Discurso durante a 79ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem aos noventa anos de Teotônio Vilela.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem aos noventa anos de Teotônio Vilela.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 29/05/2007 - Página 16759
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • CRITICA, CULTURA, BRASIL, DESVALORIZAÇÃO, BIOGRAFIA, LIDER, CONTRIBUIÇÃO, HISTORIA, PAIS, DEFESA, RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, VULTO HISTORICO, INCENTIVO, PATRIOTISMO.
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, TEOTONIO VILELA (AL), EX SENADOR, LEITURA, TRECHO, ANTERIORIDADE, PRONUNCIAMENTO, ORADOR, DETALHAMENTO, BIOGRAFIA, ROMPIMENTO, FILIAÇÃO, PARTIDO POLITICO, ALIANÇA RENOVADORA NACIONAL (ARENA), MOTIVO, CONDUTA, DEFESA, DEMOCRACIA, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL, REGISTRO, MUSICA, IDEOLOGIA, EX-CONGRESSISTA.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Para encaminhar. Sem revisão do orador.) - Hoje foi um dia especial em que o Presidente da Casa, usando do direito legítimo fez a sua defesa, tratando de um assunto que haveremos de analisar nos seus devidos pontos. Mas veja que coincide hoje com o aniversário de noventa anos de Teotônio Vilella.

            Eu tenho dito, Sr. Presidente, que me angustio por ver o Brasil um país sem memória. Uma das coisas que me fizeram ter inveja foi ver, em Washington, em um esquema de horário, estudantes - trezentos, quatrocentos - de escolas de todos os Estados Unidos prestarem homenagem a Lincoln, a Thomas Jefferson. Eu ficava ali olhando como se fosse um zé-ninguém e via as crianças chorando ao lembrarem a história contada pela professora. Na verdade, Washington, Lincoln, Thomas Jefferson, Luther King são nomes que empolgam o povo americano e, muitas vezes, o mundo inteiro.

            No Brasil, se se fizer hoje uma pesquisa, ficaremos impressionados ao ver que os nomes que aparecem são, hoje, os de artistas de televisão. Mas, se perguntarem quem foi fulano de tal, o que fez fulano de tal, praticamente o povo não se lembra. Tenho para mim que devemos escrever uma história não dos vultos históricos, não dos grandes líderes, mas dos homens que foram mais do que estadistas, mais do que heróis: foram figuras que tombaram a sua vida, foram figuras que dedicaram a sua saúde à causa de seu povo.

            Andei com Teotônio Vilella pelo Brasil todo - ele com seus quatro cânceres, suas duas bengalas, sua cadeira de roda, cabeça rapada pela quimioterapia e um boné na cabeça. Olha, ele apresentava propostas, os quatro milagres de que o Brasil precisava. Um plano de salvação nacional. Falava e apresentava como se fosse durar a vida inteira. E falava com emoção de um apaixonado.

            Olha, Teotônio Vilella era um homem da Arena. Era um usineiro, plantador de cana-de-açúcar. Eu estava aqui quando houve a transformação. Ele foi àquela tribuna para mostrar que não dava mais para continuar no partido; que ele havia acreditado, jogado, no sentido de que o Brasil, com o movimento militar, haveria de deixar de lado os golpes e contragolpes de que se falava e seria um grande País.

            Na medida em que ele via que as coisas eram diferentes do que ele imaginava, rompeu, dali, daquela tribuna. Rompeu e começou a contar sua história e a contar suas verdades. O interessante é que, a partir dali, quando ele falava, a bancada da Arena se retirava e vinham Deputados de todos os partidos, funcionários, lotando esta Casa e aplaudindo de pé os pronunciamentos dele.

            Leio aqui com singeleza o que falei aqui há poucos anos atrás:

Nada mais difícil do que traçar o perfil de Teotônio Vilella, apesar de ter convivido com ele durante tanto tempo na resistência democrática e na luta pelos direitos mais fundamentais de todos os brasileiros. É que ele parecia transcendental. Ele inspirava algo de divino. Pudera, ele incorporava o poder de Deus até no próprio nome! Talvez seja por isso que o seu reino parecia não ser, também, deste mundo. Como alguém que encarnou, no seu tempo, a imagem do semeador, ele plantou idéias e exemplos. E não partiu para a eternidade sem, antes, ensinar todos os passos da colheita.

Talvez não fosse necessário resgatar a sua biografia. Porque a vida dos verdadeiros amigos é transparente. Imagine-se, então, a dele, que dedicou a sua existência a todos os que pouco ou nada têm além da própria vida. 

Ele era onipresente. A dor do excluído era, para ele, sempre maior do que a dos seus cânceres. E ele pregava que a fome, a miséria e a injustiça são tumores malignos, mas curáveis, absolutamente curáveis.

Suas muletas, na verdade, pareciam ser batutas. Como um maestro, dava o tom e marcava as entradas. Dos cárceres, dos templos invadidos pelos vendilhões e dos corações petrificados pelo ódio, pela discriminação e pela omissão.

Ele morou meses comigo na minha casa - longos meses - quando ele já não podia ser candidato ao Senado, porque sua saúde não permitia. Achavam que ele não tinha mais chance de sobreviver muito tempo. Não foi candidato, mas sobreviveu muito mais tempo. E eu tive a honra e a felicidade, de como irmão, alojá-lo na minha casa.

Apesar de, ainda hoje, sentir a sua presença viva com uma luz, às vezes, eu imagino o Teotônio caminhando, no planalto do céu, de braços dados com Ulysses, com Tancredo, com Covas, com Pasqualini e com tantos outros. Parece-me até que nenhum deles está a desfrutar do merecido descanso. Porque eu também imagino que o Teotônio continua inquieto com o que está acontecendo com estas terras acidentadas do Brasil.

Quem, como eu, tantas vezes caminhou ao seu lado, sabe que ele não descansará, nem no céu, enquanto faltar pão na terra em que ele ensinou a plantar e a colher. Por isso, para o seu verdadeiro descanso no eterno, ele quer a salvação de todos aqueles que ainda ardem no inferno da fome, da desnutrição, da miséria, da doença, do analfabetismo, da injustiça, da discriminação e da omissão.

                   Teotônio Vilella é o outro nome de todas a ruas e praças deste País porque, em todas elas, ele fincou a sua bandeira da esperança. Ele dizia ser um homem de muita sensibilidade e de muita ilusão, porque “é preciso acreditar no amanhã, mesmo sabendo que, até lá, é preciso muito esforço e tenacidade. A gente sentir lá dentro o que é capaz de ultrapassar a diversidade é uma forma de ilusão. É o meu caso. E não outra coisa vã, desprovida de qualquer apoio. É o que sinto. É um problema de sensibilidade”.

Teotônio Vilella não morreu, Deus pediu-lhe um aparte.

            Às vezes, de madrugada, quando ligamos o rádio, de repente tocam a música.

Menestrel das Alagoas

(M. Nascimento - Fernando Brant, 1983)

Quem é esse viajante

Quem é esse menestrel

Que espalha esperança

E transforma sal em mel?

Quem é esse saltimbanco

Falando em rebelião

Como quem fala de amores

Para a moça do portão?

Quem é esse que penetra

No fundo do pantanal

Como quem vai manhãzinha

Buscar fruta no quintal?

Quem é esse que conhece

Alagoas e Gerais

E fala a língua do povo

Como ninguém fala mais?

Quem é esse?

De quem essa ira santa

Essa saúde civil

Que tocando a ferida

Redescobre o Brasil?

Quem é esse peregrino

Que caminha sem parar?

Quem é esse meu poeta

Que ninguém pode calar?

Quem é esse?

            A ti, Teotônio, o abraço dos que aqui estão te amando, te querendo e que, nestes 90 anos, neste Brasil tão triste, trazem o teu abraço e o teu afeto.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª permite, Senador Pedro Simon?

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Com muito prazer.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Feliz a iniciativa de V. Exª, Senador Pedro Simon, de homenagear o “Menestrel das Alagoas”, esse Senador que conseguiu comover, mobilizar o sentimento dos brasileiros, tendo em conta ainda sua condição de primeiramente ter sido um Senador da Arena, mas que soube perceber as coisas. De tal maneira fincado em seus ideais de democracia, de liberdade para todos, sobretudo quando tomou consciência de que os diretos humanos estavam sendo efetivamente violados em nosso País, ele teve a coragem de, conforme V. Exª salientou... Permita lhe dizer, ainda tentei assistir à missa em homenagem a Octavio Frias de Oliveira, mas, porque estava aqui discursando, cheguei só ao final e cumprimentei os representantes da Folha que ali estavam. Mas vim ouvindo, emocionado, seu discurso pela Rádio Senado, acompanhei quase todo. Conforme V. Exª salientou, ele teve a coragem de visitar os cárceres, visitar os detidos que, por razões políticas, haviam sido submetidos à tortura. Com a colaboração de pessoas como Dom Paulo Evaristo Arns e outros, ele não descansou até que fosse colocado fim àquele procedimento que envergonhava o nosso País e que não era conhecido de todos, mas ele fez aqueles episódios se tornarem conhecidos de todos. V. Exª aqui o enaltece; conforme salientou de maneira tão bela V. Exª, ele deve estar ainda incomodado porque há muitos lares em que está faltando pão e o direito à vida com toda a dignidade para 188,3 milhões brasileiros. Para muitos ainda falta muita coisa, e ele não estará sossegado enquanto não houver neste País as condições dignas de vida, de democracia, de dignidade e de liberdade real para todos. V. Exª lembrou de muitos episódios e entre os mais belos está a amizade de Henfil para com Teotônio Vilella. Ambos, de alguma maneira, atingidos por doenças diferentes. Mas Henfil levou Teotônio Vilella para uma cidade de Minas Gerais, onde havia uma pessoa que, quem sabe, poderia dar a ele esperanças de melhorar a sua condição de saúde. Por um tempo foi até possível, mas Henfil abraçou inteiramente os ideais de Teotônio, e ali os dois personagens brasileiros conseguiram produzir uma interação formidável. Eu me lembro, foi no primeiro comício das Diretas, diante do Estádio Municipal do Pacaembu, em novembro de 2003, o PMDB estava ainda um pouco preocupado, o Governador Franco Montoro, naquele dia, tinha um grande prêmio no Jóquei Clube. Foi o Senador Fernando Henrique Cardoso ali. Havia até uma preocupação: será que o povo ali reunido - havia mais de trinta mil pessoas, era o primeiro grande comício das Diretas - vai receber bem o Senador Fernando Henrique Cardoso? E então, quando dada a palavra, o Senador Fernando Henrique deu a triste notícia de que, naquela noite, naquela madrugada, infelizmente, havíamos perdido, de alguma maneira, o Senador Teotônio Vilella, mas que estava ali presente como uma pessoa que foi fundamental na luta para que tivéssemos novamente a plena democracia e a eleição direta para a Presidência da República, porque ele foi um dos principais baluartes da batalha pela redemocratização do Brasil. Parabéns, Senador Pedro Simon.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço o aparte gentil de V. Exª e agradeço, Sr. Presidente, a oportunidade, ainda que uma manifestação singela. O dia foi tenso, mas não poderíamos deixar de trazer a nossa homenagem àquele que foi uma das maiores lideranças da História do País, Teotônio Vilela.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/05/2007 - Página 16759