Discurso durante a 105ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração dos 70 anos de criação da União Nacional dos Estudantes - UNE, e homenagem ao Centro Popular de Cultura - CPC.

Autor
Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Geraldo Gurgel de Mesquita Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. MOVIMENTO ESTUDANTIL.:
  • Comemoração dos 70 anos de criação da União Nacional dos Estudantes - UNE, e homenagem ao Centro Popular de Cultura - CPC.
Publicação
Publicação no DSF de 05/07/2007 - Página 22262
Assunto
Outros > HOMENAGEM. MOVIMENTO ESTUDANTIL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, MÃE, EX PRESIDENTE, UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES (UNE), SIMBOLO, LUTA, LIBERDADE, DEMOCRACIA, PAIS.
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES (UNE), OPORTUNIDADE, RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, POLITICA NACIONAL, DEFESA, LIBERDADE, DEMOCRACIA, PAIS.
  • LEITURA, ANTERIORIDADE, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), DIVULGAÇÃO, MANIFESTAÇÃO, MOVIMENTO ESTUDANTIL, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, MOBILIZAÇÃO, SOCIEDADE, COMBATE, DITADURA, REGIME MILITAR, PROVOCAÇÃO, PRISÃO, PARTICIPANTE.
  • APOIO, PROPOSIÇÃO, CRISTOVAM BUARQUE, SENADOR, PROJETO DE LEI, CONCESSÃO, NOME, RODOVIA, HOMENAGEM, EX PRESIDENTE, UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES (UNE).

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, ilustre companheiro Pedro Simon, quero pedir permissão a V. Exª, aos ilustres integrantes da Mesa, à galeria, às Srªs e aos Srs. Senadores, aos nossos ilustres convidados para saudar a todos na pessoa de Dona Maria Rosa, mãe do companheiro Honestino Guimarães. Está ali aquela bela senhora, que, há poucos instantes, recebeu uma bela homenagem, prestada a seu filho pelo Senador Cristovam Buarque. Ela é das muitas mães deste País que podem dizer, com imensa tristeza, mas com muito orgulho, que seu filho tombou na luta pela libertação do povo brasileiro. Peço uma salva de palmas para Dona Maria Rosa, absolutamente merecidas. (Palmas.)

Caro Presidente Gustavo Petta, a história da UNE se confunde com a história das forças políticas progressistas deste País, da luta do povo brasileiro por liberdade, por democracia, enfim, pela libertação do nosso povo. É uma bela história.

Volto ao nome de Honestino para dizer que, se tivéssemos que eleger um símbolo de toda essa luta, meu voto seria, sem pestanejar, mais uma vez, para o nome de Honestino Monteiro Guimarães.

Tive a honra e o privilégio de participar do movimento estudantil, da luta ao lado dele, ao lado de tanta gente, ao lado do seu irmão Norton, que está ali sentado, ao lado da Beth, uma acreana valente que, pequenininha, enfrentava o que chamávamos na época de “gorilada”, que invadia a UnB a seu bel-prazer, a todo instante, para nos intimidar e nos acuar.

A história da UNE foi retratada aqui, de forma magistral, em vários pronunciamentos, entre eles o do Senador Inácio Arruda, que teve a felicidade e a lembrança de propor esta sessão solene em homenagem aos setenta anos da UNE.

Vou me ater a um modesto e breve depoimento. Para não me deixar trair pela emoção, Petta, quero me valer de um recorte do jornal Correio Braziliense, exatamente de 11 de outubro de 1998, que noticia um episódio ocorrido no dia e na noite de 12 de outubro de 1968, aqui em Brasília. Eu aqui morava, estudava. O meu pai era deputado, portanto, eu estava aqui estudando, estava na luta - como se dizia e como se diz ainda hoje - naquele fatídico dia, quando soubemos da queda do Congresso de Ibiúna, o XXX Congresso da UNE. Naquela época, era muito comum pessoas serem presas e desaparecerem do mapa. Muitos aqui têm essa lembrança, muitos aqui se recordam, certamente com muita tristeza, desse período horroroso que vivemos no nosso País. E a reportagem do Correio Braziliense se reporta exatamente a um episódio, Senador Inácio, em um trecho que vou ler rapidamente:

Naquele 12 de outubro de 1968, universitários e secundaristas receberam em Brasília a notícia de que o XXX Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) havia “caído”. Ou seja, os militares invadiram o sítio Murundu, em Ibiúna, a 65 quilômetros de São Paulo (capital), e prenderam 705 estudantes que se reuniam clandestinamente para escolher as novas lideranças da entidade.

Entre os candidatos, estavam nomes conhecidos de todos, como o de José Dirceu, então presidente da União Estadual dos Estudantes, Wladimir Palmeira e outras lideranças. Wladimir presidia a União Metropolitana dos Estudantes do Rio de Janeiro, na época.

Prossegue a reportagem:

Todos foram presos às 7h daquele dia, pelos soldados do Batalhão de Sorocaba. Saíram sem resistência da fazenda em Ibiúna, para integrar os arquivos do Departamento Estadual da Ordem Política e Social (Dops) durante anos a fio. [Sim, o famigerado Dops.]

Havia estudantes de Brasília entre os presos de Ibiúna. Os que aqui ficaram tinham que protestar. A organização chamada Ala Vermelha do PCdoB, uma dissidência do partido, decidiu fazer comícios-relâmpago em diversos pontos da cidade. Durante a reunião para definir os locais de protesto, uma voz sugeriu a quermesse que aconteceria na Igreja do Santíssimo Sacramento, na 606 Sul. Até hoje, ninguém se lembra de quem foi aquela idéia, mas começou ali uma das maiores “mancadas” da esquerda brasiliense nos anos 60. A quermesse era organizada por esposas de militares [e ninguém sabia]. E, apesar de todos os indícios de que ali não seria um local adequado para o protesto, eles seguiram em frente.

Os estudantes estavam divididos em dois carros e cada um deles tinha o seu papel na operação. Estudante de Ciências Exatas, Álvaro Lins Cavalcante Filho [filho do Deputado Álvaro Lins, do nosso querido Ceará] chamou o padre Luiz Miani e pediu permissão para usar o microfone. “O padre disse que era a favor da nossa causa, mas que não poderia deixar, porque a festa tinha sido organizada por esposas de oficiais do Exército. Olhamos aqueles velhinhos e velhinhas nas barracas, nos reunimos atrás dos carros e decidimos, por maioria, que o padre estava mentindo”, lembra Álvaro [atualmente pai e avô] [...].

Eram 21h30 quando Álvaro fingiu-se de dono de uma das barracas e pediu ao locutor para dar um aviso ao microfone. “Quando estava ao lado do som, vi um soldado fardado, passando desenho animado para as crianças, e ali deveria ter me tocado de que o padre falava sério, mas nem assim...”, continua Álvaro. Começou o seu discurso: “Nós, estudantes de Brasília, estamos aqui novamente para combater a ditadura militar, que acaba de prender cerca de 700 colegas em São Paulo. Convidamos o povo para sair à rua e combatermos juntos essa ditadura militar”, disse, segundo consta no processo movido contra nove estudantes acusados de participação no episódio.

Logo o tumulto se formou. O estudante Geraldo Gurgel Mesquita Júnior [este Senador que lhes fala] [...] segurava o homem que queria tomar o microfone de Álvaro. No processo movido pela Justiça Militar, o episódio é narrado com riqueza de detalhes e de falsas impressões dos militares sobre o grau de organização dos estudantes. O texto fala de um “esquema de segurança ao qual se achavam habituados e treinados”, menciona “posições estratégicas” e outras expressões do tipo. “Eles achavam que nós tínhamos treinamento em guerrilha urbana...”, diverte-se Álvaro, sem esconder o medo que na época dominava cada um deles.

Ao mais velho do grupo, Carlos Benedito Pereira da Rocha, o Carlão, 22 anos, coube a tarefa de evitar que o amplificador do som fosse desligado durante a fala de Álvaro. “Tive que ficar segurando o homem que tomava conta do som fora do palanque”, relembra Carlão, engenheiro, hoje com cabelos brancos e recentemente presidente do Sindágua [aqui em Brasília]. Marcos Antônio Correa Lima, o estudante de Física que sofria de asma - e não foi localizado para participar do encontro [em 1998] -, e Tadeu Siqueira Ottoni, atualmente funcionário público, estavam misturados às barracas da quermesse para distribuir os panfletos confeccionados à tarde na Universidade de Brasília (UnB).

“De repente, vimos todos aqueles velhinhos saindo de suas barracas, com as armas na mão. Era tudo milico. Na hora da fuga, caí em cima de um militar do SNI e quebrei os óculos dele. Apanhei de dez. Lembro-me de umas crianças dizendo que era covardia dez contra um, e um militar dizendo para elas: Eles não são estudantes. São comunistas”, conta Álvaro.

Na correria, foram presos no local Álvaro, Geraldo, Marcos Antônio e Tadeu. Marcos havia abandonado a jaqueta, lotada de panfletos “considerados subversivos”, próximo à barraca de tiro. Tadeu pegou a jaqueta e também acabou preso, porque Marcos gritou para que ele avisasse os pais sobre a prisão. Ficaram cinco dias incomunicáveis no quartel da Polícia do Exército e depois foram transferidos para o Dops, onde prestaram depoimento, e liberados.

Aqui falamos dessas coisas hoje como algo tão distante... Mas a repórter não contou, com mais profundidade, o que fizeram com alguns de nós, Senador Inácio Arruda. Na época, Petta, eles nos dividiram, eu fui vendado e rodaram comigo horas e horas. Tenho certeza de que estive na beira do Lago, porque era muito tarde da madrugada e eu ouvia o barulho da água. Simularam um fuzilamento. E, já amanhecendo o dia, me levaram lá para o PIC. Dali a pouco, começaram a chegar os companheiros que também naquela noite foram presos.

É um depoimento do que ocorria naquela época. Centenas, talvez milhares de jovens, de brasileiros, de trabalhadores foram presos, torturados, impedidos de prosseguir com a sua vida profissional, estudantil. Muitos foram assassinados, como é o caso de Honestino. E a homenagem do Senador Cristovam, que propõe o nome dele para o trecho da BR-020 que perpassa Brasília, não tem nada de mais justo. É uma homenagem bonita, e devemo-nos pegar nela; principalmente a juventude deste País deve pegar-se em uma homenagem dessas e fazer uma profunda reflexão.

A UNE precisa render homenagem à sua própria história. A UNE precisa prosseguir na liderança do povo brasileiro, e só poderá fazê-lo se honrar o passado de toda essa gente, Petta, jovens que desabridamente enfrentaram um poderio fantástico neste País, jovens que se juntaram aos trabalhadores, que se juntaram às donas-de-casa, que se juntaram ao povo brasileiro e com eles fizeram páginas e páginas de história neste País.

Portanto, aqui fica a minha homenagem sincera e emocionada, Petta, porque não se pode falar da UNE sem emoção. A UNE é pura emoção neste País. A sua história é a história da emoção da luta do povo brasileiro por liberdade, por democracia, e por melhores dias para todos nós.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/07/2007 - Página 22262