Discurso durante a 100ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre problemas advindos da participação do Brasil nas negociações na Rodada de Doha da OMC. Apelo ao presidente Lula no sentido de que dê mais atenção à política externa do governo.

Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Reflexão sobre problemas advindos da participação do Brasil nas negociações na Rodada de Doha da OMC. Apelo ao presidente Lula no sentido de que dê mais atenção à política externa do governo.
Publicação
Publicação no DSF de 28/06/2007 - Página 20982
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, POLITICA EXTERNA, GOVERNO, ERRO, POSIÇÃO, PARTICIPAÇÃO, BRASIL, NEGOCIAÇÃO, REUNIÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), AUSENCIA, ESTABELECIMENTO, CONTRATO BILATERAL, ABANDONO, ESFORÇO, PROMOÇÃO, INTERCAMBIO COMERCIAL, MERCADO EXTERNO, PAIS INDUSTRIALIZADO, PREJUIZO, BALANÇA COMERCIAL, CRIAÇÃO, EMPREGO, RENDA, BRASILEIROS.
  • DEFESA, CONSOLIDAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), INCENTIVO, REALIZAÇÃO, ACORDO DE INTERCAMBIO COMERCIAL, VIABILIDADE, ITAMARATI (MRE), AGILIZAÇÃO, CRESCIMENTO.
  • SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATENÇÃO, APERFEIÇOAMENTO, POLITICA EXTERNA.

            O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no último dia 19 de junho, proferi, neste plenário, pronunciamento em que expus minhas preocupações com a atual política externa e de defesa, no contexto do nosso entorno sul-americano. Tive a grata alegria de ver que vários dos ilustres Pares compartilham essas preocupações.

            Hoje, quero trazer à reflexão desta Casa problemas advindos da concepção equivocada com que participamos das negociações comerciais multilaterais na Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio. O fracasso, até o momento, da Rodada de Doha, simbolizado pela Reunião de Potsdam, representa, na verdade, o fracasso de uma visão das relações internacionais nos dias atuais.

            O Brasil entrou nas negociações da OMC, tendo como base, de um lado, a deformação ideológica de ver a Rodada como luta entre o sul pobre e o norte rico, e, de outro, vê-la como única alternativa de política comercial.

            O viés ideológico fez com que passássemos a procurar liderar os países pobres e em desenvolvimento contra os industrializados, em atitude confrontacionista, que não enxergava a falta de homogeneidade de interesses entre os países do sul. A Índia, por exemplo, que tem graves problemas na produção de alimentos, a qual procura incentivar, não compartilha idéias de reduções importantes nas tarifas sobre produtos agrícolas. Esse é o caso também do Paquistão. Ou seja, no âmbito dos países em desenvolvimento, há áreas de conflito e cooperação, e não posição unânime.

            Tampouco, Sr. Presidente, tomou-se na devida conta o fato de que os países industrializados têm grandes dificuldades em fazer concessões comerciais. No caso dos Estados Unidos, o lobby agrícola, como é conhecido de todos, é extremamente organizado e atuante. Sua força no Congresso ameaça, inclusive, a renovação do Trade Promotion Authority (TPA), que vence em breve. No caso da União Européia, o protecionismo e os subsídios têm mesmo um aspecto cultural, ou seja, a proteção aos agricultores visa também a mantê-los no campo, a preservar um estilo de vida. Um dos países mais firmemente protecionistas na área agrícola, a França, elegeu um Presidente declaradamente a favor do protecionismo agrícola - como o são de resto os outros dois principais candidatos.

            Como as decisões da OMC são consensuais e conhecidas são as dificuldades, como aqui apontadas, não faz sentido a concentração de esforços apenas nas negociações multilaterais. O Brasil apostou na Rodada de Doha, não previu alternativas. E, ao contrário de países como o México, o Chile e os Estados Unidos, não procurou estabelecer acordos bilaterais. Deve-se lembrar que, no nosso âmbito interno, o setor agrícola sempre apoiou mais a Rodada de Doha do que a área industrial, que teme concessões. Essas diferenças, é natural, são mais facilmente administráveis em negociações bilaterais.

            Logo ao final da Reunião de Potsdam, tornamos públicas duas posições importantes: a Alca está fora de cogitação e passaríamos a nos dedicar ao acordo União Européia - Mercosul. Há, aqui, falhas estratégicas. Em primeiro lugar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, descartar uma opção comercial torna evidentemente nossa posição negociadora mais fraca. Em segundo lugar, a opção União Européia - Mercosul, em estado latente por longo tempo, apresenta claras dificuldades. De um lado, além da conhecida situação precária do Mercosul atualmente, deve-se lembrar que a Argentina tem posições protecionistas no campo industrial, inclusive em relação ao Brasil. Cabe indagar se os europeus entrariam em negociações sérias com o Mercosul, enquanto persistissem as atuais atitudes da Venezuela e Bolívia. É de se perguntar, então, Sr. Presidente: a União Européia veria o Mercosul como interlocutor válido?

            Além de abandonarmos a via dos acordos bilaterais - que, pelos compromissos com o Mercosul, demandam maiores negociações intrabloco -, abandonamos os esforços de promoção comercial em relação aos principais mercados. Embora a quantificação seja difícil, a conquista de poucos pontos percentuais de participação, em mercados como o norte-americano, o asiático e o europeu, representaria grandes ganhos para nossa balança comercial, gerando mais emprego e renda para os brasileiros.

            A economia mundial tem estado em fase de desenvolvimento nos últimos anos, e o Brasil tem-se beneficiado, e muito, desse período de bonança, apesar de carências estruturais. No entanto, uma estratégia de política externa não pode confiar apenas em cenários positivos e deve se antecipar, prever políticas para tempos mais difíceis. Considero que devemos, com urgência, sem abandonar a Rodada de Doha, tentar consolidar o Mercosul, envidar esforços de promoção comercial nos principais mercados e promover negociações comerciais bilaterais. Inclusive, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por ocasião do comparecimento do Chanceler à Comissão de Relações Exteriores, em 29 de março deste ano, procurei alertar para os problemas da Rodada de Doha e do Mercosul.

            Em síntese, Sr. Presidente, creio que a consolidação do Mercosul, esforços de promoção comercial nos principais mercados e negociações comerciais bilaterais seriam a melhor forma de o Itamaraty contribuir para a aceleração do crescimento.

            Como já fiz neste plenário, apelo ao Presidente de República para que volte seus olhos para a área externa, para que determine um aperfeiçoamento, uma correção de rumos que a nivele com os inegáveis êxitos de seu Governo até agora alcançados, tanto no campo social quanto no econômico.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

            Muito obrigado.

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/06/2007 - Página 20982