Discurso durante a 102ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Alerta para a perda de credibilidade do Poder Legislativo do Brasil.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. PODERES CONSTITUCIONAIS.:
  • Alerta para a perda de credibilidade do Poder Legislativo do Brasil.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 30/06/2007 - Página 21860
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. PODERES CONSTITUCIONAIS.
Indexação
  • APREENSÃO, GRAVIDADE, VIOLENCIA, BRASIL, COMPROMETIMENTO, FUTURO, JUVENTUDE, NECESSIDADE, MOBILIZAÇÃO, LEGISLATIVO, CONTENÇÃO, CRISE, IMPORTANCIA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DEFESA, ACESSO, POPULAÇÃO CARENTE, SAUDE, EDUCAÇÃO, HABITAÇÃO, SANEAMENTO.
  • CRITICA, POLITICA SOCIAL, GOVERNO FEDERAL, ADIAMENTO, SOLUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DEFESA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, GARANTIA, CRESCIMENTO, ECONOMIA NACIONAL, COMENTARIO, APERFEIÇOAMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, CIENCIA E TECNOLOGIA, AGILIZAÇÃO.
  • CRITICA, EXECUTIVO, UTILIZAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), INTERFERENCIA, LEGISLATIVO, NECESSIDADE, APOIO, OPINIÃO PUBLICA, RECUPERAÇÃO, AUTONOMIA, PODERES CONSTITUCIONAIS, GARANTIA, DEMOCRACIA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, público mirim que nos assisti hoje aqui, um desses dias vim à tribuna e disse que ia falar sobre água. Discursei sobre a gota d’água que, a meu ver, poderá, em algum momento, tombar sobre a cabeça das instituições democráticas brasileiras. De gota em gota, a indignação que o povo sente hoje poderá, de um momento a outro, transformar-se em revolta.

Hoje, não vim falar de água, mas de cor. Vim falar da cor amarela, que está diante de nós nos avisando do perigo em frente; a cor amarela, como nos sinas de trânsito, que a história dos países também tem.

Há momentos em que a luz é verde, e o país continua avançando, Senador Mozarildo Cavalcanti, com a naturalidade do fluir das suas forças econômicas, sociais, culturais. Há momentos trágicos, em que a luz é vermelha, e o país se perde em conturbações, incertezas, e fica parado no tempo.

Não creio que o Brasil esteja com a luz vermelha. Não, o Brasil continua evoluindo, crescendo; as instituições estão aqui; nós podemos falar o que quisermos, até de água e de cor, mas não está verde a luz adiante. Há uma luz amarela nos avisando de que as coisas adiante podem precipitar-se, a última gota cair, e a indignação se transformar em revolta.

Vejo, por exemplo, que a primeira das luzes amarelas, que está quase vermelha, é a violência. A violência não é mais uma questão apenas de polícia. Não se vai resolver o problema da violência no Rio de Janeiro aumentando a quantidade de policiais, ainda que isso seja necessário também. E é necessário rigor! Mas é uma questão muito mais profunda, mais ampla, mais séria, que exige nossa participação, como condutores do País, para sabermos não apenas como prender os bandidos, mas como construir a paz no Brasil.

Os outros países estão buscando a paz. Países em guerra buscam a paz. Estamos apenas fazendo a repressão, que não dará solução definitiva, porque o Brasil tem uma luz amarela indicando que somos hoje uma fábrica de violência. E, quando a fábrica continua funcionando, pode-se acabar com o produto dessa fábrica, mas outros produtos virão.

Será que não conseguimos ver que essa luz amarela está indicando que, por mais que coloquemos bandidos hoje na cadeia, a fábrica de violência continuará produzindo jovens descontentes, sem perspectivas, sem alternativas, sem a mesma chance e oportunidade de que o Senador Mozarildo falava há pouco? Será que não vemos que há uma luz amarela? E não é apenas uma questão da violência visível, é uma violência invisível que produz a visível!

É para essa luz amarela que estou aproveitando esta manhã para tentar chamar a atenção de todos nós.

E a luz amarela da desigualdade? Será que continuaremos fazendo com a desigualdade o faz-de-conta que fazemos com a violência? Será que continuaremos dizendo ao povo que a distribuição de algumas migalhas, por meio de programa de transferência de renda, de valores abaixo de R$100,00 por família, reduzirá a desigualdade? Será que continuaremos mentindo quando dizemos que diminuiu o número de pobres porque aumentou em R$30,00 a renda anual de algumas dessas famílias? Trinta reais, hoje, não é o preço da conta de restaurante de uma única pessoa num único jantar. E consideramos que é capaz de reduzir a pobreza? Trinta reais não por ano, como falei, mas por mês. Trinta reais por mês tira alguém da pobreza, Senador Eurípedes? Não tira! O que tira da pobreza é garantir a mesma chance para o pobre e para o rico, garantir o mesmo acesso à saúde, à educação, à moradia, à água, ao esgoto, à coleta de lixos, é tocar nos vetores que são os indicadores reais - e não os de faz-de-conta - da pobreza.

Não estamos vendo uma luz amarela imensa, Senador Mozarildo, que, diante da história do Brasil, está acesa, piscando, avisando: vem uma tragédia adiante no cenário mundial das nações se não formos capazes de enfrentar o problema da desigualdade. É uma luz amarela que não estamos vendo, achando que é uma luz verde, como diz o Presidente, porque reduziu a desigualdade em alguns centavos.

A luz amarela indica que o País está ficando tragicamente para trás pelo abandono à educação de base. É uma luz amarela profunda! O futuro hoje de qualquer economia está no conhecimento. O conhecimento é o principal capital. Não são mais as máquinas, mas o que está por trás, desenhando-as, projetando-as. O futuro da economia está nos chips das máquinas. Não é nas máquinas em si. O valor deste microfone não vem da mão-de-obra usada para fazê-lo, porque foi um robô. Não vem da quantidade de ferro, que é quase nenhuma. Vem da quantidade de conhecimento, de ciência e de tecnologia utilizados para produzir o desenho do computador, os chips, os sistemas eletrônicos que estão dentro dos produtos.

E não estamos vendo essa luz amarela! Não estamos vendo que, com relação à educação, os outros países estão crescendo muito mais depressa, e estamos nos contentando com os pequenos avanços. O problema não é que estamos ficando para trás em relação ao Brasil. Hoje, não está pior do que ontem. Mas hoje estamos mais distantes dos outros países do que estávamos ontem. E tem uma luz amarela imensa, acesa, piscando, dizendo: “Senadores, acordem! Deputados, acordem! Líderes do Brasil, acordem! Há uma luz amarela diante de nós!”. E não vemos essa luz.

Vemos a luz que acende por causa dos aeroportos, porque tocou diretamente na gente. Não vemos as luzes que acendem, dizendo: é amarelo à frente. Não vemos o perigo, porque é do povo e da Nação. Os riscos da Nação brasileira a gente não vê. E, Senador Marco Maciel, V. Exª tem sido um dos que falam sobre esse assunto. Não vemos os riscos de o Brasil, ao adiar a construção da República de que V. Exª sempre fala, diluir-se em duas camadas diferentes da sociedade - não digo nem duas classes: uma casta aristocrática e uma plebe deseducada, pobre e, pior, que não se considera no direito de ter as coisas que a elite tem. A maior tragédia brasileira hoje talvez não seja que a escola do pobre é pior do que a do rico, mas que o pobre acha que não tem direito a ter uma escola igual à do rico. Essa é a tragédia maior, porque, se o povo pensasse que tem direito a ter uma escola igual a do rico, votava para que tivéssemos isso a partir do próximo governo. Mas o povo, no Brasil, é como os escravos de antigamente, que achavam que não iam jamais ter direito à liberdade, que isso só quando morressem e fossem para o céu. Era assim que os escravos pensavam, a liberdade vai estar no céu, como diziam os poemas de Castro Alves. Hoje, temos os nossos pobres achando que a escola boa para os seus filhos é uma questão do céu, não é uma questão da terra.

A gente não vê a luz amarela dizendo que este País está adiando tanto transformar-se em uma República em que todos se olhem nos olhos como pessoas semelhantes; que a gente pode, de repente, descobrir que nem República, nem Nação vamos ter, por uma guerra civil espontânea que está surgindo neste País, uma guerra civil sem ideologias, sem partidos condutores, mas uma guerra civil no sentido de oposição entre os que estão dentro da modernidade e os que, lá fora, perderam a esperança, sobretudo os jovens.

Nós temos, diante de nós, diante da nossa história, uma luz amarela avisando do perigo.

Mas, antes de continuar, porque lamentavelmente não são apenas esses os sinais de luz amarela, concedo um aparte ao Senador Mozarildo.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Senador Cristovam, V. Exª, com a competência e o brilhantismo de sempre, aborda temas muito importantes. Antes de V. Exª chegar, fiz um pronunciamento falando da Maçonaria, e disse que os pilares da Maçonaria são, justamente, liberdade, igualdade e fraternidade. A igualdade tem de ser algo amplo, a igualdade de oportunidades, a igualdade de condições de trabalho, de acesso à saúde e à educação, uma coisa muito ampla. V. Exª fala que estamos com o sinal amarelo. Eu diria que está amarelo piscando, já está praticamente passando para o vermelho. V. Exª é muito preciso quando diz que, qualquer que seja o título, se Bolsa-Educação ou Bolsa-Família, para pessoas que realmente estão na indigência ou na extrema pobreza e não se gera emprego ou expectativa de melhoria para aquela situação, nós estamos apenas aliviando uma dor intensa. Seria como se eu, como médico, recebesse um paciente gritando de dor e lhe desse só um analgésico, sem procurar saber a causa daquela dor e sem resolver a causa da dor. Realmente, é preciso que se busque atingir essas causas, e o Estado é o responsável por isso. V. Exª falou em Deputado e Senador. Nós, aqui, aprovamos as leis, e o Executivo não as coloca em prática. Se o Presidente da República e os seus Ministros não colocam em prática as leis que existem, a culpa não é do Parlamento. Aliás, nós estamos quase que impedidos de legislar tanto é o volume de medidas provisórias que vêm do Poder Executivo e trancam a pauta. Também não podemos nos eximir. É evidente que temos de estar vigilantes, pelo menos fazendo denúncias, como V. Exª está fazendo, chamando a atenção. Hoje, há alguns pontos principais, como, por exemplo, a escola. É evidente que a escola tem de ser melhorada, tem de haver mais acesso das pessoas e ter qualidade efetivamente de ensino. Mas também tem de ensinar algo mais amplo. Estou até ousando falar desse tema, do qual V. Exª é doutor. Mas não é o simples ensino da Matemática, do Português ou da Biologia, é ensinar também cidadania para o jovem, para que não ocorra, como vimos recentemente, um estudante de Direito e um estudante de uma outra faculdade agredindo uma doméstica porque, segundo eles, achavam que era uma prostituta. E se viram no direito de atacar, portanto, uma prostituta, que é um ser humano. Então, há falhas da família, que, nesse caso, é de classe média e, provavelmente, média alta, pois o pai ou trabalha demais ou se omite. Atualmente, os pais querem ser mais colegas dos filhos, mais amigos dos filhos do que pais. Evitam dizer “não” e estabelecer limites. Então, a família falha, a escola falha, e o Estado falha. Quero cumprimentar V. Exª e dizer que, neste sentido, temos de agir, para que o Executivo também possa, efetivamente, corrigir-se. Acho que o Presidente Lula tem tido muitos méritos, mas, nesse particular, a geração de empregos que temos visto não é decorrência da ação do Executivo. Encerro, dizendo que, na questão da educação, concordo com V. Exª integralmente. Por isso mesmo, quando Deputado, aprovei duas leis autorizativas, que hoje se transformaram em realidade em Roraima: a Escola Técnica Federal, que hoje é um Cefet - Centro Federal de Educação Tecnológica, com quase três mil alunos; e a Universidade Federal de Roraima, que tem 29 cursos, também um projeto de minha autoria. E estou lutando, agora, Senador, para implantar lá um colégio militar. Um Estado que tem, arredondando para cima, 400 mil habitantes, já teria essas condições. Acredito que, lá, faremos uma revolução pela educação, que V. Exª tanto prega.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador. Eu ouvi o seu discurso pela Rádio Senado e quero dizer que comparto totalmente não apenas da importância da mesma chance, mesma igualdade de oportunidade, como também o respeito pela Maçonaria. Ontem, tivemos aqui a posse do Grão-Mestre, o pernambucano Jafé Torres. Comparto o respeito a essa instituição, milenar no resto do mundo e centenária no Brasil, que teve um papel tão importante na independência, na República. Todas as vezes em que tenho oportunidade de falar com os maçons, eu digo: “Está na hora de vocês trazerem para a mesa a revolução pela educação, como fizeram a da independência”.

Gostaria de aprofundar a declaração de que o Presidente é o culpado. Não tenho dúvida de que o Presidente Lula não está cumprindo, como deveria, o seu papel, do ponto de vista de respeitar as instituições plenas da República, inclusive interferindo, como fez em discurso ontem. Mas a culpa é nossa. Somos a Casa do povo. Se quisermos, mudamos a Constituição para acabarmos com as medidas provisórias. Se quisermos, com o poder do povo, conseguimos enquadrar a República nos três Poderes equilibradamente. Hoje, nós estamos como um poder secundário. A verdade é que a República, hoje, é administrada por medidas provisórias vindas do Executivo e liminares vindas do Judiciário. E o Congresso, submisso, de cabeça baixa...

Para não tomar muito tempo com uma longa lista de luzes amarelas, apresento aqui o nosso problema interno como uma luz amarela. Não há como continuarmos na democracia se não houver credibilidade da opinião pública no Congresso. Para mim, esta é a mais trágica e a mais imediata das luzes amarelas dizendo “perigo, perigo, perigo”: é a perda da credibilidade nas instituições democráticas. Essa é a pior luz, Presidente Marco Maciel. Eu ia chamar V. Exª de Marco Antônio, como nos velhos tempos de Pernambuco.

Temos de despertar para o fato de que não adianta fazer de conta que temos credibilidade. Nós estamos sem credibilidade. Como não adianta fazer de conta que temos um Conselho de Ética. Conselho de Ética ou tem credibilidade ou não tem ética e não tem credibilidade. Esse é o perigo que eu vejo adiante.

Nós estamos correndo o risco, Senador Romero Jucá, de entrarmos em um período de profunda turbulência, porque não estamos sendo competentes - eu não disse éticos, eu disse competentes - para mostrarmos ao povo a credibilidade que temos a obrigação de ter.

Os exércitos têm poder porque têm armas. O Congresso só tem poder se tiver legitimidade, e só tem legitimidade se tiver credibilidade. Nossos canhões são a credibilidade de cada um de nós. São esses os nossos canhões. Os militares têm outros instrumentos, por isso são militares e não congressistas. Nosso canhão, nossa metralhadora, nossas armas são a credibilidade de cada um de nós.

Nós estamos sem perceber a luz amarela acesa adiante, anunciando o risco de que passe de amarelo para vermelho, o risco de, como eu disse recentemente, de repente, nos surpreendendo, cair a última gota. Eu ainda acredito que o povo brasileiro, de tão tolerante, vai esperar ainda muito tempo para que a última gota desabe sobre nós. Mas não tenha dúvida de que, se continuarmos nesse rumo, cairá uma última gota.

Não temos o direito de fecharmos os olhos para essas luzes amarelas que estão diante de nós. E, o pior que pode haver para que a luz amarela se transforme em vermelha, em vez de verde, como deveria, é brincarmos de faz-de-conta com a realidade brasileira; de faz-de-conta que, com R$ 30,00 a mais por mês, tira-se uma família da pobreza; de faz-de-conta que, com um pouquinho mais de dinheiro do Fundef/Fundeb, faz-se com que a escola do pobre seja igual à escola do rico; de faz-de-conta de um Conselho de Ética que não tenha a credibilidade absoluta da opinião pública. E, hoje, não estamos colaborando, Senador Mozarildo, para agregar credibilidade; estamos colaborando para reduzir credibilidade. E esta, para mim, é a mais importante de todas as luzes amarelas: a perda de credibilidade do Poder Legislativo do Brasil.

Era isso, Sr. Presidente, o que eu tinha para falar nesta sexta-feira de manhã.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/06/2007 - Página 21860