Discurso durante a 121ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem à memória do Senador Antônio Carlos Magalhães.

Autor
Demóstenes Torres (DEM - Democratas/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória do Senador Antônio Carlos Magalhães.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/2007 - Página 26985
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, SENADOR, EX-DEPUTADO, EX GOVERNADOR, ESTADO DA BAHIA (BA), ELOGIO, VIDA PUBLICA, LIDERANÇA, POLITICA NACIONAL, COMPETENCIA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (DEM - GO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: “Um homem não pode fazer-se sem sofrer, pois ao mesmo tempo é mármore e escultor".

Antonio Carlos Magalhães

Por mais que tenha me encontrado com obras marcantes e autores definitivos, ontem eu era um homem à procura de uma epígrafe. Não da máxima de almanaque ou da frase consagrada dos pensadores que andam na boca dos tribunos bissextos. Eu precisava de um enunciado que guardasse a essência do mais notável brasileiro que convivi. A encontrei nas próprias palavras do jornalista, do escritor, do político, do amante do Brasil e do baiano acima de tudo, cuja trajetória, seja por amor, por temor ou por ódio está muito bem assentada na história deste País tantas vezes sem memória.

O Senador Antonio Carlos Magalhães foi o médico da alma da Bahia e o girassol da terra onde o Brasil começou. Convivi com o Senador por quatro anos e posso admitir que estou mais pobre de amigo. Basta olhar a atmosfera política brasileira para perceber a falta que faz a opinião e a voz daquele exemplo de político que não conhecia a tibieza, mas que sabia ser justo ao negociar e fiel ao tratado. O Senador Antonio Carlos era dono da franqueza em um meio pleno de dissimulação. Talvez por isso tenha colecionado tantos desafetos, mesmo porque mantinha distância medida dos sabujos. Quando administrou, escolheu os melhores talentos, os mais competentes, os de indiscutível probidade, isso quando a regra na administração pública era, e ainda é, o apadrinhamento corruptor, o nepotismo e a modorra. “O governante que vigiar a família tem 80 por cento de chance de evitar a corrupção", era uma das lições do Carlismo. Líder, conservou até o último momento uma relação de intimidade com o povo da sua terra alicerçada em amor incondicional. O Senador exercia a política com paixão até quando conspirava, atividade que fazia com engenho e picardia.

Era temido, é verdade, todavia não se deixava escravizar pelo ódio. Preferia fazer dos inimigos escravos, como bem disse em uma das antológicas frases que resumiram cada momento importante da sua trajetória nos últimos 50 anos da República brasileira. Implacável, o Senador Antonio Carlos granjeava respeito especialmente pela capacidade de perseverar na conquista dos seus objetivos. Foram raras as quedas e, mesmo da mais dolorida, a morte do seu filho Luís Eduardo Magalhães, se levantou e encontrou forças no amor que tinha pelo Brasil. Desprezava os corruptos e não tinha o menor constrangimento de expô-los à execração pública. Nutria especial antipatia dos aproveitadores. Aos seus comandados nunca permitiu a continuidade do poder para que não se contaminassem com os vícios da vaidade e da malversação. "A auréola do poder é o menos significativo. O exercício dele é o que vale e ensina", acentuou o Senador.

Aliás, ao contrário da sabedoria política convencional brasileira, que patrocina a informalidade e estimula a traição, o Senador Antonio Carlos Magalhães foi um homem público que sabia muito bem dizer não. Por várias vezes contrariou os interesses dos próprios aliados políticos ao vedar-lhes o que considerava um acinte ao interesse público. Mesmo em momentos políticos delicados, temerários, de risco institucional, disse não a presidentes da República por entender que só o povo da Bahia era o seu patrão. Vai ocorrer, certamente, que algum historiador venha limitar a trajetória de ACM como um hóspede do poder, onde quer que ele se encontrasse. É parcialmente verdade. O Senador Antonio Carlos perseguiu o poder e para realizar o empreendimento não economizou força contra os adversários. Como se definiu, as brigas faziam dele um político singular. Atacou, reagiu, gritou, partiu para o desforço em algumas ocasiões, lutou o bom combate, aplicou golpes baixos, comandou tropas de choques, mas nunca, nunca, se posicionou em cima do muro. O Senador era um homem de opinião, de decisão, de tomar partido, da vergonha na cara e do olho no olho. A sinceridade foi certamente uma das virtudes mais admiráveis do homem público que conheci. Uma das lições que aprendi com o breve, mas profícuo convívio com o Senador Antonio Carlos Magalhães, foi trazer em alto grau de desconfiança os omissos.

Senhoras e Senhores Senadores, o Senador Antonio Carlos Magalhães teve uma trajetória política completa. Lhe faltou a Presidência da República, posição que perseguiu sem frustração, mesmo porque o Senador era extremamente grato à história. Começou no Parlamento como redator dos debates na Assembléia Legislativa da Bahia, logo se elegeu deputado estadual, daí foram três mandatos seguidos na Câmara dos Deputados. Escolhido pelo Marechal Castelo Branco para a prefeitura de Salvador fez uma administração revolucionária. Foi um dos primeiros homens públicos brasileiros a fazer o tão falado hoje “choque de gestão”, com estruturação do espaço urbano, definição do sistema viário, erradicação de favelas, preservação do patrimônio histórico e recuperação ambiental. Nomeado governador da Bahia, aprimorou a técnica de gerenciamento, buscou os melhores quadros e preparou seu Estado para a consolidação de um parque industrial ao mesmo tempo em que abria as fronteiras do sertão para o desenvolvimento. Em seguida comandou a Eletrobrás, onde teve uma participação decisiva em dois empreendimentos do setor energético que hoje mantém o Brasil de pé: as usinas de Itaipu e Tucuruí. Embora tenha exercido o mandato de governador nomeado pela segunda vez durante o período militar, o Senador Antonio Carlos Magalhães ostentava uma popularidade enorme sustentada em um modelo de organização administrativa inovador, moderno, enxuto e eficiente, isso quando não se falava ainda de responsabilidade fiscal. Um dos nomes que garantiram a transição democrática, o Senador Antonio Carlos Magalhães prestou um grande serviço ao Brasil como Ministro das Comunicações para em seguida voltar ao Governo da Bahia pelo voto do seu dedicado e grato povo.

A passagem do Senador Antonio Carlos Magalhães por essa Casa foi uma das mais profícuas, especialmente porque poucos como o nosso ex-Presidente do Senado tiveram a coragem de não disponibilizar as prerrogativas do Congresso Nacional. Não se submeteu à tutela do Poder Executivo ou à interferência do Poder Judiciário. Aliás, em função do seu empenho político extraordinário, o Brasil pôde fazer a CPI do Judiciário, além da aprovação de medidas que hoje fazem muito bem ao Brasil, como a Lei de Responsabilidade Fiscal e do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, que acabou letra morta na Constituição.

O Senador Antonio Carlos Magalhães que eu convivi nessa Casa, pautava o debate político do Brasil na Tribuna do Senado enquanto empenhava todo o seu prestígio político para dar o andamento do processo legislativo que interessava ao Brasil quando presidiu a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Talvez a sua última contribuição tenha sido o pacote de Segurança Pública que conseguimos aprovar nesta Casa e que infelizmente o Senador Antonio Carlos Magalhães não viu virar lei. Além da reforma da Segurança Pública, sou testemunha da maneira obstinada que o Senador Antonio Carlos Magalhães defendia essa Casa contra o abuso das medidas provisórias. O quanto se dedicou à pregação da necessidade de manter uma política de Defesa à altura do Brasil e preparar as Forças Armadas no combate ao crime organizado. Defensor intransigente da liberdade de imprensa, foi uma barreira consistente sempre que o atual governo teve espasmos autoritários. Investigativo e inquiridor pertinaz, desempenhou um papel exemplar nas CPIs instaladas desde o escândalo dos Correios que culminou com o mensalão. Infelizmente, o Senador se foi e o seu Paulo Okamoto não lhe prestou as devidas contas. Esse homem de tantas qualidades errou? Certamente que sim e dentro da sua grandeza admitiu que se não tivesse cometido erros, hoje, não teria caráter. Observo os seus acertos, cuja memória é cara à história do Brasil.

Antonio Carlos Magalhães está fazendo muita falta aos seus familiares, amigos e correligionários, porém faz mais falta ainda à política e à administração pública brasileiras. Mesmo seus adversários reconhecem que ACM era uma sigla que sempre significou devoção absoluta à Bahia e a seu povo, vocação para servir aos baianos. É a esse povo que ACM mais faz falta.

Antonio Carlos Magalhães está fazendo muita falta ao Poder Legislativo e mais falta ainda ao poder de convencimento, de argumentar e expor idéias. Ele gostava do debate, de combater o bom combate, enfrentava adversidade sem se acovardar. Não agia pelas costas. Ainda que tivesse de brigar, era olho no olho. Essa franqueza seduziu multidões e produziu inimizades, porque Antonio Carlos tinha incrível propensão para despertar paixões, inclusive divergentes. Também por isso, por essa transparência, por esse jogo aberto, a Bahia deu a seu grupo seguidas vitórias nas urnas. Em 50 anos, Antonio Carlos perdeu duas eleições, uma para o Plano Cruzado e outra para a Bolsa Família, ainda assim indiretamente, com candidatos de seu grupo.

Antonio Carlos Magalhães está fazendo muita falta ao Senado e mais ainda a quem, como eu, tinha o prazer de aproveitar o aprendizado que ele adquiriu ao longo de meio século e, generoso, espalhava aos interessados. Seus biógrafos haverão de pesquisar acerca desse aspecto de Antonio Carlos, a generosidade com aqueles que precisavam de alguma coisa dele, de qualquer coisa, uma palavra, um incentivo, uma lição, um atendimento na área social. Antonio Carlos começou sua carreira profissional como professor e sou testemunha de que a encerrou no mesmo ofício, dando aulas de política, inclusive aqui na Tribuna do Senado.

Farão muita falta sua energia, sua força, seu pulso firme, porque Antonio Carlos só foi derrubado pela morte, doença não o impedia de trabalhar. Num país em que a preguiça sobe de cargo com o aparelhamento das funções públicas, fará muita falta um senhor de quase 80 anos que exercia suas atividades mesmo convalescente, mesmo doente, mesmo desobedecendo a ordens médicas para que sossegasse em casa. Os jovens que vão governar o Brasil do futuro têm de saber que no passado houve homem público com esse vigor, essa tenacidade, esse grau de dedicação.

Antonio Carlos Magalhães está fazendo muita falta àqueles que gostam de sinceridade, pois não escondia suas emoções. Ele sofreu junto com o Brasil a dor maior que um país inteiro, a dor suprema, a dor de perder um filho. Antonio Carlos perdeu dois, Ana Lúcia e Luís Eduardo. A dor pela perda dos filhos nunca se esvaiu, nunca diminuiu, nunca se ausentou, e só se tornou suportável por ser dividida com 14 milhões de baianos.

Antonio Carlos Magalhães está fazendo muita falta ao desenvolvimento da Bahia e mais ainda a quem depende do progresso. Ele aproveitou as riquezas naturais para fazer do Estado um pólo de turismo, aproveitou o potencial para torná-lo industrializado e valorizou como ninguém o patrimônio histórico. Mas não foram suas muitas obras que o tornaram patrimônio e atração turística da Bahia: foram os resultados de suas administrações, foi o produto de seus mandatos, seja como deputado, senador, prefeito, governador, ministro, presidente de estatal. Antonio Carlos revelou os maiores quadros técnicos baianos, inclusive alguns dos que hoje se opõem ao carlismo, daí talvez a amplitude de seu poder de descobrir gente capacitada: ele revelou seus aliados e também seus opositores. Com um talento especial para formar equipes, manteve a Bahia crescendo mais que o Brasil, sem sazonalidades, com equilíbrio. Essa característica de Antonio Carlos está fazendo falta e vai ser difícil encontrá-la em gestores não apenas na Bahia.

Mas, para mim, não são esses lados de Antonio Carlos que mais estão fazendo falta. A mim, faz mais falta o amigo gentil, sempre prestativo, que me recebeu na política, no partido e no Congresso Nacional dotado de uma paciência com a qual raramente os veteranos de qualquer ramo brindam os novatos. Infelizmente, conheci Antonio Carlos Magalhães um pouco tarde, eu já chegado aos 40, ele já passado dos 70, por isso parabenizo os baianos que o acompanharam líder estudantil, dirigente de Diretório Central de Estudantes, professor, médico, jornalista. Parabéns a quem teve desde cedo, desde sempre, o privilégio de conviver com Antonio Carlos Magalhães, que pode ser criticado por muitos motivos, mas nunca por não se entregar integralmente aos seus: sua terra, seus amigos, seus eleitores, seus conterrâneos. Sua gente não o deixou hora nenhuma arredar pé de suas convicções. Foi assim que abriu mão da imortalidade na Academia de Letras da Bahia apenas para não ser consorte de um desafeto que semeava azar. A imortalidade que preferiu é a que está cravada pelos 565 mil quilômetros quadrados da Bahia, em forma de obras, de Educação, de Cultura, de desenvolvimento, de esperança.

Antonio Carlos Magalhães nasceu na Ladeira da Independência e foi justamente por ser independente que por 50 anos se manteve no topo da ladeira íngreme da política, que galgou junto com sua gente. Fica o lamento por sua perda e ao mesmo tempo a alegria de, ainda que tarde, tê-lo conhecido, ter sido premiado com a honra de ser seu amigo e ter com ele aprendido tanto.

Adeus, meu amigo Antonio Carlos Magalhães.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/2007 - Página 26985