Discurso durante a 100ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise sobre o que S.Exa. considera ter sido importante na "Era Blair".

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Análise sobre o que S.Exa. considera ter sido importante na "Era Blair".
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Republicação no DSF de 06/07/2007 - Página 22618
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, ATUAÇÃO, PRIMEIRO-MINISTRO, PAIS ESTRANGEIRO, GRÃ-BRETANHA, DISCORDANCIA, SOLIDARIEDADE, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CONFLITO, IRAQUE, ELOGIO, EMPENHO, GARANTIA, CIDADÃO, DIREITOS, PARTILHA, RIQUEZAS, REINO UNIDO.
  • COMENTARIO, REVERSÃO, SITUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, GRÃ-BRETANHA, AUMENTO, RENDA, POPULAÇÃO CARENTE, COMPARAÇÃO, BRASIL, GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Presidente, Senador Gerson Camata, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, gostaria de falar hoje sobre um tema de importância internacional. Quero até chamar a atenção do nosso Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, Senador Heráclito Fortes, que há poucos instantes estava aqui, pois S. Exª sempre gosta de me provocar. Hoje é um dia importante para um dos principais líderes contemporâneos, o do Reino Unido. O Primeiro-Ministro Tony Blair está passando o seu bastão para o Sr. Gordon Brown, que assume o cargo, indicado que foi, no último domingo, em eleição, pelo Partido Trabalhista inglês. Há tempos o seu nome era cogitado para substituir Tony Blair.

            Eu gostaria de mencionar algumas coisas importantes ocorridas durante o governo de Tony Blair e que se relacionam as proposições que trago aqui.

            Primeiro, vou falar a respeito do que discordo do Primeiro-Ministro Tony Blair. Refiro-me, especialmente, à maneira como, diante das manifestações tão belas que estavam ocorrendo em 2002 e 2003 no Reino Unido, em Londres e nas principais cidades, quando o povo saía às ruas pedindo que não se utilizassem meios bélicos para destronar o Presidente Saddam Hussein, do Iraque, tendo em vista os fortíssimos laços de amizade dos Estados Unidos com o Reino Unido, Tony Blair avaliou que era importante estar solidário às diretrizes do Presidente George Walker Bush. Ele aceitou os argumentos do governo do Presidente George Walker Bush, que, depois, mostraram-se incorretos, pois, missões da ONU não encontraram armas de destruição em massa naquele país. Portanto, a minha discordância com Tony Blair foi em relação à sua solidariedade com a ação bélica do governo do Presidente George Walker Bush, especialmente ali no Iraque.

            Também durante os dez anos de governo de Tony Blair, houve quatro ações importantes: no Kosovo, em Serra Leoa, no Afeganistão e no Iraque.

            O SR. PRESIDENTE (Gerson Camata. PMDB - ES) - Se V. Exª me permite, passarei a Presidência à Senadora Serys Slhessarenko, porque sou o próximo orador inscrito.

            Muito obrigado.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço a atenção, Senador Gerson Camata. Se V. Exª quiser me apartear, será uma honra.

            Querida Senadora Serys, que agora preside a sessão, quero ressaltar que, no diz respeito àquilo que tanto acredito: no esforço para que segmentos da população resolvam seus problemas pela não-violência, o Primeiro-Ministro Tony Blair teve uma ação que é de tirar o chapéu. Refiro-me aos seus esforços para pacificar os católicos e os protestantes, entre os quais, durante décadas do século XX e mesmo agora no século XXI, ocorreram ações bélicas de terror.

            O Primeiro-Ministro Tony Blair conseguiu, pouco a pouco, transformar a Irlanda num país de paz para católicos, protestantes e para as mais diversas denominações - inclusive aqueles que participaram do IRA, Exército Republicano Irlandês, que lutava pela libertação da Irlanda. Isso aconteceu, inclusive, recentemente.

            Recomendo a todos a leitura de um artigo de três páginas, muito interessante, do último The Economist, de 2 a 8 de junho de 2007, do Primeiro-Ministro Tony Blair, em que ele fala o que aprendeu durante o seu governo. Infelizmente, não vou pedir sua transcrição por se tratar de uma publicação em inglês. Mas, se for possível ao Serviço de Taquigrafia a tradução, até requeiro a transcrição do texto traduzido, já que há excelentes tradutores no Senado.

            Senador Gerson Camata, Tony Blair explica as razões pelas quais não imaginava que a política externa, de relações exteriores, fosse tomar tamanha atenção de sua parte. Na verdade, o Reino Unido hoje tem uma tal importância no mundo, é a quarta economia, que acabou tomando a maior parte das considerações dessas três páginas de testemunho sobre o que ele aprendeu durante seus dez anos de governo.

            Senador Gerson Camata, dentre os aspectos positivos que estão no texto, ressalto a referência que ele faz sobre o sistema de bem-estar, que ele modificou bastante. Ele diz que os sistemas de bem-estar trabalham somente se houver a responsabilidade compartilhada. O Estado, sim, provê uma ajuda a cidadãos para que estes possam favorecer a si próprios. A reforma das pensões na Inglaterra, no Reino Unido, desenvolve-se ao longo das décadas com um sistema possível do ponto de vista econômico, sendo também justo entre as gerações, assegurando que cada cidadão tenha o direito a uma pensão básica. Ele poderá, além disso, obter aquilo que conseguir por suas próprias finanças.

            Vou laborar um pouco sobre esse pensamento, mas, antes, com muita honra, concedo-lhe o aparte, Senador Gerson Camata. Ainda farei outras considerações.

            O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Quero apenas congratular-me com V. Exª quando vem ao Senado brasileiro falar sobre um dos grandes líderes destes primeiros anos do século: Tony Blair. V. Exª fala de maneira magistral sobre uma biografia política bonita, uma trajetória bonita, com aquela mancha do Iraque. Como é que ele foi acabar apoiando Bush contra o Iraque naquela invasão extemporânea, absurda, cujas conseqüências ele praticamente pagou com a perda do seu cargo na Inglaterra? Estive pessoalmente com ele, ao lado do Presidente Fernando Henrique Cardoso, por duas vezes: uma vez, lá, em Londres, quando ele era candidato, na sua campanha e; depois, em Bolonha, quando o Presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu o título de Doutor Honoris Causa. De modo que eu passei a ser fã do trabalho dele e lamentei quando ele deu esse passo na direção da guerra do Iraque. Mas isso não empana seu brilho como um grande líder europeu e, às vezes, e também um grande líder mundial. E ressalto outra coisa, como católico, muito orgulhoso, da conversão dele ao catolicismo no final do seu governo. Ele deixa a Igreja Anglicana - são nossos irmãos também - e vem para a Igreja Católica, a origem também da Igreja Anglicana.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Senadora Serys Slhessarenko, peço que V. Exª seja um pouco generosa comigo, porque agora vou falar da parte principal que eu quero registrar a respeito de Tony Blair, que ainda mal foi percebida pela opinião pública tanto no Reino Unido quanto no mundo. Inclusive aquelas pessoas que o acompanham e que estão fazendo, assim, um diagnóstico dos seus dez anos, muitos, no Brasil, não percebem isso que vou relatar.

            Quando a esposa de Tony Blair estava grávida do seu quarto filho, ele anunciou que, a partir dali, ao nascer no Reino Unido toda pessoa passaria a ter um depósito, na sua conta bancária, de 250 libras esterlinas e, ao completar 6, 11 e 16 anos (mais £50, £50 e £50); se a pessoa for de família mais pobre, as quantias serão, respectivamente, de £500, £100, £100 e £100. E esses valores passarão a render juros. Quando a pessoa completar 18 anos, todos os nascidos e os moradores do Reino Unido passam a ter o direito inalienável de receber esses recursos acumulados e iniciar a sua vida adulta, aos 18 anos, com algo em torno de 4 mil a 5 mil libras esterlinas.

            Senador Mão Santa, veja só: é o direito de todos partilharem da riqueza do Reino Unido. Não é uma caridade, mas é observado e provido como um direito de todos. E quem recomendou isso há bem mais tempo, Senador Mão Santa? V. Exª sabe, porque sempre tem prestado a atenção, aqui, aos meus pronunciamentos. Então, V. Exª poderá recordar, que, em 1795, quem expôs isso para a Assembléia Nacional Francesa foi um ilustre inglês, nascido em Thetford, um dos maiores ideólogos das revoluções americana e francesa, Thomas Paine, que, a certa altura da vida,...

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Autor de A Utopia.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Não. Thomas Morus foi o autor de A Utopia. Thomas Paine, nascido no Reino Unido, persuadido por Benjamim Franklin, foi para a América, antes da independência, e ali, coletor de impostos, observador de costumes e de valores, começou a escrever ensaios. A partir disso, George Washington escreveu a um amigo dizendo que nenhum outro ensaio tivera tamanha influência sobre os americanos para lutarem por sua independência quanto o Senso Comum. E o que dizia Thomas Paine em Senso Comum? Que contrariava o bom senso que uma ilha dominasse um continente. E, baseado em idéias como essa, seis meses depois, os americanos proclamaram a sua independência.

            E, por suas idéias serem consideradas tão progressistas, Thomas Paine começou a sentir-se perseguido e voltou para o seu país. E o que aconteceu lá? Começaram a queimar os seus livros: “Imaginem esse homem, responsável pela perda da nossa principal colônia!” Por isso, ele foi até a França abraçar os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Tamanho foi o seu engajamento na Revolução Francesa de 1789, que, embora estrangeiro, o elegeram constituinte francês e, em 1795, nessa qualidade, ele escreveu o ensaio Justiça Agrária, onde diz que a pobreza tem a ver com a civilização e a instituição da propriedade privada; que, na América, onde a propriedade era comum entre os índios, não enxergava tamanha destituição e pobreza quanto nas vilas e cidades européias de então. Ele considerava de bom senso que uma pessoa que cultiva a terra e nela realiza uma benfeitoria possa usufruir do seu trabalho na sua propriedade, mas era sua proposição que toda pessoa que assim o fizesse destinasse uma parcela desse rendimento para um fundo que a todos pertenceria. Desse fundo, se pagaria a cada pessoa residente naquele país...

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Eduardo Suplicy, peço a V. Exª um aparte. Do contrário, vou pedir a palavra pelo art. 14, o que vai dar no mesmo. A ordem dos fatores não altera o produto. Nós estamos diante de uma Presidente muito sensível ao direito.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Em seguida.

            Terminando a frase, Thomas Paine propôs que toda pessoa recebesse, a partir desse fundo, uma vez acumulado, tanto uma renda básica como um capital básico que seria conferido a cada um naquele país como um direito inalienável de todos partilharem da riqueza da Nação.

            Pois bem, Tony Blair, mais de 200 anos depois, instituiu o que Thomas Paine propôs em 1795. A candidata Ségolene Royal, na França, agora, tinha no seu plano também instituir...

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - E ela já largou o marido, não é?

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - V. Exª já está querendo passar para a parte pessoal.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Não, eu quero o aparte para justificar o Thomas.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Eu concedo o aparte, Senador, mas...

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador, V. Exª é a mais brilhante estrela do PT.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Mas eu queria que V. Exª falasse não tanto da Ségolene e do marido, mas do direito inalienável de todos partilharem da riqueza da Nação.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Não, permita-me, nós vamos ficar nos Thomas. Thomas Paine V. Exª explicou bem. Eu me equivoquei aqui. O Thomas Morus foi autor de A Utopia, e há o Thomas Merton. São muitos Thomas. O Thomas é um filósofo cristão, católico, que disse que homem algum é uma ilha. Vamos fazer um resumo. Eu aprendi e tenho aprendido muito com V. Exª. V. Exª é uma inteligência privilegiada, é a estrela melhor e mais justa do PT. Aliás, Aristóteles disse que a justiça tem de estar como uma coroa: tem de estar mais alta do que a coroa dos santos e brilhar mais do que a coroa dos reis. Mas eu queria dizer por que foi possível isso. V. Exª falou da Inglaterra. O nosso Tony Blair entregou hoje o cargo a seu sucessor, Gordon Brown. Aí é que está o erro. V. Exª, o melhor nome e a melhor inteligência do PT, leve para o Luiz Inácio a luz de V. Exª. Isso é possível porque Gordon Brown, o substituto de Tony Blair, só vai nomear 150; Luiz Inácio Lula da Silva nomeou vinte e quatro mil. Mais ainda, ele não é temente a Deus, porque cometeu a maior injustiça: acabou de dar 139% de aumento para os aloprados beneficiados com DAS e 3% para os verdadeiros trabalhadores do Brasil, que são os aposentados. Tony Blair vai entregar o cargo, e o seu sucessor só vai fazer 150 nomeações; o Governo de V. Exª fez vinte e quatro mil nomeações. Por isso é que o povo brasileiro está sacrificado, explorado, arruinado de tanto trabalhar para pagar imposto e para se sustentar. Essa é a diferença que, talvez, não tenha vivido em sua época o nosso Thomas Paine, cujos ensinamentos V. Exª trouxe e em quem V. Exª buscou inspiração. V. Exª tem demonstrado boas intenções, sensibilidade política e austeridade. Era o que tinha a dizer. A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Senador Suplicy, vou lhe conceder mais dois minutos para que V. Exª conclua, pois V. Exª já está na tribuna há vinte minutos.

            O SR EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Está certo.

            Apenas, Senador Mão Santa, quero lhe dizer que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve inúmeros diálogos muito construtivos com o Primeiro-Ministro Tony Blair, por vezes acompanhado do Ministro Celso Amorim e, felizmente, as relações entre os nossos países se encontram muito boas.

            Certamente o Primeiro-Ministro Gordon Brown, que sucede Tony Blair, aprendeu muito como seu Ministro da Economia e certamente levará adiante uma serie de propósitos muito positivos. E há um ponto comum entre os governos de Tony Blair e do Presidente Lula, que tem sido objeto de análise da nossa Líder Ideli Salvatti - não sei se a Senadora Ideli conhece os dados que vou aqui apresentar relativamente à distribuição de renda e à exclusão social.

            De 1979 a 1997 - assim vou concluir, Senadora Serys - as rendas dos 20% mais ricos na Grã-Bretanha cresceram mais depressa (2,5%) do que as rendas dos 20% mais pobres, que cresceu 0,8%. Mas isso foi revertido exatamente nos dez anos de 1997 a 2007, porque as rendas dos mais pobres passaram a crescer 2,2% enquanto a dos ricos, 2% apenas.

            No Brasil também tem havido o crescimento da renda dos mais pobres em maior proporção durante os quatro anos e meio do Governo Lula, em relação ao que antes vinha ocorrendo. Era esse ponto comum que queria ressaltar.

            Muito obrigado, Srª Presidente.

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/07/2007 - Página 22618