Discurso durante a 89ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação sobre a quebra da patente para os medicamentos anti-Aids, decisão tomada recentemente pelo presidente Lula.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. POLITICA FISCAL.:
  • Manifestação sobre a quebra da patente para os medicamentos anti-Aids, decisão tomada recentemente pelo presidente Lula.
Aparteantes
Augusto Botelho.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/2007 - Página 19327
Assunto
Outros > SAUDE. POLITICA FISCAL.
Indexação
  • ELOGIO, INICIATIVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, LICENCIAMENTO, MEDICAMENTOS, TRATAMENTO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), FAVORECIMENTO, POPULAÇÃO, ATENDIMENTO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), IMPOSSIBILIDADE, AQUISIÇÃO, PRODUTO FARMACEUTICO.
  • REGISTRO, DECISÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, QUEBRA, PATENTE DE REGISTRO, MEDICAMENTOS, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), POSTERIORIDADE, INSUCESSO, TENTATIVA, NEGOCIAÇÃO, EMPRESA ESTRANGEIRA, DISCORDANCIA, REDUÇÃO, PREÇO, PRODUTO FARMACEUTICO, ESCLARECIMENTOS, BRASIL, SUPERIORIDADE, ECONOMIA, AQUISIÇÃO, PRODUTO, MEDIAÇÃO, ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAUDE (OPAS).
  • DEFESA, PRIORIDADE, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), ORÇAMENTO, NECESSIDADE, MELHORIA, SAUDE PUBLICA, COMENTARIO, POSSIBILIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRORROGAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), GARANTIA, RECURSOS, DESTINAÇÃO, SERVIÇO DE SAUDE, OBSERVAÇÃO, PROJETO DE LEI, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, UNIÃO, MUNICIPIOS, OBJETIVO, APERFEIÇOAMENTO, APLICAÇÃO, VERBA, SAUDE, EDUCAÇÃO, INFRAESTRUTURA, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, meu discurso é sobre a quebra da patente para os medicamentos anti-Aids, uma decisão tomada, recentemente, pelo Governo do Presidente Lula.

            Vou enfocar o tema, tendo em vista as pessoas atendidas pelo SUS (Sistema Único de Saúde), que tem como fonte principal de financiamento os recursos advindos da Emenda à Constituição nº 29, matéria da qual fui o Relator. Hoje, vemos que, apesar dos percalços, das dificuldades por que passa a saúde, seu financiamento vem sendo garantido para uma grande parte da população que não dispõe do chamado seguro-saúde ou seguro privado, reservado para pessoas que têm mais condições financeiras para pagá-lo.

            No Brasil, Sr. Presidente, existem em torno de 100 mil pacientes de Aids vinculados à rede pública de tratamento. Um dos maiores problemas no tratamento desses pacientes vem sendo precisamente o preço dos medicamentos contra o retrovírus da Aids.

            Com a patente de produção do principal anti-retrovírus usado no Brasil contra a Aids, o Efavirenz, controlado pela poderosa Merck Sharp&Dohme, uma das maiores multinacionais de medicamentos do mundo, aquele medicamento nos chega a um preço altíssimo; na verdade, abusivo, já que a Índia poderia vender-nos por um terço do preço praticado pela Merck.

            O Brasil gasta, com a importação desse medicamento contra a Aids, algo em torno de US$ 43 milhões. E não pode deixar de importá-lo, por se tratar de um medicamento de interesse público. O paciente depende dele absolutamente, e não temos ainda condição de produzi-lo.

            Tentamos, por longo prazo - quando digo tentamos, significa que o Brasil tentou -, convencer aquela poderosa corporação a vender ao Brasil pelo preço que vende, por exemplo, à Tailândia. Não tivemos êxito. Desde novembro, o Governo vem pressionando mais fortemente a Merck, mas pouca coisa mudou. O Governo norte-americano mobilizou sua embaixada, a Merck ameaça hoje com o argumento de que nacionalizar a patente “será o caminho da confrontação”. Mas não nos deixou saída: ou agiríamos em nome do interesse público, ou a sangria, além de pouco justa, seria insuportável.

            Acertou o Presidente Lula quando, agindo dentro das regras internacionais, tomou a corajosa atitude de autorizar o licenciamento compulsório do remédio Efavirenz. Na prática, trata-se da quebra da patente. Sem isso, em agosto, já haveria falta do medicamento, e milhares e milhares de pacientes da AIDS não poderiam ficar esperando a boa vontade da megaempresa. E passamos a economizar algo em torno de US$ 30 milhões.

            Evidentemente que o Governo Lula está coberto de razão. Os dados falam por si só. A grande corporação farmacêutica cobra do Brasil, por cada comprimido desse medicamento, US$ 1,59. Não aceita baixar o preço, a não ser em 30%; e, ainda assim, apenas até 2010, já que sua patente expira em 2012.

            Ora, sabemos que há algum tempo, sob pressão, aquela multinacional aceitou vender o Efavirenz por US$ 0,65 à Tailândia, cuja população aidética é inclusive bem menor do que a nossa. O Brasil vem argumentando que a Índia vende o genérico do mesmo medicamento a apenas US$ 0,45. Por que, então, não nos vendem pelo menos ao preço que vendem à Tailândia? Por que não ao preço da Índia?

            Os empresários da Merck não cederam. O prejuízo do Brasil vem sendo de US$ 30 milhões ao ano. O Governo, então, teve de agir, e a novidade, com a quebra da patente, é que, a partir de setembro deste ano, o Brasil, por meio da Organização Pan-Americana de Saúde, estará comprando o mesmo medicamento por apenas US$ 0,45.

            Esta é a primeira vez que o Brasil licencia um remédio protegido por patente (já houve ameaças em 2001 e em 2003), mas não é o primeiro país a fazê-lo. Malásia, Indonésia, Tailândia e Moçambique já o fizeram. Por outro lado, o Brasil teve o cuidado de continuar pagando os royalties de 1,5% pela invenção do medicamento para a Merck, mas economizará dezenas de milhões de dólares, que fariam falta para um sistema de saúde combalido por crescentes despesas com a saúde.

            Temos de tomar essa medida como passo em favor do paciente do sistema público. Defendo que o próximo passo seja a priorização absoluta do SUS dentro do nosso Orçamento nacional.

            Sempre defendi o SUS como o mais importante “plano de saúde” da nossa Nação, o único que atende o povo mais pobre, o único que está ao alcance da classe trabalhadora - são mais de 130 milhões de brasileiros que dependem do SUS. É hora, portanto, de ir adiante com medidas que permitam que o sistema enfrente, com êxito, sua crise, que não é apenas de gerenciamento, mas também de falta de recursos e de um melhor planejamento para que o SUS possa cumprir seu papel mais nobre: o de atender aos milhões que só podem se socorrer desse sistema público.

            É preciso combater de frente a mercantilização da saúde. As declarações do Presidente da República, por ocasião da liberação do anti-retroviral, valem para o sistema de saúde como um todo: “Não é possível alguém ficar rico com a desgraça dos outros... Não só do ponto de vista ético é uma grosseria, como do ponto de vista político-econômico é um desrespeito. Entre o econômico e a nossa saúde, vamos ficar com a nossa saúde”, afirmou o Presidente Lula.

            Sr. Presidente, faço este pronunciamento no momento em que a Nação brasileira se debate com o problema da falta de recursos nos hospitais públicos, postos, unidades de saúde e casas santas, cuja sobrevivência depende do financiamento público do SUS.

            Muitas medidas foram tomadas, nesta Casa, no intuito de fortalecer esse sistema. Uma das primeiras medidas foi a criação, por um ano, da CPMF, cujos recursos seriam direcionados única e exclusivamente para o sistema de saúde. Após um ano da finalização da vigência dessa emenda à Constituição, no capítulo das Disposições Transitórias, o Governo Fernando Henrique Cardoso criou uma nova CPMF, propondo não mais 0,25%, mas 0,38%, aumentando, portanto, a sua alíquota, prorrogando-a sucessivamente e destinando seus recursos não apenas para a saúde, mas também para a previdência e o Fundo Nacional de Pobreza.

            Concedo um aparte ao nobre Senador Augusto Botelho.

            O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Senador Antonio Carlos Valadares, essa quebra de patente foi também uma forma de se dar melhor qualidade de vida à quase maioria dos 100 mil brasileiros que são portadores do vírus, porque, com aquele preço proibitivo, o médico prescrevia o medicamento em casos bem restritos. Ele limitava o seu uso porque não havia o remédio. Agora, não. Com essa quantidade abundante, ele vai poder usá-lo com mais facilidade, ou seja, terá condições de melhorar a qualidade de vida de milhares de brasileiros com o uso do remédio. O Brasil tentou, por várias vezes, como V. Exª disse, negociar com a empresa produtora, fez quatro ou cinco tentativas. Quando esgotou o diálogo, fez o que era necessário para a proteção do cidadão brasileiro. O Sistema Único de Saúde garante a medicação, e o Governo tem feito de tudo para possibilitar isso. Eu gostaria de parabenizar V. Exª, o Ministro da Saúde e o Presidente Lula, por essa atitude, que vai melhorar a qualidade de vida de quase 100 mil brasileiros, com certeza, prolongando-a e, quiçá, garantindo-a, porque a cura definitiva, espero, não demorará a ser descoberta.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Agradeço a V. Exª.

            Sr. Presidente, V. Exª poderia me conceder mais dois minutos?

            O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PFL - SP) - Pois não, Senador Antonio Carlos Valadares.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Agradeço a V. Exª.

            Senador Augusto Botelho, V. Exª é um médico conceituado no seu Estado e, na Comissão de Assuntos Sociais, onde cuidamos da saúde, tem uma atuação marcante, sempre observando que o SUS é um instrumento indispensável para o atendimento às populações mais pobres.

            Eu estava me referindo, na finalização do meu discurso, à CPMF, que o Governo agora, tal como fez Fernando Henrique Cardoso, pretende prorrogar, mas há uma questão que considero importante e que o Governo deve levar em conta por ocasião da tramitação da matéria no Congresso Nacional: que os Municípios são os entes federados que realmente cuidam da saúde da população, e o dinheiro dessa contribuição não vai diretamente para os cofres municipais, mas única e exclusivamente para os da União; nenhuma contrapartida existe para que os Municípios, assoberbados que estão com as suas diversas atividades, não somente na área de saúde, como também na de educação e infra-estrutura, possam assumir essa responsabilidade praticamente por inteiro. O Governo deve atentar para essa dificuldade vivenciada pelas nossas prefeituras.

            Por isso, quando da passagem pelo Senado Federal dessa proposta, devemos pressionar o Governo, de forma legítima, para que, ao fazer a prorrogação e obter mais de R$ 30 bilhões - esse é o montante de recursos previsto, que reforçará os cofres da União -, destine uma parte desse dinheiro para os Municípios e Estados brasileiros, que não compartilham, de forma alguma, as contribuições que, ao longo do tempo, foram criadas não somente no Governo do Presidente Lula, como nos governos passados. Essas contribuições, a meu ver, são uma distorção do sistema tributário nacional que precisa ser corrigida o quanto antes, porque atinge frontalmente a boa convivência do sistema federativo brasileiro. Nele, todas as unidades - Municípios, Estados e União - devem conviver harmoniosamente: cada uma exercendo suas atividades específicas, mas sem que uma explore a outra, sem que uma queira sobrepujar a outra; do contrário, o País não será uma Federação, mas um Estado unitário.

            No Brasil, existem Estados e Municípios com autonomia financeira e política, que elegem seus representantes no Congresso Nacional, nas Câmaras de Vereadores, os Prefeitos municipais e os Governadores. Entretanto, quando devem apresentar resultados para obras nos mais diferentes setores, faltam-lhes recursos, porque as contribuições vão, única e exclusivamente, como eu disse, para os cofres da União.

            Agradeço a V. Exª, Sr. Presidente, pela tolerância.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/2007 - Página 19327