Discurso durante a 110ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da realização do seminário "O Legado de Franco Montoro", patrocinado pelo Memorial da América Latina.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Registro da realização do seminário "O Legado de Franco Montoro", patrocinado pelo Memorial da América Latina.
Aparteantes
Jefferson Peres, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 12/07/2007 - Página 23188
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, FUNDAÇÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REALIZAÇÃO, SEMINARIO, DEBATE, VIDA PUBLICA, OBRAS, FRANCO MONTORO, LIDER, POLITICA NACIONAL, REGISTRO, HOMENAGEM, ORADOR, INCLUSÃO, POLITICO, LIVRO, BIOGRAFIA, VULTO HISTORICO, CONTRIBUIÇÃO, REDEMOCRATIZAÇÃO, PAIS.
  • LEITURA, APARTE, AUTORIA, TANCREDO NEVES, SENADOR, ELOGIO, FRANCO MONTORO, EX-CONGRESSISTA, EX MINISTRO DE ESTADO.
  • DETALHAMENTO, BIOGRAFIA, FRANCO MONTORO, POLITICO, LUTA, DEMOCRACIA, JUSTIÇA SOCIAL, LIBERDADE.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Fundação do Memorial da América Latina estará realizando, a partir de 16 deste mês, um seminário intitulado “O Legado de Franco Montoro”, que visa refletir sobre a vida e a obra desse importante brasileiro, homem público que foi referência ética durante sua longa vida política.

            Quero hoje aqui falar um pouco sobre o meu amigo, sobre o meu irmão, o querido Franco Montoro. 

            Recentemente publiquei um livro em que traço a biografia dos homens que conduziram o povo brasileiro na sua marcha da volta à democracia, depois do Golpe de 64. São eles: Ulysses Guimarães, Teotônio Vilela, Tancredo Neves, Mário Covas, Miguel Arraes, Leonel Brizola e Franco Montoro. Infelizmente, neste momento dramático que estamos atravessando agora, são raros os homens públicos que gozam do respeito pleno e do carinho real dos nossos concidadãos.

            Franco Montoro foi um dos mais destacados brasileiros do Século XX. Principal líder parlamentarista brasileiro, foi pioneiro na defesa da democracia cristã. Líder político inconteste do Estado de São Paulo, por várias décadas recebeu inúmeros mandatos - vereador, deputado, ministro, senador e governador -, que lhe foram concedidos pelo povo paulista.

            Quero mencionar aqui, inicialmente, algumas características de Franco Montoro que o transformaram num grande líder político. Era cauteloso, moderado e sensato. Destacava-se, também, por estudar com profundidade os problemas que analisava no Parlamento. Era um político de larga visão. Não se limitava ao dia-a-dia dos problemas nacionais, buscava soluções permanentes. Olhava para o futuro. Era a voz da serenidade, do equilíbrio e da sabedoria.

            O meu amigo Franco Montoro era o companheiro com o qual se podia contar em todos os momentos, em especial nos mais difíceis. Sempre contei com o seu apoio e com o seu incentivo, mesmo nos seus últimos anos de vida, quando nos encontrávamos em partidos diversos, mas, no fundo, sempre lutando pelas mesmas causas, que podem ser resumidas em poucas palavras: democracia, justiça social e liberdade.

            Aliás, cabe, aqui, a transcrição de um aparte de Tancredo Neves a Franco Montoro, quando o Senador paulista usava a tribuna.

            Disse o grande político mineiro:

Em hora tormentosa de nossa História, tivemos a honra de participar do mesmo Governo. V. Exª foi um extraordinário Ministro do Trabalho; mais do que isso, eu diria o Ministro da paz social. Em 1962, os movimentos grevistas que tivemos que enfrentar, naquela hora incerta e vacilante, V. Exª, com a segurança do seu talento, com o seu espírito público e a sua extraordinária capacidade de servidor do povo, conseguiu resolver pelo entendimento. Há ainda mais, V. Exª tem todos os motivos de se orgulhar de haver sido o Ministro do Trabalho que implantou o salário-família e, mais ainda, o Ministro que implantou os sindicatos rurais, como instrumento para uma reforma agrária pacífica. Há, na sua vida pública, uma característica singular: o parlamentar nunca conseguiu desvencilhar-se de sua condição de professor. V. Exª foi sempre o homem que luta ensinando, e eu tenho certeza de que V. Exª fará, no Governo de São Paulo, uma imensa universidade da democracia brasileira.

            Apesar dos duros embates, Montoro não fazia inimigos. Pela sua inteligência, pela sua cordialidade, ou fazia amigos, ou fazia, pelo menos, admiradores.

            Lembro, também, o seu espírito de renúncia, que era muito grande, pois só ele explica que Montoro não tenha ocupado a Presidência da República, já que era homem que tinha todas as qualidades de um grande estadista.

            Como conhecedor profundo da nossa cultura política, Montoro acreditava que apenas com o parlamentarismo nós poderíamos nos livrar das pragas do populismo, da corrupção, do clientelismo, do fisiologismo, do nepotismo, do empreguismo e do autoritarismo que há tanto nos infelicitam.

            Montoro lutava pela união dos povos da América Latina, desde antes de ter surgido a idéia do Mercosul. Um artigo da Constituição revela seu sonho de integração latino-americana. Essa foi uma das suas preocupações como Presidente de Honra do Instituto Latino-Americano, cargo que exerceu de 1987 a 1994. Montoro influiu, decisivamente, para a aprovação do dispositivo constitucional que dispõe que o Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, para a formação de uma comunidade latino-americana de nações.

            Católico, Franco Montoro foi um dos líderes da democracia-cristã e obteve, nas urnas, três mandatos pelo antigo PDC. Após uma brilhante passagem pelo MDB e pelo PMDB, foi um dos criadores do PSDB.

            Ao lado de Ulysses Guimarães e de Tancredo Neves, ele esteve no comando da luta pela reconquista da democracia, batalha que nos tomou longos 20 anos depois de 1964. Montoro era o Governador de São Paulo em 1984, pelo PMDB, quando eclodiu o movimento pelas Diretas Já, do qual foi um dos grandes líderes.

            Quando houve a extinção dos partidos pelo regime militar, Montoro fez a opção mais difícil: ligou-se ao MDB, o partido do “não” à ditadura. Em 1970, em eleições realizadas já dentro da nova e difícil situação política, Montoro foi eleito Senador por São Paulo com mais de dois milhões de votos, apesar das restrições estabelecidas pelo regime. Foi um dos cinco Senadores eleitos pela Oposição. Sua principal tarefa política, a seguir, foi a estruturação do MDB, além da organização de campanhas pela redemocratização em todo o País. Sua atuação para a construção do MDB foi fundamental para o vitorioso desempenho do partido nas eleições parlamentares de 1974, quando o partido elegeu nada menos que 16 Senadores. Ao fim de seu primeiro mandato de Senador, em 1978, Montoro reelegeu-se com 4,8 milhões de votos.

            O Sr. Jefferson Péres (PDT - AM) - Um brevíssimo aparte ao seu discurso, comovido e comovente, a respeito de um grande homem que tive a ventura de conhecer. Franco Montoro era um Político com “p” maiúsculo, homem de elevada qualificação moral e intelectual, mas a pergunta melancólica que deixo no ar, Senador Pedro Simon, é: como se estaria sentindo, hoje, se Senador fosse Franco Montoro?

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Sem resposta, Senador.

            O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Pedro Simon, permite-me perturbar um pouco o raciocínio de V. Exª?

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Pois não.

            O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Se foi no ano de 1978 que Franco Montoro recebeu esse número de votos que V. Exª citou, um deles foi o meu.

            Votei em Franco Montoro como candidato ao Senado da República, no ano de 1978, quando eu residia em São Paulo. Eu era muito garoto e não sabia direito o que estava acontecendo, mas, pela pouca propaganda que existia naquela época, eu gostava do que ouvia falar a respeito dele. No momento em que me aproximei da urna, recebi, de um dos tantos cabos eleitorais, um papelzinho com os nomes e números em que eu deveria votar. Um desses nomes, que tenho bem gravado na memória, foi o de Franco Montoro para o Senado da República. Tenho orgulho, então, de ter participado desse fato que V. Exª cita no seu brilhante pronunciamento. Muito obrigado.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Meus cumprimentos a V. Exª.

            Quatros anos depois, em 1982, já pelo PMDB, foi eleito Governador do Estado de São Paulo na primeira eleição direta para o Governo do Estado desde 1965, com 5,5 milhões de votos, mais do que o dobro do segundo colocado.

            No Palácio dos Bandeirantes, Franco Montoro assumiu, desde o início, a defesa das eleições diretas para Presidente da República, tornando-se um dos líderes do apoio à emenda Dante de Oliveira.

            Foi num comício na Praça da Sé, em São Paulo, que teve início o movimento Diretas Já, que tomou as ruas do País e acabou por decretar o fim do regime militar.

            O Governo Montoro destacou-se pela descentralização administrativa, procurando devolver certas tarefas de Estado para os Municípios e viabilizando a participação popular. Por outro lado, realizou uma administração austera e fiscalmente responsável, exemplar no trato do dinheiro público. Sua administração foi exemplar, sem máculas.

            Quando se discutiu sua sucessão, Montoro era contra a candidatura de Orestes Quércia, mas jamais movimentou uma palha para que não se cumprisse ou não se respeitasse a decisão da Convenção, que acabou por indicar Orestes Quércia candidato a Governador.

            Lembro-me de quando Montoro me procurou, triste e amargurando, dizendo que o PMDB não tinha jeito. Ele insistiu comigo, então Governador do Rio Grande do Sul, para acompanhá-lo num novo Partido. Lá estava eu, com ele, na sede do Governo do Estado - ele e Mário Covas -, insistindo para que eu os acompanhasse na organização desse novo Partido. Eu não o acompanhei, mas pensei: “Se o Montoro está tomando uma posição dessas, eu que o conheço, é porque a situação, realmente, é dramática, e ele deve ter razões muito profundas”.

            Também devo destacar aqui o Montoro intelectual e professor, que ajudou a formar incontáveis juristas atuando como mestre de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e na Universidade de Brasília. Num tempo de autoritarismo, ele dizia que era importante transmitir aos seus alunos, além da importância fundamental do Direito, a esperança no futuro.

            Na transição para a democracia, Montoro foi um dos mais destacados líderes políticos da década de 70. Coube a essa geração o resgate da atividade política como o único instrumento viável para a busca efetiva da justiça social.

            A alternativa comunitária, a descentralização, a austeridade no gasto dos recursos públicos, a responsabilidade fiscal, a ênfase na participação e a preocupação com o desenvolvimento e a justiça social foram as grandes metas de Franco Montoro. Realmente, vocacionado para a política e a defesa da coisa pública deixou um exemplo de vida limpa.

            Tenho dois exemplos que acompanhei, de perto, na vida de Montoro. Primeiro, na sucessão do MDB. Oscar Passos era Presidente, Montoro era primeiro Vice-Presidente, Ulysses Guimarães era terceiro Vice-Presidente, e surgiu um impasse: Rio de Janeiro tinha três Senadores, era a facção mais forte do MDB, não havia ninguém na Executiva. E, numa reunião fechada com a Executiva, exigiu-se porque exigiu-se uma Vice-Presidência. Reunidos e debatendo a matéria, um dos dois tinha de renunciar. São Paulo tinha dois Vice-Presidentes: Montoro, primeiro Vice-Presidente e Ulysses terceiro Vice. Na hora, Montoro abriu mão. Ulysses ficou quieto, não falou, não disse uma palavra, e Montoro abriu mão. E, naquele momento, Ulysses assumia a Vice-Presidência, e Oscar passos não se elegendo renunciava, e a Presidência do Partido ficou com Ulysses Guimarães. Presidência essa que poderia e tinha todas as condições de estar com Franco Montoro.

            Lembro-me que quando se iniciou a campanha para a candidatura à Presidência da República, Montoro era Governador de São Paulo. E quando caiu a Emenda das Diretas, e o MDB resolveu participar das eleições indo ao Colégio, havia um movimento de Governadores para que Montoro fosse o nosso candidato. Montoro reuniu os Governadores à época do MDB e lançou a candidatura de Tancredo Neves. Ele é que poderia ter sido o candidato a Presidente da República, ele que era Governador do maior Estado; ele que tinha o apoio do Paraná, outro Estado importante, com o Richa, também vindo do PDC, ele preferiu que Tancredo fosse o candidato. E Tancredo foi o candidato. Assim era Franco Montoro: um homem de idéias, um homem de ideal, um homem de princípios.

            Agora, quando São Paulo se prepara, por intermédio da Fundação Memorial da América Latina, a prestar uma grande homenagem a Montoro, com um grande seminário, eu, que convidado, não poderei estar lá, daqui, desta tribuna, rendo a homenagem que, tenho a certeza, neste fim de semana a América Latina estará prestando à memória de Tancredo Neves.

            Muito obrigado, Sr. Presidente. 

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/07/2007 - Página 23188