Discurso durante a 101ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transcurso, hoje, do Dia Mundial do Orgulho GLBT.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Transcurso, hoje, do Dia Mundial do Orgulho GLBT.
Publicação
Publicação no DSF de 29/06/2007 - Página 31153
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, MANIFESTAÇÃO, GRUPO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO, HOMOSSEXUAL, GARANTIA, IGUALDADE, DIREITOS, CIDADANIA, OPORTUNIDADE, REGISTRO, INICIO, DATA, MUNDO, BRASIL.
  • IMPORTANCIA, TRAMITAÇÃO, SENADO, PROJETO DE LEI, CAMARA DOS DEPUTADOS, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, CARACTERIZAÇÃO, CRIME, DISCRIMINAÇÃO, HOMOSSEXUAL.
  • QUESTIONAMENTO, TOLERANCIA, SOCIEDADE, SITUAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, CONDUTA, JUVENTUDE, CLASSE MEDIA, AGRESSÃO, EMPREGADO DOMESTICO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DEMONSTRAÇÃO, INTEGRIDADE, CONDUTA, PAI, EMPREGADO DOMESTICO, VITIMA, VIOLENCIA, COMPARAÇÃO, EMPRESARIO, DEFESA, CRIME, FILHO.
  • SAUDAÇÃO, GRUPO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO, HOMOSSEXUAL.

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, pessoas presentes, tenho a honra de ocupar a tribuna na tarde deste dia 28 de junho, Dia Mundial do Orgulho GLBT.

O dia 28 de junho, Sr. Presidente, ganhou esse significado especial a partir do ano de 1969, em decorrência da ousadia cívica de cidadãos e cidadãs que marcou o início do moderno movimento GLBT, sigla que se refere a gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, pessoas que nem sempre têm o merecido respeito de nossa sociedade, mas como todos os outros pagam impostos todos os dias.

Em 28 de junho de 1969, na cidade de Nova York, nos Estados Unidos da América, ocorreu um episódio que ficou conhecido como a Rebelião de Stonewall.

Stonewall, Sr. Presidente, é um antigo bar de freqüência predominantemente GLBT e que por isso mesmo sofria, naquela época, constantes batidas policiais - que tratavam com desrespeito e humilhações injustificáveis a clientela do bar.

A 28 de junho de 1969, os freqüentadores daquele bar revoltaram-se contra os policiais, iniciando-se um tumulto que durou três dias inesquecíveis e que mudaram definitivamente o comportamento repressivo das autoridades locais quanto ao trato com o público GLBT, dando início à luta organizada e explícita pela igualdade de direitos e afirmação da cidadania de lésbicas, bissexuais, gays e transexuais.

Desde então, esta data é celebrada com diferentes expressões de orgulho, altivez e auto-estima GLBT. E, em vez de vergonha e submissão, porções cada vez mais numerosas e expressivas dessas comunidades assumem publicamente sua orientação sexual e identidade de gênero, exigindo o fim da hipocrisia opressora de Estado e garantias ao pleno exercício de sua cidadania.

No Brasil, esse movimento torna-se mais expressivo a partir de 1995, com a realização de Paradas do Orgulho GLBT nas principais capitais do País. Cada vez mais numerosas, em 2006, as paradas GLBT somaram 109 em todo o Brasil - muitas delas realizadas em cidades do interior -, com destaque especial para a Parada do Orgulho GLBT de São Paulo, que, este ano, quebrou todos os recordes de participação, consagrando-se como a maior do mundo pela segunda vez consecutiva.

Nesse sentido, é necessário que compreendamos todo esse esforço de visibilidade como reação inadiável à gravíssima discriminação que se comete contra esses segmentos da população, com impressionante violência e injustificável tolerância da sociedade e do Estado brasileiro.

Naturalmente, essa reação bate também às portas do Parlamento brasileiro, trazendo justas demandas e oportunas proposições de aprimoramento de nossa legislação.

Entre essas proposições, tramita no Senado o PLC nº 122, de 2006, de autoria da ex-Deputada Iara Bernardi, que tenho a honra de relatar na Comissão de Direitos Humanos desta Casa, dispondo alterações à chamada Lei de Combate ao Racismo, tipificando como crime a discriminação a homossexuais e transexuais; e à CLT, ampliando-a com instrumentos para coibir essa grave situação também nas relações trabalhistas e nas escolas, onde igualmente se dá de forma injusta e perniciosa.

Neste momento, Sr. Presidente, temos a oportunidade de receber, na galeria do Senado, a presença de diversos estudantes. É preciso que modifiquemos a legislação brasileira para que as nossas escolas passem a educar as nossas crianças nesse sentido e para que os nossos professores também tenham a devida formação para saber como tratar esse tema em sala de aula, porque, na escola, começamos a combater a violência, não com armas, mas com conhecimento.

Já trouxe aqui, Sr. Presidente, em outras oportunidades, dados da violência que se pratica contra homossexuais e transexuais no Brasil, seja a violência física, muitas vezes letal, seja a violência psicológica, no campo das relações afetivas, trabalhistas, de limitações de direitos à dignidade e à cidadania plena.

Hoje, quero destacar especialmente um aspecto dessa situação de preconceito homofóbico, que gera violência física e violação de direitos, sob complacente tolerância da sociedade.

Sr. Presidente e senhores ouvintes, a experiência de relatar o PLC nº 122, de 2006, nos pôs em contato com áreas de nossa realidade sociocultural que, até então, eu não conhecia e me surpreenderam - confesso. Não supunha que essa matéria fosse gerar a grande polêmica que gerou no Senado Federal, onde o projeto ainda está em discussão de mérito, isto é, na fase em que se reconhece ou não a gravidade e a dimensão dessa brutal discriminação e a necessidade de se aprimorarem mecanismos legais, associados às políticas já em curso, no Governo Lula e em muitos Estados brasileiros, para coibir essas práticas.

De fato, toda oposição à aprovação do projeto até agora tem vindo, apenas e exatamente, de setores que se consideram ameaçados em sua liberdade de pregação religiosa, conforme sua doutrina e interpretação de textos bíblicos - segundo os quais a prática de homossexualidade se constitui em abominação aos olhos de Deus.

É quanto a esse aspecto que quero tecer algumas considerações, baseada em fatos recentes que, do nosso ponto de vista, ilustram o grande equívoco que se alimenta em nossa sociedade, com base na interpretação do que seja a justiça divina a justificar certas condutas sociais e ações do Estado brasileiro.

Senhoras e senhores, esta semana foi amplamente noticiada a ocorrência de um crime cometido por quatro rapazes de classe média alta que, em plena via pública, espancaram três mulheres que aguardavam transporte numa parada de ônibus. Uma delas foi agredida muito mais brutalmente e ainda lhe tomaram a bolsa com seus pertences - entre eles, um telefone celular e a quantia de R$45,00. Esse caso já foi aqui comentado pelo Senador Paulo Paim e por outros Senadores, nos seus mais diferentes aspectos.

Portanto, concordando com a indignada ponderação do Senador Paim, pretendo ater-me apenas ao fato de os rapazes terem tentado justificar tal violência alegando que confundiram a moça com uma prostituta. E, com isso, Sr. Presidente, chamo a atenção para o fato de que também a prostituição é uma prática tida por abominável entre os mesmos segmentos que se opõem à prática homossexual.

É que há uma cultura de intolerância com alguns segmentos de nossa população, equivocadamente fundamentada em preceitos bíblicos, que, freqüentemente, servem para justificar não apenas agressões de todo tipo contra homossexuais, mas também contra todo tipo de comportamento considerado “desvio sexual”.

O pai de um dos rapazes agressores chegou a dizer, na televisão, que era um absurdo prenderem o seu filho - outro disse “sua criança” - e os amigos, pois todos tinham emprego e escola e, por isso, não podiam ser tratados como bandidos, como se desempregados e pessoas de pouca instrução fossem potencialmente bandidos.

Assim, também muitos crêem que matar, espancar, humilhar, torturar são práticas menos abomináveis ou pecados de menor importância que a prática da homossexualidade ou da prostituição. Portanto, matar, espancar, torturar, humilhar, excluir homossexuais e prostitutas ganham até certo glamour de justiça, que muitas pessoas freqüentemente usam como atenuante a qualquer crime - mais ainda quando seu equívoco encontra respaldo e estímulo na doutrinação religiosa -, na íntima confiança de que se está, por um lado, ajudando a limpar o mundo e, por outro, prestando um serviço à justiça divina ao castigar o pecador.

Sou católica e cristã, Sr. Presidente, e como tal não posso concordar com tais comportamentos. E, sendo legisladora, no Estado brasileiro laico, considero meu dever coibi-los. Como tal, conclamo os líderes religiosos - padres, pastores, missionários cristãos em geral, em sua dedicada militância pela paz e concórdia em nossa sociedade - a que nos ajudem a garantir civilidade e convivência democrática na diversidade de que é feita nossa sociedade.

Como cristã, proponho que nos referenciemos nas palavras do próprio mestre Jesus, para discernir sobre a relatividade cultural de seus apóstolos e profetas:

- quanto às legítimas atribuições do Estado, disse Jesus: “A César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”;

- quanto aos “desvios de conduta sexual”, como no momento em que se pretendia apedrejar Madalena, conforme os costumes da época, disse Jesus: “Atire a primeira pedra quem não tiver pecado” - esta, sim, uma atitude exemplar e orientadora ao comportamento de seus seguidores, de todos os tempos.

Sr. Presidente, para concluir, quero me solidarizar com a jovem vitimada pela agressão que aqui mencionamos, a Sirley Dias Carvalho Pinto, com seu pai e sua família, pela civilidade, dignidade e elevada sabedoria com que se portaram nessa infeliz circunstância. E quero pedir a V. Exª, Sr. Presidente, que registre nos Anais o artigo de Zuenir Ventura, publicado no Jornal O Globo, quarta-feira, dia 27 de junho - portanto, ontem -, intitulado “De pais e filhinhos de papais”, em que ressalta muito bem a diferença de comportamento entre o pai da Sirley e o pai daqueles bandidos que a atacaram.

E, finalmente, Sr. Presidente, neste 28 de junho, quero saudar carinhosamente a ABGLT, (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais), em nome de quem saúdo o bem-vindo movimento da sociedade pelo fim das desigualdades e da injustiça, oferecendo minha gratidão cristã de cidadã e meu comportamento militante a todos e a todas nessa luta de amor e liberdade pela dignidade do ser humano.

Meu muito obrigada, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SRª SENADORA FÁTIMA CLEIDE EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“De pais e filhinhos de papais”


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/06/2007 - Página 31153