Discurso durante a 123ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários a artigo do jornalista Mauro Santayana que chama atenção para a crise de valores do mundo contemporâneo.

Autor
João Durval (PDT - Partido Democrático Trabalhista/BA)
Nome completo: João Durval Carneiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO. SENADO.:
  • Comentários a artigo do jornalista Mauro Santayana que chama atenção para a crise de valores do mundo contemporâneo.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 11/08/2007 - Página 27271
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO. SENADO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ANALISE, PERDA, VALOR, ETICA, MORAL, PROCESSO, TRANSFORMAÇÃO, SOCIEDADE, GLOBALIZAÇÃO, CRISE, POLITICA, DETALHAMENTO, HISTORIA, BRASIL, MODERNIZAÇÃO, ECONOMIA, INDUSTRIALIZAÇÃO, AMPLIAÇÃO, POPULAÇÃO URBANA, REGISTRO, DADOS, DIFICULDADE, ATENDIMENTO, DEMANDA, AVALIAÇÃO, EVOLUÇÃO, DEMOCRACIA, LEGITIMIDADE, REPRESENTAÇÃO POLITICA, CONCLAMAÇÃO, BUSCA, DEFESA, INTERESSE PUBLICO.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, DEFINIÇÃO, CRITERIOS, MERITO, ESCOLHA, TITULAR, SUPLENTE, CONSELHO, ETICA, DECORO PARLAMENTAR, SENADO, TRANSFERENCIA, PLENARIO, DECISÃO, AFASTAMENTO, SENADOR, MEMBROS, MESA DIRETORA.

O SR. JOÃO DURVAL (PDT - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em belo artigo publicado recentemente no Jornal do Brasil, Mauro Santayana, sem favor algum uma das mais lúcidas, cultas e inteligentes figuras do jornalismo brasileiro, chamou a atenção de seus leitores para a grave crise de valores que assola o mundo contemporâneo. Essa crise, por sua amplitude e verticalidade, atinge em cheio as instituições políticas. É impossível não concordar com o grande articulista, sobretudo quando nosso País atravessa, como bem o sabemos, momentos difíceis.

Em verdade, as transformações operadas na sociedade contemporânea não apenas são demasiado profundas. O que mais assusta nelas é a celeridade com que ocorrem. A rapidez é tamanha, que, ante a impossibilidade de imediata substituição dos antigos parâmetros por outros que pudessem refletir as novas circunstâncias que passaram a nortear a vida social, estabelece-se o pior dos mundos, qual seja o do vazio em termos de princípios éticos e morais.

A relativização de tudo, acompanhada de atroz individualismo, talvez seja a face mais perversa e perigosa da sociedade atual. A perda de antigas e tradicionais referências, sem a correspondente substituição por novos paradigmas, leva ao impasse em que hoje vivemos. Verdades destruídas e valores soterrados pela avalanche de inovações promovem o vácuo, dificultam ou até mesmo impedem o estabelecimento de direções a serem seguidas e retiram dos seres humanos a própria dimensão de sua historicidade.

Na política, que é a área em que atuamos diretamente, na qual nos envolvemos cotidianamente, os efeitos dessa crise generalizada são percebidos de forma imediata. Esse fenômeno, aliás, é universal e, em certa medida, nivela países pobres e ricos, sociedades institucionalmente mais ou menos avançadas. Em outras palavras, a crise política também se globalizou, acompanhando o processo de mundialização da economia.

O caso do Brasil, Sr. Presidente, interessa-nos mais de perto. Além da razão óbvia de sermos brasileiros e de atuarmos politicamente no País, há outro aspecto que evidencia uma extraordinária singularidade. É provável que não haja outro exemplo mais marcante, no mundo contemporâneo, de uma nação que, como o Brasil, tenha-se transformado tão rápida e vigorosamente em apenas seis ou sete décadas. Aquele Brasil arcaico e rural, que existiu ao longo dos três séculos de colonização e que pouco se alterou depois da Independência, há muito, deixou de existir. A partir da Revolução de 1930 e, muito especialmente, após o fim da Segunda Guerra Mundial, que coincidiu com a derrocada do Estado Novo de Vargas, nosso País conheceu acentuado processo de modernização econômica, na esteira do qual emergiu uma sociedade majoritariamente urbana.

Para que se tenha idéia da magnitude dessa experiência de urbanização da sociedade brasileira, lembremo-nos de dois fatos interligados: se, em 1950, o censo do IBGE assinalava a existência de cerca de 70% da população vivendo nas zonas rurais, em 2000, o quadro mais que se inverteu, com o espantoso índice de 82% de população urbana. Essa fantástica mudança fisionômica da sociedade brasileira fez-se acompanhar, como seria inevitável, por sensíveis alterações nas instituições e, sobretudo, na maneira pela qual se faz política. São milhões e milhões de brasileiros que ganham visibilidade. São milhões e milhões de brasileiros que passam a apresentar suas demandas em termos de emprego, de moradia, de educação, de saúde, de lazer, de transporte, enfim, de acesso a tudo aquilo que, de alguma forma, corresponde ao que denominamos de cidadania.

Penso residir nesse ponto o nó górdio da questão, a verdadeira matriz nuclear de nossos atuais problemas. Avançamos, sim, em vários aspectos, mas o fizemos em ritmo inferior ao necessário. Colecionamos conquistas, sim, mas de forma morosa, nem sempre no compasso das exigências sociais. Reconheço que vencer mazelas estruturais que nos acompanham há séculos é tarefa dura, difícil e complexa. Todavia, nada justifica que, em pleno século XXI, ainda haja déficits tão acentuados, particularmente em termos sociais.

Como bem lembrou Santayana, hoje, nossa democracia é melhor e mais abrangente do que a do passado. Vencemos a barreira da “falsa legitimidade” dos representantes eleitos pelos currais eleitorais, por voto de cabresto e por decisão monocrática das elites locais, regionais e nacionais. No entanto, acompanhando a tendência que se verifica pelo mundo afora, ainda não fomos capazes de colocar nossas instituições plenamente a serviço da coletividade, de fazer da representação política o instrumento efetivo da presença popular - não apenas de segmentos organizados da sociedade - na condução do Estado.

Justamente por isso, correto está Mauro Santayana, quando afirma, em relação ao Brasil, que, em especial devido ao regime militar, “o eleitor não é representado no Parlamento, mas nele estão presentes os delegados de imensos interesses corporativos”. O raciocínio pode e deve ser estendido aos demais Poderes do Estado. Eis a razão pela qual devemos abraçar a grandiosa causa verdadeiramente ética que se coloca diante de todos nós: transformar a política em sua essência, incluindo métodos e procedimentos.

E é neste sentido, Sr. Presidente, de dar efetividade e praticidade aos valores teóricos dispostos neste pronunciamento, que apresentei o Projeto de Resolução nº 40, de 2007, com a finalidade de estabelecer critérios meritórios para a ocupação de vagas de titularidade ou de suplência no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar desta Casa e de, principalmente, transferir para o Plenário do Senado decisões relevantes que dizem respeito ao afastamento de Senadores integrantes da Mesa Diretora dos cargos que ocupam, o que proporcionará a retomada por parte desta Casa Legislativa de conceitos primordiais para seu bom funcionamento, os quais têm sido duramente atingidos nos últimos tempos.

O discurso fácil sobre ética na política, muito mais propício a atender interesses inconfessados e necessidades imediatas de palanques eleitorais, está longe de suprir nossas carências e, não raro, produz equívocos monumentais. O que a Nação espera de nós, ainda que silenciosamente, é a vigorosa ação no sentido de impedir que o conceito de ética seja banalizado. A ética política de que necessitamos é o caminho que nos conduz à reorganização do Estado, orientando-o para servir ao conjunto da sociedade, para a defesa dos mais legítimos interesses nacionais e para o fortalecimento integral e pleno da autêntica cidadania. Ao fazê-lo, estaremos cumprindo o mandamento filosófico que nos ensinou a grande pensadora Hannah Arendt, segundo o qual a política só se justifica quando se traduz em ato de amor à humanidade. Esse é meu compromisso.

           O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador João Durval, apenas quero adverti-lo de que o Senador Cristovam Buarque gostaria de participar. V. Exª está muito concentrado.

           O SR. JOÃO DURVAL (PDT - BA) - Peço-lhe só um minutinho.

           Esse é o ideal que conduz minha ação de homem público.

           Muito obrigado.

           Tem o aparte o Senador Cristovam Buarque.

           O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador João Durval, que é meu correligionário no PDT, fiz questão de pedir a palavra no final, até para não atrapalhar toda a lógica de seu discurso, extremamente oportuno. A preocupação de V. Exª é absolutamente correta: não podemos julgar ética de maneira política e, às vezes, corremos esse risco, dependendo de como seja organizado o Conselho de Ética. Alguns até começam a dizer que o Conselho de Ética deveria ser realizado fora do próprio Senado, não por nós, Senadores. Aproveito também, Sr. Presidente, para dizer que, em meu discurso, informei que o minuto de silêncio daquela campanha seria no dia 14. Na verdade, a campanha nacional é realizada no dia 17. Eu é que vou propor que nós, do Senado, façamos um minuto de silêncio, não só por aquelas causas, mas também pelas outras, no dia 14, que é uma terça-feira, já que o dia 17 será uma sexta-feira, e ficaria difícil fazer um minuto de silêncio às 13 horas, junto com o resto do povo brasileiro. Talvez, durante o discurso, eu não tenha explicado isso bem, mas o problema não foi apenas o erro na escolha da data, foi um erro na apresentação. No dia 17, vou fazer um minuto de silêncio com todo mundo, mas, no dia 14, vou fazer minuto de silêncio aqui, mas por um cansaço muito maior, muito mais amplo.

O SR. JOÃO DURVAL (PDT - BA) - Agradeço-lhe o aparte e incorporo suas palavras ao meu discurso.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/08/2007 - Página 27271