Discurso durante a 87ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o crime organizado.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Reflexão sobre o crime organizado.
Publicação
Publicação no DSF de 07/06/2007 - Página 18880
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, AMPLIAÇÃO, ATUAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, UTILIZAÇÃO, TECNOLOGIA, TRAFICO, DROGA, VIOLENCIA, COERÇÃO, COMUNIDADE, BAIXA RENDA, RESPEITO, ILEGALIDADE, PODER.
  • LEITURA, TRECHO, RELATORIO, AUTORIA, ESCRITORIO REGIONAL, COMBATE, CRIME, ENTORPECENTE, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DEMONSTRAÇÃO, OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL, TOLERANCIA, TRAFICANTE, RECRUTAMENTO, CRIANÇA, VIGILANCIA, LOCAL, VENDA, ENTREGA, TOXICO, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, A TRIBUNA, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES).
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ENTREVISTA, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, MINISTRO, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, SUGESTÃO, BRASIL, DETERMINAÇÃO, EXERCITO, EMPENHO, COMBATE, TRAFICO, DROGA, CRIME ORGANIZADO.

            O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, tornou-se comum no Brasil, nos últimos anos, o uso da expressão “crime organizado”. Aprendemos a conviver com rebeliões simultâneas em presídios, incêndios de ônibus, ataques a delegacias e a policiais civis e militares, além de outros tipos de atentados - todos atribuídos a organizações que têm nomes como “Comando Vermelho”, “Primeiro Comando da Capital” e “Terceiro Comando”, dotadas de alto nível de organização, com hierarquia, divisão de tarefas, esquemas sofisticados de arrecadação de recursos e numerosos integrantes.

Uma nova ordem criminosa surgiu, e tudo indica que ainda não acordamos para a sua existência, tanto que ela prospera diante dos nossos olhos. Não estamos tratando de simples quadrilhas de assaltantes, assassinos ou estelionatários, mas de estruturas que pouco têm a ver com os antigos conceitos de crime e de criminoso.

Juristas eminentes há tempos dedicam-se ao estudo do fenômeno, que, infelizmente, em nosso país tem recebido pouca ou nenhuma atenção dos governantes.

Uma definição exemplar pode ser encontrada na obra de Alberto Silva Franco. Ele diz que o crime organizado “detém um imenso poder, com base numa estrutura que lhe permite aproveitar as fraquezas estruturais do sistema penal; dispõe de meios instrumentais de moderna tecnologia; apresenta um intrincado esquema de conexões com outros grupos e uma rede subterrânea de ligações com os quadros oficiais da vida social, econômica e política da comunidade; origina atos de extrema violência; exibe um poder de corrupção de difícil visibilidade; e, em resumo, é capaz de inerciar ou fragilizar os poderes do próprio Estado”. 

No Brasil, o crime organizado atingiu o objetivo final a que se refere Silva Franco: em algumas regiões, tornou-se um poder paralelo, que oferece empregos, dita normas, como ordenar o fechamento do comércio, estabelece penas para quem transgride alguma de suas regras e cobra taxas dos moradores. Sabemos que, em nossas metrópoles, há casos de comunidades inteiras que são governadas pelo arbítrio de organizações criminosas.

Não é mais o Estado quem detém o monopólio do uso da força, da cobrança de tributos e da aplicação das leis. Como diz um velho ditado, quando falta a força da lei, o que passa a prevalecer é a lei da força.

Uma pergunta é inevitável: como o crime organizado conseguiu expandir-se, conquistar tanto espaço e poder? A resposta está no principal ramo de negócio a que se dedica, o mais lucrativo do mundo - o tráfico de drogas.

São os recursos do narcotráfico que sustentam as organizações criminosas e permitem que exerçam seu poder a cada dia maior, além de estimularem a diversificação de atividades, que vão do contrabando de armas ao roubo de veículos e cargas e à lavagem do dinheiro obtido com seus negócios.

O presidente da Colômbia, Alvaro Uribe, concedeu uma entrevista ao jornal O Globo, publicada na edição de terça-feira, dia 20, que serve de alerta para o Brasil. É bom lembrar que a Colômbia é um país que esteve à beira da desintegração devido ao narcotráfico. Perguntado sobre quais recomendações faria ao presidente Lula, se este pedisse conselhos para resolver o problema, o presidente colombiano respondeu que o tráfico de drogas não é um problema de polícia, é do Estado.

“Eu recomendaria que atacasse sem piedade todas as faces do tráfico: produção, transporte, venda e consumo. E esse ataque deve ser feito com enorme rigor e sem recuar um metro sequer”, afirmou Alvaro Uribe.

O ministro da Defesa da Colômbia, Juan Manuel Calderon, foi ainda mais específico. Para ele, o Exército brasileiro deveria ser usado imediatamente no combate ao tráfico. “Trata-se de uma guerra. Nós conseguimos derrotar o tráfico com completa intransigência, com absoluta intolerância”.

Pode-se até discordar do que dizem as autoridades colombianas, mas é impossível negar que temos sido muito tolerantes.

Toleramos o domínio de favelas por traficantes, toleramos a circulação de armas e narcóticos nas fronteiras tríplices - entre Colômbia, Brasil e Peru, e entre Brasil, Paraguai e Argentina. Toleramos a perigosa associação entre traficantes brasileiros e as Farc colombianas, o grupo narcoguerrilheiro que usa uma retórica de esquerda para encobrir suas atividades criminosas.

Toleramos ainda o recrutamento de crianças para a vigilância dos pontos de venda e para a entrega de drogas, como demonstra o relatório de 2005 do Escritório Regional Contra Drogas e Crime das Nações Unidas no Brasil.

Gostaria de citar aqui um trecho desse relatório: “As crianças são recrutadas no nível mais baixo, principalmente para vigiarem o movimento dos pontos de venda. Com o tempo, elas progridem nessa hierarquia e passam a ser mensageiras dos traficantes nos morros. Quando são bem-sucedidas nessa estrutura, logo começam a entregar drogas aos clientes. Os sobreviventes dessas operações podem se tornar "controladores" armados (seguranças que protegem as operações e a renda das vendas de drogas). A maioria desses jovens morre sem ter saído da base dessa hierarquia. Quando um traficante no morro não gosta do trabalho de uma criança ou acha que ela pode se tornar uma testemunha perigosa, ela é simplesmente assassinada.

“Estima-se que a entrega de drogas ilícitas em domicílio no Brasil gere oportunidades de emprego para aproximadamente 20 mil "aviõezinhos". Esses entregadores são, em sua maioria, adolescentes na faixa etária dos 10 aos 16 anos, cujo salário mensal varia de 150 a 200 dólares.”

Não é um fenômeno exclusivo do Rio e de São Paulo. De acordo com uma notícia publicada na edição de 15 de março do jornal A Tribuna, de Vitória, a Comissão de Segurança da Assembléia Legislativa do Espírito Santo ouviu o relato de que menores são contratados por traficantes por 200 reais por semana, só para monitorar os horários em que as patrulhas policiais percorrem os bairros.

Nas últimas décadas, permitimos que essa estrutura prosperasse quase impune. Agora, estamos sofrendo as conseqüências. Sofreremos ainda mais se nada fizermos, porque a expansão do crime organizado não terminou, nem irá terminar. Ao contrário, a tendência é de que ele se torne uma ameaça tão complexa que, um dia, talvez sejamos forçados a reconhecer a nossa impotência para combatê-lo. Antes que esse dia chegue, o País precisa despertar para o problema, e agir sem demora.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/06/2007 - Página 18880