu colocá-lo na Presidência do IBDF. Eu o coloquei na Presidência do IBDF. O pessoal foi fazer o levantamento no terceiro escalão e, quando veio para mim, ele era um dos incluídos na fortuna da reconstrução do reflorestamento: eram reflorestados dez quilômetros e ganhavam-se quinhentos quilômetros. Eu fui descobrir no terceiro escalão. Se dependesse de mim, eu não saberia de nada. Os documentos vinham prontos para eu assinar.

A Cobal era um escândalo, uma bandalheira total. Eu, então, criei o serviço de venda dos produtos alimentícios essenciais nas favelas. Aqui, nas vilas de Brasília, na época, um pobre coitado comprava pelo dobro do preço que nós comprávamos no supermercado, porque o dono do boteco também comprava o seu produto no supermercado. Ele comprava à vista, levava para casa e, no seu boteco, pegava uma lata de azeite, abria e vendia uma xícara para um, outra xícara para outro. Trazia a carteira de cigarro, abria e vendia três para um e três para outro. O preço aumentava muito. Fomos às vilas, pegamos o principal bodegueiro local, escolhido em eleição pelos “caras” da vila e botamos os produtos e eles passaram a comprar quarenta por cento mais barato do que no supermercado. Isso foi feito com uma estrutura que mostra que a corrupção é feita no terceiro escalão.

Vamos pegar as empreiteiras quando vão fazer as estradas. Vamos pegar lá nas estradas, quando vão fazer a medição, quando vão dizer que a estrada é de tal a tal, é de tantos quilômetros. Às vezes, colocam dez quilômetros a mais em vez de fazerem uma reta. Quando fazem um preço, qual é a verdadeira obra de arte que fazem ou não fazem? É lá no terceiro escalão.

Tem Ministro que é malandro e o operador vai falar com ele. Tem Ministro que, como me disseram hoje, é diferente. Para eles não é no terceiro escalão, porque o Ministro chama os “caras”, chama as empreiteiras e participa. Deus me perdoe, mas não quero falar nesse caso. Quero falar no que é real, e o real é que no terceiro escalão é que é feita a coisa.

Vem aqui o escândalo em cima do orçamento, em cima das emendas dos Parlamentares que são 4% ou 5% do verdadeiro orçamento. Tenho muito carinho pelo Senador Antonio Carlos porque acho que é muito sincero e está correto quando fala em orçamento impositivo. Nós mandamos o orçamento para o Governo, mas o orçamento é de mentirinha, porque o Presidente da República faz o que quer, executa ou não. Mas para fazer um orçamento impositivo para valer, temos que ver como ele é feito, como é feito lá no terceiro escalão dos Ministérios brasileiros.

O Sr. Wellington Salgado de Oliveira (PMDB - MG) - Senador Pedro Simon.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Com o maior prazer.

O Sr. Wellington Salgado de Oliveira (PMDB - MG) - Vou cometer uma audácia nesse aparte a V. Exª. Como V. Exª sempre tem uma vida de audácia, então V. Exª vai me entender. Queria saber - hoje tenho 49 anos - se o Brasil dos 49 anos de V. Exª era melhor ou pior do que o Brasil dos meus 49 anos. No Brasil dos meus 49 anos, o Poder Judiciário prende, o Poder Judiciário solta, as revistas publicam o que acontece, os blogs publicam o que acontece, a Internet publica o que acontece, todos sobem à tribuna, falam o que acreditam. E V. Exª, no momento, citou nomes importantes de momentos históricos dos quais V. Exª participou, e parece que na minha geração não há pessoas importantes, não há nomes importantes, não há nomes que fazem a história, não tem nomes que mudam o Brasil. E estou aqui atentamente ouvindo o discurso de V. Exª e não consigo me conter diante disso. Então, queria que V. Exª, numa demonstração de história, e isso V. Exª sabe que...

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Quando V. Exª fala no Brasil dos seus 49 anos refere-se ao Brasil de hoje? V. Exª tem 49 anos.

O Sr. Wellington Salgado de Oliveira (PMDB - MG) - Exatamente. V. Exª sabe o respeito que tenho por V. Exª. Muitas vezes V. Exª pergunta: “Qual o seu lado dentro do PMDB”? Como bem colocou ontem, num momento de inteligência máxima, que não vou esquecer. Foi um momento particular, entre nós dois. Então, eu gostaria de saber: qual a diferença entre o Brasil quando V. Exª tinha 49 anos e o Brasil dos meus 49 anos, de hoje, com toda a experiência de V. Exª? Melhorou? Piorou? Hoje a Justiça prende, solta; fala-se de Ministro do STJ; Ministro do Supremo fala que está afetando o Estado democrático de direito quando se prende sem antes averiguar; algemam-se pessoas que se sabem onde moram, as empresas que têm, que não vão fugir do País. Hoje não adianta mais fugir, a verdade é essa. O PC Farias fugiu pelo mundo inteiro e acharam-no, nas Filipinas, não sei lá onde, e trouxeram-no direitinho. O mundo é uma aldeia global. Então, eu queria que V. Exª - claro, que tem um discurso maravilhoso e pensa rapidamente - tentasse demonstrar a diferença entre essas duas gerações.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - V. Exª está tendo uma atuação esplendorosa aqui na Casa, tanto que todos nós torcemos para que o Ministro fique lá, menos pelo Ministro e mais por V. Exª ficar aqui. Enquanto ele estiver lá, V. Exª está aqui. Agora, se ele sair de lá e for para uma outra embaixada, nós o recebemos com a maior tranqüilidade. 

Veja, o meu Brasil - quando eu tinha a idade de V. Exª - era pior do que hoje. Nós lutamos contra uma ditadura. Nós lutamos contra o regime militar, que cassou, prendeu, matou, torturou. O Brasil militar baixou o Decreto nº 288, que eu não me lembro de similar no mundo, proibindo o estudante de estudar. O estudante era atingido porque lutava na UNE, tinha de ficar durante dez anos sem poder estudar. Aliás, foi o Decreto nº 477; o de nº 288 atingiu as lideranças sindicais no mesmo sentido. Foi uma luta muito grande. A Arena fez um papel muito feio, muito triste, porque se acomodou. Os Governadores e as prefeituras eram da Arena, que se locupletou.

O MDB, modéstia à parte, com o tempo, foi adquirindo um papel fantástico. E essa luta trouxe a democracia para o Brasil. No início, não foi fácil. O Brizola queria luta armada; os outros queriam a renúncia do MDB, fechar o MDB. O MDB estava coonestando. O papel do MDB era um papel ridículo, estava garantindo a ditadura. Nós tínhamos de renunciar para ficar um partido só e para o mundo saber que aqui havia uma ditadura.

Foi quando o MDB, lá no Rio Grande do Sul, decidiu... O MDB é um partido aberto; àquela altura não podíamos exigir carteira de conduta ou biografia. O que nós exigíamos era o seguinte: Diretas Já, anistia, assembléia nacional constituinte, fim da tortura e liberdade de imprensa. Essas bandeiras entram no MDB e atiram para o lado de lá. Luta armada? Sai do MDB. Voto em branco? Sai do MDB. Os caras nos chamaram de doidos. Esse exército armado, essa máquina feita, militares, a Igreja, o poder empresarial fechando uma ditadura para durar a vida inteira, quando íamos derrubar essa gente? E nós derrubamos. Muita gente, sofreu, Senador.

Se eu fizesse um discurso como esse que estou fazendo aqui, eu poderia ir para casa e, quando chegasse em casa, já me diriam: “Não é mais Deputado”, como aconteceu. Foi uma luta difícil, árdua que nós ganhamos.

A primeira coisa que aconteceu de errado, Senador, foi a sacanagem que o Tancredo fez para nós e ele não podia ter feito: ele não podia ter morrido. Toda a nossa luta, e ele não podia ter morrido. Quer dizer, a morte do Tancredo mudou o destino do Brasil. Eu tenho o maior carinho pelo Sarney. O Sarney é uma figura por quem tenho respeito e que fez o seu papel, mas ele não era o Tancredo. O Sarney era o Presidente da Arena. Entrou ali porque precisava conseguir mais alguns votos para eleger o Tancredo. Então, ele entrou ali para ser o vice. No momento que ele assume a Presidência, acabou o nosso movimento. Acabou! Quer dizer, nós ficamos ali e ainda tentamos... Os Ministérios, que nem eu, escolhidos pelo Tancredo ficamos Ministros, forçados, porque nós queríamos sair no dia seguinte. Nós não queríamos assumir com o Sarney; queríamos cair fora. Foi o MDB que exigiu, e exigiu que nós devíamos ficar, porque, se não ficássemos, o Sarney não tinha força nenhuma. A partir daí, o Sarney tentou fazer o Governo, um Governo limpo, sério.

Agora, a chamada socialdemocracia do Fernando Henrique foi uma tristeza. Foi uma tristeza. Vender a Vale do Rio Doce por R$3 bilhões, com dinheiro dado pelo BNDES - hoje, ela vale R$40 bilhões. As privatizações que foram feitas... Comprar a emenda da reeleição, comprar com dinheiro vivo... Essas coisas foram crescendo, e o Governo Fernando Henrique, os seus oito anos, foi muito triste. Aí, as coisas foram se apequenando, se apequenando... Veio, então, a expectativa do Lula. Vai mudar! Não houve partido na história do mundo que, na oposição, agiu com tanta dignidade, com tanto brilho. Não houve partido na história do mundo que soube atirar pedras na vidraça dos outros tão bem quanto o PT atirou. Mas se esqueceram disso ao chegar no Governo. Fazer o quê?

Eu cobro de Dom Arns: “Dom Arns, o senhor pegou as comunidades de base da Igreja e empurrou tudo para o PT. Transformou em uma escola, o pessoal das comunidades da Igreja Católica, de formação de quadros do PT! O senhor elegeu o PT e o Lula! Mas o senhor se esqueceu de ensiná-los a governar. O senhor os ensinou a chegar ao Governo e, chegando ao Governo...” Coitado, ele me respondeu: “Mas parecia gente tão santa! Eu até achei que metade ficaria aqui na igreja como pastor. Eram pessoas que pensavam em salvar e purificar o Brasil. Nunca, Simon, passou pela minha cabeça que essa gente iria fazer isso!” Esqueceu-se, Dom Evaristo, que não se conhece uma pessoa enquanto ela não estiver sentada em uma cadeira com a caneta na mão! A pessoa pode viver 20 anos contigo; pode ser até teu filho, estar ali ao teu lado. Talvez, até, nem a pessoa se conheça! Provavelmente, nem a pessoa se conheça como vai ser quando estiver sentada na cadeira com a caneta na mão e podendo fazer o que quiser. E o PT deu isso: esse escândalo.

Lembro-me de quando pedi daqui ao Lula, pelo amor de Deus, quando apareceu o Waldomiro pela primeira vez, foi o primeiro caso de escândalo, que o demitisse já. Pedi que demitisse primeiro e investigasse depois. Se aparece alguém recebendo dinheiro na televisão...

Boicotaram a CPI. Não deixaram criar a CPI. O Jefferson e eu fomos conseguir a instalação da CPI no Supremo Tribunal Federal um ano e seis meses depois. Aí já havia quatro CPIs, o Governo já havia se corrompido e extrapolado. O escândalo era geral. Se no primeiro caso, o do Waldomiro, ele tivesse sido colocado para fora do Governo, mandado para a cadeia, duvido que a coisa tivesse continuado. Assim foi.

Agora é diferente. Hoje vou para casa, onde está a minha família, o meu filho. Sei que está tudo bem e que, como V. Exª disse, nada vai acontecer. A liberdade existe. Tudo bem. Mas há mais roubalheira do que na época da ditadura, mais especializada, mais abrangente, mais aberta.

Não posso fazer comparação entre Brasil de hoje e o da ditadura nem querer que voltemos no tempo. Não. Mas todo o movimento que fizemos não foi para ver o que vemos hoje. Não fizemos uma mudança, transformação, mandamos os militares de volta e tudo o que está aí para conseguirmos o que temos hoje. Não. Perdoem-me, mas acho que, se antes a nossa situação era de nojo com a ditadura, com o Cone Sul: ditadura no Brasil, Pinochet no Chile, ditadura na Argentina, no Uruguai e no Paraguai - uma história de ditadura - hoje é para ser diferente porque conseguimos mudar essa história. A situação não é para ser como é hoje, não é para ser como hoje.

O Lula está fazendo um mal a este País que ele não entende. O Lula era para ser nosso herói. O Lula era para ser, neste terceiro milênio, o homem do milênio. Ele veio lá do Nordeste, de uma família de sete filhos, abandonada pelo pai; entrou num pau-de-arara e foi atirado lá na selva de São Paulo. Ficou ali sem ninguém, sem nada; fez um curso de formação em mecânico num sindicato; conseguiu emprego como mecânico e entrou na vida sindical, cresceu, avançou e se transformou no único líder sindical da histórica no mundo que tem um partido de operários criado por operário: o Partido dos Trabalhadores. Candidatou-se a presidente uma vez, duas vezes, três vezes, quatro vezes e nunca se ouviu nada contra ele. Olha, conheço o Lula a vida inteira e, até ele chegar à Presidência da República, nunca ouvi falar que ele tinha algum amigo rico, amigo de dinheiro, de fortuna. Agora, fulano está milionário, é amigo dele e o fulano é amigo dele. De onde apareceram tantos amigos? Da Presidência da República.

O Lula não podia fazer o que fez. O Lula tinha de pegar os caras e fazer aquilo que o Tarso Genro disse para ele fazer: assumir a Presidência, não esperar por nós, refundar o PT. Tarso Genro disse isso e chegou a assumir a Presidência do Partido, mas o derrubaram da Presidência. Ele queria refundar o PT, não queria olhar para a CPI, nem para o Judiciário, nem olhar para o Congresso Nacional, nem olhar para a Polícia. Ele queria fazer uma convenção no PT, ficar lá dez dias e colocar para rua quem tivesse que ser colocado. Aí era diferente. O PT perdeu essa chance.

E Lula está aí. Fez algumas mudanças, mudanças de estratégia política, até inteligentes. Por exemplo, no MDB, ele só falava com o Renan e com o Sarney, com mais ninguém. E V. Exª sabe, como eu, que saía no jornal “o fulano de tal é Ministro indicado pelos Senadores”, e nós nunca reunimos a Bancada. Nunca fomos chamados para escolher o nome de nenhum Ministro, só sabíamos pelo jornal. Agora mudou. Agora ele está negociando com o MDB, com a Bancada, com os Deputados. É uma estratégia inteligente, mas não é isso que estamos pedindo. Estamos pedindo uma estratégia de seriedade de Governo.

Querem ver um fato singelo? O Presidente do Banco Central foi denunciado pelo Procurador-Geral da República como corrupto, como formador de quadrilha e está sendo processado no Supremo Tribunal Federal. E Lula disse: “Não posso considerá-lo culpado enquanto a sentença não passar em julgado”. O Supremo não condena ninguém, então está na gaveta. Eu concordo: não podemos chamar o Sr. Presidente do Banco Central de acusado, de condenado porque ele não é condenado, ele é um réu que ainda não foi julgado.Todavia, um réu que ainda não foi julgado, que está sendo julgado no Supremo Tribunal Federal tem as qualidades para ser Presidente do Banco Central? E o Lula, além disso, o nomeia Ministro. É o único Presidente do Banco Central, no mundo, que é Presidente do Banco Central e Ministro - Ministro-Presidente do Banco Central. Por que ele fez isso? Para dar ao Ministro essa imunidade do foro privilegiado. Não fora isso, ele poderia ser processado nos foros intermediários. Hoje não, só no Supremo. Então, eu não sei, o Presidente da República lança uma operação, considerada espetacular, para retomada do crescimento, mas vejam os escândalos que estão aparecendo, um atrás do outro! Temos que tomar cuidado. Eu sou contra a operação abafa. Vamos abafar a Polícia! A Polícia que pare, que não ande, porque ela está usurpando! Eu acho que a Polícia tem que agir. O que eu tenho medo é do uso político da Polícia, que não é a Polícia que faz, é a direção do Governo.

O meu amigo Tarso Genro, por quem tenho uma admiração muito grande, tem que ter todo o cuidado para não brincar com essas coisas. Por exemplo, eu não entendo por que apareceu no jornal que a Ministra-Chefe da Casa Civil andou num barco, lá na Bahia, quando ela esteve lá, junto com o Governador. Ah, mas o barco era de não sei quem! Mas o que a Ministra tem com isso? Ela foi à Bahia, numa visita, para inaugurar uma obra, e o Governador a convida para dar uma volta de barco. Isso é motivo de escândalo? Vou dizer, com toda sinceridade, morreu o sogro do Senador de Mato Grosso do Sul. Ele pegou um avião para ir ao enterro. Isso é motivo de escândalo? Então, acho que tem que medir as palavras. Botar no jornal que fulano, fulano e fulano receberam mimos. Acho que é melhor esclarecer essas coisas. Mimo recebeu o Presidente do PT quando ganhou um automóvel espetacular da empresa não sei do quê. Isso é escândalo.

Mas daqui a pouco vão ver o cidadão recebeu... Cometemos um erro grave na CPI dos Anões do Orçamento, recebemos ordem judicial, a CPI recebeu ordem judicial, pois interferiu e mandou fechar a sede de uma empreiteira aqui em Brasília. Entraram e pegaram uma lista, que foi publicada pela Veja. Mas era uma lista dos presentes de fim de ano. E os presentes de fim de ano eram mimos, calendários. Naquela época não se dava gravata, naquela época eram calendários... Aí deu uma complicação para a CPI, que indicou 300 parlamentares. Mas a maioria deles não tinha nada a ver com isso. Agora, impedir a Polícia de agir, não. Acho que ela tem que agir.

Mas há um fato muito interessante que teria que ser analisado. A Polícia entrou em ação às vésperas da CPI entrar em funcionamento. Em parte, é bom, porque, com todo o respeito, os nomes na CPI, não sei... Mas, em parte, a CPI funciona como uma precaução, para defender o governo. Às vezes se enganam.

A CPI dos Correios foi feita de mentirinha, mas o Relator denunciou os 40 Parlamentares. Está lá no Supremo, na gaveta do Supremo. Foi ameaçado muitas vezes, ele, sua mulher e sua filhinha, mas ele cumpriu seu papel. Então, meu querido Senador, são situações importantes e graves. O senhor prefere a democracia de hoje ou da ditadura? A de hoje. O senhor prefere o Congresso de hoje ou da ditadura? O de hoje. O senhor prefere a liberdade de imprensa ou a da ditadura? A de hoje. O senhor prefere a liberdade intelectual, de música, artística, de hoje, que está toda livre, ou da ditadura, que, só do Chico Buarque, mais de 200 músicas proibiram? A de hoje. O senhor prefere os estudantes, que estão abertos para estudar, para debater, para ir às ruas como hoje, ou na época da ditadura? Hoje. Agora, a roubalheira, as vendas do patrimônio nacional não podem continuar como hoje. A corrupção!... Naquela época a gente partia do princípio de que o Supremo era seriíssimo, de que grande maioria do Congresso era seriíssima, de que grande maioria de estudantes... Os estudantes eram sérios. Hoje, é uma lama que se espalha e não se sabe o que está atingindo. E isso atinge os sentimentos de toda uma Nação. Na ditadura, a Nação estava unida para lutar contra a ditadura. Hoje a Nação está amorfa, está com nojo, está com revolta, está com desinteresse porque está vendo que a coisa não leva a nada. Por isso é que a nossa luta é mais difícil hoje. Antes sabíamos quem era o adversário; o adversário estava lá: eram os militares, era a ditadura. Bastava atirar pedra contra lá e estava tudo bem. Hoje, não se sabe em quem se vai atirar pedra: no Judiciário? No Lula? Em quem você vai atirar pedra? Em quem está com a razão? Em quem está errado? Por isto a situação hoje é muito mais difícil: porque, às vezes, o problema não é ter medo de cumprir o dever, é de saber como está cumprindo o dever.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/05/2007 - Página 16506