Discurso durante a 91ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o baixo desempenho das universidades brasileiras. Necessidade de investimento na educação básica.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Considerações sobre o baixo desempenho das universidades brasileiras. Necessidade de investimento na educação básica.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/2007 - Página 19952
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, EXAME, AVALIAÇÃO, FACULDADE, BRASIL, RESULTADO, INFERIORIDADE, QUALIDADE, ENSINO SUPERIOR, NECESSIDADE, ATENÇÃO, SITUAÇÃO, EDUCAÇÃO BASICA.
  • PARTICIPAÇÃO, CONGRESSO, SEM-TERRA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), ELOGIO, COMPROMISSO, EDUCAÇÃO, COMBATE, ANALFABETISMO, CURSOS, FORMAÇÃO, QUALIFICAÇÃO, IMPORTANCIA, MOVIMENTO TRABALHISTA, ENGAJAMENTO, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, nos últimos dias, vimos o resultado do exame que avalia a qualidade das universidades e dos cursos universitários no Brasil. Este País ficou chocado com o baixo desempenho das nossas faculdades. Raríssimas - das mais de 2.600, apenas 64 delas - tiveram seus alunos com 5% de respostas completas do questionário. Mas também fiquei chocado com o fato de todo mundo avaliar essa questão como um problema da universidade, sem perceber que a questão está mais embaixo, na base da pirâmide da educação.

Não teremos uma boa universidade nem bons cursos universitários se não houver uma boa educação de base. Grande parte das falhas das nossas faculdades hoje existe porque grande parte dos alunos que entram nelas foi, primeiramente, selecionado entre poucos. Um grande número de alunos foi deixado para trás no Brasil. Além disso, desses poucos, boa parte tem qualificação fraca.

As estatísticas mostram que apenas pouco mais de um terço terminam o ensino médio. Então, jogamos fora dois terços. Ali havia gênios, pessoas qualificadas que não puderam desfrutar o ingresso na universidade; ficaram para trás. Mas estimo que, desses 33% que terminam o ensino médio, a metade não termina com qualificação razoável. Aí está o problema. A má qualidade das faculdades não está sobretudo nas faculdades. Mesmo que se invista dinheiro, que se faça avaliação, que se pague bem aos professores, elas continuarão fracas, porque a base é fraca. A revolução universitária está na revolução na educação de base.

Este é o primeiro assunto que quero falar aqui: chamar atenção para o fato de que não há boa faculdade num país se não há boa educação de base. É claro que pode haver um ou outro curso de alta qualidade, mas é para uma minoria. A faculdade, no seu sentido coletivo, não será boa se a escola de base, no seu coletivo, não for boa. E não vemos esforço nesse sentido. Continuamos vendo a pontinha do iceberg; não estamos vendo o corpo do iceberg. Estamos vendo as poucas centenas de milhares que estão na universidade; não estamos vendo os milhões que estão embaixo na pirâmide de onde virão no futuro - ou deveriam vir - os alunos universitários.

A principal razão de eu estar aqui é que hoje eu vi como há grupos neste País tentando preencher a lacuna da educação de base. Hoje fui à sessão de abertura do congresso do MST aqui no Distrito Federal. Aliás, neste exato momento, o MST tem seus 15 mil congressistas lá na frente do Palácio do Planalto; fazem sua manifestação com bandeiras vermelhas, roupas vermelhas, em silêncio, caminhando pelo Distrito Federal. E agora estão na frente do Palácio do Planalto.

Hoje eu fui ao congresso deles. E, durante o período em que lá estive, fui visitar a escola que eles mantêm ao lado do acampamento em que eles realizam o congresso. Eles estão num ginásio coberto, absolutamente cheio, mas eles habitam ao lado. E ali está uma escola onde 1.200 crianças estão tendo aula ao lado dos pais, que estão participando do congresso. É um exemplo inacreditável de compromisso com a educação o que vemos hoje o MST fazer.

Eu não duvido que o MST, até pelas próprias dificuldades do movimento, em um País onde a grande propriedade vai sendo cada vez mais importante, onde a mecanização fica impossível de ser evitada - e não se deve evitar, porque o trabalho agrícola é um trabalho doloroso -, vai ter de encontrar outras bandeiras. E estou vendo que já está se gestando uma nova bandeira dentro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: é a bandeira da educação.

Eu não duvido que, em breve, vão gritar: “Terra é a escola; é o caminho da revolução!”, e não apenas “terra!”, como tem sido ao longo do tempo. E isso tem uma explicação. É que, de fato, com a terra, poderíamos ter a agricultura funcionando: terra, homens e mulheres trabalhando a terra. Hoje, não basta. Hoje, é preciso terra, é preciso homens e mulheres, mas é preciso a máquina, a mecanização, é preciso o processo quase de industrialização da agricultura, e aí a formação é fundamental.

Tivemos o tempo dos escravos, tivemos o tempo dos operários; agora, temos o tempo dos operadores. Os escravos eram aqueles que trabalhavam com seus braços, sem liberdade alguma; os operários, aqueles que trabalhavam com suas mãos, com liberdade e salário. Os operadores são aqueles que trabalham não mais com os braços, mas com os dedos, no mundo digital em que vivemos. E a diferença nessa evolução não é apenas a liberdade nem o salário, é a exigência de qualificação que o operador tem, muito a mais do que a do operário. Basta o operário ter seus braços e um pouquinho de treinamento; o operador necessita de muito treinamento e quase nenhuma força para fazer mover as máquinas com as quais trabalha.

Eu não tenho a menor dúvida de que o MST vai encontrar esse eixo que já está sendo gestado dentro dele, ao colocar a educação como algo tão fundamental. O que me deixa com uma ponta de querer saber o que vai acontecer um dia é quando, em poucos anos, Sr. Presidente, a gente souber que os assentamentos do MST são territórios livres do analfabetismo.

Eu quero ver o que essa elite brasileira e os governos que o Brasil já teve vão dizer ao Brasil, quando os mais pobres deste País, que são os sem-terra, disserem: “Entre nós não há mais nenhum analfabeto”. O que vai dizer o Governo que não é capaz de erradicar o analfabetismo no País, quando o MST for capaz de erradicar o analfabetismo entre os sem-terra? E não está longe. É questão de poucos anos, na continuação do esforço que eles vêm fazendo, sobretudo desde 2003, com o apoio do MEC naquele momento. É questão de esperar mais alguns anos, com o esforço cuidadoso que eles fazem, para que, de aqui a algum tempo, eles coloquem bandeiras imensas - como estão pensando, provavelmente -, dizendo: “Aqui é um assentamento livre do analfabetismo”. O que vão dizer? O que vai dizer essa elite brasileira que não consegue erradicar o analfabetismo da sua população, quando o MST erradicar o analfabetismo nos assentamentos?

Mas não é só isso que eles estão fazendo. Hoje, há centenas de jovens do MST fazendo cursos universitários, no Brasil e no exterior. Eles mantêm, com o esforço deles, uma formação permanente e qualificada para sua população de sem-terra.

Mas não é só o analfabetismo, as crianças e os cursos superiores. Hoje, no MST, é raro aquele que não faz algum curso. É raro aquele que não está tendo algum sistema de formação, de treinamento e de qualificação, dando um exemplo para o Brasil.

Quando a liderança quer, a gente consegue fazer no Brasil. O problema da educação não existe no Brasil porque há pobreza, mas, sim, porque não há uma liderança capaz de envolver essa parcela pobre da população num grande esforço de uma radical qualificação da nossa mão-de-obra na educação de base. Quando isso acontecer, voltarei ao começo do meu discurso. Não tenham dúvida de que as faculdades serão obrigadas a ser boas. Os professores serão obrigados a ser qualificados porque, quando os estudantes entrarem na faculdade com qualidade, qualificados, com boa formação, a universidade não sobreviverá sem qualificação. Os professores não sobreviverão sem qualificação superior ao dos próprios alunos. O que faz um professor ter qualificação é ter alunos qualificados. Muito raramente um professor com alunos sem qualificação profissional é qualificado. Se não houver essa cobrança dos alunos em relação aos professores, muito dificilmente conseguiremos ter professores com a qualificação de que o Brasil precisa. É na base que está o problema.

E o MST está provando isso, dando seu pequeno esforço entre a população mais pobre do Brasil, a população pobre do campo, para dizer: “Nós, com base em uma liderança e no esforço de um grupo, estamos conseguindo educar a nossa população dos sem-terra, as nossas crianças, os sem-terrinha [como eles chamam], os nossos adultos e os jovens, que hoje fazem cursos de nível superior, graças a uma mobilização que o MST tem feito com essa parcela da população brasileira”.

Era isso, Sr. Presidente, que eu tinha a dizer hoje, vinculando o resultado triste do Enade com a esperança que a gente vê quando movimentos como o MST adotam, além da terra, o assunto educação.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/2007 - Página 19952