Discurso durante a 111ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Denúncia sobre "operação de guerra" preparada pela Polícia Federal, para retirar moradores da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA. POLITICA FUNDIARIA.:
  • Denúncia sobre "operação de guerra" preparada pela Polícia Federal, para retirar moradores da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Aparteantes
Augusto Botelho.
Publicação
Publicação no DSF de 13/07/2007 - Página 23840
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA. POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, INTERPRETAÇÃO CONTROVERTIDA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, MOTIVO, INEXATIDÃO, PARECER, ANTROPOLOGO, DEMARCAÇÃO, TERRAS, PROPRIEDADE, GRUPO ETNICO, ESPECIFICAÇÃO, RESERVA INDIGENA, REGIÃO NORTE, FRONTEIRA, EXISTENCIA, POPULAÇÃO, DIVERSIDADE, RAÇA, SUPERIORIDADE, TEMPO, HABITAÇÃO, REGIÃO.
  • LEITURA, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO, PLANO, DETALHAMENTO, OPERAÇÃO, POLICIA FEDERAL, REMOÇÃO, POPULAÇÃO, HABITAÇÃO, REGIÃO, FRONTEIRA, MOTIVO, RESERVA INDIGENA, CRITICA, ARMAMENTO, OPERAÇÃO DE GUERRA, REGISTRO, INEXISTENCIA, VIOLENCIA, LOCAL, DESNECESSIDADE, UTILIZAÇÃO, FUNDOS PUBLICOS, EXPULSÃO, HABITANTE.
  • REGISTRO, AUSENCIA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), SITUAÇÃO, RESERVA INDIGENA, SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, IMPEDIMENTO, OPERAÇÃO, ARMA, DESISTENCIA, COLABORAÇÃO, PLANO, REMOÇÃO, POPULAÇÃO.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, na história do mundo, existem alguns relatos em que um povo foi expulso de sua terra e obrigado a se deslocar para outros lugares, a viver onde não queria. Isso vem acontecendo desde antes de Cristo, com os judeus e com outros povos; e, mais recentemente, aconteceu com os palestinos e em algumas ditaduras, notadamente na época da União Soviética.

            No entanto, não há registro - a não ser na história mais recente dos Estados Unidos, quando os colonizadores forçaram os índios a saírem de suas terras - de que alguém tenha sido forçado a sair de um lugar, de maneira coercitiva, para morar ou trabalhar onde alguma autoridade determine.

            Infelizmente, no Brasil, por uma interpretação equivocada da Constituição de 1988, demarcam-se reservas indígenas por causa de algum laudo antropológico feito por uma, duas ou três pessoas - uma espécie de colegas de Deus - que resolvem dizer que aquela área era, historicamente, pertencente a esta ou àquela etnia, e se expulsam da região pessoas que ali estavam há mais de um século, por meio de uma cadeia familiar.

            No meu Estado, temos mais de 35 reservas indígenas demarcadas e, em várias delas, se promoveu a expulsão dos moradores que estavam lá para apenas desocuparem a área, porque nem mesmo os índios que moravam ali... Vejam bem, há várias categorias de índios hoje no Brasil. Há índios que realmente vivem de acordo com seus costumes tradicionais e há índios integrados à comunidade. Aliás, em muitos Estados, a maior aldeia indígena localiza-se nas capitais ou na sede dos Municípios.

            Não tenho nada contra a demarcação de reservas indígenas. No caso específico da reserva indígena a que vou me reportar, a Raposa Serra do Sol, parece, pelo nome, que as terras são unidas. Não, começou-se demarcando uma reserva indígena chamada Serra do Sol; depois, uma outra no outro extremo, a 150 quilômetros de distância, em linha reta, chamada Raposa; e, depois, foi-se ampliando até formar uma só.

            O Senado Federal designou uma comissão externa, a qual tive a honra de presidir, relatada pelo Senador Delcídio Amaral, que apresentou uma proposta: se, do total de 1,7 milhão de hectares, se tirassem 320 mil hectares - portanto ficariam mais de 1,4 milhão de hectares -, seriam salvas quatro cidades localizadas na fronteira com a Guiana, a ex-Guiana Inglesa, com a atual República da Guiana, e com a Venezuela; e também os produtores que estavam lá muito antes de os próprios índios chegarem, porque a maioria dos índios que estão no Estado de Roraima veio do Caribe, perseguidos pelos espanhóis.

            O Presidente da República, muito bem pressionado por ONGs, pela Igreja Católica notadamente, demarcou a reserva de maneira contínua, portanto condenando as cidades que estavam na fronteira a serem desocupadas pelos não- índios. Inclusive, tentaremos fazer um teste, Senador Jonas Pinheiro, para saber se as pessoas que estão sendo expulsas têm ou não DNA indígena. A maioria é miscigenada. A índia mais velha é viúva de um não-índio e tem toda uma geração de filhos, netos e bisnetos miscigenados.

            Mas as pessoas estão saindo, porque não há mais clima para ficar, embora a maioria dos índios que mora lá não queira que os não-índios que vivem ali há muito tempo saiam. Há até uma relação. Os índios que estão lá são vereadores, prefeitos e vice-prefeitos dos três Municípios que englobam essa reserva. E também são funcionários públicos, professores, funcionários das diversas repartições públicas do Estado e até de repartições federais, policiais militares...

            E, apesar de tudo isso, apesar de essa reserva estar sendo questionada no Supremo e ainda não ter sido decidido o mérito, o Governo Federal está promovendo a expulsão de brasileiros de lá. E expulsando de uma forma ou de outra: mediante ameaça permanente ou através da força.

            Agora, quero trazer, aqui, ao conhecimento desta Casa uma denúncia, que aliás fiz há pouco, baseada numa informação que eu tinha...

            O SR. PRESIDENTE (Gerson Camata. PMDB - ES) - Se V. Exª me permite, eu queria passar a Presidência ao Senador César Borges, pois gostaria de aparteá-lo também.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Pois não.

            Depois da denúncia que eu fiz, a Polícia Federal de Roraima negou que iria haver a operação. Pois bem, eu recebi de um policial federal - que, acima de ser policial federal, é um patriota, um nacionalista - os dados da operação, que lerei para que constem nos Anais do Senado e para conhecimento de todos os brasileiros, para que vejam como é que o Governo Federal trata as pessoas que estão lá trabalhando, cidadãos de bem, que hoje produzem 25% do PIB do meu Estado, que são os produtores de arroz, e ainda alguns pequenos produtores na agricultura e na pecuária.

            Este documento contém onze pontos, Senador Augusto Botelho, e é o plano elaborado pela Polícia Federal para expulsar, numa verdadeira operação de guerra, cidadãos de bem que estão lá nas fronteiras do Brasil com a Guiana e com a Venezuela.

1)O Departamento de Polícia Federal deverá utilizar um efetivo de 500 (quinhentos) homens, necessitando para tanto do apoio do Comando da Aeronáutica para o deslocamento aéreo de todas as capitais do País para a cidade de Boa Vista/RR;

           Vejam bem, é uma operação de guerra, para a qual terão de deslocar policiais federais de todo o País, para quê? Para combater o narcotráfico? Para combater bandidos? Para combater alguma subversão da ordem em Roraima? Não, para combater trabalhadores que estão lá produzindo e gerando mais de 6.000 empregos diretos e indiretos.

2) A chegada a Boa Vista e o deslocamento para ocupação das áreas deverá ser no mesmo dia, havendo a necessidade de veículos do exército (caminhões de transporte da equipe), e em face do tempo chuvoso [lá, em Roraima, é época chuvosa] com a possível queda de pontes serão imprescindíveis veículos ponte móvel do Comando do Exército;

3) No avanço do comboio deverão ser tomados e montados postos do Comando do Exército junto aos 25 pontos de interesse descritos no anexo 3 [que, infelizmente, não me foi dado], com a fiscalização dos veículos que circularem na área após o início da operação;

4) Solicitamos também que seja disponibilizada pelo Comando do Exército a infra-estrutura de campanha (alojamento em barracas - com sacos de dormir, estrutura para banho, sanitários e higiene pessoal), devendo haver o deslocamento do efetivo para montagem e instalação no comboio principal;

5) Há a necessidade de um suprimento inicial de ração fria para dois dias (a ser disponibilizada pelo Comando do Exército), até que haja a regularização de um fornecimento de alimentação da capital até os acampamentos (a ser fornecida pela própria Polícia Federal).

6) Criação de bases nas sedes da fazenda, com tendas do Comando do Exército, incluindo o sistema de comunicações entre as mesmas e as equipes, além de contato com o controle central da operação em Boa Vista.

7) Disponibilização de um posto de atendimento médico de emergência local (Comando do Exército ou da Polícia Rodoviária Federal), com apoio de UTI terrestre, além de uma UTI aérea, baseada em Boa Vista/RR;

            Significa que eles estão prevendo uma guerra, porque, se estão pedindo até UTI, é porque eles vão fazer uma guerra mesmo.

8) O tempo estimado pela Funai e Ibama é considerado apropriado para a operação, cerca de quarenta dias [40 dias de guerra de brasileiros contra brasileiros, lá no meu Estado], para a desmobilização da tropa.

9) Necessidade de equipamento de CDC - Controle de Distúrbio Civil [quem vai causar o distúrbio? A Polícia Civil, porque lá não há distúrbio nenhum, atualmente], disponibilizando para uso equipamentos empregados em tais missões (escudos, capacetes, tonfas, granadas de gás lacrimogêneo, munição de “bala de borracha” para carabina calibre 12) para 250 policiais federais do grupo de CDC, que poderá ser fornecido pelo Comando do Exército ou adquiridas novas 250 unidades pelo DPF com um custo de R$ 975.000,00 (novecentos e setenta e cinco mil reais). Ressaltamos que o DPF terá uma equipe de 400 homens no CDC e já dispõe de 150 unidades de equipamento.

10) O DPF irá deslocar para a área 02 helicópteros, um BEL 412 e um esquilo, os quais deverão ser reabastecidos e mantidos com o custo de: R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais). Devendo haver pelo menos um helicóptero baseado em Boa Vista/RR, a capital do Estado, que poderá ser fornecido por outro órgão como (Comando do Exército ou a Polícia Rodoviária Federal).

11) Aluguel de dez caminhonetes cabine dupla para transporte do Comando do DPF na área (que poderá ser locado pela própria Funai, acrescentado ao seu planejamento), além de combustível.

           Sr. Presidente, dada a gravidade da comunicação que faço ao Senado e à Nação, peço que V. Exª me conceda o tempo necessário não apenas para fazer a leitura deste documento, que, repito, foi-me enviado por um policial federal que não concorda com essa operação - talvez ele tenha até de participar, se ela acontecer. Estou apresentando, hoje, um requerimento, Sr. Presidente, pedindo ao Senado que designe uma comissão temporária externa, da qual faço questão de participar, para irmos lá, pelo menos três Senadores, para que, caso essa operação venha a acontecer, estejamos presentes. Afinal, não é possível que nós, que somos representantes dos Estados e da Federação, aceitemos que haja uma intervenção de guerra pelo Governo Federal - porque envolve órgãos federais. Não acredito que o Exército brasileiro, que sempre defendeu o povo brasileiro, vá sujar suas mãos com uma operação dessas, muito menos o Comando da Aeronáutica.

            O SR. PRESIDENTE (César Borges. PFL - BA) - Senador Mozarildo, a Mesa informa que V. Exª já está com a palavra há quatorze minutos, mas concederei mais três minutos para que V. Exª possa concluir o seu pronunciamento.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Vou preferir ouvir os apartes, pedindo permissão ao Senador Gerson Camata para ouvir primeiro o Senador Augusto Botelho, que é lá de Roraima; em seguida, S. Exª.

            O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Retiro o meu pedido de aparte. Prefiro ouvir V. Exª, embora não acredite que esse documento seja verdadeiro. Não é possível!

            O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Senador Mozarildo, sabemos da situação. V. Exª falou dos laudos antropológicos, e há, inclusive, uma suspeita - aliás, comprovada por um historiador e por outro antropólogo - de que esse laudo da Raposa Serra do Sol é um laudo falso. A pessoa fez o laudo juntando coisas daqui e dali sem ir lá analisar a área. E, no laudo da nossa Reserva de São Marcos, de 800 mil hectares, a cidade de Pacaraima foi omitida; não há nenhuma referência a uma população de três mil pessoas que vivem há muito tempo lá. Essa atitude é uma agressão ao nosso Estado, às pessoas de lá. O dinheiro que vão gastar nessa operação eles deviam dar aos indígenas para melhorar a vida deles, porque estão contrabandeando gasolina para sobreviver. Daqui a pouco, vão começar a plantar maconha por lá, para vender, porque dá mais lucro do que gasolina. Não adianta homologar a área e abandonar os indígenas. Isso não pode ser feito. Devemos mudar essa situação. Discordamos dessa operação e tenho certeza de que isso não vai ser feito, depois que apareceu. Poderiam pegar de surpresa. Vão gastar, somente com helicóptero, R$ 800 mil!

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Não, R$ 200 mil, não! O que é isso? Serão R$ 975 mil.

            O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Somente com helicóptero. Ora, bolas!

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Não, R$ 800 mil. Serão R$ 800 mil.

            O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Entreguem isso para as comunidades indígenas para que elas melhorem de vida. Vamos repovoar aquilo com gado, porque lá sempre houve gado e os índios sabem cuidar dele. Vamos dar dinheiro para eles plantarem feijão e arroz, mecanizarem a sua agricultura. Pois é, Senador Mozarildo Cavalcanti, foi bom V. Exª falar desse assunto para que o Brasil dele tomasse conhecimento. E os outros Senadores, de outros Estados, que se preparem, porque eles começam com uma área pequenininha. Essas 35 áreas de que o Senador Mozarildo Cavalcanti falou foram ampliadas, no mínimo, três vezes cada uma.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Senador Gerson Camata, eu gostaria de acreditar que esse documento não é verdadeiro, mas a Polícia Federal já fez duas operações nessa área. Na primeira delas, de intimidação, cercou toda a área. Eu, inclusive, fui até lá e fui obrigado a descer e a me identificar, antes da demarcação. Depois da demarcação, invadiram várias propriedades. Estive presente numa delas e questionei o comandante da operação, que estava lá sem ordem judicial. Ele me disse que, como a Procuradora Duprat tinha dado um parecer de que não precisava de ordem judicial, ele podia entrar. Sabemos que somente em três hipóteses a polícia pode entrar numa propriedade privada: em caso de incêndio, em caso de crime iminente e, realmente, quando tem ordem judicial. Somente nesses casos.

            Portanto, quero denunciar e pedir ao Presidente da República, que é o responsável maior por essa operação, que não permita que ela se realize. Principalmente, quero fazer um apelo às Forças Armadas para que não colaborem com tamanha malvadeza contra o povo brasileiro que habita as fronteiras do País.

            Peço a transcrição, na íntegra, desse documento, embora já o tenha lido, porque eu havia recebido a informação verbal, mas, agora, recebi a descrição de toda a operação, que é muito perfeita para que se diga que não é verdadeira.

            Espero que o Presidente Lula não permita que se cometa tamanha barbaridade, a tamanho custo, contra trabalhadores honestos, quando falta policial onde existe marginalidade.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Plano da Polícia Federal.”


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/07/2007 - Página 23840