Discurso durante a 91ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o desenvolvimento socioeconômico de outros países com relação ao Brasil. Importância da reforma agrária. Saudação aos participantes do V Congresso Nacional do MST.

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. POLITICA FUNDIARIA.:
  • Reflexão sobre o desenvolvimento socioeconômico de outros países com relação ao Brasil. Importância da reforma agrária. Saudação aos participantes do V Congresso Nacional do MST.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/2007 - Página 19920
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, MEMBROS, PARTICIPAÇÃO, ENCONTRO, GRUPO, TRABALHADOR, SEM-TERRA, DEBATE, DISTRIBUIÇÃO, TERRAS.
  • DETALHAMENTO, HISTORIA, POLITICA FUNDIARIA, BRASIL, ATUAÇÃO, GRUPO, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, CONSELHO NACIONAL, SERINGUEIRO, ESTADO DO ACRE (AC), DEFESA, PAZ, ZONA RURAL, SOLUÇÃO, PROBLEMA, GARANTIA, DIREITO DE PROPRIEDADE.
  • IMPORTANCIA, MEMBROS, GRUPO, TRABALHADOR RURAL, SOLIDARIEDADE, TRABALHADOR, SEM-TERRA, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), BRASIL, IMPLANTAÇÃO, REFORMA AGRARIA, ATENDIMENTO, INTERESSE ECONOMICO, INTERESSE SOCIAL, INDUSTRIA, AGRICULTURA, GARANTIA, CIDADANIA, AMPLIAÇÃO, OPORTUNIDADE, TRABALHO.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, Senador José Nery, Senador Neuto de Conto, Senadora Fátima Cleide, Senador João Pedro, também tive a oportunidade de estar na abertura do V Congresso do MST, de onde acabo de chegar, juntamente com diversos Senadores que acabei de citar acima, para um momento de reflexão política. Também contamos com a presença de alguns Governadores, de seus representantes, de diversos Parlamentares federais e estaduais e lá debatemos sobre o desafio da luta pela terra no Brasil.

Digo isso, Sr. Presidente, por esse tema ser também marca da minha vida. Vivi essa realidade pessoalmente durante um período e foi muito duro acompanhar na nossa história este problema que parece não ter fim, não ter solução, que é a reforma agrária, e todos os problemas que se impõem na luta pela distribuição de terra de maneira mais eqüitativa e democrática.

Sr. Presidente, é importante lembrar a nossa cultura. Quando da chegada dos portugueses, quiserem dividir o Brasil - com a extensão que tem - em apenas 15 grandes fazendas: as capitanias hereditárias. Um País com 8,5 milhões de quilômetros quadrados dividido apenas em 15 áreas, Sr. Presidente! Ao compararmos as 15 fazendas com os Estados brasileiros - são 26 mais o Distrito Federal, totalizando 27, lembrando-nos do tamanho de cada área desses Estados -, podemos imaginar o tamanho da ousadia, a pretensão insaciável pela propriedade fundiária daqueles que vieram ocupar o nosso País.

Eles olhavam para os povos que aqui residiam - os indígenas - e diziam, primeiramente, que eles não tinham alma, então, não eram gente, não eram filhos de Deus, portanto, deveriam ser exterminados, a não ser que aceitassem a condição de escravos.

A reação foi imediata, tivemos grandes lutas. A mais simbólica da História do Brasil foi a Dos Sete Povos das Missões, no Estado de V. Exª, Sr. Presidente, que resistiram, bravamente, por 150 anos! Chegaram, inclusive, a constituir uma das sociedades mais organizadas que a América do Sul já teve, comparada talvez à sociedade Inca.

Tivemos, depois, a resistência negra. O exemplo mais concreto que temos é Palmares, que resistiu por 92 anos, até a morte de Zumbi dos Palmares.

Desse tempo para cá, com a ocupação desenfreada pela posse da terra no Brasil, tivemos muitos momentos de resistência, a exemplo da Cabanagem, no Estado do Pará, em 1836, revolta que chegou a declarar o Pará um país independente. O Estado viveu nessa situação por três anos, até sucumbir à Marinha brasileira, auxiliada pela Marinha inglesa, que dizimou quase que 50% da população masculina do Estado do Pará.

Tivemos também um momento de resistência muito forte não tanto pela terra em si, mas resistindo a interesses portugueses no Brasil; a Cabanada, no Estado do Pernambuco; e tantas outras. Houve também situações do mesmo tipo no Estado do Paraná, com a plantação de interesses aí já ingleses e norte-americanos; Trombas e Formoso, em Goiás; o Cangaço, no Nordeste.

Foram muitas experiências de luta pela terra, mas a que começa a se materializar como mais popular é a luta das Ligas Camponesas, de Francisco Julião e tantos outros que ajudaram nessas organizações. Todos esses movimentos sucumbiram, de certa forma, com o poder militar brasileiro de 1964, mas ficaram na memória de todos esses povos. Foi aceita e legalizada a Organização Sindical Camponesa Brasileira com a legalização da Contag e todos os sindicatos rurais, pois os militares tinham interesse de arrefecer essa disputa pela terra, e as ligas camponesas foram esmagadas.

De lá para cá, surgiu, então, nos anos 80, com a abertura democrática, um novo movimento, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em 1985. Nascia concomitantemente com ele o Conselho Nacional dos Seringueiros, no Estado do Acre, que se espalhou por toda a Amazônia e que agora vai a outras regiões, como as matas de cocais do Nordeste e uma série de outras reservas que estão sendo criadas, inclusive na Mata Atlântica.

A expressão da luta pela terra, no Brasil, de maneira mais adaptada - digamos - aos momentos atuais é a do Movimento dos Sem-Terra, indiscutivelmente. É um dos mais longos, excluindo Palmares, Sete Povos das Missões e alguns outros, lutas indígena e negra. Dos momentos mais recentes, do Século XX, o Movimento dos Sem-Terra, inevitavelmente, é o mais organizado, espraiado por todo o Brasil e o que tem uma vida mais duradoura.

Muitas vezes gritamos “paz no campo”, e isso me faz refletir. Para uma pessoa com fome, paz é quando ela se alimenta. Para uma pessoa com dor provocada por uma enfermidade, paz é quando a dor, a enfermidade é sarada. Para a dor da degradação, a dor do não ter direito, o que significa a paz? A paz no campo, Sr. Presidente, deve ser considerada quando se suprimir, realmente, as distorções do direito à posse e à propriedade fundiária. Esse é o momento da paz. E não basta isso.

Uma das coisas que realmente surpreendem em todo movimento camponês no Brasil - e acredito que é a base fundamental do MST - é a solidariedade dos que conseguem um pedaço de terra. Fiquei impressionado com o fato de que há, no Congresso, 18 mil pessoas, mas a grande maioria do público que ali está não é dos que não têm terra. Grande parte é dos que já a conquistaram e, mesmo assim, continuam solidários com os que ainda não conseguiram. Eles ajudam como podem.

A capacidade que eles têm de pensar em tudo, em todas as coisas de que precisam quando chegam a uma propriedade fundiária é algo que nos tem chamado à reflexão e que considero muito importante. Uma das coisas que o MST mostrou também, compreendendo o caráter do atual Governo, o Governo do Presidente Lula, é que o movimento possui um lado. Naquele momento de severas críticas ao Presidente Lula, prestaram sua solidariedade, deram seu voto de confiança, porque entenderam que tinham de ter respeito a milhões de pessoas que depositaram por duas vezes a confiança no Presidente da República.

Digo isso a V. Exª porque percebo que o assunto é um verdadeiro tabu no Congresso Nacional. Como uma paixão psicológica de alta profundidade, ao tocar no assunto, parece que não cabe nem diálogo. Com relação ao tema, Sr. Presidente, acredito que as pessoas que vêm para cá já vêm muito cientes do que pretendem aqui fazer a esse respeito. Não há possibilidade de argumento ou de convencimento, de que as pessoas possam se convencer de coisas diferentes.

E no que diz respeito ao assunto terra, farei uma comparação entre as autoridades nacionais dos Três Poderes, especialmente as do Poder Judiciário. Os donos da terra dos séculos anteriores ao Século XX tinham a cultura de que seu primeiro filho deveria ser homem. Sendo homem, herdaria a fortuna da família e também os direitos políticos. O segundo filho, se fosse também homem, deveria cursar Direito. Depois disso, a família poderia ter um na Igreja, para ser padre; se fosse mulher, era prometida para um casamento ou também para a Igreja; e assim por diante. O Poder Judiciário brasileiro, a meu ver, é sedimentado na cultura da propriedade de grandes extensões de terras. Muitas vezes, não entendemos como o Poder Judiciário toma algumas decisões com rapidez em determinadas decisões, como no momento da chamada reintegração de posse. Nesse momento, que interessa mais ao grande proprietário, às vezes a decisão impõe um conflito desnecessário, que acarreta barbaridades, agressões violentas e morte.

Isso me leva a crer que a sociedade como um todo tem de partir para o caminho da escolaridade, de também colocar seus filhos em cargos de poder, pensando de maneira diferenciada. Isso já está ocorrendo. Atualmente, muitos juízes jovens são oriundos de classes menos favorecidas. Sua forma de pensar, portanto, é muito diferente.

Sr. Presidente, faço esta reflexão ao comparar o desenvolvimento de alguns países industrializados com o nosso. Os Estados Unidos empunharam armas, fizeram a Guerra de Secessão, e o norte, industrializado, foi para cima do sul, mais agrário, e impôs, a ferro e fogo, a sangue e suor, a reforma agrária. Não acredito que tenha sido uma necessidade social, mas um interesse eminentemente econômico. Fizeram a reforma agrária na marra. Interesse também da Inglaterra, que foi imposto na marra em cima do Japão, por conta da cultura dos Samurais, dizimada de uma vez por todas.

No Brasil, o interessante é que houve um casamento entre o interesse do poder econômico financeiro, do poder econômico industrial e do poder econômico agrário. Houve essa simbiose, essa junção de interesses, que faz com que a reforma agrária seja eminentemente por força da vontade social.

E é por isso que não tenho nenhum problema em defender, onde eu puder, uma das organizações que respeito muito, que é Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. E acredito que há uma dívida do País, uma dívida dos Poderes constituídos, para pensar de maneira diferente.

Quando discutimos o direito à propriedade - e não vale a pena abordarmos o assunto, Sr. Presidente -, no caso da terra, não há comparação com outros tipos de propriedade. Nenhuma comparação.

Estamos lidando com um bem natural, dado pela natureza, por Deus, e não compete aos homens sobre ela decidirem, da maneira como fazem hoje: por interesses da parte de alguns.

Portanto, temos de avançar aqui nessa direção. Temos de fazer uma correção imediata, um novo levantamento. Vemos, por exemplo, o agronegócio brasileiro avançando a passos largos, em um novo desafio do mercado internacional, em um novo desafio de competitividade, e isso está posto, sim, no PIB brasileiro. Nós temos compreensão disso.

Vejo uma corrida violenta em direção aos biocombustíveis - especialmente à cana-de-açúcar. Tenho medo de que isso seja apenas um boom, um momento, uma bolha, uma coisa circunstancial, que poderá, na frente, trazer graves prejuízos. Temos de ter muito cuidado com isso, mas, acima de tudo, está na hora de o nosso País pensar no crescimento da produção nacional, no setor agropecuário, nas disputas que faz na exportação do frango, do suíno, da carne bovina e dos grãos. No início do Governo Lula, saímos da faixa de 100 milhões de toneladas/ano e estamos ultrapassando os 130 milhões de toneladas/ano. Já está na hora - já concluo, Sr. Presidente - de o nosso País fazer seu zoneamento. O zoneamento da propriedade fundiária e, consecutivamente, a capacidade produtiva não podem ficar à mercê dos conflitos sociais.

Portanto, rogo a esta Casa, ao Senado Federal, ao Governo do Presidente Lula e a todas as organizações que atuam no setor agrário brasileiro, não importando sua capacidade financeira: está na hora de se pensar que a reforma agrária no Brasil contribui, inevitavelmente, para a paz no campo, para o equilíbrio da geração de riquezas, de oportunidades de trabalho, de cidadania, para a garantia dos direitos inalienáveis do ser humano.

Por isso, digo que teremos de lutar muito para encontrarmos as soluções adequadas naquilo que nos diz respeito, que é a busca de uma nova matriz legal, de um novo marco legislativo para a situação fundiária nacional.

Saúdo os participantes do V Congresso Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Espero, doravante, que encontremos definitivamente o sossego e a paz que o País tanto espera, para o sucesso definitivo da consolidação democrática em nosso País e para a segurança de que todos seremos muito bem atendidos naquilo que a nossa Constituição exige: a cidadania.

Sr. Presidente, obrigado pelo tempo que me foi concedido. Quero, agora, devolver o boné da nossa Senadora.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/2007 - Página 19920