Discurso durante a 83ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

O divórcio entre a pauta do Congresso Nacional hoje e a pauta do povo brasileiro.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • O divórcio entre a pauta do Congresso Nacional hoje e a pauta do povo brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 01/06/2007 - Página 17462
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • COMENTARIO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, PRAÇA DOS TRES PODERES, PROTESTO, NUMERO, MORTE, VIOLENCIA, BRASIL, SEMELHANÇA, GUERRA, ANALISE, OMISSÃO, CONGRESSO NACIONAL, DEBATE, ASSUNTO, INSUFICIENCIA, ATUAÇÃO, APROVAÇÃO, PROPOSIÇÃO, AREA, SEGURANÇA PUBLICA, EFEITO, PERDA, REPUTAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, QUESTIONAMENTO, POSIÇÃO, SENADOR, ACEITAÇÃO, PARALISIA, REFERENCIA, DESEMPREGO, GREVE, EDUCAÇÃO, FALTA, ATENDIMENTO, SAUDE PUBLICA, EXPECTATIVA, ORADOR, ALTERAÇÃO, SITUAÇÃO.
  • ANALISE, OMISSÃO, LEGISLATIVO, CONCENTRAÇÃO, PODER, EXECUTIVO, JUDICIARIO, NECESSIDADE, RECUPERAÇÃO, CONFIANÇA, POVO, CONSCIENTIZAÇÃO, FUNÇÃO, REPRESENTAÇÃO, ELEITOR.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Boa-tarde, Srªs e Srs. Senadores, caro Presidente Mão Santa, o que venho falar é um pouco a continuação do discurso do Senador Campos, mas em uma dimensão maior, lembrando, Senador Augusto Botelho e Senador Heráclito, que às vezes passamos e não vemos. Aqui em frente ao Congresso, há hoje uma coleção de 15 mil bandeiras brancas. Quinze mil bandeiras! É uma obra que vista de cima tem uma beleza poética. Quinze mil pequenas bandeiras singelamente brancas. Quinze mil bandeirinhas. Cada uma representa um dos mortos por violência no Brasil em quatro meses deste ano. Quinze mil bandeiras! Isso quer dizer - fiz uma conta rápida - que, até o final do ano, é possível que esse jardim de bandeiras brancas chegue até a rodoviária, preencha a totalidade da Esplanada dos Ministérios.

Que País é este que, em 4 meses, tem 15 mil mortos por violência? Algum País em guerra hoje, incluindo o Iraque, tem 15 mil mortos em 4 meses, tirando-se aquele período dos bombardeios americanos no começo? Provavelmente nenhum.

Mas eu vim falar menos da violência que caracteriza este País do que do fato de não entrar na nossa agenda este assunto. Ou, ainda mais grave, que para muitos Senadores que hoje não estão aqui é capaz de parecer que o simples fato de a Comissão de Constituição e Justiça ter elaborado alguns projetos, como a redução da maioridade penal, o simples fato de ter aprovado dois ou três projetos de lei, nos autoriza a dizer: cumprimos o nosso papel. Isso é que me deixa triste.

Muitos sabem que a situação hoje do prestígio do Congresso não é boa na opinião pública. Agora, muitos de nós achamos que isso é fruto apenas da corrupção, do uso do dinheiro público para fins privados, de denúncias em revistas. Tudo isso, é claro, gera um desgaste, mas há um desgaste, Senador Heráclito Fortes, mais profundo que este, talvez menos visível, é o divórcio entre a nossa agenda e a agenda do povo. A pauta do povo não é a pauta do Congresso hoje. E, quando colocamos os assuntos do povo na nossa pauta, não é com a profundidade devida para encontrar a solução nem é com a responsabilidade devida para levar adiante aquilo que começamos.

Ontem, quando levantei aqui a idéia de que, diante desta crise e da volta e volta a cada mês de denúncias contra o Congresso e contra cada um de nós - e não vamos falar de ninguém; aqui ninguém pode ficar jogando pedra; todos temos que assumir um pouco a responsabilidade -, devemos parar e transformar as sessões aqui, Senador Garibaldi, em uma assembléia de debate sobre o que fazer, foi me dito que já tinha sido feito tudo e que estava na Câmara. Ora, se está na Câmara, não foi feito ainda, porque o Congresso é um só. Agora, se está na Câmara, saiu daqui, temos a obrigação de estar junto, de cobrar.

Soube inclusive que houve críticas de alguns Parlamentares pelo fato de eu ter dito aqui que, se fosse preciso, poderíamos sair em passeata até o outro lado do prédio e reclamar da Câmara dos Deputados, não porque somos Senadores mas porque somos representantes do povo, como eles são, e já fizemos a nossa parte. A verdade é que nós não fizemos a nossa parte ainda.

O Senador Suplicy, que foi um dos que levantaram o fato de que tudo já tinha sido feito, diz que não sabe se devemos ou não termos lista fechada. Ora, um Senador com três mandatos que está em dúvida sobre isso!? Acha que já foi feito o que era para ser feito!?

Ora, vamos assumir o nosso papel. Não estamos combinando a nossa agenda com a agenda do povo. Não estamos trazendo para aqui os problemas que o povo brasileiro enfrenta, que não é só a vergonha de um Congresso maculado por atos de corrupção. Não é só isso. As 15 mil bandeiras aqui fora mostram que não é só isso.

Agora, se em vez de uma bandeira branca por cada morto, Senador Heráclito, fôssemos botar uma bandeirinha vermelha, amarela ou preta por cada desempregado, não haveria espaço suficiente nesta Esplanada para colocar bandeiras, por menor que fosse cada uma delas.

E, se fôssemos colocar aqui bandeiras pelo número de alunos sem aula hoje - em sete Estados há greve de professores, sem falar nas universidades -, não existiria bandeira que coubesse, porque são 40 milhões de crianças em todo o Brasil.

E se fôssemos colocar bandeira em nome daqueles que estão em filas nos hospitais para serem atendidos em cirurgias? Em relação a isso, o Senador Mão Santa não apenas sabe a realidade de hoje, mas também sabe o que, em alguns momentos, se fez para corrigir, para mostrar que é possível corrigir.

E se fôssemos colocar bandeirinhas aí na frente pelo número de jovens que ainda foram mortos, que não merecem nem devem ter bandeirinhas de outra cor por estarem presos, mas que não têm nenhuma perspectiva de futuro no nosso País?

E se fôssemos colocar bandeirinhas em nome de cada um dos presos brasileiros que caíram na criminalidade por falta de oportunidade e que viria de uma escola boa se tivesse tido? Quantos hectares a mais de jardim nós teríamos que fazer nesta Esplanada para colocar as bandeirinhas em nome dos jovens presos por uma falta de oportunidade no momento certo?

Não vou tomar muito tempo hoje. Espero amanhã - eu, Mão Santa e Heráclito sempre estamos aqui na sexta -, se for possível, retomar um tema: “Como recuperar a credibilidade do Congresso?”. Cheguei a pensar em vir aqui e falar onde nós erramos, mas aí pareceria uma posição negativa, defensiva. Vamos tomar uma posição ofensiva: como mudar?; como quebrar aquelas que são as causas do nosso desgaste?. A corrupção é uma causa, sem dúvida alguma. Mas há outras. A ostentação que expressamos em muitos gestos.

Assisti, há pouco, a um filme que se passa na Inglaterra, chamado “A Rainha”, não sei se os senhores o assistiram. E tem uma hora em que o Primeiro-Ministro do Império Britânico discute as coisas, conversando com sua mulher e, de repente, ele pega os pratos e vai lavá-los na cozinha de seu pequeno apartamento. Enquanto isso, nós estamos ostentando. E digo “nós”! Não me coloco fora disso! Sou parte deste sistema nosso aqui; não jogo pedra em ninguém.

É uma ostentação que se afasta, até mesmo a ostentação lingüística: chamamo-nos um ao outro de “Excelência”, de nobre, como se ainda estivéssemos na monarquia.

Lembro-me de que, uma vez, na cadeira de Presidente, chamei a Senadora Heloísa Helena de “companheira Heloísa Helena...” Companheira, não! Eu a chamei de “cidadã Senadora”.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Cristovam Buarque...

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu ainda tenho seis minutos!

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Lamento interrompê-lo, mas, regimentalmente teríamos que encerrar, pois são 18 horas e 30 minutos. E, como Presidente, no momento, prorrogo a sessão por mais uma hora para que todos os oradores e V. Exª possam manifestar, tranqüilamente, os seus pensamentos.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado. Fico agradecido quanto ao tempo.

Lá fora, quem está nos assistindo não vai entender essa ginástica que fazemos aqui.

Chamei a Senadora de “cidadã Senadora”. E houve reclamações de que feria o Regimento.

Nós somos uma República há 118 anos e ainda nos tratamos de Senadores e Excelências... É claro que isso nos afasta!

E o mais grave é sobre o que gostaria de falar amanhã, Senador Garibaldi e Senador Heráclito Fortes. Talvez o mais grave de todos e que leva este Congresso a ficar sem credibilidade, este que é governado hoje por medidas provisórias que vêm do Executivo e liminares que vêm do Judiciário. Nós estamos imprensados no meio disso.

Vamos falar com verdade. Hoje, nosso papel está imprensado entre a força de um superpoder Executivo e de um superpoder Judiciário. A culpa é nossa. A gente não muda, não reage. Esta é a Casa do povo. Por lei, podemos mudar qualquer coisa neste País, salvo as cláusulas pétreas da Constituição. Mas não mudamos. Vamos deixando as coisas caminharem, serem levadas e continuarem. O povo está assistindo, mas vai cansando. Por enquanto, o cansaço é apenas o desprezo, a desconfiança. Um dia será representado por pedras, como aconteceu há pouco tempo na Argentina. Não faz muito tempo que, na Argentina, jogavam-se pedras nos Parlamentares.

Nesta Casa, já foram jogadas flores, no dia em que nós abolimos a escravidão, há 119 anos. Flores da tribuna para os Senadores. Hoje, duvido que joguem flores. Temos de descobrir por que e recuperar o carinho e o respeito do povo. Como pode o povo não gostar de seus representantes? Alguma coisa os representantes estão fazendo ou deixando de fazer. Aliás, Senador Augusto Botelho, creio que deveríamos até mudar o nome. Em vez de Deputados, deveríamos chamá-los de representantes do eleitor, como acontece nos Estados Unidos. Não é nenhuma novidade. Uma coisa é o eleitor sair de casa para votar em um Deputado que terá mordomias em Brasília; a outra é sair de casa para votar em quem vai ser o representante dele em Brasília. Muda completamente a postura. A língua é muito importante.

Como mudou completamente, neste País, o comportamento da mãe que ia receber o Bolsa-Escola e agora vai receber o Bolsa-Família. Mudou completamente, Senador Heráclito Fortes! No primeiro caso, a mãe ia receber a Bolsa porque o filho estava na escola e, por meio disso, ia sair da pobreza; agora, ela vai receber porque a família é pobre e, se sair da pobreza, perde a Bolsa. Mudou. Houve um devastador efeito na consciência das classes pobres deste País quando o Programa Bolsa-Escola se transformou no Bolsa-Família.

Independente do resto, como não exigir freqüência, misturar com outros programas assistenciais, mesmo que estivesse tudo certo, tirar a palavra “escola” e colocar a palavra “família” quebrou a idéia de educação naquele dinheiro que ela recebia. O mesmo acontece talvez quando chamamos de deputado em vez de representante do povo ou do eleitor, como os americanos fazem. E não sou daqueles que gosta de imitar gringo, mas existem coisas que podem ser positivas.

Senador, não vou tomar o seu tempo todo hoje, não, porque há outros que querem falar, mas vou aproveitar para voltar a este assunto. Para mim, temos hoje uma responsabilidade maior do que com o Congresso; nossa responsabilidade com a democracia brasileira, que não sobreviverá se o Congresso não foi querido do povo.

Temos de descobrir o que está errado e como fazer para reconquistar a opinião pública, onde temos de fechar torneiras, em que temos de mudar posturas e, sobretudo, qual é a pauta das nossas falas, qual é a agenda que deve dominar as nossas discussões, como trazer as 15 mil bandeirinhas brancas que estão lá fora aqui para dentro, para as 81 cadeiras dos Senadores. Deveríamos pegá-las e colocá-las aqui - falei simbolicamente, mas, de repente, poderia ser de fato.

Poderíamos pedir licença aos autores daquela obra, porque é uma obra, trágica obra de arte, e distribuir aqui para cada um dos Senadores uma quantidade de bandeirinhas. Daria mais de 200 para cada um.

Precisamos fazer um exame de consciência - toda a Casa, sem jogar culpa em ninguém, individualmente - e assumir no conjunto, porque não me sinto aqui melhor do que ninguém. Posso me sentir, sim, talvez, mais preocupado do que a maioria, mas não melhor. Não tenho o direito de acusar ninguém de nada, por isso não entro em CPI, não entro em Comissão de Ética, porque não tenho vocação.

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Dou um minuto para V. Exª, mas a nota é 10.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado.

Mas um exame de consciência, sim, coletivo, precisamos fazer. Cobrei isso do Presidente Renan. Penso que, hoje, esse papel pode, sim, ser desempenhado por ele, que é o nosso Presidente com mandato ainda adiante, e seria até positivo, neste momento, mostrar que podemos transformar uma Casa em crise em uma Casa para a crise; uma Casa que olha para dentro, envergonhadamente, em uma Casa que olha para fora, com esperança no futuro.

Cumpri meu tempo, Senador Mão Santa, mas acredito que não cumpri o meu tema.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - O tempo foi de 15 minutos; a nota é 10.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Cumpri o meu tempo, mas não cumpri o meu tema, o que é falha minha, mas vamos precisar de muitos meses para que tentemos avançar neste tema.

Obrigado, Sr. Presidente, Senadores e Senadoras.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/06/2007 - Página 17462