Discurso durante a 91ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

O julgamento amanhã, no Tribunal de Justiça de São Paulo, de ação movida pelo ex-senador Jorge Bornhausen contra o cientista social e colunista da Carta Maior, Emir Sader.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA. JUDICIARIO.:
  • O julgamento amanhã, no Tribunal de Justiça de São Paulo, de ação movida pelo ex-senador Jorge Bornhausen contra o cientista social e colunista da Carta Maior, Emir Sader.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/2007 - Página 19903
Assunto
Outros > IMPRENSA. JUDICIARIO.
Indexação
  • ANUNCIO, TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REALIZAÇÃO, JULGAMENTO, PROCESSO, INJURIA, AUTORIA, JORGE BORNHAUSEN, EX SENADOR, PROTESTO, PROFESSOR, UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (UERJ), PUBLICAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, ACUSAÇÃO, EX-CONGRESSISTA, DISCRIMINAÇÃO, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • LEITURA, TRECHO, DECLARAÇÃO, ADVOGADO, PROFESSOR, FALTA, PRETENSÃO, AGRESSÃO, EX SENADOR, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DEFESA, LIBERDADE DE IMPRENSA, RESPEITO, ESTADO DEMOCRATICO.
  • COMENTARIO, EXISTENCIA, DIVERSIDADE, CRITICA, JUIZ, DETERMINAÇÃO, PRISÃO, DEMISSÃO, PROFESSOR, SOLICITAÇÃO, DESEMBARGADOR, TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PROPOSTA, EX SENADOR, REALIZAÇÃO, ACORDO, BENEFICIO, REU.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO, AUTORIA, PROMOTOR DE JUSTIÇA, PEDIDO, JUSTIÇA FEDERAL, ALTERAÇÃO, DECISÃO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Sr. Presidente, Senador Mão Santa, quero hoje falar a respeito de julgamento importante que vai se realizar amanhã, no Tribunal de Justiça de São Paulo, cuja Câmara, constituída de três desembargadores, fará o julgamento, em segunda instância, do processo de injúria movido pelo ex-Senador Jorge Bornhausen, antes do PFL, hoje do DEM, de Santa Catarina, contra o cientista social e colunista da Carta Maior, Emir Sader. Ambos recorreram da decisão tomada, no final de 2006, pela 11ª Vara Criminal de São Paulo, que condenou Emir Sader à perda de seu cargo de professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e a um ano de detenção, em regime aberto, conversível à prestação de serviços à comunidade.

Sr. Presidente, o Juiz Rodrigo César Muller Valente avaliou que Emir Sader teria cometido um crime ao tratar Jorge Bornhausen como “racista” em um artigo publicado na Carta Maior. O colunista se referia a uma manifestação pública do Senador, na qual, ao ser questionado em um evento com empresários se por acaso estava desencantado com a crise política, ele respondeu: “Desencantado? Pelo contrário. Estou é encantado, porque estaremos livres dessa raça pelos próximos 30 anos”.

Ora, Sr. Presidente, V. Exª há de convir que eu, como Senador do PT, ao ter sabido disso, pois não estava lá presente, não pude aceitar sem pelo menos expressar ao então colega na legislatura passada, Jorge Bornhausen, que se tratava de uma referência inteiramente inaceitável.

Ora, o Promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Renato Eugênio de Freitas Peres, entrou com recurso junto à 22ª Vara Criminal para pedir a anulação da sentença contra Emir Sader. Peres alegou que há incongruência, inadequação e inconsistência na decisão do Juiz Valente.

            Assim vislumbra-se que no presente caso o professor universitário querelado foi condenado com pena de igual duração àquela que alguns juízes pretendem conferir a traficantes. Houve um tempo em que chamavam situações como esta, no direito, de teratológicas, [escreve o Promotor]. Mas não é só, [continua]. Como pode agora um professor universitário ser condenado por expressão de opinião?

Segundo o advogado de Emir Sader, com quem conversei hoje pela manhã, Marcelo Bettamio, na apresentação de sua defesa, Emir Sader alegou, que, ao usar o termo racismo, “não visou ofender a honra nem subjetiva nem objetiva do Senador, mas sim fazer uma crítica a um parlamentar que fez uma declaração pública, perante a mídia, com termos preconceituosos”. Bettamio considera que, através do artigo na Folha de S.Paulo, o próprio Senador se retratou. “O Prof. Emir Sader apenas exerceu o direito à livre manifestação e à crítica, salvaguardado na Constituição”, disse o advogado.

O Sr. Eduardo Guimarães também se pronunciou, em artigo denominado “Invulnerável Bornhausen”, da seguinte maneira:

[...]

Um destacado procurador do Ministério Público de São Paulo disse recentemente que o processo de Bornhausen contra Sader nem deveria ter sido aceito pela Justiça. Eu também acho. Se tudo o que as pessoas de opiniões políticas diferentes dizem umas sobre as outras fosse acabar nos tribunais, a Justiça brasileira, que já é uma das mais lentas do mundo, entraria, literalmente, em colapso.

Diz Rogério Cezar de Cerqueira Leite, eminente professor da Unicamp:

[...]

Justifica-se o Juiz: “Ao adjetivar um senador da República de ‘racista’, esqueceu-se o réu de todos os honrados cidadãos catarinenses que através do exercício democrático do voto o elegeram como legítimo representante em nossa República Federativa. Trata-se, pois, de conduta gravíssima, que de modo algum haveria de passar despercebida“. Quer dizer que a gravidade do crime depende do número de votos da vítima? Se o Sr. Bornhausen fosse deputado em vez de senador, a pena seria de 3 meses? Um Senador vale quantos deputados na Justiça Brasileira?

E, mutatis mutandis, quantos anos de cadeia vão pegar pelas injúrias aos eleitores do Presidente Lula os membros da bancada do PFL na Câmara dos Deputados e no Senado, que nada fez senão vituperar contra o PT e seus membros nestes últimos 2 anos? Ou será que não merecem a mesma justiça que os "honrados cidadãos catarinenses" que votaram no Senador catarinense, os cidadãos brasileiros que elegeram o Presidente Lula e os representantes do PT, essa raça que o Senador quer eliminar por 30 anos?” [sic]

E diz mais Rogério Cezar de Cerqueira Leite:

[...]

O Meritíssimo Juiz Rodrigo César Müller Valente expulsa também o Professor Emir Sader da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. E dizem que a Justiça Brasileira não é eficiente. Durante o governo militar, para expulsar da USP dentre outros o então Prof. Fernando Henrique, também sociólogo, e hoje unha e carne do Senador Bornhausen, o reitor Buzaid teve que se valer de um Ato Institucional. Não é uma maravilha o progresso que fez a Justiça Brasileira? Não precisamos mais de golpes, de juntas militares, de AI5, AI3, etc., nem de Obans ou Doi-Codis. [sic]

E o eminente jurista Dalmo de Abreu Dallari, no artigo “Os silêncios da imprensa”, publicado no Jornal do Brasil, edição de 11/12/2006, diz:

A imprensa deve ter o direito de ser livre, a fim de que possa manter o povo informado de todos os fatos de alguma relevância para as pessoas e a humanidade, que ocorrerem em qualquer parte do mundo. Essa liberdade inclui o direito de expressar-se livremente, mesmo que se trate de informação que contrarie as convicções e os interesses dos governantes, havendo geral reconhecimento de que a imprensa livre é um instrumento necessário para a existência do Estado Democrático.

Mais adiante, fala Dalmo Dallari:

(...) a negativa de publicar um manifesto de intelectuais, solidarizando-se com o professor Emir Sader, que sofreu uma absurda condenação por ter criticado, num artigo de jornal, uma raivosa, antidemocrática e grosseira referência do senador Jorge Bornhausen, de Santa Catarina, aos petistas, dizendo ser preciso “acabar com essa raça”, bem ao estilo dos nazistas quando se referiam aos judeus. Um juiz, doutor Muller, solidarizou-se com o senador Bornhausen, e invocou a honra ofendida dos catarinenses como um dos fundamentos da condenação, mais política do que jurídica. E a mesma imprensa que tem condenado o que denomina o “silêncio dos intelectuais”, por estes não darem apoio às acusações e insinuações levianas contra membros do governo e dirigentes do PT, praticou “o silêncio da imprensa”, dando ampla repercussão à decisão condenatória e não publicando qualquer informação sobre o manifesto dos intelectuais [que apoiaram o Professor Emir Sader, diante da condenação tão inadequada, prolatada pelo Juiz Müller].

E tantas têm sido as manifestações em defesa do Professor Emir Sader, diante desse ato condenatório, inteiramente exagerado, por parte do juiz.

O que seria próprio, Sr. Presidente - o bom senso assim o indica -, é que esse juiz chamasse as duas partes. Se, porventura, Senador Mão Santa, em um entrevero, eu dissesse alguma palavra que fosse considerada ofensiva pelo Senador Renato Casagrande - isso nunca ocorreu e jamais ocorrerá -, e S. Exª resolvesse retrucar, o que eu esperaria de um juiz ou de V. Exª, se estivesse assistindo? Que nos chamasse, como dois Senadores de diferentes partidos ou como pessoas que pensam de forma diferente - digamos, um mais conservador, outro mais progressista, um mais à direita, outro mais à esquerda, ou quaisquer que fossem as nossas diferenças -, a fim de que pudéssemos, nós dois, ser chamados à razão e conversar, Senador Magno Malta, com vistas a um maior respeito ao povo, a todos.

Ou seja, um professor criticou, em termos veementes, o Senador Jorge Bornhausen, porque S. Exª falou que gostaria de livrar-se de uma “raça”, que seríamos nós, petistas, por trinta anos. S. Exª imaginava acabar conosco, mas isso não aconteceu, porque o Presidente Lula venceu as eleições, e eu, novamente, fui eleito Senador e aqui estou. Portanto, não prevaleceu aquilo que imaginava que tão encantadamente ocorreria. Mas é claro que nós, do PT, sentimo-nos ofendidos e gostaríamos de dizer ao Senador Jorge Bornhausen: vamos colocar outros termos no nosso diálogo. Um juiz como o Senador Mão Santa - acredito -, com bom senso, aproximaria as duas partes e diria: “Em vez de um querer que o outro perca...”

Imagine, Senador Mão Santa, o Juiz condenou Emir Sader a um ano de prisão, conforme diz o Promotor Público, como se se tratasse de um traficante. Além disso, ele quer que Emir Sader perca sua função de Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. É uma pena contra a liberdade de imprensa! Eu, há poucos dias, citei Rosa Luxemburgo: liberdade de expressão só para os que pensam de forma igual, só para os que são do mesmo partido, só para os que apóiam o governo não é liberdade; liberdade é, sobretudo, para aqueles que pensam diferentemente.

Portanto, podemos perfeitamente falar coisas, mas tomando cuidado para não ofendermos uns aos outros.

De tal maneira, Senador Presidente Mão Santa, requeiro que conste dos Anais do Senado Federal essa manifestação do Promotor de Justiça Renato Eugênio de Freitas Peres, que, de uma maneira muito clara, pede seja modificada inteiramente a decisão. Ele, na sua conclusão, diz - e assim encerro meu pronunciamento:

A Promotoria de Justiça requer seja recebido o presente recurso em consideração às questões preliminares, cassando-se a decisão de primeiro grau por uma das alternativas acima apontadas, com conversão do julgamento em diligência ou para declaração de nulidade por diversos motivos acima indicados. Caso, contudo, chegue o julgamento ao mérito, o pedido da Promotoria é no sentido de que seja reformada a sentença, com improcedência da ação penal, seja por falta de prova de dolo, seja pela possibilidade de considerar-se o fato atípico. Por fim, se mantida a condenação, deve ser reformada para que seja retirado o efeito secundário da perda de cargo e para concessão de sursis.

         Sr. Presidente, quero dizer que conheço o Prof. Emir Sader há muitos anos e sei o quão respeitado ele é na comunidade acadêmica. Gostaria muito de pedir que os Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tomem uma decisão amanhã de muito bom senso e em favor do Prof. Emir Sader; e, se possível, propondo que as partes - Prof. Emir Sader e Senador Jorge Bornhausen - possam chegar ao melhor termo de conciliação.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/2007 - Página 19903