Discurso durante a 105ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração dos 70 anos de criação da União Nacional dos Estudantes - UNE, e homenagem ao Centro Popular de Cultura - CPC.

Autor
Augusto Botelho (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. MOVIMENTO ESTUDANTIL.:
  • Comemoração dos 70 anos de criação da União Nacional dos Estudantes - UNE, e homenagem ao Centro Popular de Cultura - CPC.
Publicação
Publicação no DSF de 05/07/2007 - Página 22270
Assunto
Outros > HOMENAGEM. MOVIMENTO ESTUDANTIL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES (UNE), OPORTUNIDADE, REGISTRO, HISTORIA, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, POLITICA NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, MOBILIZAÇÃO, SOCIEDADE, EFETIVAÇÃO, ENGAJAMENTO, PAIS, SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, COMBATE, DITADURA, ESTADO NOVO, REGIME MILITAR, DEFESA, REDEMOCRATIZAÇÃO, PROTEÇÃO, INTERESSE NACIONAL, INCENTIVO, ATIVIDADE CULTURAL, FORMA, CONSCIENTIZAÇÃO, POPULAÇÃO, LUTA, GARANTIA, LIBERDADE, DIREITOS, CIDADANIA.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há setenta anos, a História do Brasil não pode ser escrita, muito menos compreendida, sem a luminosa presença da União Nacional dos Estudantes, a UNE de tantas e tantas glórias. Ao ser criada, no já distante ano de 1937, a agremiação veio integrar conturbada, difícil e complexa conjuntura histórica. Cerca de dois anos mais tarde, explodia a Segunda Guerra Mundial, verdadeiro ponto de inflexão do mundo contemporâneo.

A UNE nasce com o compromisso de luta. Numa época de inflexível polarização ideológica, quando posições de esquerda e direita ganhavam as ruas e explicitavam diferenças inconciliáveis, praticamente impedindo a adoção de caminhos alternativos ou intermediários para a solução dos graves problemas existentes, a entidade que congregava os estudantes brasileiros de nível superior soube sempre tomar posições. Cristalinamente. Com a nitidez que se espera de quem sabe o que quer e de quem exerce conscientemente seu papel no seio da sociedade.

Foi assim que a União Nacional dos Estudantes começou a ganhar visibilidade e, com ela, o respeito da opinião pública. Corajosamente, ocupou espaços públicos para rechaçar, visceral e profundamente, a barbárie nazi-fascista. Por meio de passeatas, comícios e textos publicados, mobilizou a sociedade brasileira para o engajamento efetivo do País no esforço de guerra. Pioneiramente, lançou a campanha pela entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, com o envio à Europa da Força Expedicionária Brasileira.

Essa decisão mostra-se ainda mais ousada e heróica quando se sabe que, no interior do Estado ditatorial imposto por Vargas em 1937, coexistiam correntes adversárias, com um grupo apoiando os Aliados e o outro não escondendo sua simpatia pelo Eixo. Em meio a esse quadro, que aos acomodados e covardes sugeria prudente omissão, a União Nacional dos Estudantes assumiu a posição correta, com a ousadia própria dos que não temem a força bruta do arbítrio. Ousadia, também, dos que se sentem imbuídos dos mais belos propósitos. A partir daí, foram rompidas as relações diplomáticas com as Potências nazi-fascistas e tomada a decisão histórica de enviar os pracinhas para os campos de batalha na Itália.

Em 1945, terminada a guerra com a vitória das forças aliadas, lá estava a UNE a mobilizar a sociedade, desta feita para o fim da experiência ditatorial do Estado Novo. Uma vez mais, a entidade estudantil assumia como também sua a bandeira da redemocratização, decisão que a acompanharia para sempre, chegando aos dias de hoje.

Destaco, ainda, a participação da UNE em outro momento decisivo da História brasileira. Em plena Guerra Fria, em 1947, por ocasião de seu congresso anual, a entidade lança o slogan fadado a ocupar lugar de honra na memória nacional: “O petróleo é nosso”. Lutando contra poderosos interesses nacionais e internacionais, estava dada a partida para a memorável campanha que, em 1953, resulta na criação da Petrobrás.

As duas décadas que separam a queda do Estado Novo e a emergência do regime militar, em 1964, conheceram a mais extraordinária transformação vivida pelo Brasil ao longo de sua História. Um País em movimento, modernizando sua economia, industrializando-se e se urbanizando. Mudanças profundas, ocorridas em curtíssimo espaço de tempo. Época em que as velhas estruturas de dominação, responsáveis pelo multissecular caráter de exclusão de nossa História e presentes desde os primórdios da colonização, são contestadas. No primeiro plano de luta, firmemente comprometida na contestação desse Brasil arcaico, dependente e injusto, lá estava a UNE.

Estávamos no início dos anos 1960, Sr. Presidente, e o País se dividia rigidamente em duas posições. De um lado, as forças da transformação, lutando pelas mudanças estruturais de que o Brasil tanto necessitava. De outro, os grupos conservadores, temerosos de que qualquer reforma mais profunda pusesse em jogo privilégios seculares. Uma vez mais, a UNE se alia aos defensores das “reformas de base”, razão pela qual viria sofrer, de maneira brutal, o impacto da vitória dos grupos que conquistam o Estado em 1964.

Lembro, com especial atenção, o extraordinário trabalho desenvolvido, naquela conjuntura histórica, pelo Centro Popular de Cultura, o célebre CPC. Surgido do espírito que embalava a UNE, espírito de luta em prol de um Brasil menos explorado, desigual e injusto, o CPC constituiu-se em pólo de efervescência artístico-cultural, voltado para a valorização dos saberes e dos fazeres que historicamente caracterizaram a gente brasileira. Seu propósito era o de trazer à luz a marca de uma cultura genuinamente nacional e popular, que não se envergonhasse e não se submetesse aos padrões hegemônicos impostos pela cultura de elite, normalmente identificada com o estrangeiro.

Uma palavra, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, bem definiria o trabalho do CPC: conscientização. No fundo, o que movia aqueles jovens artistas era o de desejo de, pelos mais diversos caminhos, tornar as manifestações culturais verdadeiros instrumentos de libertação de um povo condenado à submissão e à exclusão. Teatro, música, poesia, artes visuais, enfim, todas as formas de expressão estariam a serviço das causas populares. Como bem compreendeu um intelectual, décadas mais tarde, o que se fez naquele momento - sobretudo pela ação da UNE e de seu CPC - tornou o Brasil uma Nação por demais inteligente. Homens e mulheres, simples na sua maioria, sentiam-se estimulados a pensar o País, discutir seus rumos, propor caminhos.

A brutalidade do golpe de 1964 interrompeu esse processo. A UNE foi escolhida para simbolizar, sofrendo na pele, o novo tempo que se instalava no Brasil, rigorosamente cadenciado pelo autoritarismo. A sede da entidade, na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, foi invadida e incendiada. Começava o longo e penoso caminho da clandestinidade. Mas, por piores que fossem as condições, a UNE jamais se deixou abater. Nem mesmo quando, no fatídico ano de 1968, teve seu congresso invadido pelas forças da repressão e viu a prisão de mais de mil participantes, inclusive de seus dirigentes máximos.

Em 1973, o estudante da Universidade de Brasília, Honestino Guimarães, presidente da última diretoria da UNE eleita na clandestinidade, é seqüestrado e morto pela repressão. Em 1977, o encontro para a reorganização da UNE suscita a invasão militar da PUC de São Paulo. Dois anos depois, no entanto, eis a velha UNE reconstruída, no histórico congresso de Salvador. Por fim, mas não menos importante, vamos encontrá-la no grande movimento nacional pela reconquista da democracia e pela prevalência dos princípios éticos na política brasileira. Justamente por isso, a UNE esteve na linha de frente das campanhas pela anistia, pelas eleições diretas e, a seguir, com os “caras pintadas”, nos episódios que culminaram no impeachment presidencial.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em 70 anos de existência, a UNE deu sucessivas e reiteradas provas de impressionante vitalidade. Certamente que as bandeiras de hoje não são mais as mesmas do passado. O País, felizmente, não mais se debate contra o autoritarismo. Novos desafios, todavia, colocam-se à sua frente. Não tenho dúvida de que a entidade saberá assumi-los, enfrentá-los e vencê-los.

É assim que a UNE continuará a oferecer ao Brasil sua inestimável contribuição. É assim que ela nos ajudará a construir a Nação justa, democrática e cidadã com que todos sonhamos. Sonhos pelos quais tantos se bateram e tantos se sacrificaram continuam a nos embalar. Como ontem, podemos hoje entoar o grito que fez, faz e fará História: “A UNE somos nós, nossa força, nossa voz!”.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/07/2007 - Página 22270