Discurso durante a 125ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração aos 180 anos da criação dos Cursos Jurídicos no Brasil.

Autor
Valter Pereira (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Valter Pereira de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO. ENSINO SUPERIOR.:
  • Comemoração aos 180 anos da criação dos Cursos Jurídicos no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 15/08/2007 - Página 27414
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO. ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, ADVOGADO, HISTORIA, BRASIL, LEITURA, TRECHO, CARTA, DESTINATARIO, BRASILEIROS, PERIODO, DITADURA, REGIME MILITAR, AUTORIA, JURISTA, DATA, ANIVERSARIO, CRIAÇÃO, CURSO JURIDICO, DENUNCIA, ILEGALIDADE, DESRESPEITO, ESTADO DE DIREITO.
  • DETALHAMENTO, ATUAÇÃO, JUIZ, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), JUSTIÇA, JULGAMENTO, ABSOLVIÇÃO, SACERDOTE, ACUSADO, LEI DE SEGURANÇA NACIONAL, HOMENAGEM, ADVOGADO, RESISTENCIA, DITADURA, REGIME MILITAR, VITIMA, PERSEGUIÇÃO, ARBITRIO.
  • IMPORTANCIA, DEBATE, INICIATIVA, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), CRITICA, FALTA, QUALIDADE, CURSO SUPERIOR, DIREITO.
  • SAUDAÇÃO, QUALIDADE, CURSO JURIDICO, UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL, RECEBIMENTO, CERTIFICADO, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), GRAVIDADE, FALTA, REMUNERAÇÃO, MAIORIA, PROFESSOR UNIVERSITARIO, DIREITO, ESFORÇO, TRABALHO, VOLUNTARIO.
  • APOIO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, INICIATIVA, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), LEITURA, MANIFESTO, FRUSTRAÇÃO, FALTA, TOLERANCIA, PROBLEMAS BRASILEIROS.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, autoridades que compõem a Mesa Diretora, antes de iniciar a minha fala, gostaria de homenagear um dos renomados juristas deste País que é o Presidente Nacional do PMDB, Deputado Federal Michel Temer, que vem distinguir com a sua presença a nossa Casa e esta memorável reunião.

            Ministro Flávio Bierrenbach, grande baluarte das lutas jurídicas e de momentos difíceis pelos quais atravessou nosso País; Dr. João Rodas, Diretor da Faculdade de Direito da USP; demais componentes da Mesa, na quinta-feira passada, antecipando-me ao 11 de agosto, data em que efetivamente se comemora o Dia do Advogado e em que se relembra também a instituição dos cursos jurídicos do nosso País, ocupei esta tribuna para analisar o importante papel desempenhado pelos operadores do Direito e discorri também sobre a história dos cursos jurídicos nesses 180 anos de sua existência.

            Dentre os episódios épicos que assinalei sobre o papel proeminente desempenhado pelos advogados em momentos decisivos da história da Pátria, destaquei a Carta aos Brasileiros, documento de largo conhecimento de todos os juristas presentes, dos eminentes mestres que nos brindam hoje com suas presenças nesta Casa. Lavrada por juristas da melhor cepa, capitaneados pelo festejado Professor Goffredo da Silva Telles Junior, sem sombra de dúvidas foi um dos documentos mais relevantes de toda a resistência democrática. Produzida no auge da ditadura, quando a repressão política calava a oposição e a imprensa, e o milagre econômico seduzia as elites e os incautos, o documento emergiu como uma alavanca para pôr fim ao arbítrio e restabelecer a ordem jurídica no País. Como hoje, a Carta foi escrita em meio à comemoração de mais um aniversário dos cursos jurídicos. Vale a pena destacar alguns tópicos para os mais jovens entenderem a clareza dos compromissos que esse documento enfeixava, e eles estavam consignados, já nas primeiras linhas:

Queremos dizer, sobretudo aos moços, que nós aqui estamos, e aqui permanecemos, decididos, como sempre, a lutar pelos direitos humanos, contra a opressão de todas as ditaduras.

Nossa fidelidade de hoje aos princípios basilares da democracia é a mesma que sempre existiu à sombra das Arcadas: fidelidade indefectível e operante, que escreveu as páginas da liberdade na História do Brasil.

Estamos certos de que esta Carta exprime o pensamento comum de nossa imensa e poderosa família - da família formada, durante um século e meio, na Academia do Largo de São Francisco, na Faculdade de Direito de Olinda e Recife, e nas outras grandes Faculdades de Direito do Brasil -, família indestrutível, espalhada por todos os rincões da Pátria, e da qual já saíram, na vigência de constituições democráticas, dezessete Presidentes da República.

            Quem viveu a aridez daqueles dias pode mensurar a extensão daquela histórica profissão de fé.

            A ditadura de 1964 teve uma curiosa preocupação: manter a legalidade, aquela legalidade preexistente, amputando normas que a incomodavam e, ao mesmo tempo, embutindo outras que institucionalizavam o regime, que institucionalizavam o arbítrio.

            Era um poder constituinte legiferante usurpado, utilizado para lhe salvar as aparências. A fim de enfrentar o farisaísmo jurídico dos detentores do poder, a Carta aos Brasileiros colocou nas ruas as lições da Academia:

Partimos de uma distinção necessária. Distinguimos entre o legal e o legítimo. Toda lei é legal, obviamente. Mas nem toda lei é legítima. Sustentamos que só é legítima a lei provinda de fonte legítima.

Das leis, a fonte legítima primária é a comunidade a que as leis dizem respeito; é o povo ao qual elas interessam - comunidade e povo em cujo seio as idéias das leis germinam como produtos naturais das exigências da vida.

           Prossegue o documento:

A fonte legítima secundária das leis é o próprio legislador, ou o conjunto dos legisladores de que se compõem os órgãos legislativos do Estado. Mas o legislador e os órgãos legislativos somente são fontes legítimas das leis enquanto forem representantes autorizados da comunidade, vozes oficiais do povo, que é a fonte primária das leis.

            Veja, Senador Michel Temer, nosso grande constitucionalista, cientificamente, naquele momento, denunciava-se a farsa, disseminava-se a compreensão do Estado de direito e revigorava-se o ânimo do Legislativo fraturado e castrado. Da mesma forma que o grito das Arcadas do Largo do São Francisco ecoavam pelo mundo afora, em cada Estado, advogados destemidos enfrentavam os arreganhos da ditadura para preservar ou para resgatar os primados do Direito, especialmente, em defesa da liberdade e dos direitos humanos.

            Nesse sentido, não poderia deixar de proclamar a conduta histórica de advogados do meu Estado. Pelo menos um episódio emblemático merece registro: o famoso caso do Padre Jentel. Era 1973. O Padre François Jacques Jentel era um missionário francês que atuava como pároco no Município de Luciara, no Alto Araguaia, nos idos de 1955. O religioso tinha uma conduta evangélica de forte componente social. Já no início dos anos 70, coordenava os trabalhos de construção de um ambulatório destinado a ajudar a população deserdada, que não tinha assistência médica em toda aquela região.

            Na época, com a instalação da poderosa Companhia do Desenvolvimento do Araguaia, mais conhecida como Codeara, foi aprovado um plano de utilização da área de terras, que resultou na destruição parcial do ambulatório, cuja construção estava sendo coordenada com carinho, com muito amor por aquele sacerdote, em área que há muito estava sendo ocupada por lavradores.

            Insatisfeito, depois de vários confrontos que ocorreram na área, o padre dirigiu uma petição ao Juiz de Direito da Comarca de Barra do Garças e comunicou o fato também ao seu Bispo, Dom Pedro Casaldáliga, que ordenou o reinício da obra. Qual a obra? O posto de saúde. Uma investida de policiais e jagunços que estavam a serviço das elites protegidas pelo regime e que estavam ali representando a Codeara resultou na troca de tiros em que sete jagunços foram feridos. Foi aberto inquérito policial, o padre foi processado pela Auditoria Militar de Campo Grande, no antigo Estado de Mato Grosso. O julgamento ocorreu em 1973, em uma sala abarrotada de gente, em que o padre foi condenado com base num instrumento jurídico que todos nós conhecemos sobejamente chamado Lei de Segurança Nacional.

            Atuaram na defesa do missionário os criminalistas Heleno Fragoso e Nelson Trad, nosso colega, filho de Campo Grande, um dos baluartes, um dos decanos da Advocacia de Mato Grosso do Sul. E era juiz auditor outra figura que conhecemos muito nesta Casa: o advogado, grande criminalista, Plínio Barbosa Martins, nosso colega constituinte.

            No julgamento, toda sorte de pressão. Emissários do regime militar deslocavam-se para Campo Grande a fim de pressionar o juiz auditor, Dr. Plínio Barbosa Martins.

            A imprensa internacional acompanhava atentamente o julgamento, que prometia intensa repercussão no cenário internacional. Todos nós que vivemos aquele momento sabíamos que poderia afetar duramente a carreira daquele brilhante advogado e auditor, que agia naquele instante com absoluta independência.

            Entre a segurança do cargo e a consciência jurídica, Plínio Martins optou por sua independência e decidiu aplicar a justiça. Sustentou que não via na conduta do padre “a personalidade de um criminoso. Ao contrário, inveja-me a sua coragem de abandonar a superdesenvolvida França e vir, há quase 20 anos, embrenhar-se na Amazônia mato-grossense para dar um pouco de civilização e bondade cristã ao índio e a brasileiros que naquelas plagas inóspitas viviam. Por muito perigo passou e doenças malignas sofreu. Tudo pela dedicação à solidariedade humana, tão defendida e estimulada por vários Papas em conhecidas encíclicas”.

            Veja, Sr. Presidente, retornando ao passado, o que significavam essas palavras na boca de um juiz auditor. Aqui, há um membro do Tribunal Superior Militar que viveu esse momento e sabe dimensioná-lo.

            Após abalizada fundamentação, concluiu o Dr. Plínio:

A severa Lei de Segurança Nacional trata dos atentados à ordem interna e externa da Nação. Esforço-me e não vislumbro nos atos de Jentel um impulso contrário à paz brasileira. Vejo, sim, muita humildade e abandono em favor de uma causa que visa o engrandecimento dos homens. O futuro lhe fará justiça.

            Esse voto foi escrito e juntado ao processo. Mas a imprensa brasileira, sob censura, quase nada noticiou na época. Porém, foi extraordinária a repercussão internacional, especialmente na Europa. Conseqüência: diante do voto do juiz auditor Plínio Barbosa Martins, o Superior Tribunal Militar, em 1974, declarou a incompetência da Justiça Militar para o julgamento, afirmando que não havia crime contra a segurança nacional. Estava com a razão, portanto, Plínio Barbosa Martins em seu voto na instância anterior.

            Esse é um relato para demonstrar o que é o advogado nesse interior e em momentos de grande dificuldade.

            Contudo, esse ato não iria passar em brancas nuvens. A coragem acabou por gerar conseqüências. Na iminência de ser cassado pelo AI-5 - estava já na alça de mira do AI-5 -, o juiz auditor renunciou ao cargo, deixou a magistratura, mas deixou depois de ter cumprido o seu dever de consciência. Foi, então, dar aulas na Faculdade de Direito de Campo Grande.

            O que eu quero destacar, Sr. Presidente, é o ato de coragem, de bravura e de independência que norteou a atuação de Plínio naquele caso emblemático em pleno regime militar. É um exemplo de um jurista formado no Brasil, que foi advogar lá em Campo Grande, no velho Mato Grosso.

            Outros exemplos, também originários do meu Estado, o Mato Grosso do Sul, não podem passar sem registro. Wilson Martins, que foi Senador aqui e tem vários colegas nesta Casa, acredito que até o Presidente Gerson Camata ladeou com ele suas lutas aqui no Senado Federal; Nelson Trad, que, em 1964, foi perseguido pela Revolução, era um grande advogado.

            Lembro-me muito bem de Nelson Trad, Sr. Presidente, porque eu era ainda muito jovem e estava na penitenciária, junto de cerca de duzentas ou trezentas pessoas que foram recolhidas arbitrariamente pela ditadura, e de repente chegou aquele jovem advogado, vice-prefeito, iniciando a sua carreira política e nos dizia: “Olha, vim aqui lhes dizer que não vou poder fazer nada por vocês, porque também estou procurando me ocultar, a fim de não ser alcançado pelos militares que estão no meu encalço”.

            Além deles, Armando Pereira Falcão, Harrison Figueiredo, o nosso ex-Presidente Ramez Tebet, Bezerra Neto, que também honrou muito esta Casa, e Ricardo Brandão. O Ministro Bierrenbach está aqui fazendo um aceno para dizer que teve a oportunidade de conhecer o Ricardo Brandão e de conhecer a sua luta. Era um jovem idealista, cheio de vida, grande advogado, e que, de repente, teve ceifada toda a sua vida profissional em função de uma perseguição que não parava.

            Ao lado dele, Paulo Simões Correa, que foi auditor militar. É interessante observar que, na auditoria militar, a ditadura encontrava resistências. Interessante. E Heitor Medeiros, dentre tantos outros que se notabilizaram por sua dedicação aos livros e por sua habilidade profissional na área jurídica, na defesa daquele que é o maior patrimônio que todos os advogados têm o compromisso de defender, que é a liberdade.

            O Presidente da OAB, Cezar Britto, vem desenvolvendo algumas críticas à abertura de novos cursos de Direito pelo Brasil afora. E sobre isso falei na semana passada. Em percentuais, segundo a OAB nacional, apenas 31,6% dos cursos existentes estão aptos à boa formação profissional. Isso vem mostrar que nós estávamos tendo uma evolução muito significativa do ponto de vista qualitativo e do ponto de vista participativo. E, de repente, começa a inspirar uma séria preocupação a todos os advogados que têm história neste País. Em todos os Estados brasileiros, de repente, começam-se a enxergar alguns sinais de que é preciso fazer uma reflexão, sim, sobre os cursos de Direito.

            E vejam que, enquanto se espalham cursos de Direito por muitos pontos do País e com uma nítida valorização da parte comercial, nós temos, ainda, alguns cursos de Direito que se têm notabilizado pela qualidade e que não têm merecido o devido apoio de quem deveria ou teria o compromisso de fazê-lo, especificamente o curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, que recebeu o selo de aprovação da OAB. Foi o curso que mais aprovou acadêmicos no último exame da Ordem em meu Estado e teve conceito máximo do Enad. A Universidade tem 36 professores lecionando. Está me olhando aqui atentamente o meu Presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Marco Maciel, uma das mais brilhantes figuras do nosso Parlamento. V. Exª não vai acreditar: desses 36, apenas nove são efetivos e dois são substitutos. Esses 11 professores têm remuneração. Todos os demais, Sr. Presidente, trabalham gratuitamente, isto é, 25 professores não recebem um tostão sequer. Trabalham pelo compromisso de não deixar interromper, de não deixar morrer e de não deixar perder a qualidade do curso de Direito.

            Então, em meio a essas críticas que não podem deixar de ser feitas, somadas às que já formulei na semana passada, desejo felicitar aqui a todos os profissionais do Direito, a todos aqueles que operam o Direito, seja em seus escritórios, seja na condição de magistrados, na condição de representantes do Ministério Público. E faço isso nesta data no sentido de que é preciso renovar os nossos compromissos com o aprimoramento das instituições jurídicas do nosso País.

            A nossa história, a história do Direito, a história do advogado, confunde-se com a própria história da democracia, das liberdades, do respeito à pessoa humana. O nosso jurisdicionado... Às vezes, eu assisto duras críticas feitas aos advogados, como muitas vezes me compadeço com as críticas que são dirigidas ao Poder Legislativo, e creio que essas críticas devem merecer uma reflexão e uma tomada de posição.

            Acredito que, neste momento de descrença, em que mais uma vez os advogados se levantam, é preciso que cada um de nós deixe um pouquinho de seus afazeres para cuidar das instituições democráticas deste País. E vejo que este momento de reflexão começa novamente com o advogado.

            Aqui tenho em mão um jornal, um comercial da OAB de São Paulo para um movimento lançado recentemente, o qual estranhamente alguns segmentos da imprensa brasileira tentam subestimar e tentam minimizar como se fosse um movimento de natureza política. É o movimento que se denominou “Cansei”.

            E vou encerrar as minhas palavras, Sr. Presidente, fazendo a leitura desse comercial, é preciso fazer esta leitura:

Cansei de gente que só quer levar vantagem, do governo paralelo dos traficantes, de pagar tantos impostos para nada, de tanta impunidade, de tanta burocracia, do caos aéreo, de CPIs que não dão em nada, de crianças nas ruas e não nas escolas, de presidiários falando ao celular, de empresários corruptores, de ter medo de parar no sinal, de bala perdida, de tanta corrupção, de achar tudo isso normal. De não fazer nada!

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/08/2007 - Página 27414