Discurso durante a 106ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

A homologação, pelo Presidente da República, da Reserva Indígena Raposa/Serra do Sol.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. POLITICA INDIGENISTA.:
  • A homologação, pelo Presidente da República, da Reserva Indígena Raposa/Serra do Sol.
Publicação
Publicação no DSF de 06/07/2007 - Página 22598
Assunto
Outros > SENADO. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • REGISTRO, PRESENÇA, PRESIDENTE, IGREJA EVANGELICA, ESTADO DE RORAIMA (RR), SENADO.
  • PROTESTO, ATO ARBITRARIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, HOMOLOGAÇÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), EXPULSÃO, HABITANTE, VILA, PEQUENO PRODUTOR RURAL, ARROZ, POSSIBILIDADE, AGRAVAÇÃO, CONFLITO, INDIO.
  • SUGESTÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CORREÇÃO, DECRETO FEDERAL, HOMOLOGAÇÃO, RESERVA INDIGENA, EXCLUSÃO, AREA, IMPORTANCIA, ESTADO DE RORAIMA (RR).

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicialmente, antes de entrar no tema do pronunciamento que farei a seguir, registro a presença, na tribuna de honra, do presidente da Assembléia de Deus de Roraima, Pastor Isamar Pessoa, que está em Brasília nos honrando com sua presença. Por intermédio dele, mando um abraço para todos os fiéis da Igreja Assembléia de Deus de Roraima.

            Sr. Presidente, lamentavelmente, tenho de novamente abordar aqui um tema pelo qual nós lutamos muito para ver resolvido de maneira que atendesse a todos, e, infelizmente, a decisão do Presidente Lula não foi nesse sentido. Refiro-me, Sr. Presidente, à questão da, agora, terra indígena Raposa Serra do Sol, homologada pelo Presidente, e que foi objeto de longo estudo feito por uma comissão externa da Câmara dos Deputados e de outra comissão externa do Senado, que tive a honra de presidir, cujo Relator foi o Senador Delcídio Amaral. Fizeram parte dessa comissão também os Senadores Jefferson Péres e Augusto Botelho. Fomos a Roraima e ouvimos todas as partes envolvidas na questão, principalmente os índios daquela região.

            Quero dizer que os chamamos de índios porque são de etnia indígena, mas, na verdade, são índios que estão perfeitamente dentro da sociedade de Roraima. Só para se ter idéia, essa reserva abrange três Municípios. Em um, o Prefeito é índio; no outro, o Vice-Prefeito é índio; e, no terceiro, também é um índio, assim como a maioria dos Vereadores. Então, são índios porque têm a origem indígena, mas, na realidade, são completamente integrados ao modo de vida da sociedade. São professores, policiais militares... Não há, portanto, índio algum ao estilo daqueles que aqui estavam quando Pedro Álvares Cabral chegou.

            Os índios dessa reserva compõem três etnias diferentes e, principalmente, têm até religiões diferentes: há um grupo ligado à Igreja Católica e um outro que segue a Assembléia de Deus e outras igrejas evangélicas.

            Pois bem, realmente, não são uma coisa só. Inclusive, há comunidades completamente distintas. Essa demarcação representa um crime contra o Brasil, que é esvaziar aquela área de fronteiras do Brasil com a Guiana e com a Venezuela. E, absurdo dos absurdos: brasileiros estão tirando de pequenas cidades na fronteira com a Guiana e na fronteira com a Venezuela os moradores que estão lá há mais de século e condenando-os a irem para outra região, o que eles não querem. Além de tudo, isso está sendo consumado de maneira muito humilhante. Eu só tenho notícias de que alguém tira alguém de uma localidade para outra à força em regimes totalitários.

            Para ilustrar mais o que estou dizendo, a índia mais idosa daquela região foi casada com um não-índio, um branco, como se diz. Ele já morreu, e toda a descendência dessa índia é de mestiços, filhos de índio com não-índio.

            Mas o motivo maior que eu trago, já que essa questão foi mal resolvida - não a considero sequer resolvida -, porque foi um ato arbitrário, no meu entender, porque fundado reconhecidamente em fraudes. Começa pelo laudo antropológico que foi uma fraude completa, e as sucessivas ações praticadas pela Funai e pelo próprio Ministério da Justiça foram baseadas em fraude. Então, no bom Direito não pode ter legitimidade algo que se baseia em fraude. Mas faço uma denúncia à Nação, chamando a atenção do Presidente Lula para o absurdo que está ocorrendo. A Polícia Federal está se preparando para expulsar à força da borda, da parte quase externa dessa reserva, um grupo de produtores de arroz que ocupam mais ou menos 15 mil hectares. Sabe qual o tamanho da reserva, Senador Mão Santa? A reserva tem 1.720.000 hectares. Esses pequenos produtores ocupam 12 mil, 20 mil hectares na beirada, na borda da reserva, e não no meio dela. Isso não tem nenhuma ingerência no contexto da reserva. Pois bem, a Polícia Federal prepara-se para fazer a expulsão, à força, desses produtores, cujo produto, o arroz, responde por 25% da renda, do PIB do Estado.

            O Governo brasileiro está fazendo isso contra brasileiros. O Governo brasileiro está fazendo isso contra o progresso do Estado de Roraima, pois a permanência dos produtores lá não afeta em nada a vida dos índios, mesmo dos radicais da aldeia chamada Maturuca, a grande central, onde um padre chamado Giorgio Dal Ben ficou durante décadas treinando guerrilha com os índios, e esses passaram a fazer, a partir da presença desse padre, uma série de ações realmente de guerrilha. Depois da demarcação, o padre voltou para a Itália, mas eles já estão devidamente preparados.

            Recentemente, o Deputado Federal Márcio Junqueira foi fazer uma reportagem lá - ele também é radialista e tem um programa de televisão - para mostrar o que aconteceu na área dos produtores de arroz, e o que aconteceu? Um grupo de índios, tendo à frente um dos tuxauas, com um terçado na mão - vejam bem, terçado não é instrumento indígena, é um instrumento da civilização envolvente, como dizem os antropólogos -, agrediu o Deputado, quebrou o microfone e o equipamento que ele estava usando na reportagem.

            Esse clima de guerra está montado. E a guerra agora é entre índios. Recentemente, na Vila Surumu, um grupo de índios do Conselho Indígena de Roraima invadiu a área onde estava se reunindo um outro grupo de índios de outras entidades, chamadas Sodiur e Alidici, e houve um conflito de índios com índios. Fizemos um alerta sobre tudo isso em nosso relatório da comissão externa do Senado. Nada foi levado em conta, e a coisa só está se agravando.

            Então, quero aqui fazer esta denúncia e dizer que é lamentável que, no Governo do Presidente Lula, esse terrível mal esteja sendo feito contra a população do meu Estado. Inclusive, quero aqui apelar para o Diretor-Geral da Polícia Federal, Dr. Paulo Lacerda, para que verifique, primeiro, se há ordem judicial para fazer isso; segundo, que atente para o fato de que eles não estão expulsando bandidos, não estão indo fazer uma operação contra bandidos: se eles forem fazer essa operação, mesmo com ordem judicial, estarão fazendo uma operação contra pessoas que estão lá de boa-fé, que estão lá há décadas, investindo dinheiro por conta própria e produzindo em benefício do Estado e em benefício do próprio Brasil.

            O que vai acontecer amanhã quando esses arrozeiros saírem de lá? Eles irão para a Guiana ou para a Venezuela produzir arroz, e, aí, nós iremos importar o arroz, Senador Mão Santa, que hoje nós exportamos para o Amazonas, para o Pará e até para a Venezuela. Então, não posso aceitar essa medida.

            O que eles já fizeram com centenas de famílias que tiveram de sair de lá? Colocaram em assentamentos do Incra, isto é, favelizaram pessoas que viviam em cidades como verdadeiros guardiões da fronteira lá no extremo Norte.

            Quero aqui aproveitar a presença do Pastor Isamar para dizer que está havendo hostilidade contra os pastores que estão naquela região - há muito tempo existem igrejas lá construídas. Não é possível que isso aconteça!

            Eu quero aqui, portanto, publicamente, para o Brasil todo, fazer um apelo ao Presidente Lula para que olhe essa situação com carinho - ele, que é tão tolerante em certas situações, que foi tolerante com o Evo Morales da Bolívia, que tem sido tolerante com tantas manifestações hostis ao Brasil -, que seja tolerante também com aqueles brasileiros que estão lá produzindo, trabalhando, e que estão sendo enxotados - e, o que é pior, vêem-se diante da ameaça de serem retirados à força. Uma polícia que devia estar combatendo o crime é usada em uma megaoperação - já foram feitas várias na Raposa Serra do Sol - para expulsar os produtores de arroz daquela região.

            Quero protestar, primeiro, contra a demarcação, que não foi um ato correto; segundo, contra a expulsão de vários habitantes das vilas que já mencionei aqui e também de pequenos produtores que estavam ali há centenas de anos; por último, agora, a expulsão também do que resta praticamente dos produtores de arroz, que poderiam perfeitamente ser excluídos.

            E não seria a primeira vez que se faria isso, não: o próprio Presidente Lula, recentemente, alterou uma reserva indígena - se não me engano a de Baú, no Pará - para diminuí-la e permitir uma determinada atividade; anteriormente, a reserva Waimiri-Atroari, em Roraima, também foi diminuída para permitir a extração de minérios naquela região. Então, não seria nenhum absurdo se o Presidente Lula editasse, ele próprio, um novo decreto para corrigir o decreto que ele já baixou, homologando, e excluísse pelo menos essa área, que é importantíssima para o meu Estado. Assim fazendo, será possível acabar com essa ameaça de agressão que está lá - não deixará de ser uma agressão, ainda que seja legal sob o ponto de vista legal -, de expulsar quem está trabalhando, produzindo e gerando mais de seis mil empregos diretos e indiretos naquela região.

            Faço este registro aqui no Senado para que toda a população brasileira saiba o que está acontecendo, isso não pode passar despercebido. Vou, inclusive, pedir ao Presidente do Senado para me designar, já que fui Presidente da comissão externa do Senado, para estar presente quando essa operação ocorrer, porque quero ver se haverá excessos e se haverá, principalmente, tratamento indigno com pessoas de bem, que trabalham, e que, portanto, são úteis a Roraima e ao Brasil.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/07/2007 - Página 22598