Discurso durante a 92ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a urgência na revisão da maioridade penal no Brasil.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • Considerações sobre a urgência na revisão da maioridade penal no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 20/06/2007 - Página 20160
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • CONCLAMAÇÃO, URGENCIA, PROVIDENCIA, CONGRESSO NACIONAL, COMBATE, VIOLENCIA, ESPECIFICAÇÃO, REDUÇÃO, LIMITE DE IDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, DETALHAMENTO, IDADE, JULGAMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, EXCESSO, TOLERANCIA, BRASIL.
  • ANALISE, DESVINCULAÇÃO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, AUMENTO, CRIME.
  • REGISTRO, ESTUDO, ESPECIALISTA, EXISTENCIA, CRIMINOSO, IMPOSSIBILIDADE, RECUPERAÇÃO, COMENTARIO, ESTATISTICA, REINCIDENCIA, DELINQUENCIA JUVENIL, JUSTIFICAÇÃO, REDUÇÃO, IDADE, IMPUTABILIDADE PENAL.

            O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr Presidente, Srªs e Srs Senadores, o brutal assassinato do menino João Hélio, no Rio de Janeiro, trouxe de volta ao noticiário, e à pauta desta Casa, o debate sobre a redução da maioridade penal. Tenho me pronunciado sobre o tema desde o reinício dos trabalhos do Legislativo, e pretendo continuar a fazê-lo, por acreditar que este crime hediondo foi a gota d’água que fez transbordar o copo: a sociedade brasileira exige providências eficazes e imediatas para conter a violência, e estas devem partir daqui, do Congresso Nacional.

Se não agirmos agora, estaremos encorajando assassinos, assaltantes e traficantes de armas e drogas a prosseguirem em sua escalada, incentivados pela certeza da impunidade.

Tenho aqui uma reportagem publicada pelo jornal A Tribuna, de Vitória, que ocupa uma página da edição do último domingo. Ela mostra que, ao contrário da crença geral, na maioria dos países, tanto nos desenvolvidos como nos em desenvolvimento, a idade em que podem ser julgados os menores acusados de crimes é bem inferior à estabelecida no Brasil.

Vou citar alguns exemplos: nos Estados Unidos, a maioridade penal varia de acordo com o Estado. Treze dos 50 Estados fixaram idades que variam entre 6 e 12 anos. Nos demais, as leis baseiam-se em usos e costumes locais. Na maior parte da Grã-Bretanha, adolescentes com mais de 10 anos podem ser julgados como adultos, e na Escócia a idade cai para 8 anos. Na França, a maioridade penal é atingida aos 13 anos. Na Alemanha, Itália, China, Rússia e Japão, aos 14. Em Portugal e na Argentina, aos 16.

A lista é longa. São 41 países, em que a idade da maioridade penal varia de 6 anos, em alguns Estados do México, até 18 anos, apenas em três países: Brasil, Colômbia e Peru.

Diante desse quadro, o Brasil situa-se como um dos mais tolerantes do mundo em matéria de maioridade penal. Vivemos no século 21, uma época em que crimes violentos são praticados especialmente por jovens. Nos Estados Unidos, estatísticas mostram que, no final dos anos 90, os americanos com idades entre 15 e 19 anos constituíam 7 por cento da população do país, mas representavam 20 por cento dos acusados de crimes violentos.

Presumir que no Brasil a situação é diferente é ignorar a realidade que vemos todos os dias nas reportagens dos jornais e das emissoras de televisão. A verdade é que, ao estabelecer a maioridade penal aos 18 anos, partimos de dois pressupostos essencialmente equivocados.

O primeiro deles é o de que todo menor de 18 anos - não importa o crime que tenha cometido, a crueldade a que foi submetida a vítima - não tem culpa por seus atos, por ser produto de uma sociedade desigual e injusta. Devemos então esperar que políticas sociais promovam a redução das desigualdades, para que a criminalidade seja reduzida ou desapareça.

Trata-se de uma ilusão. A pobreza e as disparidades de renda têm diminuído no Brasil, enquanto o crime avança a passos largos. Países como a Inglaterra viveram ondas de violência em períodos de crescimento da economia e baixos índices de desemprego, enquanto nos Estados Unidos a criminalidade vem caindo de modo constante há anos, apesar de períodos de retração econômica.

Como disse o poeta Ferreira Gullar, em artigo publicado dia 18 na Folha de S.Paulo, esse raciocínio faz dos criminosos vítimas, e transforma as verdadeiras vítimas em culpados. Calcula-se que existem no Brasil perto de 50 milhões de pobres no Brasil, e não temos, nem de longe, 50 milhões de criminosos. Considerar que a pobreza é o principal fator do crescimento da violência é o mesmo que considerar todo pobre um criminoso em potencial, e presumir que os ricos não matam nem roubam.

Todos sabemos, pelo menos as pessoas de bom senso, que não é com um passe de mágica, nem a médio prazo, que resolveremos os problemas sociais do País. Até que isto aconteça, até que a pobreza seja erradicada, vamos esperar sentados, de braços cruzados, enquanto o País se torna refém da violência?

O segundo pressuposto equivocado é o de que podemos reeducar autores de todo tipo de crime, até mesmo os mais hediondos. Psiquiatras e outros especialistas já realizaram centenas de estudos nos quais provam que adolescentes autores de crimes graves, como homicídio, latrocínio e estupro, têm personalidade psicopática, transtorno mental que não pode ser curado em menos de 10 anos - quando pode ser curado...

Pois bem, não passamos de otimistas ingênuos, pois acreditamos que é possível devolver ao convívio social alguém que cometeu um crime bárbaro depois de apenas três anos ou menos de internação numa instituição para menores. Estão aí as estatísticas que desmentem essa crença: no Rio de Janeiro, cerca da metade dos menores que passaram pelas unidades do Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas do Estado são reincidentes - e entre 60 e 70 por cento dos que passam todo ano para o regime de semi-liberdade fogem dessas unidades.

Um caso exemplar, ocorrido na capital paulista, em 1999, e relembrado pela revista Época na semana passada, ilustra bem a nossa tolerância com criminosos cruéis. Em setembro daquele ano, para roubar um carro, Rogério da Silva Ribeiro matou com um tiro o universitário Rodrigo Damus, de 20 anos. Rogério, que agiu com três cúmplices, foi quem planejou o roubo e puxou o gatilho da arma, conforme sua própria confissão.

Acontece que, no dia do crime, ele tinha 17 anos e 362 dias de idade. Faltavam 72 horas para que completasse 18 anos. Pelo assassinato, ficou internado um ano e oito meses numa instituição para menores, e hoje está livre. Os cúmplices foram condenados a 22 anos de prisão cada um.

O pai de Rodrigo, Jorge Damus Filho, que fundou o Movimento de Resistência ao Crime, para lutar pela redução da maioridade penal, diz que não quer vingança, quer justiça, pois “o ferimento causado por um menor ou por um maior provoca a mesma dor”. 

São casos como este que tornam urgente a revisão da maioridade penal no Brasil. Adolescentes são capazes de avaliar as conseqüências dos seus atos, e a sociedade tem que ser protegida de pessoas capazes de matar a sangue-frio, às vezes, como aconteceu com João Hélio, com requintes de crueldade. Já passou da hora de dar um basta à impunidade.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/06/2007 - Página 20160