O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Ex^mo Sr. Presidente Senador Alvaro Dias, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, quero, em primeiro lugar, lembrar que hoje devemos prestar uma homenagem a Herbert de Souza, o Betinho, pois há dez anos ele faleceu. Esse extraordinário brasileiro fundou o Ibase e a Abia, primeira ONG a enfrentar o problema da Aids no Brasil.

            A lei que determinou o controle dos bancos de sangue é batizada de “Lei Betinho” em homenagem a seu empenho na luta pelo fim do criminoso mercado de sangue. Betinho, nas palavras de Átila Roque, sofreu como cão danado a morte dos dois irmãos - o Henfil e o Chico Mário, que também sofreram com o HIV. Acho que nunca voltou a sofrer tanto outra vez, mas não se deixou matar de véspera e ainda oferecia, com aquele sorriso bem Fradim, um “pouquinho de Aids” para quem reclamasse de cansaço perto dele.

            Betinho, que, na década de 90, mobilizou o Brasil como o principal animador da Campanha Contra a Fome, desafiando mais uma vez o “impossível” e a boa consciência daqueles que achavam que distribuir alimentos era mera caridade, como se compaixão e solidariedade com o próximo não fossem valores revolucionários no mundo em que vivemos. A “Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida” acabou tendo enorme repercussão e tem como um de seus principais idealizadores o Betinho.

            Lembro-me muito bem de quando fui ao Ibase dialogar com Betinho sobre a proposta de garantia de uma renda para todos os brasileiros e, justamente hoje, Senador Alvaro Dias, gostaria de relatar a viagem que fiz pelos diversos continentes de nosso planeta Terra, inclusive como co-presidente da BIEN - Basic Income Earth Network, a Rede Mundial da Renda Básica, disseminando a idéia de uma renda básica de cidadania.

            Nó último mês de abril, quando o Presidente Horst Köller, da República Federal da Alemanha, visitou o Senado Brasileiro e fui apresentado a ele, imediatamente ele disse, no Salão Negro, que gostaria de me apresentar ao Professor Götz W. Werner, um membro de sua delegação que acabou de publicar um livro, Einkommen für Alle (Renda para todos, Kiepenheuer & Witsch, 2007).

            O Professor Werner foi até o meu gabinete, onde trocamos nossos livros e idéias a respeito dos méritos de uma renda básica com muito entusiasmo. Descobri que ele chegou à conclusão sobre a racionalidade desse instrumento não só como um professor, mas também como um empresário bem sucedido, pois é o principal acionista de uma rede de drogarias na Alemanha, DM Drogerie Markt, com mais de novecentas lojas em todo o país. A sua rede também possui unidades em oito países ao redor da Alemanha, tais como a Áustria e a Eslovênia. Ele é conhecido como um empresário muito progressista, que proporciona oportunidades especiais de educação aos seus funcionários, como tive a chance de conhecer na minha visita a uma das unidades das suas drogarias em Berlim.

            Nos dias 4 e 5 de junho, o Professor Götz Werner convidou-me para participar de duas conferências, em Berlim e em Karlsruhe - ele é professor da Universidade de Karlsruhe e presidente da EHI Retail Institute -, junto com o Professor Muhammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz e criador da formidável experiência do Grameen Bank em Bangladesh. Fomos convidados para falar sobre “O Microcrédito e a Renda Básica de Cidadania como instrumentos para erradicar a pobreza absoluta e promover o empreendedorismo e o desenvolvimento”.

            Os professores Werner e Muhammad Yunus, entre outros, receberam o 2007 Vision Award numa cerimônia em Berlim diante de mais de mil pessoas. Quando foi chamado ao palco para receber o seu prêmio, o professor Werner teve a gentil atitude de convidar-me para estar com ele, porque queria compartilhar o prêmio comigo. Ele teve vinte minutos para falar sobre a sua proposta de por que todos os oitenta milhões de habitantes da Alemanha deveriam receber uma renda incondicional...

            O Sr. Heráclito Fortes (DEM - PI) - V. Exª me permite um aparte?

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Com certeza permitirei, mas pediria a V. Exª, Presidente da Comissão de Relações Exteriores, que eu possa ter tempo de reportar a minha viagem, aí V. Exª terá ainda mais elementos...

            O Sr. Heráclito Fortes (DEM - PI) - Quero apenas me reportar à homenagem justa, merecida, que V. Exª faz ao inesquecível Betinho. V. Exª merece de todos nós o aplauso e acho até que essa parte da homenagem deveria ser considerada como desta Casa como um todo. Só perguntaria ao Brasil: como estaria o Betinho hoje ao ver um governo que ele acreditava que um dia chegaria ao poder deportar pessoas sem a observância da lei e sem respeito aos direitos humanos? Como estaria o Betinho hoje vendo essa situação?

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Certamente o Betinho estaria, com eu e V. Exª, defendendo a livre movimentação dos seres humanos por todos os países das Américas. Tenho a certeza de que isso vai se tornar uma realidade maior, mais presente entre nós, quando adotarmos, do Alasca à Patagônia, uma renda básica de cidadania.

            Pediria a V. Exª que me permitisse continuar o relato, até porque é assunto de nossa Comissão de Relações Exteriores e eu me sinto, sempre que faço uma viagem ao exterior, com a responsabilidade de transmitir aos amigos Senadores o que fiz, o que aconteceu, e é esse o meu propósito. V. Exª sabe que o meu tempo corre e ainda estou na primeira página.

            O Sr. Heráclito Fortes (DEM - PI) - Não importunarei mais V. Exª. Estou satisfeito.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Ele teve, o Professor Werner, a gentil atitude de convidar-me para com ele compartilhar o prêmio e os vinte minutos que teve para falar por que acredita que todos os oitenta milhões de alemães devem receber uma renda incondicional. Generosamente, dividiu igualmente o seu tempo comigo para que eu também falasse por que os 189 milhões de brasileiros devem receber uma renda básica de cidadania.

            No dia seguinte, na Universidade de Karlsruhe, novamente mais de mil pessoas, estudantes e professores, assistiram à conferência na qual o Professor Muhammad Yunus, Götz Werner e eu debatemos o microcrédito e a renda básica. É claro que muitas pessoas vieram para ouvir e aplaudir entusiasticamente um homem com tanto mérito como o Professor Yunus e sua crença em que o microcrédito pode contribuir efetivamente para a erradicação da pobreza em todos os lugares.

            O livro Einkommen für Alle (Renda para todos), do Professor Götz W. Werner, é atualmente o segundo livro na lista dos mais vendidos na Alemanha. No dia 21 de junho, ele foi convidado pelo Parlamento da Áustria para falar sobre “Uma Renda para Todos”. Ele tem ido a muitos programas de entrevistas na tevê na Alemanha para defender a renda para todos. Acho importante a Diretoria Executiva da Basic Income Earth Network convidá-lo para participar do nosso XII Congresso Internacional, que se realizará em Dublin, na Irlanda, em junho próximo.

            Os eventos na Alemanha foram uma excelente oportunidade para conhecer melhor o Professor Muhammad Yunus, como também para explicar-lhe a relevância da renda básica. Uma vez, fui assistir à sua palestra, quando ele visitou o Brasil no ano de 2000, atendendo ao convite da ex-Primeira-Dama Ruth Cardoso e do BNDES. Como sempre, ele enfatizava sua forte crença na importância de emprestar dinheiro a uma pessoa, confiando na sua responsabilidade de usar aquele recurso para desenvolver uma atividade que vai produzir o suficiente para ela devolver o empréstimo e viver melhor do que antes, do que simplesmente doar dinheiro a quem quer que seja.

            Ele também afirma que devemos confiar nas pessoas mesmo que não tenham qualquer propriedade ou bens colaterais para ofereceram como garantia. De minha parte, tenho tentado mostrar que podemos harmonizar ambos os instrumentos e que a renda básica deve ser sempre considerada não como uma caridade, mas como um direito, também defendido por Thomas Paine e pelos fundadores da BIEN.

            De qualquer forma, eu disse ao Professor Yunus que gostaria muito de visitar Bangladesh para conhecer pessoalmente a experiência do Grameen Bank. Foi por isso que, de 14 a 17 de julho, fui a Dacca para visitá-lo junto com sua equipe, os diretores e os coordenadores do Grameen Bank. No primeiro dia, o Professor Yunus foi ao nosso hotel para nos dar as boas-vindas e para ter mais de uma hora de conversa sobre o microcrédito e o desenvolvimento da renda básica. Contei-lhe sobre a história da BIEN e encorajei-o a ler os livros escritos por Philippe Van Parijs, por Guy Standing e por muitos outros. Também tomei a liberdade de convidá-lo para vir ao nosso XII Congresso Internacional em Dublin. É claro que o convite deve ser confirmado pela diretoria da BIEN. Mas eu gostaria de afirmar-lhes que tenho a certeza de que um diálogo entre nós vai nos enriquecer a todos.

            O Professor Yunus tem dito às pessoas como ele acredita que é possível erradicar a pobreza absoluta e que, dentro de um razoável espaço de tempo, seremos capazes de inaugurar o Museu da Pobreza em cada uma de nossas nações para mostrar aos jovens como era a pobreza quando existia. Também Betinho avaliava que era perfeitamente possível erradicar a pobreza absoluta, a fome. Ele me disse que foi convidado para estar em Copenhague, na Dinamarca, em 24 de setembro próximo, para inauguração do primeiro Museu da Pobreza.

            Naquela mesma manhã, o Professor Yunus foi até o aeroporto para embarcar para Johanesburgo, onde ele se reuniu ao Grupo de Idosos para comemorar o 89º aniversário de Nelson Mandela. Os diretores do Grameen Bank foram muito gentis em nos levar para várias reuniões, inclusive em vilas situadas a uma hora de Dacca, para conhecer os efeitos positivos do microcrédito na mudança das vidas das pessoas. Fomos assistir a uma reunião típica regular de cerca de 70 mulheres que estavam debatendo sobre suas experiências pessoais. Elas nos contaram como o microcrédito tem lhes possibilitado, por exemplo, comprar uma ou mais vacas ou galinhas ou ferramentas de trabalho e, depois, até construir suas novas e simples casas, bem melhores do que as que elas tiveram antes. Conversamos também com um grupo de jovens que fizeram pequenos empréstimos para custear seus estudos e com mulheres que eram pedintes e puderam levantar recursos para devolverem, sem juros, assim que pudessem.

            No terceiro dia, os principais diretores e coordenadores do Grameen Bank, um grupo de cerca de 30 pessoas, pediram para eu explicar os fundamentos e a história da renda básica. Pude sentir que eles consideraram que há muito a fazer com nossa causa e com nossos objetivos.

            De Bangladesh, nos dias 18 a 21 de julho, fui a Seul. A convite deles, fui trocar idéias com os membros da Assembléia Nacional da República da Coréia - o convite foi transmitido pelo Embaixador da Coréia no Brasil. Fui recebido pelo Secretário-Geral do Partido Uri - o partido do governo - e Presidente da Comissão de Orçamento, como também pelo Deputado Won Hye Young, da Associação Parlamentar de Amizade Brasil - Coréia, que me convidou a dar palestras sobre a Renda Básica no Escritório de Orçamento da Assembléia Nacional e no Instituto de Política Econômica, onde grupos de economistas fazem a pesquisa para dar suporte à Assembléia Nacional da Coréia.

            Desde a década de 60, quando a Coréia tinha uma renda per capita menor do que a do Brasil, aquele país tem apresentado uma taxa de desenvolvimento econômico bastante satisfatória, graças, principalmente, à ênfase dada à educação. A renda per capita do país evoluiu de US$85, em 1962, para cerca de US$17 mil atualmente, praticamente o dobro da nossa. Mas uma das principais preocupações, similar à nossa no Brasil, é o alto grau de desigualdade e a erradicação da pobreza que ainda prevalece em várias áreas.

            Eles me explicaram como a Coréia do Sul adotou, recentemente, o Programa de Segurança de Renda Básica Nacional e a Previdência Social. Desde o ano passado, a Coréia instituiu o Crédito Fiscal por Remuneração - EITC, similar ao que existe nos Estados Unidos. Disse-lhes que esse era um passo importante, uma vez que nós, dos países em desenvolvimento, temos de estar cientes de que as transferências de renda dos países desenvolvidos fazem com que suas economias fiquem mais competitivas em relação às nossas se não adotarmos o mesmo procedimento ou um ainda melhor. Mas também mostrei a eles que, nos Estados Unidos, há uma demonstração inequívoca de que uma melhor solução que o EITC é a renda básica, conforme demonstra a experiência positiva havida nos últimos 25 anos no Alasca.

            Fiz duas sugestões aos coreanos, para que eles atinjam objetivos muito importantes: a unificação da Coréia do Sul e da Coréia do Norte e a pacificação da nação. A primeira, uma vez que os coreanos elogiaram muito os brasileiros que venceram a Copa do Mundo de Futebol pela quinta vez em 2002, na Coréia e no Japão, é que eles poderiam convidar o time da Seleção Brasileira para jogar dois jogos com o time unificado da Coréia do Norte e do Sul: um jogo seria realizado em Seul; o outro, em Pyongyang. A outra sugestão é a de que considerem seriamente a implementação de uma renda básica de cidadania assim que as duas Coréias estiverem unidas, o que contribuirá muito para toda população perceber que há solidariedade por toda a Coréia.

            Falei também sobre as duas propostas na minha audiência com o Ministro de Relações Exteriores e Comerciais da Coréia, Song Min Soon. Ele as considerou seriamente. Nessa audiência, ele explicou a importância do suporte do Governo brasileiro para a realização da Expo Mundial de 2012 em Yeosu, cuja tema principal será The Living Ocean and Coast - A Preservação do Oceano e da Costa, relacionado com o objetivo para um desenvolvimento sustentável e com a proteção ambiental. Pude perceber como os coreanos estão empenhados para o sucesso desse evento.

            De Seul, segui para Maputo em Moçambique, onde realizei viagem extraordinariamente produtiva, inclusive com o apoio de nossa Embaixadora Leda Lúcia Camargo, a quem muito agradeço.

            Quero dizer que, ao final, pude ter diálogos longos com o ex-Presidente Joaquim Chissano e com a Srª Graça Machel, viúva do Presidente Machel e hoje esposa de Nelson Mandela. Com ambos, pude falar sobre a relevância do projeto, fato que contribuiu para que eles se entusiasmassem e quisessem estudar a proposta da renda básica de cidadania.

            Sr. Presidente, eu gostaria que fosse transcrito, na íntegra, este meu relatório sobre a viagem que realizei à Alemanha, ao México, a Bangladesh, à Coréia do Sul. Também gostaria de pedir, Sr. Presidente, que fosse transcrito o artigo que publiquei nesta semana sobre Bangladesh e o microcrédito, denominado “Crédito contra a pobreza”, na revista ISTOÉ. E, finalmente, peço que seja registrada, nos Anais do Congresso, a carta que hoje me enviou o Embaixador do Brasil em Conacri, Jacques Fernandes Vieira Guilbaud. Falei sobre o assunto da carta na Comissão de Relações Exteriores, mas acredito ser importante também aqui ser registrado.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, Senador Alvaro Dias.

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

- Betinho.

- Crédito contra a pobreza.

- Relatório - Disseminando a idéia sobre a Renda Básica.

- Carta do Embaixador do Brasil em Guiné-Conacri, Jacques Fernandes Vieira Guilbaud.