Pronunciamento de Mão Santa em 14/08/2007
Discurso durante a 125ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Comemoração aos 180 anos da criação dos Cursos Jurídicos no Brasil.
- Autor
- Mão Santa (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PI)
- Nome completo: Francisco de Assis de Moraes Souza
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.:
- Comemoração aos 180 anos da criação dos Cursos Jurídicos no Brasil.
- Publicação
- Publicação no DSF de 15/08/2007 - Página 27422
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
-
- HOMENAGEM, ANIVERSARIO, CRIAÇÃO, CURSO JURIDICO, BRASIL, REITERAÇÃO, DECLARAÇÃO, RUI BARBOSA, VULTO HISTORICO, EXCLUSIVIDADE, DIRETRIZ, LEIS, JUSTIÇA, REGISTRO, ORADOR, IMPORTANCIA, SENADO, LEGISLATIVO, GARANTIA, PRESERVAÇÃO, ORDEM JURIDICA.
- DEPOIMENTO, FATO, PERIODO, DITADURA, REGIME MILITAR, ASSINATURA, ORADOR, HABEAS CORPUS, BENEFICIO, ENFERMEIRO.
- HOMENAGEM, EVANDRO LINS E SILVA, JURISTA, ESTADO DO PIAUI (PI), LUTA, DEFESA, DEMOCRACIA.
O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Camata, peço permissão para saudar todas as autoridades e lideranças presentes na pessoa daquele que simboliza liderança, direito e justiça: o nosso Presidente Michel Temer.
Senadoras e Senadores, brasileiras e brasileiros aqui presentes e que nos assistem pelo sistema de comunicação do Senado, meu Líder Michel Temer, a saudação é muito justa porque entendo que V. Exª representa as leis e este Senado.
Conta a Sagrada Escritura que Moisés, o grande líder, em momento difícil que vivia, depois de ter ousado enfrentar exército de faraó, Mar Vermelho e seca, diante de um povo que não queria segui-lo, que buscava o mais fácil, os prazeres da vida, quebrou as leis. Conta a Sagrada Escritura que ele ouviu uma voz que lhe disse: “Busque, não desista”. Ele quis desistir, quebrou as leis, não ia mais cumprir a missão que cumprira por quarenta anos.
Ele ouviu a voz de Deus dizendo “Busque os mais velhos, os mais sábios, experimentados. Eles o ajudarão a carregar o fardo do povo”. Aí nasceu essa idéia de Senado, melhorada na Grécia, na Itália, na França e aqui, por Rui Barbosa. E eu estou aqui justamente por isso. O Rui, todo mundo sabe, diz que só há um caminho, uma salvação: “A lei e a justiça”. E o Cristo, que está ali, disse: “Bem aventurados os que tem fome e sede de justiça.
Nós estamos aqui comemorando essa bem-aventurança de 180 anos. Mas só tem uma razão para isso funcionar, se nós formos pai da Pátria. Michel Temer, quando eu entender que não tem nada a ensinar ao Poder Executivo, ao Poder Judiciário, com igualdade, não tem razão, é hora de fecharmos esta Casa.
Então, quero dizer que a justiça é essa esperança. Que ela esteja, como disse Aristóteles, que a coroa da justiça esteja mais alta do que a dos santos e que brilhe mais do que a dos reis.
Houve momentos em que este País fugiu da nossa democracia, cuja base foi a tripartição do poder. O poder antes era dos reis, que eram Deus na Terra, e Deus seria um rei no céu. Então, mesmo de um momento em que se fugiu da democracia aqui eu tenho um fato para contar e dar nossa experiência do que é justiça.
Michel Temer, em 1972, Ulysses, que o antecedeu - ninguém melhor, no nosso Partido, para simbolizar a luta de Ulysses que V. Exª... Em 1974 ele foi o anticandidato, para clamar e conscientizar o povo do renascer da democracia. Mas em 1972 nós já peleávamos, no Piauí, na minha cidade. Vencemos, no MDB, a ditadura, a truculência e os militares... E eu quero lhe dizer que a ditadura era melhor do que o que está aí, porque o jogo era honesto, tanto que nós vencemos; hoje não se vence, não. Com essa corrupção que aí está... Mas não é para desanimar e desesperar. Juscelino disse: “É melhor ser otimista. O otimista pode errar, mas o pessimista já nasce errado”. Essas eleições no Brasil estão uma burla...
Mas surge Marco Aurélio Mello: “A Compra de voto merece excomunhão maior”. Naquele tempo, nós vencemos. Se nós vencemos em 72, é porque o jogo era arbitrado mais honradamente do que é hoje e é retratado por esse homem que teve a coragem de escrever que a compra de votos merece excomunhão maior. Nunca vi se comprar tanto voto no Brasil e no Piauí.
Serei breve.
Michel Temer, nós ganhamos. E houve a tentativa de não nos deixar tomar posse na maior cidade do Piauí, a cidade de Evandro Lins e Silva e também minha, que tem muito a nos ensinar. Um delegado truculento, Genês Moura, resolveu prender um amigo nosso na festa. Nem fui à posse do eleito Elias Ximenes do Prado. Eu liderava o processo.
Fui com um advogado que V. Exª conhece, Celso Barros, premiado pela OAB outro dia, um dos melhores Deputados que já houve. Saímos na hora da festa, não podíamos soltar foguetes para comemorar, porque éramos oposição em 1972. Muitos não viveram isso. Foi antes de Ulysses se tornar herói, em 1974. Já dávamos nossa participação.
Acompanhei Celso Barros, que iria soltar um companheiro preso. Isso é muito oportuno dizer aos que estão sendo presos aleatória e irresponsavelmente, para aparecer na televisão. Celso Barros foi ao delegado e eu, no meu carro, fiquei ao lado. Celso Barros era professor de direito do delegado truculento. Foi acabar a festa. Com a sua autoridade de professor de Direito, Celso Barros insinuou que iria tomar providências. Aquilo nos traumatizou. Ainda não fui preso, mas sei que ninguém reage como Mandela, viu, Michel Temer? Esse pessoal desapareceu de lá, família boa, filhas bonitas - estou vendo uma mulher bonita -, porque dá um traumatismo. Mas aí o Celso Barros, antes de viajar, disse: “Mão Santa...” Foi lá na minha casa e escreveu um tal de habeas corpus. Atentai bem, Michel Temer: “o homem que não luta pelo seu direito não merece viver” - Rui Barbosa. E ele escreveu um habeas corpus antes de viajar e disse: “Mão Santa, se aquele delegado não soltar o nosso amigo preso, o nosso líder que foi preso arbitrariamente, você pega esse documento, vai ao juiz e o entrega”. Papaléo, evidentemente, o delegado teve um momento de inspiração de Deus e o soltou. E eu fiquei com o documento em casa, Michel. Dias depois, o delegado truculento, que chegou depois a assassinar o sócio de Celso Barros, Flávio Teixeira, que defendeu um desses processos da revolução, que era subversivo. Eu estava com o documento, e o delegado o soltou. Poucos dias depois, Papaléo, o delegado entra na Santa Casa de Misericórdia, onde eu, o clínico Almeida e outros médicos que davam sustentação política ao PMDB, lutando pelas liberdades democráticas, e prende o enfermeiro Auro Januário. Tirou lá da sala, um moreno bom. Besteira, tomou umas cachaças. Todo mundo toma. Até o Luiz Inácio disse que, de vez em quando, gosta de uma. Eu também tomo.
E o nosso enfermeiro, Papaléo, foi preso. Entraram, invadiram, eram arbitrários. Olha, Michel Temer, tem de ter coragem. Ulysses Guimarães ensinou: “Sem coragem, todas as virtudes são soterradas”. E eu, tinha cirurgião famoso, o anestesista, o cardiologista, os companheiros, os amigos do enfermeiro, fomos em todos os advogados, mas todos estavam com medo dos canhões, dos meninos de bota, da ditadura, enfim. Nenhum aceitou. E o nosso enfermeiro, preso.
O Senador Papaléo, que é médico, sabe o carinho que nós temos pelos enfermeiros. Michel Temer, eu ia dizendo Senador, mas V. Exª merece. Lá, na Itália, são escolhidos. Norberto Bobbio foi escolhido pela necessidade democrática. V. Exª, se houver vitaliciedade, deve ser o primeiro a assumir aqui.
Então, eu fui fazer um curativo em uma paciente minha, esposa de um engenheiro amigo, Dr. Roberto Brodes, que também estava na campanha. Eu me lembro de que esse engenheiro montava o palanque, Papaléo, às cinco horas, e chegava lá: “Mão Santa, está pronto”. E dava no pé com medo, porque um irmão dele tinha sido preso. Era ditadura. Ele dava o caminhão e botava aquela luzinha para a gente discursar.
E, fazendo curativo na esposa dele, contei que estava amargurado com esse fato do enfermeiro preso. Tínhamos dinheiro, mas não conseguíamos advogado, Michel Temer. Estavam todos com medo. Aí, a minha paciente me disse: “Mas qualquer um pode assinar, qualquer pessoa pode entrar com esse documento...” Eu não acreditei muito nela, cliente... Então, eu disse: “Pois me mostre o livro”. E ela mostrou.
Aí, eu saí e li no livro de Direito: habeas corpus, qualquer cidadão... E eu disse: Ah, é? Aquele que o Celso Barros tinha feito e que eu não tinha usado estava lá em casa. Aí, eu cheguei, naquela moral, e disse: “Adalgisa, minha mulher, pegue a máquina”, porque é ela que sabe datilografar, eu não sei; ainda hoje não sei. E onde tinha o nome do comerciante empresário e humilhado, eu colocava Auro Januário, enfermeiro, de Catanduva, da Santa Casa. Só fiz trocar os nomes. Depois, peguei um anestesista meu, que já está no céu, um cardiologista e o Dr. Valdir, que está vivo, e fomos lá na casa do juiz. E eu, numa importância, parecia assim uma autoridade, cheguei para os meninos e falei: “Vocês não sabem de nada, só sabem dar anestesia. Vocês não estudam, têm de ter cultura. Eu vou soltar o preso. Eu fiz um habeas corpus”. Eles não sabiam que eu só tinha trocado os nomes, e hoje estou confessando. O Piauí ainda pensa que sou gênio, que sei Direito. Não sei nada não, eu tive foi coragem. Aí, a Adalgisinha trocou os nomes e eu fui na casa do juiz e aprendi muito, e quero ensinar a todos os brasileiros e brasileiras sobre este momento que vivi. Walter Miranda já morreu, a viúva dele está em Barras, é minha eleitora. Eu cheguei com o anestesista e disse: “Rapaz, vocês são burros, não sabem nada. Só sabem dar anestesia. Tem de ter cultura”. Eu só sabia a frase de Rui Barbosa, que eu li na Oração aos Moços: “O homem que não luta pelo direito não merece viver”. E eles chamam Walter Miranda. Sabe o que é uma autoridade? Parecia o Sepúlveda Pertence. Sentamos lá, eu, no terraço, e o anestesista ao lado. “Rapaz, vocês não sabem nada; são ignorantes. Vamos que eu vou soltá-lo.”
Não abri o jogo, não é? Aí, esse juiz, Walter Miranda, elegante - ô, Alvaro Dias! -, sentou-se ali no terraço dele: ele olhava, baixava o olho, e olhava para mim, eu na maior moral do mundo. Baixava o olho, e eu na moral; ele lia ali, um negócio encantador, a peça de Celso Barros, jurista. Foi homenageado há poucos dias pela OAB, só dois advogados do interior. Aí, o Walter Miranda olhava assim, olhava, e eu, na maior moral, e os caras lá... Aí, ele diz a frase do Rui: “Muito bem. Quem não luta pelo direito não merece viver”. Ele vai lá dentro, se veste todo de... - e eu com os outros médicos ali, digo: “Rapaz, vão soltar o homem. Vocês não estudam...” Ainda hoje o Piauí pensa que eu sei Direito! E aí, esse Genês, rapaz, veio, aí eu disse: “O senhor não quer ir no nosso carro, acompanhar-nos até a...”, porque era naquele tempo da ditadura; o delegado era truculento mesmo. Olha, aí ele me disse uma frase que eu quero passar a todos os senhores: “A autoridade, Dr. Mão Santa, é moral. Eu vou sozinho no meu carro”. Aí, ele saiu num carrinho pequeno - olha a autoridade! -, era desses carrinhos Chevette, pequeno, daquele tempo, daqueles pequenininhos. E eu: “Assim não pode”. Eu sei que ele entrou lá e disse para esse Genês: “Olha, o doutor impetrou um habeas corpus e eu quero soltar o preso aí”. Está muito bem. Aí, esse Genês disse: “Rapaz, esse doutor é o cão! Eu sabia que ele operava Medicina, de bala e tudo, mas sabe até Direito!” - e eu, blefando, e estou contando aqui. Esse é o Direito.
Mas venho aqui com a autoridade do Piauí. Somente um pode se igualar a Rui Barbosa: Evandro Lins e Silva. E V. Exª, o Piauiense aqui, o nosso Souza, Prudente, olha lá, Evandro Lins e Silva nasceu na minha cidade e quis Deus ser, hoje, o aniversário da minha cidade, Parnaíba, Piauí. Ela é oito anos mais velha do que Teresina, são 172 anos.
Então, Evandro Lins e Silva. Deus me permitiu governar o Piauí por seis anos, dez meses e seis dias. Criei uma Faculdade de Direito, entre dezenas de outros que levei para minha cidade, e lembro-me de que os alunos, ao concluírem o curso, Michael Temer, foram a minha casa de praia, eu com Adalgisa, e me convidaram para ser paraninfo. E eu disse-lhes: “Olha, eu já estou no jogo, sou Governador. Vou convidar a pessoa mais importante”. E eles não o conheciam: era Evandro Lins e Silva, para ser paraninfo na cidade dele. E, para convencê-lo, isso foi poucos meses antes dele morrer, eu o estimulei e disse: “Ô, Evandro, Rui Barbosa não fez a Oração aos Moços, o último discurso?” Não pôde nem ler, numa turma de São Paulo, de que foi paraninfo. “Então, V. Exª vai” - eu tinha de estimulá-lo, pois ele estava com idade avançada. Eu o levei. Ele foi.
Prometi fazer um livro e contratei um jornalista, Zózimo Tavares, da Academia de Letras. Fomos ao Rio. Ele era exigente, e, para lançar no Piauí, como ele estava com idade avançada, nós resolvemos lançar na Academia de Letras. Chegando lá, havia morrido Roberto Campos. Ele disse: “Mas, Governador, no dia em que marcamos!” E eu lhe disse: “Não tem problema”. Eu consegui que um médico amigo, poderoso, me cedesse a casa. Lá, nós lançamos o livro, cuja edição está esgotada, mas vou relançá-lo em homenagem a Evandro Lins e Silva, talvez, o último livro que ele fez, aconselhando, como Rui Barbosa. Mas esse é o nosso testemunho nessa luta pelo Direito.
Agora, temos de entender, Michel Temer, que errare humanum est. A justiça é divina: as leis de Deus, o Sermão da Montanha, que dizia “bem-aventurados os que têm fome...- mas ela é feita por homens. Então, ela tem, como a medicina, médicos que fazem aborto; como na Igreja, há muitas pessoas, mas temos de separar o joio do trigo. Feliz deste País, que não precisa buscar exemplo na história em outros países, pois o exemplo está em Rui Barbosa e em Evandro Lins e Silva.
Eu quero contar o que ele deixa quando eu vejo se agigantar nas belezas, os gastos, muitas vezes, irresponsáveis...
(Interrupção do som.)
O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - ...de suntuosos prédios, enquanto irmãos morrem debaixo da ponte, nas palafitas. Eu me lembro que, certa feita, na minha casa, Evandro Lins, ensinando, me disse: “Mão Santa, eu fui Presidente do Supremo Tribunal Federal. Era uma mesinha, mas nela eu distribuí justiça”.
E vi Miguel Arraes dar o testemunho de que já tinha se desenganado. Ele disse durante sua prisão, tanto no Quartel do Socorro, em Jaboatão dos Guararapes, como na ilha de Fernando de Noronha, em Pernambuco, que já estava desesperançado, Ô Michel Temer, tanto é que ele me disse que pensou até em se suicidar - Miguel Arraes. Então, ele traduziu para a nossa língua o livro Mistificação das Massas, escrito em francês por Serge Tchakotine, que tratava da mistificação pela propaganda política. Ele me contou que, na desesperança, já se via comido pelos tubarões, por ocasião de sua prisão em Fernando de Noronha, quando recebeu habeas corpus, de Evandro Lins e Silva. Ele, com milhares.
Então, quero prestar esta homenagem no dia da Parnaíba ao mais ilustre de seus filhos, que sem dúvida nenhuma, o único brasileiro que pode estar ao lado de Rui Barbosa. E o nosso Piauí tem uma bandeira mais bonita do que essa, com as mesmas cores, mas que só tem uma estrela e essa estrela é Evandro Lins e Silva, símbolo e exemplo para a justiça do Brasil. (Palmas)