Discurso durante a 125ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração aos 180 anos da criação dos Cursos Jurídicos no Brasil.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração aos 180 anos da criação dos Cursos Jurídicos no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 15/08/2007 - Página 27426
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, CRIAÇÃO, CURSO JURIDICO, BRASIL, SAUDAÇÃO, IMPORTANCIA, TRADIÇÃO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), REGISTRO, PIONEIRO, FACULDADE, DIREITO, MUNICIPIO, MANAUS (AM), ESTADO DO AMAZONAS (AM).
  • HOMENAGEM, EX PRESIDENTE, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), RESISTENCIA, DITADURA, REGIME MILITAR, ESPECIFICAÇÃO, RAIMUNDO FAORO, JURISTA, COMPROMISSO, LIBERDADE, DEMOCRACIA.
  • DEPOIMENTO, PARTICIPAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, ESTUDANTE, OPOSIÇÃO, DITADURA, RECEBIMENTO, SOLIDARIEDADE, PRISÃO, SOBRAL PINTO, JURISTA.
  • REGISTRO, HISTORIA, GRAVIDADE, TORTURA, VIOLENCIA, DITADURA, PAIS ESTRANGEIRO, URUGUAI.

            O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Alvaro Dias; Srªs e Srs. Senadores; Deputados convidados; meu querido amigo e colega de Câmara e Congresso, Ministro do Superior Tribunal Militar, Flávio Bierrenbach; Professor João Grandino Rodas, da Universidade de São Paulo; Professora Luciana Grassano, Diretora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco; Dr. Roberto Busato, que neste momento representa, com enorme dignidade, o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, começo dizendo que fico muito feliz, Professora Luciana, com sua presença, por entender que, quando se fala nos 180 anos dos cursos jurídicos no Brasil, não tem como não se fazer uma passagem por Pernambuco. Logo nos vem à cabeça Joaquim Nabuco. Logo nos vem à cabeça aquele que também era filósofo e talvez um dos cérebros mais privilegiados que este País já gerou, Tobias Barreto.

            Dizia ainda há pouco ao Senador Sérgio Guerra que vejo, Presidente Marco Maciel, os 180 anos dos cursos jurídicos muito ligados à tradição jurídica do seu Estado, que se reflete na vida pública e faz daquele povo um povo de caráter irredento, sempre disposto à contestação, sempre andando na vanguarda das lutas democráticas deste País.

            Mas gostaria de lembrar uma curiosidade muito feliz para mim também: a primeira faculdade de Direito do País foi a Faculdade Livre de Manáos, do tempo em que se escrevia o nome de nossa cidade - hoje com aus - com aos e acento no a. Foi a primeira faculdade de Direito do País. E lá temos enorme carinho por essa tradição. É a boa tradição.

            Olhava para o Dr. Busato, olhava para meu querido Flávio Bierrenbach e olhava para V. Exª, Senador Alvaro Dias, que teve lutas tão meritórias a favor da reconstitucionalização do País, e pedi ao Bierrenbach que me socorresse e me lembrasse o nome de todos os Presidentes da OAB durante o período ditatorial. E vieram à cabeça dele - e agora os relato - nomes que enterneceram o País com sua capacidade de resistência e que fazem parte louvável da história brasileira.

            Começo, não olvidando meu conterrâneo e amigo o ex-Senador José Bernardo Cabral, fazendo a homenagem a Mário Sérgio Duarte Garcia, rememorando a bravura inesgotável, inexcedível de Eduardo Seabra Fagundes, exatamente a prova de que é possível um pai ser tão culto e bravo quanto o filho, o vice sendo versa.

            E Seabra Fagundes teve a ocasião - e não digo a ventura, porque o tempo não era de desventura, de infelicidades - de exibir ao País toda a capacidade de resistência que um homem é capaz de guardar dentro de si, dentro do seu coração.

            E aqui diz Bierrenbach - e repito fazendo minhas as palavras do seu bilhete - que o maior de todos foi Raimundo Fauro, por tudo que representava, pela cultura tão sólida, pela coragem pessoal inigualável, pela ponderação, pelo exercício que fazia suave e firmemente da sua liderança não só sobre a Ordem dos Advogados do Brasil, mas sobre o País naquele momento tão conturbado.

            Diria que, quando temos a possibilidade de reverenciar e de comemorar os 180 da criação dos cursos jurídicos no Brasil, cada um aqui dá seu enfoque. Ouvi discursos que revelam a sabedoria de uma Casa de homens muito sábios, as Srªs e os Srs. Senadores. Preferi enfocar o meu pelo lado do compromisso eterno da Ordem dos Advogados do Brasil e dos Advogados deste País com a liberdade, com a luz que se acendia sempre no fim do túnel, com as visitas que faziam aos cárceres ou à porta dos cárceres, quando não eram permitidas suas entradas nas enxovias.

            Evaristo de Moraes Filho foi comigo e com um grupo de Deputados ao Uruguai. Levamos para visitar o pai, que estava preso no Uruguai, o filho do principal líder tupamaro naquele País. Raúl Sendic era o líder e Raúl Sendic Hijo, seu filho. Era uma coisa grave! Havia lá uma figura completamente anormal, uma dessas taras humanas, chamada Coronel Ledesma, em uma das ditaduras que foi talvez a que mais revelou eternamente o ódio ao vencido. Ela nunca deixou de odiar o vencido, mais do que qualquer outra que tenha por acaso sido sua similar na América Latina, naqueles períodos tenebrosos de escuridão.

            Muito bem, a prisão se chamava La Libertad. Raúl Sendic Hijo morava em Cuba. Para todos os efeitos - e não era época de Internet -, ele disse que morava no México. E fomos avalistas daquela boa mentira, porque a causa valia. E fomos até lá. Passamos por alguns vexames, algumas pressões, algumas intimidações psicológicas. E, para mim, Evaristo de Moraes encarnava ali, acima de tudo, a figura do advogado cumprindo o seu papel.

            E, quebrando um pouco a austeridade desta sessão, Presidente Marco Maciel, lembraria de um episódio que passei como estudante no Rio de Janeiro. Fazíamos um ato público contra a ditadura no Largo da Carioca, quando chegou a Dops e começou a prender os estudantes. Eu me vi dentro de um camburão daqueles e ouvi - porque dava muito pouco para olhar e bastante para ouvir - que uma figura chamada Sobral Pinto se declarou preso. Ele disse: “Eu me declaro preso em solidariedade aos estudantes”. O biltre que lá estava cumprindo seu triste dever, estupidamente aceitou a prisão de Sobral Pinto. E falei para os colegas: “Graças a Deus, isso é garantia de bom tratamento para nós e de prisão curtíssima. Graças a Deus que Sobral Pinto vai conosco”. Aí um Deputado Fulano disse “eu também vou preso em homenagem a Sobral Pinto”, outro falou “eu vou preso em solidariedade aos rapazes”. Aí todos foram entrando, até que um Deputado que estava lá mais pela popularidade do ato do que propriamente pela solidariedade à democracia, um Deputado ligado àquele grupo de memória não tão boa, do ex-Governador Chagas Freitas, disse assim - lembro-me o nome dele, Miécimo da Silva: “Eu também me considero preso em homenagem aos rapazes”. Aí o soldado disse para ele: “Já chega. Já tem preso demais. Não tem vaga para mais um. Você não entra, não. Você não vai preso, não”. Comentário no nosso camburão, já mais tranqüilos por causa de Sobral Pinto: “Puxa, esse pessoal aí não serve nem para ser preso com a gente. Não serve nem para entrar em cana conosco”.

            Mas, muito bem, o Bierrenbach me diz algo que é verdade: a ditadura uruguaia revelou a maior taxa de crueldade por quilômetro quadrado durante seu período ditatorial. Vou dar um dado, Professora Luciana. Nós sentávamos à mesa com as famílias dos perseguidos políticos, e os agentes da ditadura sentavam à nossa mesa. A nossa tendência era reagir. Eles diziam: “Não, por favor, é pior para nós; não façam isso, e é pior para vocês”, porque eles não tinham a menor contemplação com quem quer que fosse. Se o nosso mandato aqui não valia lá essas coisas, absolutamente ele não valia nada no Uruguai.

            Uma das torturas era com as mulheres. Eles inseriam na vagina um aparelho de sucção. E as mulheres iam se abaixando, porque, enquanto não chegassem ao solo, não sentiam a dor definitiva. Ao chegarem ao solo, o aparelho de sucção completava o seu crime e arrancava o útero. Essa era uma forma de torturar na prisão de La Libertad.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, devo dizer que, se alguns ligam o advogado ao defensor cotidiano dos seus direitos - e não se pode falar no direito do consumidor sem o advogado; não se pode falar no direito mais novo, esse que visa a punir os crimes da Internet, sem se falar na figura do advogado. Cada um tem o seu enfoque. Eu, que poderia escolher um desses ângulos, escolhi um outro. Eu escolhi - e isso é uma homenagem que faço ao Alvaro, ao Bierrenbach, ao Busato, que faço à Ordem dos Advogados do Brasil, que faço ao Joaquim Nabuco -, o esforço para se ter democracia neste País: regime imperfeito, regime cheio de defeitos, enfim. Alguns dizem: “Puxa vida, como há corrupção neste País!” E há; chega a ser nojento constatarmos como há corrupção neste País.

            Durante a ditadura, fazia-se talvez muito mais do que isso, não sei dizer se era possível haver mais corrupção do que vejo hoje, mas, um pouco mais, um pouco menos, o fato é que não se podia noticiar, investigar ou deslindar os casos de corrupção e a democracia serve, inclusive, por esse aspecto ético. A democracia serve por esse aspecto ético. Portanto, optei por dizer que, para mim, os cursos jurídicos, em 180 anos de duração, têm criado homens e mulheres afins com a causa da liberdade no Brasil.

            Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/08/2007 - Página 27426