Discurso durante a 123ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

A existência dos dois Brasis: "O Brasil cansado e um Brasil acomodado". Congratulações àqueles que irão às ruas, no próximo dia 14, fazer um minuto de silêncio em protesto contra a corrupção. Propostas para a educação brasileira.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MANIFESTAÇÃO COLETIVA. POLITICA SOCIAL.:
  • A existência dos dois Brasis: "O Brasil cansado e um Brasil acomodado". Congratulações àqueles que irão às ruas, no próximo dia 14, fazer um minuto de silêncio em protesto contra a corrupção. Propostas para a educação brasileira.
Aparteantes
Adelmir Santana, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 11/08/2007 - Página 27263
Assunto
Outros > MANIFESTAÇÃO COLETIVA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, PARALISIA, POLITICA NACIONAL, SAUDAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, LIDERANÇA, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), DEMONSTRAÇÃO, FRUSTRAÇÃO, FALTA, TOLERANCIA, LEITURA, MANIFESTO, OPOSIÇÃO, AUSENCIA, ETICA, EXCESSO, PODER, CRIME ORGANIZADO, TRAFICO, SUPERIORIDADE, IMPOSTOS, BUROCRACIA, MENOR ABANDONADO, IMPUNIDADE, CORRUPÇÃO, VIOLENCIA, CRISE, TRANSPORTE AEREO.
  • COMENTARIO, REIVINDICAÇÃO, CLASSE MEDIA, INSUFICIENCIA, ALTERAÇÃO, SITUAÇÃO, MOTIVO, NECESSIDADE, REVOLUÇÃO, PRIORIDADE, POLITICA NACIONAL, ATENDIMENTO, DEMANDA, MAIORIA, POPULAÇÃO, VITIMA, INFERIORIDADE, SERVIÇOS PUBLICOS, TRANSPORTE COLETIVO, ESCOLA PUBLICA, SAUDE PUBLICA, CRITICA, MINORIA, MANUTENÇÃO, PRIVILEGIO, CONTINUAÇÃO, VOTAÇÃO, CLASSE POLITICA, REPRESENTANTE, CORRUPÇÃO.
  • CONCLAMAÇÃO, MINORIA, CLASSE SOCIAL, ATENÇÃO, SITUAÇÃO, ABANDONO, POVO.
  • ANALISE, PARCELA, POPULAÇÃO, ACEITAÇÃO, MISERIA, CONCLAMAÇÃO, ANALFABETO, REIVINDICAÇÃO, DIREITOS, EDUCAÇÃO, EXIGENCIA, BOLSA DE ESTUDO, APRENDIZAGEM, LEITURA, COMENTARIO, EXPERIENCIA, ORADOR, EX GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF).
  • CONCLAMAÇÃO, MÃE, RECEBIMENTO, BOLSA FAMILIA, EXIGENCIA, QUALIDADE, ESCOLA PUBLICA, FILHO, IMPORTANCIA, MOBILIZAÇÃO, POVO, COBRANÇA, AUTORIDADE.
  • REITERAÇÃO, DEFESA, FEDERALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO BASICA, PRIORIDADE, SETOR.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Senador Mão Santa, mas tem uma coisa maior, tem uma categoria superior à de professor: é a categoria de amigo, e V. Exª fica suspeito pelo que está dizendo a meu respeito por causa da amizade que construímos aqui. Muito obrigado.

Sr. Presidente Mão Santa, Senador Sibá, Senador Wellington, Senadores, eu hoje vou quebrar o Regimento porque na sexta-feira acho que se pode fazer isso. Talvez nem se trate de quebrar o Regimento, mas vou inovar: não vou falar para as Srªs e Srs. Senadores, vou falar para o povo brasileiro, vou falar para quem está lá fora, eu vou falar para aqueles que, lá fora, estão nos assistindo pela televisão e pela rádio. Eu vou falar para esses dois Brasis que, hoje, estão fazendo política neste País: um Brasil cansado e um Brasil acomodado.

Surgiu, Senador Durval, finalmente, um movimento dos que se dizem cansados, aos quais eu dou os parabéns, porque basta da paralisia política em que vivemos hoje neste País e das conturbações que não são políticas, são conturbações de críticas e autocríticas, de denúncias e defesas - isso não é política -, nas quais o assunto central é a corrupção. Às vezes eu me pergunto se isto aqui é o Senado ou uma casa de fofocas - fofocas até com coisas concretas, verdadeiras, que devem ser tratadas e punidas, mas que não podem ser o centro da nossa discussão.

Lá fora nós vemos que um grupo de pessoas saiu às ruas e está saindo também da paralisia e da letargia, quer sair do silêncio que os intelectuais brasileiros optaram por fazer. Intelectual silencioso é intelectual morto, não tem como você ser silencioso e ser intelectual. Você pode ser mudo, mas escrever e, então, não está em silêncio; o silêncio não combina com o intelectual. No Brasil, os intelectuais parecem ter optado, alguns, pela perplexidade - então não são intelectuais, porque não encontram rumo, não pensam, não entendem as coisas - e, outros, pelo silêncio, pelo acomodamento.

Vocês - falo aqui para o Brasil que está se manifestando liderado pela OAB - estão protestando e, com isso, estão trazendo uma nova situação para a política brasileira. Diz o manifesto da OAB:

Cansei de gente que só quer levar vantagem, do governo paralelo dos traficantes, de pagar tantos impostos para nada, de tanta impunidade, de tanta burocracia, do caos aéreo, de CPIs que não dão em nada, de ver crianças nas ruas e não nas escolas, de presidiários falando ao celular, de empresários corruptores, de ter medo de parar no sinal, de bala perdida, de tanta corrupção, de achar tudo isso normal, de não fazer nada.

Eu falo para esses, mas eu quero falar também para aqueles que estão acomodados. Quero lembrar que esses cansaços aqui, Senador João Durval, são cansaços da parcela rica da população, não é o cansaço do povo lá embaixo. Diante do único item referente ao povo, “cansei de ver crianças nas ruas e não nas escolas”, sinto-me no direito de perguntar se esse cansaço é o da solidariedade ou o do medo, se é solidariedade com as crianças na rua ou se é o incômodo das crianças nos sinais de trânsito.

Será que é um cansaço pelo fato de, no Brasil, a gente ter ainda 1,5 milhão fora da escola e, dos quarenta milhões de hoje, saber que apenas dez milhões vão terminar o Segundo Grau e que, desses dez milhões, não mais de cinco milhões farão um Segundo Grau de competência? Eu tenho direito à dúvida e o povo brasileiro tem direito à dúvida. Será que o cansaço não é, sobretudo, do caos aéreo, dos impostos elevados, dos traficantes soltos? Tudo isso é um cansaço correto, mas um cansaço insuficiente, um cansaço que nada muda na história do Brasil, embora mude na política de hoje. Por isso, comecei parabenizando.

Mudar a política não basta se não mudarmos a história, se não mudarmos e construirmos um novo futuro. Por isso, ao mesmo tempo em que parabenizo vocês que cansaram, esse lado do Brasil cansado, quero dizer de minha preocupação, porque vocês protestam basicamente por aquilo que diz respeito aos interesses de vocês. É como se fosse uma manifestação sindical dos usuários do aeroporto, é como se fosse uma manifestação de indignação diante da corrupção na política, mas nenhuma indignação com as prioridades da política. É indignação porque alguns roubam o dinheiro que iria para obra pública, mas não vejo indignação com a obra pública que não serve aos interesses, às necessidades do povo brasileiro. É um cansaço pequeno, Senador João Durval!

Desculpem dizer isso. Eu os parabenizo, porque prefiro esse cansaço da indignação que vai para a rua do que o acomodamento do qual vou falar, mas não basta esse cansaço parcial, sindical, da parcela que tem direito a privilégios.

Eu não vi aqui, por exemplo, ao lado do cansaço com o caos aéreo, o cansaço com o caos do transporte público brasileiro, Senador Sibá. Não vi ninguém protestando pelo fato de que milhões ficam parados numa parada de ônibus, sem saber a hora em que o ônibus virá. Eu vi o protesto correto, justo, felizmente chegando agora, do cansaço dos que esperam nas boas poltronas dos aeroportos - e sei como é ruim esperar quando se tem uma missão a cumprir, quando se tem que chegar a um compromisso e o avião não sai na hora. Mas quem fica na parada de ônibus, em pé, também tem compromisso, também tem que chegar na hora ao trabalho, também tem que ir à escola, também tem que visitar doentes nos hospitais; não apenas os que vão de avião é que visitarão os parentes nos hospitais, mas os que estão na parada de ônibus também.

Sei que há pessoas que perdem a homenagem final pela morte de um parente porque o avião não saiu no dia, na hora, mas há pessoas que perdem também a oportunidade de prestar a homenagem no cemitério, porque o ônibus em que ele ia da sua casa para o cemitério não passou.

Quero, portanto, dizer que certamente vocês são contra o descaso com o qual têm sido tratados os aeroportos, mas não se mostram cansados com a maneira como são tratadas as escolas, que são os aeroportos do futuro. O Brasil pode até sobreviver com aeroporto que não funciona, mas não sobrevive, não voa se não tivermos escolas boas, gratuitas e de qualidade para todas as crianças brasileiras.

Não vejo no cansaço que uma parte da população brasileira, hoje, demonstra esta preocupação: o cansaço com a deseducação.

Não vejo cansaço com a concentração de renda, com o baixo salário dos professores da rede pública, nem com as intermináveis greves que eles fazem. Não vejo cansaço com as filas nos hospitais públicos. Aqui não está esse cansaço e, se aqui estivesse, não vejo nas manifestações essa preocupação.

Eu cansei também da vergonha da corrupção de que este documento fala, mas me cansei ainda mais da corrupção nas prioridades e ainda mais dos que hoje estão cansados dos políticos corruptos nos quais votaram, mas que, na próxima eleição, vão votar outra vez nos mesmos corruptos, Senador Sibá. Porque as pessoas que hoje dizem que se cansaram de corruptos na política, se olharmos bem, na história política desses eleitores está o voto nos corruptos. E eu tenho o direito de sentir-me cansado de achar que, na próxima eleição, eles vão votar nos mesmos corruptos, porque eles preferem um corrupto amigo do que uma pessoa honesta que eles não conhecem. Isso nos cansa também, da mesma maneira que cansam os aeroportos parados e o caos aéreo.

Eu também - e todos sabemos - protesto contra os corruptos, mas cansei de ver os cansados que não se cansam de seus privilégios. Há um cansaço, neste documento, contra a alta carga de impostos; e está corretíssimo esse cansaço, pois nenhum país sobrevive com 40% da renda nacional indo para os cofres públicos. Mas cansei ainda mais de saber que esses 40% não estão servindo inteiramente à população brasileira para mudar a educação, o transporte urbano, melhorar a água e esgoto, os hospitais. Se formos olhar, esses 40% estão indo mais para aqueles que estão cansados do que para aqueles que estão acomodados.

Cansei de ver os cansados que não se cansam dos seus privilégios e que estão dispostos a pagar aos corruptos para que roubem desde que defendam os seus privilégios, porque hoje, ao invés de votar no político honesto que ameaça privilégios, essa minoria cansada prefere votar no corrupto que garante os privilégios. É muito triste dizer isso, mas é a realidade da minha fala - lá para fora; não aqui para dentro.

O Brasil, finalmente, levantou a bandeira do cansado, mas ela ainda é insuficiente, e insuficiente como foi a bandeira da Independência da República, da abolição dos escravos. Foi a elite que trouxe a independência, mas para beneficiar ela própria. Foi a elite que fez a República, mas para beneficiar ela própria. Foram as pessoas que defendiam a República, Senador João Durval, que escreveram na bandeira um lema sabendo que 65% da população era analfabeta na época. Veja que desprezo dos cansados com o Império. Cansaram-se do Império, gritaram “Viva a República” e fizeram a bandeira cujo lema escrito apenas 35% eram capazes de ler. Ou seja, que cansados são esses? Cansados porque não tinham acesso ao Império, não tinham acesso à Corte. Eles queriam apenas entrar na Corte, não queriam libertar o povo.

Esse cansaço parcial é a continuação dos cansaços parciais de antes, dos cansados que fizeram a independência sem olhar para o povo, dos cansados que aboliram a escravidão, mas não deram escola aos filhos dos escravos, não deram casas no lugar da senzala, não deram emprego no lugar do trabalho condenado a que estavam sujeitos os escravos, não deram salário no lugar da comida que os escravos recebiam sem salário.

Esse cansaço é insuficiente!

Devo dizer, com toda franqueza, que cansei também de publicitários que agora organizam as campanhas dos cansados, mas já devem estar fechando contratos com corruptos que serão candidatos na próxima eleição. Eu queria ver as empresas publicitárias envolvidas na campanha do cansaço assinarem um documento em que se comprometem a não fazer campanha para nenhum candidato sobre o qual pesem suspeitas de corrupção. Quero vê-los assinarem esse documento. Mas eles vão dizer: “Temos de sobreviver”. É isso o que dizem os corruptos também. Os corruptos não votam pelo prazer de ter dinheiro no bolso. Eles votam porque precisam sobreviver com muito dinheiro, roubando. Quem cansou de político corrupto, mas vai fazer publicidade para candidato corrupto, está enganando o povo, como enganamos, algumas vezes, prometendo ao povo e não cumprindo.

De qualquer maneira, mesmo assim, mesmo com o meu cansaço com os cansados, fico contente que eles estejam lutando porque seus interesses foram feridos: interesses de passageiros de avião, de contribuintes obrigados a pagar tão altos impostos - contribuintes com direito de ir e vir -, cidadãos incomodados com o trânsito atrapalhado, com as crianças que pedem esmolas nas ruas. Eles têm direito de protestar contra tudo isso. Eu os parabenizo, mas não posso deixar de dizer que eles estão sendo pouco patriotas. Eles estão defendendo seus interesses, agindo como sindicalistas, que têm de defender a categoria, e não pensando na Nação inteira.

Mesmo assim, parabenizo-os por irem às ruas fazer um minuto de silencio no dia 14 de agosto. Também vou guardar o silêncio. Não sou contra a manifestação deles. Mas peço que, por favor - falo para eles e não para o Senado -, lembrem-se do resto. Que sintam o cansaço não apenas das horas de espera no aeroporto, mas também de 500 anos de uma história maldita de abandono do povo, que também espera nas filas de hospitais, que espera nas filas de emprego, que espera fora da escola, que espera na parada de ônibus, que espera por todas as partes um futuro que não têm.

Não é só avião que está atrasando no Brasil, mas o futuro. Ainda se sabe a hora em que o avião vai passar, mas o futuro não nos diz quando chegará. Volto a comparar: não é só em aeroporto que esperamos, mas também em paradas de ônibus, sem poltrona, sem cobertura, debaixo de água da chuva, do sol do verão. Não há assalto dentro dos aeroportos, mas há assaltos nas paradas de ônibus, onde não há anúncio luminoso dizendo do atraso ou da hora em que o transporte vai sair. Precisamos cansar mais do que o Movimento Cansei.

Não me cansei somente dos que cansaram e nada querem mudar. Cansei-me também dos que deveriam ter se cansado, mas continuam aceitando o Brasil como ele é.

Agora quero falar para os outros, não para aquela parcela cansada que se mobiliza e finalmente traz uma dimensão nova para a política brasileira indo às ruas e fazendo silêncio no dia 14 de agosto. Quero falar àqueles que estão acomodados.

Quero falar, Sr. Presidente, para aqueles que estão cansados na rua e não só nos aeroportos.

Quero falar para essa parcela que parece não se cansar de viver sem saber ler, por exemplo. Dezesseis milhões de brasileiros adultos não sabem ler e não parecem cansados com isso. Quero falar para você que está assistindo à minha fala e não é capaz de ler o que certamente está escrito embaixo da tela da televisão, porque, enquanto falo, aparece meu nome, o endereço eletrônico e, às vezes, outras notícias. Há dezesseis milhões de brasileiros adultos que, se estiverem me assistindo, vão ouvir e não vão ler o que está embaixo da tela.

E vocês não se cansam disso? Os que estão esperando avião cansaram-se, nas poltronas, nos restaurantes, às vezes com contas pagas, Senador Wellington, pela própria companhia aérea. E estou radicalmente contra esse caos aéreo. Sou vítima dele. No entanto, sou vítima também do caos que não falamos e que não aparece.

Eu quero falar para vocês que...

O Sr. Sibá Machado(Bloco/PT - AC) - Senador Cristovam Buarque, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Em um minutinho, Senador Sibá.

Quero falar para você que, por ser analfabeto, não saber ler, toma um remédio acreditando que é uma aspirina, porque alguém disse, mas você não sabe se é uma aspirina ou se é um veneno. Você que toma um ônibus, confiando em alguém que leu a placa do destino, sem saber se está correto. Você que fica perdido, quando não encontra alguém por perto para ler o nome da rua. E o nome da rua está ali escrito, e você não consegue ler. E você não se cansa disso?

Quero falar para você que não se cansou ainda de não ser capaz de ler o nome do seu filho, de escrever o nome do seu irmão. Digo isso lembrando de uma mulher, em Belo Horizonte, que, quando aprendeu a ler, perguntei-lhe qual foi o seu maior prazer e ela disse-me: “Foi escrever o nome do meu neto”. Você não se cansou ainda de não ser capaz de ler o nome do seu filho e de escrever o nome de seu neto?

Quero que você se canse e exija, que você faça o que os que estão com o avião atrasado estão fazendo. Quero que você vá à Prefeitura. Vá lá! Fale com seu pastor, com o padre, com seu patrão, grite, dizendo que você quer aprender a ler, e exija um curso. Não espere que o curso venha. Brigue, vá para a rua, junte-se a outros como você, não vá sozinho. Diga que quer o curso e que quer ganhar um salário para aprender a ler, porque no Brasil quem terminou a universidade, como eu, ganha uma bolsa para continuar estudando, fazer um doutorado, mas quem nunca entrou na escola não tem um real de ajuda para aprender a ler.

E falo com a autoridade de quem foi Governador e teve um programa que pagava aos analfabetos para que aprendessem a ler, como pagamos bolsa para fazer doutorado nos Estados Unidos e na Europa. Aqui, quando fui Governador, pagávamos R$100,00 - naquela época eram US$100 - no dia em que a pessoa fosse capaz de escrever sua carta, ou seja, comprávamos sua primeira carta. E tenho comigo muitas delas, guardadas, Senador Adelmir. V. Exª se lembra disso.

Quero que vocês se cansem também. Quero que vocês se cansem de não saber ler e lutem para aprender, para com isso ter um salário melhor depois. Mas não só os que não sabem ler. Quero falar para outros que deveriam estar cansados.

Gostaria de falar para as mães que fazem parte do Bolsa-Escola. Claro que elas têm de agradecer por receber esse dinheiro, mas que não se satisfaçam com isso, por favor. É muito pouco! Vejam que os outros que estão ganhando muito, muito, cansaram-se e vão fazer um minuto de silêncio, vão fazer passeatas. Vocês, mães que ganham o Bolsa-Família, estão acomodadas. Não fiquem acomodadas! Fiquem cansadas, mas cansadas no sentido da propaganda dos que estão cansados do caos aéreo, o cansaço da revolta, o cansaço da mobilização.

Quero que vocês despertem para exigir aquilo que têm direito. Vocês não estão cansadas de ver seus filhos sem escola, enquanto os filhos dos ricos, daqueles que estão cansados e protestam, têm boas escolas? Vocês não estão cansadas de saber que os filhos dos ricos terão futuro e que os filhos de vocês não terão futuro, por causa da escola? Vocês não cansaram de achar que é um direito dos ricos terem boa escola e a condenação dos pobres terem escola ruim? Será que isso não cansa vocês?

Não estou falando aqui para os Senadores, porque todos temos boas escolas. Estou falando para você que não se cansa de ser abandonada.

Quero falar para vocês que assistem ao meu discurso calados, em vez de cansados, às mães e aos pais que aceitam a escola como ela é. Vocês estão sendo enganados! Vocês não comprariam uma televisão numa loja que se parecesse com uma escola, mas deixam os filhos de vocês lá. Vocês não comprariam comida numa venda, num armazém, num supermercado que se parecesse com a escola onde deixam seus filhos.

E vocês não se indignam, não vão para a frente da prefeitura, não cercam o carro do prefeito? E, quando os professores faltam, vocês não reclamam? E quando o salário do professor é baixo, vocês não vão para as ruas junto com os professores pedir dinheiro para os professores, desde que não parem de dar aula aos filhos de vocês? Vocês tinham de ter duas indignações, dois cansaços: com o Governo que não paga o salário e com o professor que não dá aula.

E, com isso, estão condenando os filhos de vocês.

Os outros cansaram. Estão brigando para que os filhos deles não fiquem nos aeroportos esperando por avião atrasado. E sabem o que eles já conseguiram? Um novo aeroporto em São Paulo. E vão conseguir um trenzinho para levá-los da cidade até o aeroporto, que eu vou usar. E vocês não se cansam de ver seus filhos indo a pé para a escola.

Cansem, por favor! Cansem, mas reclamem. Vocês têm direito! Como eu disse que os analfabetos deveriam ir para a prefeitura exigir curso e um salário para aprender a ler, vocês têm o direito de ir para a prefeitura e reclamar que as escolas não estão funcionando. E se o prefeito disser que não tem dinheiro, ajude-o a pedir dinheiro ao governador. E se o governador não tiver dinheiro, ajude-o a pedir dinheiro ao Governo Federal. E se o Governo Federal disser que não tem dinheiro, pergunte o que estão fazendo com os R$60 bilhões do superávit. Pergunte por que nós, Senadores, tivemos aumento, e falta dinheiro para pagar melhores salários aos professores. Por favor, está na hora de que todo mundo se canse, não só aqueles que estão sentados nas poltronas dos aeroportos!

Estou cansado da falta de cansaço de uma parte da população brasileira, até porque não é aqui dentro que vamos conseguir melhorar as coisas. Ou o povo cansa, vai para rua, reclama e briga, ou não pensem que daqui, sozinhos, vamos conseguir mudar as coisas.

Mas, até para descansar desse cansaço, passo a palavra a dois Senadores que pediram um aparte, embora tenha dito que não iria falar para S. Exªs. Mas os apartes de S. Exªs são bem recebidos. Gostaria que V. Exªs falassem não só para mim, nem para os outros Senadores. Falem pensando naqueles que estão nos assistindo, os cansados nas poltronas dos aeroportos e os acomodados em pé nas paradas de ônibus, os acomodados em pé nas filas procurando emprego, os acomodados com as escolas ruins dos seus filhos, os acomodados com as filas dos hospitais, os acomodados sem ter dinheiro para comprar o remédio. É pensando neles que passo a palavra ao Senador Sibá e depois ao Senador Adelmir.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Cristovam, pedi o aparte porque, em primeiro lugar, pretendia abordar esse tema da educação, por conta da matéria publicada no Jornal do Senado, que diz que V. Exª teria feito uma abordagem, numa audiência da Comissão de Educação, se não me engano, sobre esse tema. Como a essência do pronunciamento de V. Exª já havia me chamado à atenção, aproveito para fazer as duas coisas neste aparte e não mais no meu pronunciamento. Sobre a educação em si, nos últimos quatro anos da minha vida, desde que cheguei ao Senado, tenho me dedicado ao máximo a acompanhar o debate sobre as universidades e a ajudar, como posso, a universidade pública do meu Estado. Ouvi, nos debates da reforma das universidades - não sei se a proposta é atribuída a V. Exª, desculpe-me a ignorância -, que o Ministério da Educação, juntamente com os Estados e os Municípios, deveria cuidar exclusivamente dos ensinos infantil, fundamental e médio, garantindo que todas as crianças e os jovens do Brasil concluíssem o ensino médio, e que toda a gama do ensino superior fosse transportada, ou para um ministério exclusivo, ou para o Ministério da Ciência e Tecnologia. Confesso que no primeiro momento ouvi e não sei se entendi direito, mas, hoje, começo a me deixar, digamos assim, ganhar pela idéia. Tenho andado bastante pelo Brasil, na ânsia de dar uma contribuição significativa à nossa universidade pública, e acabei de me convencer de que não adianta ter uma excelente universidade se tivermos um público que sai do ensino médio sem condições de poder fazer um excelente curso superior e ter uma boa carreira científica a posteriori. Portanto, nesse ponto, faço uma pergunta a V. Exª, se estou entendendo corretamente e se essa frase é atribuída a V. Exª. Quanto à questão da crítica - não sei se podemos chamar assim -, vi o documento parece que assinado até mesmo pela OAB, do Movimento Cansei. Digo a V. Exª que fui um ativista de movimentos populares e um cuidado meio que empírico que tive, não tinha nenhuma consciência muito científica, mas era muito da minha natureza, é que temos de ter um objetivo mais claro para fazer as coisas. Se eu não tiver um objetivo mais claro, posso até ter organizado um excelente movimento popular por um período e depois ele morrer de inanição, sem ter um resultado mais prático, mais entendido pelo público que dele participa. Portanto, digo a V. Exª que acho que, na abordagem geral, está corretíssimo, porque podemos deixar de elencar as prioridades dos investimentos - os investimentos de cada prefeitura, os investimentos de cada Estado e os investimentos da esfera nacional, e como isso chega na ponta final e com a qualidade que deve chegar. Portanto, valeu muito a pena ter escutado no dia de hoje essas preocupações de V. Exª. Penso que o Movimento Cansei tem o direito cívico de fazê-lo, mas acredito que realmente está pecando pela forma como está fazendo. Por exemplo, não tem rosto, não tem endereço. Fica tão impessoal que as pessoas podem perguntar: “Vamos sair de casa para fazer o quê? O que nós vamos fazer?” Vou encerrar o aparte a V. Exª referindo-me ao direito ao ócio e o direito ao trabalho. Os dois têm de ter regras. O direito ao ócio seria, no meu entendimento, o descompromisso com os prazos. É quando a pessoa não precisa estar amarrada ao despertador para acordar de manhã cedo. Não precisa estar amarrada ao tempo de voltar à cama para dormir. Ou seja, quando a pessoa tem certo descompromisso com os prazos. O direito ao trabalho seria o oposto: a pessoa tem de ter o compromisso com o relógio, com os prazos, com o tempo. Porém, tanto um quanto outro, se forem obrigatórios, estão errados. Imagine uma pessoa desempregada. Ela está, digamos assim, numa situação de ócio, obrigada. Portanto, isso está errado, como estão errados também aqueles que fazem do trabalho uma escravidão e não têm mais tempo para as outras coisas. Com relação a esses dois cenários, faço aqui a reflexão de que isso não pode acontecer. Portanto, o direito, no meu entendimento, da pessoa está brilhantemente listado neste pronunciamento de V. Exª. Só me resta parabenizá-lo, pois acho que V. Exª acertou no ponto no entendimento. V. Exª chama a todos, não apenas ao público a que se referiu no início do discurso, mas a todos nós que estamos aqui neste momento e também o povo ouvindo-o atentamente.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço, Senador Sibá Machado, o aparte e confirmo que essa é uma posição muito antiga minha, que não é uma criação minha. Na maior parte dos países onde deu certo a educação, havia um Ministério da Educação de Base e um Ministério do Ensino Superior. Mas, como aqui já há muitos Ministérios, melhor juntar Ensino Superior e Ciência e Tecnologia, ou fechamos três, cinco ou dez Ministérios e criamos um Ministério só para o ensino superior. Sabe por quê? Tem a ver com este discurso. É que os universitários cansam e vão para as ruas, brigam e levam tudo. As crianças e seus pais pobres não vão para as ruas e não conseguem nada. O pobre do Prefeito não tem como promover uma boa educação no Brasil. Por isso, tem de haver pelo menos um Ministro que cuide deles, que tente federalizar a educação de base. Enquanto não fizermos isso, não vai haver dinheiro federal para analfabetos, porque os universitários lutam por dinheiro para a universidade e ganham.

Informo ao senhor que essa idéia eu levei ao Presidente Lula em dezembro de 2002, antes de Sua Excelência assumir. Quando o Presidente me convidou para ser Ministro da Educação, eu disse que queria mesmo era ser Ministro da Educação de Base e poder fazer a revolução de que este Brasil precisa. Veja uma coisa importante: a universidade precisa melhorar, mas a educação de base precisa de uma revolução. É diferente. A diferença das nossas universidades para as dos países ricos é essa, mas a diferença da nossa educação de base para a dos países desenvolvidos é essa. Nisso se consiste a revolução.

Além disso, como o senhor mesmo disse, não tem como haver uma boa universidade em um país que joga fora 82% dos seus cérebros, porque não terminaram o ensino médio com qualidade. E nós não vamos querer que ingresse na universidade quem não concluiu o ensino médio. Estamos jogando fora cérebros. É como se estivéssemos fechando, tapando 82% dos poços de petróleo que encontrássemos, porque não há energia mais forte do que a energia intelectual, até porque o petróleo vai acabar, vai precisar da energia intelectual para inventar um substitutivo do petróleo. Para tirar combustível de pedra vai precisar de muita ciência. Não estamos fazendo isso.

Imaginem se, no futebol, só deixássemos 18% jogarem bola no Brasil?! É o que fazemos com a Ciência e a Tecnologia, não deixamos 100% jogarem.

Então, por isso, tem de haver um Ministério da Educação de Base, para trazer o problema da educação de base para o centro das decisões nacionais e não só ficar na periferia dos limites dos recursos municipais. Por isso, defendo, sim, esse Ministério da Educação de Base como instrumento da emancipação do povo brasileiro por meio da educação de base com a influência e com a decisão do Governo Federal.

Concedo um aparte ao Senador Adelmir Santana.

O Sr. Adelmir Santana (DEM - DF) - Senador Cristovam, pedi esse aparte a V. Exª para dizer que, em dado momento do seu pronunciamento, cheguei a me emocionar, com o seu grito no sentido da mobilização para que as pessoas mais simples comecem a reclamar e a dizer que estão cansadas com a falta de oportunidades. Na verdade, o País tem uma dívida social imensa na área da educação, dívida social que se estende a outros setores. Não é possível que tenhamos essas deficiências que V. Exª enumerou, de pessoas que não capazes sequer de ler uma legenda, dissecar uma notícia, entender uma notícia veiculada pela televisão, de não compreender as coisas mais simples, como um endereço, um local a que se dirige. 

Então é uma dívida que todos nós temos que ter a compreensão de que é imensa e que temos de nos associar a este cansaço a que V. Exª se refere aqui. O senhor estendeu este cansaço a outros setores da administração pública. Eu dizia, na semana passada, que temos aí um preceito constitucional no que diz respeito à saúde, direito de todos, dever do Estado. No entanto, o senhor fez referência aos planos de saúde, àqueles que podem e que têm planos de saúde, outros que ficam na fila às vezes por sessenta dias para uma consulta, como se a doença esperasse. E quando da consulta, Sr. Senador, muitas vezes não se faz este atendimento integral, porque são prescritos às vezes alguns produtos que ele não tem como adquirir. É preciso que se repense isso, com poucos recursos a dar o atendimento inicial a esta população. Eu dizia, na semana passada, que talvez com R$1,9 bilhão ou R$ 2 bilhões dos vários recursos que estão destinados à saúde poderia ser feito um atendimento integral do primeiro momento. Para isso é preciso que os pequenos Municípios sejam dotados de equipamentos essenciais e que não haja essa migração constante de pessoas procurando os grandes centros pelo atendimento médico e, muitas vezes, voltando novamente à fila da consulta, porque não teve esse atendimento integral, pois não recebeu os produtos que foram prescritos pelo médico. É importante, portanto, que este grito se estenda a todas as ações que o Estado tenha obrigação de fazer com essa população. Associo-me a V. Exª nesse grito, com entusiasmo, com emoção. Há poucos dias, estive no interior do Estado do Piauí e verifiquei o quanto essa população é sofrida, o quanto essa população não tem consciência dos seus direitos que são constitucionais e que, muitas vezes, são relegados por falta de alguém que faça o grito, como o que V. Exª desperta, neste instante, em todos nós. Quero, portanto, associar-me ao discurso de V. Exª, não apenas na área da educação, mas também na área da saúde, dos transportes, que são obrigações do Estado brasileiro, que tem uma carga tributária extremamente excessiva daqueles que são formalizados para bancar esses serviços. Portanto, Sr. Senador, todos nós temos de estar irmanados nesses princípios de lutar por essa população que não tem, como os outros, a consciência de que gritando, dizendo que cansou, tem a oportunidade de ser atendido pelo Estado brasileiro.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador Adelmir. Fico feliz de ter tocado no seu coração, mesmo querendo falar para o povo lá fora, não apenas aqui para dentro.

De fato, não é só educação, mas nada virá se o povo não se manifestar. Voltando ao que o Senador Sibá falou, para mostrar como é importante essa mobilização, a idéia do ProUni nasceu em 2003, com o nome de Programa de Apoio ao Estudante. O projeto de lei foi entregue na Casa Civil. Sabem por que não saiu daquela maneira? Porque lá estava escrito que o aluno que recebesse dinheiro do ProUni teria que, durante um semestre de sua carreira, ser alfabetizador de adultos. Mas os analfabetos não se mobilizaram. Claro, nem sabiam! A UNE se mobilizou, os universitários se mobilizaram e, junto ao Governo Federal, conseguiram tirar esse compromisso da alfabetização daqueles que recebem dinheiro para estudar na universidade. E ficaram só com os recursos. Além disso, a proposta era pagar e não fazer todo esse jogo com dinheiro que seria de impostos. Isso ocorreu porque os analfabetos não se cansaram ainda do analfabetismo e os universitários cansaram de serem chamados para serem alfabetizadores. Cansaram, foram para a rua - não a rua, fisicamente, mas a rua do ponto de vista dos corredores do Planalto, dos corredores do Ministério da Educação - e transformaram um projeto que vinculava a universidade à alfabetização em um projeto só para os universitários, porque o Ministério é um só e ficou do lado dos que se mobilizam, não do lado dos outros. Se tivéssemos dois ministérios, eles teriam brigado, e o projeto teria saído como deveria.

Senhoras e senhores, lá de fora, que estão me ouvindo, retomo o meu discurso, do ponto em que parei - e não vou demorar muito, Senador Mão Santa.

Eu falava - e vi que o Senador Wellington até balançou a cabeça quando eu disse isso - que o povo brasileiro não compraria uma televisão em uma loja que se parecesse com a escola, mas deixa suas crianças lá. E o pior, Senador Mão Santa, é que as deixam lá - refiro-me a você, ouvinte, telespectador - satisfeitos com essa escola, porque vocês não tiveram nenhuma, aí, acham que ela está boa.

Em pesquisa feita com os pais de alunos da escola pública, os pais deram nota média oito! Nem as escolas dos ricos merecem nota oito no Brasil, porque lá não se estudam os clássicos, lá não se aprende a ler como se deveria, e os pobres deram nota oito.

Ontem, aqui na Comissão de Educação, o Dr. Jorge Werthein, que foi da Unesco, disse que havia falado, há pouco, com uma senhora pobre, uma trabalhadora doméstica - que talvez esteja me ouvindo -, e ela disse que a escola do filho dela é ótima, só que os professores não estavam indo dar aula há uma semana. Como é que uma escola é boa sem professor, povo que está me ouvindo?

Cansem dessa idéia que o Brasil rico vendeu para vocês de que escola é restaurante mirim! Cansem dessa idéia de que menino vai para a escola apenas para comer. Cansem, por favor! Porque, comendo, eles ficam vivos, mas só comendo eles não têm futuro. O futuro vem da comida do espírito. Para ir para o céu, é a comida que vem do pastor, do padre, do rabino, mas, para ter futuro nesta terra, é a comida que vem para a cabeça, para o cérebro, para a inteligência. Cansem de ver seus filhos sem hospital, de ver seus filhos sem remédio, de ver seus pais morrendo num corredor de hospital. Cansem, por favor, disso! Não deixem que, no Brasil, cansem apenas os que estão como eu, sentados nas confortáveis poltronas dos aeroportos. Cansem também. Isso não é só para o futuro dos seus filhos, é para o futuro do Brasil também, porque, se as crianças deste País não tiverem futuro, não haverá futuro para o Brasil. E, se só as crianças dos ricos tiverem futuro, o Brasil não vai ter futuro, porque o Brasil é feito de muito mais gente do que os filhos dos ricos.

Peço que, por favor, vocês também vão às ruas. Não deixem só os outros irem às ruas. Exijam para os seus filhos uma escola tão boa quanto às dos ricos. Vocês têm direito a isso. Vá ao Prefeito, ao Presidente, ao Governador, porque eles têm a obrigação de dar isso à população. E, se eles não derem - vou dizer aqui, Senador Wellington, algo muito radical -, se o Prefeito não der, se o Governador não der, pegue seu filho e o leve para uma escola de rico paga, e diga que quer deixar o seu filho lá. E vamos ver o que vai acontecer. Exija. Por que há escola para rico e escola para pobre?

Um país pode sobreviver com roupa de rico e roupa de pobre; restaurante de rico e restaurante de pobre; um país pode sobreviver com aeroporto e parada de ônibus; mas um país não pode sobreviver com escola de rico e escola de pobre. Não é um país; é um território onde mora uma porção de gente dividindo. Então briguem, manifestem-se, conversem com seus amigos, parentes, conhecidos, colegas! Não deixem de falar nas necessidades de vocês. Não vou dizer que parem de tomar sua cervejinha, mas não fiquem só nisso para apagar o cansaço, porque este País está virando, nos finais de semana, um país de alcoolismo, Senador! E não é porque as pessoas querem beber, mas porque as pessoas querem esquecer o cansaço e continuar acomodadas. Os ricos, que tomam uísque, estão indo à rua brigar por aeroportos bons, por uma redução da carga fiscal, por uma eficiência maior desse Governo, e os outros estão bebendo sua cerveja, sua cachaça, suas bebidas todas, divertindo-se até, e não se mobilizando. Não estou dizendo que parem de fazer essas coisas que gostam, mas que não façam só isso.

Espero que vocês aprendam a cobrar como os ricos cansados estão aprendendo. Eles, já na primeira passeata, estão conseguindo aeroporto e trem para transportá-los. Falo com vocês que me estão ouvindo aí, sem conseguir ler o que está escrito embaixo - porque, como falei, 16 milhões não lêem o que está escrito embaixo, e, se estiver passando naquela velocidade que passa no cinema, que passa na televisão, até quem aprendeu a ler não consegue, porque quem não lê muito lê devagar.

Para concluir, Sr. Presidente, quero dizer que também estou cansado. Mas estou cansado, sobretudo, desse desencontro entre um Brasil cansado que se mobiliza e um Brasil acomodado, paralisado. E a minha mensagem final é para tentar casar esses dois Brasis. Não vim aqui fazer luta de classes entre os cansados ricos e os acomodados pobres. Vim pedir que eles se juntem. Juntem-se naquilo que salvaria os dois, o Brasil rico e o Brasil pobre, e construiria um único Brasil: uma escola igual para todos.

Vim aqui pedir para que os que cansaram e que estão se mobilizando pela OAB lutem para que a escola do pobre seja igual à escola do rico, e que essa luta, ao trazer vantagem não só para os ricos, ao trazer vantagem também para os pobres, que essa luta ajude a tirar do cansaço um país inteiro que se acostumou a dizer e a se orgulhar de dizer que dorme em berço esplêndido. Por melhor que seja o berço, não vale a pena ficar morto nele. Por melhor que seja o berço e a cama, só vale a pena na hora em que a gente precise recuperar as forças para sair à luta e manifestar-se, lutando para mudar o Brasil. E o caminho da mudança é a escola do rico igual à do pobre.

Aqui fica o meu desafio para superar esse meu cansaço e fazer com que o meu cansaço seja a minha manifestação. Vou, no dia 14, fazer um minuto de silêncio. Sei que é o cansaço da parcela rica, mas vou fazer o meu minuto de silêncio no dia 14 de agosto, conforme essa mobilização. E vou fazê-lo pensando mesmo mais nas paradas de ônibus, que não tenho usado, do que nos aeroportos, onde tenho sofrido. Vou fazê-lo pensando mais em como o dinheiro é mal aplicado neste País do que no tamanho da carga fiscal, que é alta. Vou fazer o meu minuto de silêncio pensando mais na corrupção das prioridades para onde vai o dinheiro do que mesmo na corrupção dos políticos que põem dinheiro no seu bolso. E vou fazer o meu silêncio como fazemos pelos mortos, pensando em um País que dorme em berço esplêndido, que não morreu ainda, mas que, adormecido, não vai chegar no futuro. Vou fazer um minuto de silêncio pensando na possibilidade de unir os dois “Brasis” nas escolas, que são as encruzilhadas das classes quando a escola é igual para todos e é, ao mesmo tempo, o aeroporto do futuro para o Brasil.

Era isso o que eu tinha a dizer, Senador Mão Santa, agradecendo a sua paciência e a dos que me fizeram apartes e me ouviram, mesmo sabendo que o que estou falando, hoje, não é para aqui dentro, é lá para fora, querendo despertar o Brasil.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/08/2007 - Página 27263