Discurso durante a 121ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem à memória do Senador Antonio Carlos Magalhães.

Autor
César Borges (DEM - Democratas/BA)
Nome completo: César Augusto Rabello Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória do Senador Antonio Carlos Magalhães.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/2007 - Página 26908
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, SENADOR, EX-DEPUTADO, EX GOVERNADOR, ESTADO DA BAHIA (BA), ELOGIO, VIDA PUBLICA, DETALHAMENTO, CONTRIBUIÇÃO, POLITICA NACIONAL, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, COMENTARIO, POPULARIDADE.

O SR. CÉSAR BORGES (DEM - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente do Senado Federal, Senador Renan Calheiros, Srs. Senadores da República, Sr. Presidente do Tribunal Regional do Trabalho, Sr. Vice-Governador do Distrito Federal, neste ato representando o Governador, Deputado Osmar Serraglio, aqui representando o Presidente da Câmara dos Deputados, Srs. Deputados aqui presentes, Deputados Estaduais, Prefeitos, Vereadores, admiradores, amigos, muitos amigos do Senador Antonio Carlos Magalhães, minhas senhoras e meus senhores, quero expressar inicialmente minha solidariedade e amizade à D. Arlete Magalhães, mulher que soube temperar, com sua ternura e sua tranqüilidade, aquele espírito indomável que caracterizou nosso querido Senador Antonio Carlos Magalhães. Solidariedade que se estende à sua família, na figura da sua querida filha, Tereza Helena, seus filhos e seu esposo; a Michelle e seus filhos; a Luís Eduardo Magalhães, meu saudoso amigo, com quem iniciei minha vida política e de quem imaginava continuar parceiro, até que o duro golpe do destino nos privou de sua inteligência e da sua amizade.

Desejo renovar minha solidariedade com esse nosso novo colega, um de seus filhos, o ilustre e querido Antonio Carlos Magalhães Júnior, que o sucede como seu suplente, dando continuidade à vocação política na família, que também já é exercida pelo talentoso Deputado ACM Neto.

Como seu admirador na política e na administração pública, na qualidade privilegiada de seu amigo particular, seu conterrâneo e correligionário, estou aqui para homenagear e prestar meu depoimento sobre o Senador Antonio Carlos Magalhães, que há pouco nos deixou.

Quero, também, e ainda que sem procuração da família para fazê-lo, mas em nome da amizade fraterna que me mantinha unido ao saudoso Senador, louvar a grandiosidade do gesto dos Colegas desta Casa, que, enfrentando as dificuldades de locomoção impostas pela crise aérea, tentaram, alguns com sucesso, outros não, ir até Salvador levar pessoalmente seu derradeiro adeus ao bravo Senador, seu abraço solidário e sua palavra de conforto a seus familiares.

Para mim, foi um momento muito especial testemunhar o encontro emocionado de amigos e aliados do Senador, mas, sobretudo, dos seus contrários, que estiveram junto com seus familiares, sentindo, como se fossem suas, as dores deles, derramando, contidos, o mesmo pranto por eles derramado, num gesto que faço questão de registrar, por sua grandeza moral e pela transcendência de seu significado humanitário.

Em seu depoimento aos jornalistas que escreveram o livro Política é Paixão, o Senador Antonio Carlos Magalhães, num momento de vaidade, mas nem por isso exagerando, disse que somente duas siglas derivadas de nomes próprios se fixaram e se imortalizaram na História da Bahia e do Brasil: JK e ACM. Eu concordo, mas acho que ele não se fez justiça; não fez justiça a si próprio, contentando-se com que as três letras de seu já lendário nome formassem apenas uma sigla, quando, na realidade, elas formavam, como continuam a formar, uma verdadeira legenda.

Não sei nele, pela multiplicidade peculiar com que se entrelaçaram, qual de suas faces se deva mais destacar: se a do Antonio Carlos Magalhães político; se a do Antonio Carlos Magalhães administrador; se a do Antonio Carlos Magalhães como figura humana, todos, porém, convencidos de que, qualquer que seja o ângulo sob o qual o examinem, ele será sempre reconhecido como uma legenda nacional de que o Brasil e, em especial a Bahia, muito dependeram em momentos decisivos.

Ninguém que dele tivesse apenas ouvido falar, bem ou mal, jamais pôde falar dele com indiferença. Amando-o, contestando-o, admirando-o, aplaudindo-o.

Recuo no tempo, para recordá-lo como líder estudantil em processo de ebulição, derramando no meio universitário, mais precisamente no diretório da Faculdade de Medicina da Bahia, de que foi aluno, as primeiras atuações que mais tarde incandesceriam o universo político da Nação.

Saudoso, sigo a recordá-lo como um dos maiores símbolos da alma do povo baiano, a que se costuma chamar carinhosamente de baianidade.

Nenhum outro homem público no Brasil encarnou com tanta fidelidade a alma simples do povo quanto Antonio Carlos Magalhães.

A grande paixão correspondida, que durante seu meio século de vida pública provocou no seio do povo baiano, vinha de seu modo carismático de se dar, tanto às manifestações populares, quanto às coisas sagradas da Bahia, jamais as discriminando, ao contrário, com elas se identificando.

Ele foi um estimulador, diria melhor, um agente catalisador, por excelência, do sincretismo, sobretudo do sincretismo nos planos religioso, político e cultural, por considerá-lo um dos componentes essenciais da nossa baianidade.

Em seu amor de devoto pela Bahia e pela sua gente humilde, Antonio Carlos Magalhães não conheceu a virtude da temperança. Amou-os sem moderação em cada dia de sua vida, como diz a canção popular: como se fosse a última vez.

Nas concentrações populares, como na festa do Senhor do Bonfim ou no desfile cívico de 2 de julho - data da Independência da Bahia -, era comovente vê-lo cercado por multidões sem fim, movendo-se com dificuldade entre correligionários, estudantes, amigos, entre as baianas em seus trajes a rigor, que o assediavam para benzê-lo com a água de cheiro de seus cântaros, e outros que queriam abraçá-lo, beijá-lo ou simplesmente tocá-lo.

O povo tinha muito o que celebrar, em sinal de gratidão pelo que ele fez por sua terra, mas, muitas vezes, ao conduzi-lo em seus braços, não havia motivo imediato aparente para celebração: celebrava-se simplesmente, entre vivas e fogos de artifício, a chegada de Antonio Carlos Magalhães, nos últimos anos carinhosamente chamado de “cabeça branca”, hoje transformado numa grande saudade para o povo da Bahia.

Era comovente ver e ouvir, à sua passagem a pé, idosos, jovens e crianças no espetáculo de mãos se agitando, coro de vozes, festa de faixas e bandeirolas nas sacadas do prédio do Centro Histórico de Salvador, por ele recuperado, e assim também em todos os rincões baianos.

Era comovente ver como, em festa cívica de feriado municipal do interior, ele era recebido pelas comunidades em todo o Estado quando lá estava, como Governador, ou não, inaugurando obras ou em campanha política ou em uma simples visita. Nunca vi receptividade igual.

No meu modo particular, sempre o vi mais do que o político que honrou, engrandeceu e enriqueceu o Congresso Nacional, quer como Deputado, quer como Senador; mais do que dono de uma coragem pessoal que o levou a assumir atitudes que não raras vezes colocaram em jogo sua própria liberdade de locomoção, como em 1985, Sr. Presidente, quando, em pleno regime militar, rebelou-se contra a candidatura oficial à Presidência da República para apoiar a candidatura oposicionista de Tancredo Neves, consolidando-a, dando, de certa forma, início à redemocratização do País; mais do que o administrador que revolucionou o conceito e as práticas da administração pública, para permitir à Bahia a mais radical das transformações de toda a sua história, em todos os campos, dotando-a de obras estruturantes que a projetaram no cenário nacional; mais do que tudo isso, Antonio Carlos deve ser lembrado sempre com uma das figuras humanas mais singulares que o Brasil conheceu.

Sigo a evocá-lo, agora como político, para lembrar que o Senador Antonio Carlos Magalhães vai continuar presente entre nós pelo legado de coragem pessoal que nos deixou; pela forma intransigente com que defendeu os legítimos interesses do Brasil e, de modo particular, os mais legítimos interesses da nossa querida Bahia. Vai continuar em memória entre nós, principalmente pelo exemplo de homem público trabalhador, sério e competente que ele encarnou.

A responsabilidade dos que o sobrevivem, nesta Casa, aumenta muito sem ele; sem a sua presença física que insinuava respeito; sem a sua sabedoria e a sua experiência postas à disposição e a serviço do Congresso Nacional; sem os seus conselhos paternais aos mais novos; sem os seus embates sempre proveitosos com os mais velhos; sem os seus constantes libelos precisos, concisos, diretos e contundentes contra os desvios éticos e morais, Brasil afora.

Que fazer agora sem ele?

Eu me recordo dele, ao perder o filho Luís Eduardo, meu querido amigo, naquele triste e fatídico 21 de abril de 1998, extremamente abalado, como não poderia deixar de ser, quando todos, inclusive os mais íntimos, davam-no como homem vencido e liquidado para a vida pública, Antonio Carlos ressurgiu da dor, redivivo, dizendo que a única forma de compensar o vazio deixado nele pela morte do filho querido era trabalhar pelos dois.

E foi assim que o vimos nesta Casa, até o fim de seus dias. E foi assim que eu o vi na Bahia, nos últimos meses, combalido em sua saúde, mas nem por isso menos valente e destemido na defesa de sua terra e dos mais humildes; fugindo das recomendações dos médicos, que lhe impunham uma vida de mais resguardo; fugindo dos conselhos dos familiares e dos amigos, preocupados com o processo de debilitação do seu organismo.

Nunca deixou de trabalhar. Recusou-se a se licenciar por entender que o seu lugar era aqui, de onde só se afastava para viajar nos fins de semana, não para descansar, mas para trabalhar em seu escritório de Salvador. Um gigante no trabalho o Senador ACM.

Pois é trabalhando por todos nós e por ele é que haveremos também de preencher o vazio com que o seu desaparecimento físico nos enluta, entristece e, em parte, enfraquece esta Casa.

Sua falta para os baianos é imensa; a saudade, maior ainda, mas não há outra forma de homenageá-lo e preencher o vazio de sua ausência senão procurar imitá-lo na vida que Antonio Carlos Magalhães levou nos últimos cinqüenta anos. Foram cinqüenta anos inesquecíveis para os baianos, Sr. Presidente. Meio século de uma vida dedicada à Bahia, 50 anos de uma paixão a que não se pode contrapor outra igual e cuja conseqüência lógica e inevitável seria como foi: a incorporação da legenda ACM à história mais moderna da Bahia como seu principal construtor.

Minhas senhoras e meus senhores, como nordestino, como ex-Governador de um Estado tantas vezes discriminado, gostaria de dizer que o grande mérito de Antonio Carlos foi também mostrar ao Brasil, juntamente com outras grandes lideranças regionais, muitas delas aqui presentes, que o Nordeste é viável e que dispõe de condições para promover meios que gerem emprego, renda e divisa para os Estados nordestinos sem necessidade dos programas assistencialistas.

Foram ele e os executivos que o sucederam no Governo do Estado - pois, entre outros méritos do Senador Antonio Carlos, está o de descobrir e lapidar executivos para o serviço público, promovendo-se por mérito - que mostraram, a partir da Bahia, que o Nordeste, com oportunidades iguais a que se dão a regiões mais prósperas do País, também pode andar com seus próprios pés, também pode ter seus tratores no lugar do arado ou da enxada, também pode ter seus complexos industriais, a exemplo do Pólo Petroquímico de Camaçari, uma das maiores realizações do Senador Antonio Carlos quando Governador da Bahia.

À nova Bahia juntam-se empresas químicas, petroquímicas e de tantos outros ramos da atividade, a exemplo da metalurgia do cobre, da celulose, têxtil, bebidas, serviços e, agora mais recentemente, a indústria automotiva capitaneada pelo complexo da Ford, cuja fábrica, que tive o prazer e a honra de inaugurar como Governador, em 2001, foi uma conquista com a participação fundamental do Senador Antonio Carlos como Presidente desta Casa. Hoje, os automóveis já respondem por maior parcela das exportações da Região Nordeste.

Foi Antonio Carlos Magalhães quem mostrou ao País, a partir do projeto de recuperação do Pelourinho, tombado pela Unesco como Patrimônio da Humanidade, e de outros prédios e sítios históricos da capital da Bahia e do interior do Estado, que é possível modernizar uma cidade, como ele modernizou Salvador, quando a administrou como seu Prefeito, na década de 70, recebendo, inclusive, o título de Prefeito do Século, mas preservando sempre o passado rico na Bahia.

            Gostaria de encerrar, lembrando, neste momento, uma frase de Carlos Lacerda: “Só porque vejo antes, dizem que enxergo demais”. Essa era uma das frases preferidas do nosso querido ACM, que, aqui mesmo, nesta tribuna, tantas vezes a repetiu em discursos. Agora, sou eu que repito a frase, como a grande síntese da vida de Antonio Carlos Magalhães: “Só porque vejo antes, dizem que enxergo demais”.

Antonio Carlos Magalhães foi mesmo este homem à frente do seu tempo, aquele que viu antes, que apontou caminhos e que, muitas vezes, foi combatido como alguém que enxergou demais. Enxergou demais e foi combatido, mas nunca abandonou suas idéias, nunca parou de lutar, lutou por toda sua vida, até o final, como aqueles homens imprescindíveis e insubstituíveis.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/2007 - Página 26908